Acessibilidade / Reportar erro

Abordagens da psicanálise no atendimento ao idoso: uma revisão integrativa

Resumo

Objetivo

: mapear as publicações e suas especificidades acerca da clínica psicanalítica com idosos.

Método

: revisão integrativa que considerou o período de 2008 a 2017, nas bases de dados: Index-Psicologia, LILACS, MedLine, PubMED, SciELO e, RedALyC, independente da língua. Utilizaram-se os termos: Aged (Idoso), Elderly (Envelhecimento) e Psychoanalysis (Psicanálise). A questão norteadora foi: qual a produção científica acerca do idoso e a clínica psicanalítica?

Resultados:

na seleção 33 artigos foram considerados. Isto feito, cinco categorias foram construídas: “Clínica de idosos com abordagem psicanalítica” (15), “Abordagens psicanalíticas da velhice” (9), “Intervenções psicanalíticas em instituições de longa permanência para idosos’’ (6), “Representação da velhice para profissionais de saúde à luz da psicanálise” (2) e, “Geracionalidade e psiquismo” (1)”. Há uma incipiente preocupação da psicanálise com o idoso, que precede a questões epistemológicas, de modo que a prática clínica aparece com maior produção; por sua vez, há carência de pesquisas, pois a maioria dos artigos era de reflexão.

Conclusão:

os estudos publicados apontam a possibilidade da psicanálise com o idoso, uma vez que, o inconsciente não envelhece e o sintoma o atualiza. Critica-se a timidez da psicanálise em contraste ao aumento de idosos. E, enfatiza-se que as perdas, os efeitos no corpo e a redução de laços sociais pedem ajustes na clínica; como a inclusão de atividades em grupo e, atuação para além do setting analítico, notadamente hospitais, domicílios e instituições de longa permanência.

Palavras Chaves:
Idoso; Psicanálise; Saúde do Idoso; Velhice

Abstract

Objective:

to map publications about the clinical psychoanalytical care of the elderly and describe their characteristics.

Method:

an integrative review was carried out, considering the period 2008 to 2017 using the following databases: Index-Psychology, LILACS, MedLine, PubMED, SciELO and RedALyC, irrespective of language. The terms Elderly (Idoso), Aging (Envelhecimento) and Psychoanalysis (Psicanálise) were used. The guiding question was: what scientific literature exists about the elderly and psychoanalytical clinical care? A total of 33 articles were considered.

Results:

five categories were constructed: "Elderly clinical care with a psychoanalytical approach" (15), "Psychoanalytical Approaches in old age” (9), "Psychoanalytical Interventions in long-term care facilities" (6), "Representations of old age for health professionals in the light of psychoanalysis" (2) and "Generationality and psyche" (1). The concern of psychoanalysis for the elderly is incipient and precedes epistemological issues, meaning that production regarding clinical practice is greater; in turn, there are fewer research studies, as most of the articles are reflective in nature.

Conclusion:

the published studies indicate the possibility of employing psychoanalysis with the elderly, as the unconscious does not age and symptoms are continuously updated. The timidity of psychoanalysis in contrast to the increase in the numbers of elderly persons may be criticized. It is also emphasized that the losses, the effects on the body and the reduction of social ties require adjustments in clinical care, such as the inclusion of group activities and activities beyond the analytical setting, especially hospitals, homes and LTCFs.

Keywords:
Aged; Psychoanalysis; Health of the Elderly; Old Age

INTRODUÇÃO

O Fundo das Nações Unidas para a População estima que o número de idosos no mundo em 2010 foi de 15 milhões e será de 20 milhões no ano de 205111 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 22 mar. 2018]. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/. Isto não pode passar despercebido pela psicanálise, mesmo que no seu início se tenha questionado a eficácia desta para pessoas acima de 50 anos, ideia não mais aplicável22 Mucida A. Escrita de uma memória que não se apaga: envelhecimento e velhice. Belo Horizonte: Autêntica; 2014..

A psicanálise introduziu uma nova forma de apreender o humano. O psiquismo humano é formado pelos sistemas pré-consciente/consciência e inconsciente que é compreendido pela subjetividade. Também, quando se fala do aparelho psíquico, logo há a referência aos representantes pulsionais que constituem esse aparelho, em sua articulação ao registro do simbólico e, portanto, à linguagem3.

