Cognitive Telephone Screening Instrument (COGTEL): um instrumento fiável e válido na avaliação do funcionamento cognitivo em pessoas idosas brasileiras

Resumo

Objetivo:

Estudar a fiabilidade/estabilidade do “The Cognitive Telephone Screening Instrument” (COGTEL) na avaliação das funções cognitivas e investigar a validade concorrente (ou seja, a relação entre os escores do COGTEL com variáveis externas, tais como a educação e o resultado do MMSE), num estudo piloto em adultos idosos residentes na comunidade de Apuí, Fonte Boa e Manaus (Amazonas, Brasil).

Método:

O presente estudo piloto incluiu 90 adultos idosos (29 homens e 61 mulheres) com idades compreendidas entre os 60-85 anos de idade [68,2(±6,7)]. O COGTEL, o MMSE e o questionário socioeconômico foram aplicados sob forma de entrevista duas vezes, com uma semana de intervalo nas mesmas condições.

Resultados:

O coeficiente de correlação intraclasse no teste-reteste no escore total do COGTEL (e respectivos 6 subtestes), MMSE e nível educacional variou entre aceitável-a-elevado (0,708 < R < 0,946). Verificou-se uma correlação positiva entre o escore total do COGTEL com o MMSE (r=0,682; p<0,001), bem como, com o nível educacional (r=0,604; p<0,001).

Conclusão:

Este estudo apresenta evidências preliminares de fiabilidade/estabilidade e validade concorrente do COGTEL na avaliação das funções cognitivas em adultos idosos residentes na comunidade. Os resultados do presente estudo suportam a utilização do COGTEL como um instrumento breve, fiável e válido para analisar diferenças interindividuais no funcionamento cognitivo em estudos com adultos idosos.

Palavras-Chave:
Cognição; Avaliação Geriátrica; Envelhecimento Saudável; Testes de Estado Mental e Demência; Cognitive Telephone Screening Instrument

Abstract

Objectives:

To study the reliability/stability of the Cognitive Telephone Screening Instrument (COGTEL) for the assessment of cognitive functions, and to investigate the concurrent validity (that is, the relationship between the COGTEL scores and external variables, such as level of education and MMSE results) in a pilot study of elderly persons residing in the community in the municipal regions of Apuí, Fonte Boa and Manaus (Amazonas, Brazil).

Method:

This pilot study included 90 elderly persons (29 men and 61 women) aged 60-85 years of age [68.2 (± 6.7)]. The COGTEL, the MMSE and socio-economic survey were applied in the form of two interviews, a week apart and under the same conditions.

Results:

The test-retest intraclass correlation coefficient of the COGTEL total score (and respective six subtests), MMSE and educational level ranged from acceptable to high (0.708 < R <0.946). There was a strong positive correlation between the total score of the COGTEL with the MMSE (r =0.682; p <0.001), as well as with educational level (r =0.604; p <0.001).

Conclusion:

This study presents preliminary evidence of the reliability/stability and concurrent validity of the COGTEL in the evaluation of cognitive functions in elderly persons residing in the community. The results of this study support the use of COGTEL as a short, reliable and valid instrument for analyzing differences in cognitive functioning in inter-individual studies with elderly persons.

Keywords:
Cognition; Geriatric Assessment; Healthy Aging; Mental Status and Dementia Tests; Cognitive Telephone Screening Instrument

INTRODUÇÃO

No âmbito dos testes de triagem ou rastreio para avaliação de alterações relativas às funções cognitivas, o Mini Exame de Estado Mental (MMSE) é um dos testes mais utilizados, quer em estudos epidemiológicos, quer em ambiente clínico. O MMSE inclui tarefas de orientação, memória, atenção e cálculo, linguagem e capacidade construtiva¹. Esse instrumento tem sido sucessivamente aperfeiçoado considerando-se variáveis como a idade, escolaridade e a definição de pontos de corte específicos para cada região. Genericamente, o MMSE é reconhecido como um instrumento válido de fácil e rápida aplicação². Essa é uma das principais razões pelas quais ele tem sido extensamente incluído em muitos estudos epidemiológicos, bem como em estudos do envelhecimento que pretendem avaliar as funções cognitivas. Contudo, a utilização exclusiva do MMSE pode apresentar algumas limitações, nomeadamente em estudos com indivíduos residentes na comunidade que apresentam um envelhecimento saudável no funcionamento cognitivo^3,4. Isso significa que o MMSE poderá não ser suficientemente sensível para diferenciar níveis de desempenho individuais, uma vez que é restringido pelo seu efeito teto (ceiling effect), o que torna difícil avaliar e monitorizar as diferenças interindividuais no funcionamento cognitivo^5,6.

O Cognitive Telephone Screening Instrument (COGTEL)³ é uma bateria de testes que pode ser uma alternativa útil a esse respeito, pois permite a avaliação detalhada do desempenho em seis domínios cognitivos (memória prospetiva, de curto prazo, de longo prazo e de trabalho, fluência verbal e raciocínio indutivo), usando testes adotados a partir de instrumentos neuropsicológicos bem estabelecidos, como é o caso das escalas de Wechsler, incluindo uma nota total adicional que é indicativa do funcionamento cognitivo geral^3,4.

Assim, a utilização do instrumento COGTEL na avaliação das funções cognitivas pode ser amplamente aplicado, uma vez que diferencia o desempenho total do funcionamento cognitivo, não se limitando apenas a identificar deficiências cognitivas, mas, também, identificar diferenças interindividuais no funcionamento cognitivo dentro da faixa de desempenho saudável⁴. Adicionalmente, o COGTEL tem uma aplicação flexível, podendo ser aplicado em entrevistas face-to-face ou por telefone, de 10 a 15 minutos³.

A apresentação e a avaliação das propriedades psicométricas do COGTEL descritas neste artigo incluem a administração do COGTEL a uma amostra de adultos idosos residentes na comunidade brasileira. Para avaliar a fiabilidade do teste, pedimos aos participantes para realizar o COGTEL em dois momentos (método teste-reteste). A avaliação concorrente foi examinada, calculando o grau de associação entre os escores do COGTEL em relação ao MMSE e nível educacional. A maior parte das investigações neuropsicológicas de impacto dos fatores sociodemográficos na capacidade cognitiva centraram-se sobre o papel da educação⁷, uma vez que se tem provado ser um importante determinante da performance cognitiva⁸.

Os objetivos do presente estudo foram: (1) estudar a fiabilidade/estabilidade do instrumento COGTEL na avaliação das funções cognitivas, e (2) investigar a validade concorrente (ou seja, a relação entre os escores do COGTEL com variáveis externas, tais como a educação e o escore total do MMSE) em um estudo piloto em adultos idosos residentes na comunidade do estado do Amazonas, Brasil.

MÉTODO

Amostra e delineamento da pesquisa

O presente estudo piloto incluiu 90 adultos idosos (29 homens e 61 mulheres) com idades compreendidas entre os 60-85 anos de idade [68,2(±6,7)]. Este estudo faz parte do projeto de investigação: “Saúde, Estilo de Vida e Aptidão em Adultos Idosos do Amazonas” (SEVAAI). Os adultos idosos eram residentes na comunidade de Apuí, Fonte Boa e Manaus (municípios do estado do Amazonas, Brasil). Para testar a fiabilidade do instrumento de avaliação, os 90 adultos idosos foram reavaliados em todas as variáveis, sete dias após a primeira avaliação⁹. As avaliações tiveram lugar em cada um dos municípios em articulação com as instituições locais: Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas; Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Amazonas; Centro de Referência em Assistência Social; Biblioteca Municipal Oscar de Paulo Portela e Centro de Convivência do Idoso Paulista.

A equipe de campo do estudo foi composta por 21 integrantes: quatro acadêmicas do curso de Mestrado em Atividade Física e Desporto da Universidade da Madeira (UMa) - Portugal; 15 acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado do Amazonas (UEA); um acadêmico do curso de Fisioterapia da Uninorte; e um acadêmico do Curso de Licenciatura da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Para maximizar a consistência das avaliações, sessões de treino foram conduzidas com todos os integrantes da equipe de campo. Em primeiro lugar, uma explicação teórica sobre os protocolos de avaliação e respectivos testes foi elaborada. Em segundo lugar, os testes e os questionários foram aplicados entre os componentes da equipe de campo. Esta fase de treino realizou-se durante 1 mês, com 3 sessões de treino por semana, com a duração de 3h. Em terceiro lugar, foram realizadas avaliações com pessoas idosas para calcular os tempos de administração dos protocolos. No dia dos testes no estudo piloto, todos os protocolos de pesquisa foram explicados de forma que as pessoas idosas cumprissem com as tarefas pedidas.

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão da amostra considerados neste estudo foram os seguintes: ser homem ou mulher residente na comunidade com idade compreendida entre os 60 e os 90 anos de idade; ser autônomo e independente na realização das atividades de vida diária, e não ter reportado problemas de saúde que fossem considerados contraindicações absolutas à prática de atividade física¹⁰.