Os idosos estão propensos a viverem perdas de toda a natureza: mudanças corporais, aposentadoria, perda do status social, morte de entes queridos e os fantasmas da morte44 Altman M. O envelhecimento à luz da psicanálise. J Psicanál. 2011;44(80):193-206. que podem ser elaboradas pela prática psicanalítica.

A finitude ressalta a sensação de desamparo e angústia. A rememoração pode surgir como forma de lidar com essa angústia, a partir da ressignificação e reconstrução da identidade55 Lima PMR, Viana TC, Lima SC. Estética e poética da velhice em narrativas autobiográficas: um estudo a luz da psicanálise. Estud Pesqui Psicol. 2015;15(1):58-78..

Uma das principais questões da clínica psicanalítica com idosos é o fato de que a atemporalidade do inconsciente entremeia-se com o tempo cronológico, na qual a presença de alterações corporais66 Mucida A. Atendimento psicanalítico do idoso. São Paulo: Zagogoni; 2014.(seja pela senilidade ou senescência) é frequente. A isso se acresce certo distanciamento do campo psicanalítico que precede as orientações freudianas do passado acerca da psicanálise com pessoas acima de 50 anos22 Mucida A. Escrita de uma memória que não se apaga: envelhecimento e velhice. Belo Horizonte: Autêntica; 2014..

A considerar a contemporaneidade e o rápido processo de envelhecimento, há aspectos a serem considerados no atendimento ao idoso por parte da psicanálise. Assim, este estudo tem como objetivo mapear as publicações e suas especificidades acerca da clínica psicanalítica com idosos.

MÉTODO

Esta é uma revisão integrativa, que sintetiza o conhecimento e possibilita a incorporação de estudos significativos na prática, considerada um instrumento da Prática Baseada em Evidências77 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein [Internet]. 2010 [acesso em 13 fev. 2018];8(1 Pt 1):102-6. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_1679-4508-eins-8-1-0102
http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_16...
. A questão norteadora foi: Qual a produção científica acerca do idoso e a clínica psicanalítica?

A busca ocorreu em fevereiro de 2018 considerando o período de 2008 a 2017, nas bases de dados: Index-Psicologia, LILACS, MedLine, PubMED, SciELO e, RedALyC, em qualquer idioma. Consideraram-se os descritores: aged (idoso), elderly (envelhecimento), psychoanalysis (Psicanálise), na composição: (aged OR idoso) AND (elderly OR envelhecimento) AND (psychoanalysis OR psicanálise).

Foram excluídos os artigos repetidos, editoriais, livros, trabalhos de conclusão de curso, sem acesso na íntegra, que não respondiam a questão norteadora e, fora do período considerado. A seleção dos artigos se deu em três momentos:

  • 1º) busca por artigos de acordo com descritores, período e bases elencadas. Essa fase atingiu 198 artigos;

  • 2º) aplicação dos fatores de exclusão. Alcançando-se 51 artigos;

  • 3º) leitura interpretativa dos 51 artigos, pela qual 18 foram excluídos, pois fugiam da questão norteadora, considerando-se assim 33 artigos.

Os artigos foram lidos na íntegra e categorizados por similaridades temáticas.

RESULTADOS

Foram considerados 33 artigos, dos quais levantaram-se 14 na LILACS, sete no Index-Psicologia (BVS Psi), sete na PubMED, três na SciELO e dois na RedALyC. Na quantidade de artigos por ano se alcançou: em 2008-3, 2009-1, 2010-1, 2011-8, 2012-4, 2013-1, 2014-6, 2015-6, 2016-2 e, 2017-1. Na tipologia dos artigos verificou-se: 19 de Reflexão, seis de Estudo de Caso, cinco Pesquisas e três Relatos de Experiência.

A partir do levantamento construíram-se cinco categorias com o seguinte número de artigos cada: “Clínica de Idosos com Abordagem Psicanalítica” (15), “Abordagens Psicanalíticas da Velhice” (9), “Intervenções Psicanalíticas em Instituições de Longa Permanência para Idosos” (6), “Representação da Velhice para Profissionais de Saúde à Luz da Psicanálise” (2) e, “Geracionalidade e Psiquismo” (1).

Clínica de idosos com abordagem psicanalítica

Os artigos dessa categoria estão descritos no Quadro 1 e abordam os trajetos clínicos na intervenção com idosos.

Quadro 1
Clínica de Idosos com Abordagem Psicanalítica. Uberaba, MG, 2018.