Os critérios de exclusão utilizados neste estudo foram os seguintes: ter apresentado um baixo nível de funcionalidade física (avaliado pelo questionário de funcionalidade física¹¹; escore do questionário de funcionalidade física <12/24 pontos); ter apresentado deficit cognitivos severos (avaliado através MMSE)¹, score do MMSE <15/30 pontos², ou hipoacusia severa; e ter alguma co-morbilidade que pudesse comprometer a sua participação em atividades físicas (doença aguda, doenças neurológicas progressivas, acidente vascular cerebral, condições crônicas instáveis)¹⁰, ou qualquer uma das seguintes condições: (1) pessoas que tivessem sido avisadas pelo seu médico para não fazerem exercício físico devido a condições médicas; (2) pessoas que tivessem insuficiência cardíaca congestiva; (3) pessoas que tivessem experienciado dor nas articulações, no peito, tonturas ou que tenham angina de peito, e (4) pessoas que tivessem a pressão arterial incontrolada (superior a 160/100)¹¹.

Os participantes foram individualmente testados em sessões de entrevistas (face-to-face) pelos elementos da equipe de campo, treinados na aplicação do COGTEL, MMSE e questionário socioeconômico.

Esta pesquisa seguiu os princípios éticos presentes na Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde do Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética para Seres Humanos da Universidade do Estado do Amazonas, Parecer Consubstanciado nº 1.599.258 - CAAE: 56519616.6.0000.5016. O projeto foi também apresentado e aprovado pela Comissão Científica do Departamento de Educação Física e Desporto, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade da Madeira, Portugal. A participação foi voluntária e os participantes foram recrutados através de contatos diretos efetuados pela equipe de investigadores responsáveis pelo estudo. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre esclarecido - TCLE.

Mini Exame de Estado Mental (MMSE)

Na avaliação do estado mental foi usado o Mini Exame de Estado Mental (MMSE)¹. Esse questionário permite fazer uma avaliação sumária das funções cognitivas. O MMSE consiste em cinco subseções que cobrem a orientação (0-10 pontos), a memória imediata e a recente (0-3 pontos cada), a capacidade de atenção e cálculo “counting backwards” (0-5 pontos), a linguagem e capacidade construtiva (0-9 pontos). Um escore total deriva da soma dos escores das cinco subseções.

Nível educacional

O nível educacional foi estimado a partir do questionário socioeconômico desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)¹². Para tal, os participantes foram questionados sobre o seu grau de instrução. Foram considerados para o efeito os seguintes escores: 0 = Analfabeto/ Primário incompleto; 1 = Primário completo/Ginasial incompleto; 2 = Ginasial completo/Colegial incompleto; 3 = Colegial completo/Superior incompleto; 4 = Superior completo.

Cognitive Telephone Screening Instrument (COGTEL)

O COGTEL, originariamente construído com um duplo propósito de ser aplicado por telefone e em formato de entrevista presencial (face-to-face), é composto por seis subtestes que abrangem importantes domínios das funções cognitivas. Todos os procedimentos relativos à aplicação do COGTEL podem ser consultados em detalhe em uma publicação anterior do autor do instrumento, Kliegel et al.³.

O COGTEL compreende 6 subtestes: (1) Memória Prospetiva; (2) Memória Verbal de Curto Prazo; (3) Memória de Trabalho; (4) Raciocínio Indutivo; (5) Fluência Verbal e (6) Memória Verbal de Longo Prazo.

Memória Prospetiva: A memória prospetiva é avaliada usando o sistema de “tarefa baseada em eventos”. Nesse teste, a tarefa de execução da ação pretendida é desencadeada pela apresentação de uma informação externa específica. Os participantes, no início do questionário, eram instruídos a dizer a sua data de nascimento sem que lhe fosse solicitado, num determinado ponto do questionário. O escore de memória prospetiva era 1, se o participante dissesse corretamente a sua data de nascimento no momento certo. Caso contrário, o escore era 0.

Memória Verbal de Curto Prazo: Nesse subteste, apresenta-se aos participantes oito pares de palavras (quatro relacionadas semanticamente e as restantes sem conexão). Depois de dar um exemplo, o elemento da equipe de campo lê em voz alta todos os pares de palavras. Os participantes memorizam os pares de palavras. O escore da Memória Verbal de Curto Prazo é o número correto de palavras associadas ao par (min = 0; máx = 8).

Memória de Trabalho: A Memória de Trabalho é avaliada usando o “backward digit-span test” (dizer uma sequência de números de trás para a frente). Os participantes ouvem a sequência de números e imediatamente repetem na ordem inversa ao que ouviram. O escore da Memória de Trabalho é o número total de sequências reproduzido corretamente (min = 0; máx = 12).

Raciocínio Indutivo: No Raciocínio Indutivo, o elemento da equipe de campo apresenta aos participantes uma sequência de cinco números que foram construídos segundo uma regra matemática entre eles. Os participantes deverão acrescentar o último número à sequência a fim de a completar. O escore do raciocínio indutivo é o número total de sequências corretas (min = 0; máx = 8).