Abordagens psicanalíticas da velhice

Os artigos desta categoria estão descritos no Quadro 2, e abordam as visões psicanalíticas acerca do indivíduo idoso.

Quadro 2
Abordagens Psicanalíticas da Velhice. Uberaba, MG, 2018.

Intervenções psicanalíticas em instituições de longa permanência para idosos

Os artigos desta categoria estão descritos no Quadro 3, e abordam a atuação psicanalítica em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI).

Quadro 3
Intervenções Psicanalíticas em Instituições de Longa Permanência para Idosos. Uberaba, MG, 2018.

Representação da velhice para profissionais de saúde à luz da psicanálise

Os artigos desta categoria estão descritos no Quadro 4, e abordam como profissionais de saúde vêem a velhice.

Quadro 4
Representação da Velhice para Profissionais de Saúde à Luz da Psicanálise. Uberaba, MG, 2018.

Geracionalidade e psiquismo

O artigo desta categoria está descrito no Quadro 5, e aborda a geracionalidade e o psiquismo.

Quadro 5
Geracionalidade e Psiquismo. Uberaba, MG, 2018.

DISCUSSÃO

Não é possível negar o crescimento populacional de idosos em relação à população geral66 Mucida A. Atendimento psicanalítico do idoso. São Paulo: Zagogoni; 2014.,99 Genaro Junior F. Considerações sobre a clínica psicanalítica do envelhecimento no SUS: o CRI-Norte. Mais 60. 2016;27(66):20-45. e a distância que existiu do olhar freudiano em “proscrever” a atenção psicanalítica ao idoso1111 Silva JM, Moreira JO. Psicanálise e velhice: considerações clínicas. Ciênc Téc Vitiv. 2015;30(2):238-56.,1818 Gil CA, Tardivo LSPC. A oficina de cartas, fotografias e lembranças como intervenção psicoterapêutica grupal com idosos. Mudanças. 2011;19(1-2):19-30..

O envelhecimento se dá desde o nascimento, mas a velhice para a psicanálise é a fase onde estão os idosos44 Altman M. O envelhecimento à luz da psicanálise. J Psicanál. 2011;44(80):193-206.. Se o principal sujeito da psicanálise é o inconsciente e este não envelhece, além de não existir “sintomas de velhos”, o sintoma em si atualiza a direção da análise66 Mucida A. Atendimento psicanalítico do idoso. São Paulo: Zagogoni; 2014.,1010 Mucida A. Direção do tratamento na clínica com idosos. Rev Bras Ciênc Envelhec Hum. 2015;12(3):245-55.,1919 Santos SS, Carlos AS. Observações clínicas sobre o valor das reminiscências no processo de envelhecimento. Barbarói. 2011;35:128-40.,3737 Silva DPG, Kiyan L, Wanderley KS. O óbito sob a ótica da equipe de limpeza. Saúde Debate. 2009;33(81):140-7.. Um estudo mostrou que a análise com idosos permitiu a construção de um saber sobre o real, com a elaboração do processo de culpa1919 Santos SS, Carlos AS. Observações clínicas sobre o valor das reminiscências no processo de envelhecimento. Barbarói. 2011;35:128-40.. Assim, cabe ao analista criar uma relação com seu paciente, de modo que os sintomas apresentados se conectem aos aspectos saudáveis3939 Brasil KTR, Barcelos MAR, Arrais AR, Cárdenas CJ. A clínica do envelhecimento: desafios e reflexões para prática psicológica com idosos. Aletheia [Internet]. 2013 [acesso em 22 mar. 2018];(40):120-33. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000100011&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
.

As produções mostraram que o clássico precisa ser revisto na atenção à velhice. Há possibilidade de ações em grupo, que inclua o geronte, sua família e os profissionais que o cuidam55 Lima PMR, Viana TC, Lima SC. Estética e poética da velhice em narrativas autobiográficas: um estudo a luz da psicanálise. Estud Pesqui Psicol. 2015;15(1):58-78.,99 Genaro Junior F. Considerações sobre a clínica psicanalítica do envelhecimento no SUS: o CRI-Norte. Mais 60. 2016;27(66):20-45.,1515 Castilho G. Psicanálise e velhice: o idoso é obsoleto? Trivium. 2012;4(2):48-58.,1818 Gil CA, Tardivo LSPC. A oficina de cartas, fotografias e lembranças como intervenção psicoterapêutica grupal com idosos. Mudanças. 2011;19(1-2):19-30..

Por contextos variados, a velhice é o ciclo que mais ocupa leitos hospitalares. Neste momento o idoso recebe atenção clínica e seu inconsciente continua ativo. Seus sintomas atualizam sua condição psíquica, sua história de vida (e da sua neurose), suas pulsões, que estão ali; portanto, momento analítico ímpar1111 Silva JM, Moreira JO. Psicanálise e velhice: considerações clínicas. Ciênc Téc Vitiv. 2015;30(2):238-56.,1313 Fontoni MR, Oliveira WL, Kaneta CN. Winnicotti e o desafio do atendimento a pacientes idosos em estado confusional. Psicol Saúde Doenças. 2014;15(3):816-27.,1616 Pierron-Robinet G. Pour une approche intégrative de la maladie d'Alzheimer: pertinence et limites. Geriatr Psychol Neuropsychiatr Vieil. 2012;10(1):73-81..

Outro nicho é o domicílio. Um idoso pode ser hospitalizado (em condições de cuidados intermediários, ou paliativos), na sua residência e, não havendo comprometimento cognitivo importante, tal sujeito é passível de atenção psicanalítica1212 Plotkin DA. Older adults and psychoanalytic treatment: it's about time. Psychodyn Psychiatr. 2014;42(1):23-50.,1919 Santos SS, Carlos AS. Observações clínicas sobre o valor das reminiscências no processo de envelhecimento. Barbarói. 2011;35:128-40..

O não envelhecimento do inconsciente e a manutenção da estrutura no idoso, apesar da condição física e emocional que a velhice denota, pedem outros instrumentais de intervenção psicanalítica.

A intersubjetividade e a importância da dimensão subjetiva, sobretudo no significado de dores, quedas recorrentes, esquecimento e na dependência do cuidado podem ir num caminho empático88 Cherix K, Coelho Júnior NE. O cuidado de idosos como um campo intersubjetivo: reflexões éticas. Interface. 2017;21(62):579-88.,1515 Castilho G. Psicanálise e velhice: o idoso é obsoleto? Trivium. 2012;4(2):48-58.. Ou na identificação projetiva, passagem de um afeto para outro, que pode ocorrer entre idoso e cuidador88 Cherix K, Coelho Júnior NE. O cuidado de idosos como um campo intersubjetivo: reflexões éticas. Interface. 2017;21(62):579-88.,1515 Castilho G. Psicanálise e velhice: o idoso é obsoleto? Trivium. 2012;4(2):48-58..

As representações da velhice num panorama social trazem um contraste dos avanços de várias áreas (saneamento, saúde, economia, política, educação) que ampliam a expectativa de vida, o acesso aos bens e serviços, perspectivas de bem-estar4040 Silva MC, Ogata MN, Oliveira DC. O estado de arte das produções científicas nacionais das representações sociais do envelhecimento na perspectiva da saúde. Rev Kairós. 2015;18(Esp 19):49-63.,4141 Brito A, Camargo B, Castro A. Representações sociais de velhice e boa velhice entre idosos e sua rede social. Rev Psicologia da IMED. 2017;9(1):5-21.. Mas esses avanços podem criar outras questões de sofrimento, sobretudo psíquico.

O “ideal do Eu” regula o sujeito com as insígnias do “Outro”, na busca de reconhecimento e de ser amado, mas não cumprir essa exigência pode trazer a assombração do fracasso; de modo que mudanças não elaboradas estão mostrando a face de algo que não se quer entrar em contato, a velhice2121 Rosa MC. Vilhena J. O Silenciamento da velhice: apagamento social e processos de subjetivação. Rev Subj. 2016;16(2):9-19..

Alcançar a velhice (mesmo do ponto de vista biológico) para os tempos atuais (a considerar o passado) é um sucesso; e traz uma nova experiência simbólica e social.

Idoso ou idosa tendem à castração com a idade, a exemplo da dificuldade de ereção e menopausa, que trazem aos sujeitos angústia; das quais estes podem não querer abrir mão do que foram e, menos ainda de readequação de novos projetos de vida2323 Cherix K. Corpo e envelhecimento: uma perspectiva psicanalítica. Rev SBPH. 2015;18(1):39-51.. Mas medicalizar o espaço social, prevenir agravos e promover saúde sem subjetivação e elaboração dos cenários de vida é improdutivo.

Os sintomas subjetivados em doenças, ou como forma de gozo, podem aguçar e tornar trágica a velhice, podendo o idoso deixar de se cuidar e cada vez mais se desenlaçar da vida. Neste caso, é premente a função do analista em escutar seres falantes, na tentativa de fazer emendas entre o real e o sintoma3838 Hartmann IB, Schestatsky S. Transmissão do psiquismo entre as gerações. Rev Bras Psicoter. 2011;13(2):992-1114..

Fala-se aqui de um sujeito desejante com um corpo fragilizado, o que exigirá revisão de ideais narcísicos e busca de projetos, aos limites do corpo e às questões sociais2323 Cherix K. Corpo e envelhecimento: uma perspectiva psicanalítica. Rev SBPH. 2015;18(1):39-51. e culturais, influenciadoras do cotidiano. É o dilema do corpo temporal com um inconsciente atemporal2424 Vilhena J, Novaes JV, Rosa CM. A sombra de um corpo, imagem e envelhecimento. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2014;17(2):251-64..

A perda de um ente querido ou de um objeto que o substitua, pode gerar o luto com alto investimento pulsional, assim a libido precisa ser redirecionada2727 Concentino JMB, Viana TC. A Velhice e a morte: reflexões sobre o processo de luto. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(3):591-600..

O fato de estar numa ILPI, mostra contextos diversos de inserção institucional: decisão familiar, idoso com polidoenças e polifarmácia, dependente de muitos cuidados.

A angústia do velho institucionalizado está além da angústia do ciclo de vida. Há perdas no corpo, mas em especial nas dimensões simbólica e imaginária, o que gera um comportamento introspectivo e ausência de abertura para a fala. Um estudo mostrou que a noção de caridade como dom e da necessidade do idoso convergem para a intenção do “Outro”, que transita do poder do cuidador à dependência do cuidando3030 Barbieri NA, Sarti C. Amor demais: o cuidado institucional à velhice. Vibrant 2015;13(1):71-88..

Mas, profissionais de ILPI tendem ao sofrimento psíquico, com isso podem receber apoio psicanalítico para a constante vivência de perdas, falta de autonomia e proximidade com a morte3131 Charazac PM. L'apport de la psychanalyse aux soins en institution gériatrique. Geriatr Psychol Neuropsychiatr. 2014;12(2):193-8. vivida pelos idosos que cuidam.

A infantilização e regressão psicológica, a hipervalorização de necessidades básicas (análogo a dependência da criança), desestímulo ao autocuidado, falta de interação do idoso com o mundo externo e monotonia pelas rotinas, é apontada3333 Rozendo AS, Justo JS. Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Rev Kairós. 2012;15(8):25-51..

O desinteresse pelo idoso por parte da psicanálise como um todo, faz com que a sua contribuição em ILPI esteja distante da realidade; mas, há muito por se fazer neste espaço, seja com o idoso, familiares ou cuidadores.

O olhar do profissional sobre a velhice não tende a ser muito diferente do olhar social. Mesmo que se esperassem visões diferentes, em geral estas são negativas. Pesquisa acerca das representações sociais da velhice e boa velhice na ótica de idosos deu-se pela atividade ou não e, das pessoas em seu entorno, pela valorização ou desvalorização; e, para ambos, as dimensões econômicas, familiares e comportamentais4141 Brito A, Camargo B, Castro A. Representações sociais de velhice e boa velhice entre idosos e sua rede social. Rev Psicologia da IMED. 2017;9(1):5-21.,4242 Fernandes JSG, Andrade MS. Representações sociais de idosos sobre velhice. Arq Bras Psicol [Internet]. 2016 [acesso em 10 maio 2018];68(2):48-59. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672016000200005&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
.

A questão da sexualidade, apoio dos serviços sociais (especialmente da saúde) não são citados. Estudos afirmam que, não é a velhice que determina a ausência do desejo ou a diminuição das relações sexuais, mas a complexidade do desejo que impõe novas cores para a sexualidade na velhice4343 Vieira KFL, Coutinho MPL, Saraiva ERA. A sexualidade na velhice: representações sociais de idosos frequentadores de um grupo de convivência. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2016 [acesso em 13 fev. 2018];36(1):196-209. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703002392013
https://dx.doi.org/10.1590/1982-37030023...
,4444 Alencar DL, Marques APO, Leal MCC, Vieira JCM. Fatores que interferem na sexualidade de idosos: uma revisão integrativa. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(8):3533-42..

CONCLUSÃO

Dentre as principais lacunas encontradas na produção levantada estão: necessidade de mais estudos clínicos da psicanálise com idosos, mapeamento de experiências, conhecimento do que pensam os psicanalistas nessa clínica, capacidade cognitiva na velhice, o fazer psicanalítico e a psicanálise nas Instituições de Longa Permanência para idosos.

Suportes essenciais da psicanálise amplamente usadas em outros ciclos de vida (sexualidade; associação livre; sintoma e seu tempo e sua relação cronológica temporal; abordagens específicas ou mais criativas) precisam ser adaptados à atenção na velhice.

A comunidade científica e os periódicos precisam criar movimentos pendulares (de diálogo, de ir e vir, de crítica) que estimulem não só a produção e o interesse da psicanálise, como a formação de psicanalistas voltados à atuação na velhice, demanda contemporânea.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 22 mar. 2018]. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/
  • 2
    Mucida A. Escrita de uma memória que não se apaga: envelhecimento e velhice. Belo Horizonte: Autêntica; 2014.
  • 3
    Torezan ZCF, Aguiar F. O Sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [acesso em 27 out. 2018];11(2):525-54. Disponível em: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993/4000
    » http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993/4000
  • 4
    Altman M. O envelhecimento à luz da psicanálise. J Psicanál. 2011;44(80):193-206.
  • 5
    Lima PMR, Viana TC, Lima SC. Estética e poética da velhice em narrativas autobiográficas: um estudo a luz da psicanálise. Estud Pesqui Psicol. 2015;15(1):58-78.
  • 6
    Mucida A. Atendimento psicanalítico do idoso. São Paulo: Zagogoni; 2014.
  • 7
    Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein [Internet]. 2010 [acesso em 13 fev. 2018];8(1 Pt 1):102-6. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_1679-4508-eins-8-1-0102
    » http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_1679-4508-eins-8-1-0102
  • 8
    Cherix K, Coelho Júnior NE. O cuidado de idosos como um campo intersubjetivo: reflexões éticas. Interface. 2017;21(62):579-88.
  • 9
    Genaro Junior F. Considerações sobre a clínica psicanalítica do envelhecimento no SUS: o CRI-Norte. Mais 60. 2016;27(66):20-45.
  • 10
    Mucida A. Direção do tratamento na clínica com idosos. Rev Bras Ciênc Envelhec Hum. 2015;12(3):245-55.
  • 11
    Silva JM, Moreira JO. Psicanálise e velhice: considerações clínicas. Ciênc Téc Vitiv. 2015;30(2):238-56.
  • 12
    Plotkin DA. Older adults and psychoanalytic treatment: it's about time. Psychodyn Psychiatr. 2014;42(1):23-50.
  • 13
    Fontoni MR, Oliveira WL, Kaneta CN. Winnicotti e o desafio do atendimento a pacientes idosos em estado confusional. Psicol Saúde Doenças. 2014;15(3):816-27.
  • 14
    Chessick RD. Special problems for the elderly psychoanalyst in the psychoanalytic process. J Am Psychoanal Assoc. 2013;61(1):67-93.
  • 15
    Castilho G. Psicanálise e velhice: o idoso é obsoleto? Trivium. 2012;4(2):48-58.
  • 16
    Pierron-Robinet G. Pour une approche intégrative de la maladie d'Alzheimer: pertinence et limites. Geriatr Psychol Neuropsychiatr Vieil. 2012;10(1):73-81.
  • 17
    Chase C. The aging of Anna Freud's diagnostic profile: a re-examination and re-application of the psychoanalytic assessment for older adults. Psychoanal Study Child. 2011;65:245-74.
  • 18
    Gil CA, Tardivo LSPC. A oficina de cartas, fotografias e lembranças como intervenção psicoterapêutica grupal com idosos. Mudanças. 2011;19(1-2):19-30.
  • 19
    Santos SS, Carlos AS. Observações clínicas sobre o valor das reminiscências no processo de envelhecimento. Barbarói. 2011;35:128-40.
  • 20
    Bodni O. Diagnóstico psicoanalítico. Subj Procesos Cogn. 2010;14(2):1-14.
  • 21
    Rosa MC. Vilhena J. O Silenciamento da velhice: apagamento social e processos de subjetivação. Rev Subj. 2016;16(2):9-19.
  • 22
    Birman J. Terceira idade, subjetivação e biopolítica. História Ciênc Saúde. 2015;22(4):1267-82.
  • 23
    Cherix K. Corpo e envelhecimento: uma perspectiva psicanalítica. Rev SBPH. 2015;18(1):39-51.
  • 24
    Vilhena J, Novaes JV, Rosa CM. A sombra de um corpo, imagem e envelhecimento. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2014;17(2):251-64.
  • 25
    Mucida A, Pinto JM. Sintomas de velhos? Cad Psicanal (CPRJ). 2014;36(30):45-60.
  • 26
    Lima PMR, Viana TC, Lazzarini ER. "Velhice? Acho ótima, considerando a alternativa": reflexões sobre velhice e humor. Rev Mal-estar e Subj. 2011;11(4):1597-618.
  • 27
    Concentino JMB, Viana TC. A Velhice e a morte: reflexões sobre o processo de luto. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(3):591-600.
  • 28
    Sittou R. Vieillir en terre étrangère: une nouvelle épreuve de l'exil. Psychol NeuroPsychiatr Vieil. 2008;6(1):23-31.
  • 29
    Corbella S. Encontros e solidões do nosso tempo. Rev Bras Psicanal. 2008;42(3):149-67.
  • 30
    Barbieri NA, Sarti C. Amor demais: o cuidado institucional à velhice. Vibrant 2015;13(1):71-88.
  • 31
    Charazac PM. L'apport de la psychanalyse aux soins en institution gériatrique. Geriatr Psychol Neuropsychiatr. 2014;12(2):193-8.
  • 32
    Carrano I, Grifo P. Estrangeiro, familiar: o cuidado do outro na instituição geriátrica. Rev Inter Mob Hum. 2012;20(38):163-79.
  • 33
    Rozendo AS, Justo JS. Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Rev Kairós. 2012;15(8):25-51.
  • 34
    Silva BR, Finocchio AL. A velhice como marca da atualidade: uma visão psicanalítica. Vínculo. 2011;8(2):22-8.
  • 35
    Abrahão ES. O desvelar da velhice: as contribuições da psicanálise na busca de sentidos para a experiência do envelhecer. Rev SPAGESP. 2008;9(1):57-65.
  • 36
    Simões CHD, Ferreira-Teixeira MC, Aiello-Vaisberg TMJ. Imaginário coletivo de profissionais de saúde mental sobre envelhecimento. Bol Psicol. 2014;64(140):65-77.
  • 37
    Silva DPG, Kiyan L, Wanderley KS. O óbito sob a ótica da equipe de limpeza. Saúde Debate. 2009;33(81):140-7.
  • 38
    Hartmann IB, Schestatsky S. Transmissão do psiquismo entre as gerações. Rev Bras Psicoter. 2011;13(2):992-1114.
  • 39
    Brasil KTR, Barcelos MAR, Arrais AR, Cárdenas CJ. A clínica do envelhecimento: desafios e reflexões para prática psicológica com idosos. Aletheia [Internet]. 2013 [acesso em 22 mar. 2018];(40):120-33. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000100011&lng=pt&tlng=pt
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000100011&lng=pt&tlng=pt
  • 40
    Silva MC, Ogata MN, Oliveira DC. O estado de arte das produções científicas nacionais das representações sociais do envelhecimento na perspectiva da saúde. Rev Kairós. 2015;18(Esp 19):49-63.
  • 41
    Brito A, Camargo B, Castro A. Representações sociais de velhice e boa velhice entre idosos e sua rede social. Rev Psicologia da IMED. 2017;9(1):5-21.
  • 42
    Fernandes JSG, Andrade MS. Representações sociais de idosos sobre velhice. Arq Bras Psicol [Internet]. 2016 [acesso em 10 maio 2018];68(2):48-59. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672016000200005&lng=pt&tlng=pt
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672016000200005&lng=pt&tlng=pt
  • 43
    Vieira KFL, Coutinho MPL, Saraiva ERA. A sexualidade na velhice: representações sociais de idosos frequentadores de um grupo de convivência. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2016 [acesso em 13 fev. 2018];36(1):196-209. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703002392013
    » https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703002392013
  • 44
    Alencar DL, Marques APO, Leal MCC, Vieira JCM. Fatores que interferem na sexualidade de idosos: uma revisão integrativa. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(8):3533-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2018
  • Revisado
    23 Out 2018
  • Aceito
    05 Nov 2018
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com