Fluência Verbal: A Fluência Verbal (funcionamento executivo) é avaliada usando dois testes: (1) Letra de fluência - Os participantes são instruídos a produzir palavras que comecem com a letra “A” durante 60 segundos; e (2) Fluência de categoria - os participantes são instruídos a dizer diferentes tipos de profissão que conheçam, durante 60 segundos. O escore total da fluência verbal é a soma do escore do teste de “letra de fluência” + o escore da fluência de categoria.

Memória Verbal de Longo Prazo: A Memória Verbal de Longo Prazo é avaliada da mesma forma do que a Memória Verbal de Curto Prazo, usando os mesmos pares de palavras. O escore da Memória Verbal de Longo Prazo é o número correto de palavras associadas ao par (min = 0; max = 8).

Um escore total do COGTEL deriva da soma dos escores de cada um dos seis subtestes, com as devidas ponderações, seguindo a fórmula seguinte: COGTEL Escore total = 7,2 x memória prospetiva + 1,0 x memória verbal de curto prazo + 0,9 × memória verbal de longo prazo + 0,8 x memória de trabalho + 0,2 x fluência verbal + 1,7 x raciocínio indutivo.

Procedimento para a tradução e retradução do COGTEL

A equipe de tradução do COGTEL foi composta por uma comissão de cinco investigadores, incluindo o principal autor do instrumento (Matthias Kliegel; MK) que publicou a primeira versão em Inglês em 2007 (Kliegel et al.)³. Inicialmente, cada subteste do instrumento foi discutido com o autor da escala e feita a tradução de Inglês para Português com um native speaker. Depois, o mesmo procedimento foi efetuado do Francês para o Português por um investigador luso-descendente, uma vez que o COGTEL também se encontra traduzido para a língua francesa. Nos dois casos, procedeu-se à retrotradução de ambas as versões finais (backward translation) e feita a revisão final de ambas as versões retrotraduzidas.

Os procedimentos de tradução, síntese e retrotradução foram realizados sem dificuldades e as modificações da comissão foram para garantir a equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual do instrumento traduzido com o instrumento original. Finalmente, o instrumento foi testado na comunidade em diferentes faixas etárias (jovens, jovens adultos, adultos e adultos idosos). A finalidade da aplicação do COGTEL nessa fase preliminar foi realizar uma simulação da aplicação do instrumento em contexto real de campo, calcular tempos de aplicação e recolher informação relacionada ao grau de dificuldade do instrumento. Antes do estudo piloto, a comissão voltou a reunir e a versão foi novamente submetida à apreciação e adequação pelo autor do instrumento (MK), para, então, o instrumento ser considerado pronto.

Análise Estatística

A estatística descritiva (média e desvio padrão) foi utilizada para descrever as características da amostra. A fiabilidade/estabilidade e validade concorrente do COGTEL foi avaliada da seguinte forma: primeiramente, verificou-se a fiabilidade teste-reteste do escore total do COGTEL (bem como os seis subtestes separadamente) em 90 adultos idosos das três regiões do Amazonas estudadas usando o coeficiente de correlação intraclasse. Em seguida, foi avaliada a validade concorrente, analisando a relação entre o escore total do COGTEL com o escore total do MMSE com recurso a correlações bivariadas (coeficiente de correlação de Pearson). Finalmente, utilizando o mesmo procedimento, investigamos a relação entre o escore total do COGTEL com o nível educacional (número de anos de escola).

O nível de significância foi estabelecido em p <0,05. A análise foi realizada com recurso ao programa estatístico SPSS, versão 23.0.

RESULTADOS

Fiabilidade do teste-reteste

O coeficiente de correlação intraclasse (R) e o intervalo de confiança (CI 95%) entre o teste e o reteste no escore total do COGTEL (e respectivos seis subtestes), MMSE e nível educacional é apresentado na Tabela 1. Para o escore total do COGTEL observamos uma fiabilidade teste-reteste elevada (R=0,946). No caso dos seis subtestes do COGTEL, as fiabilidades variaram entre aceitáveis a elevadas (Tabela 1). Fiabilidades elevadas foram igualmente verificadas para o escore total do MMSE, bem como para o nível educacional, R=0,899 e R=0,985, respectivamente.

Tabela 1
Coeficiente de correlação intraclasse (R) e o intervalo de confiança (IC 95%) entre o teste e o reteste no escore total do COGTEL (e respectivos seis subtestes), MMSE e nível educacional. Manaus, Fonte Boa, Apuí - AM, 2016.

Variáveis	n	Avaliação Média (±dp)	Reavaliação Média (±dp)	R*	95% IC**
Memória Prospetiva	85	0,1(±0,4)	0,2(±0,4)	0,708	0,550 - 0,810
Memória verbal de curto prazo	90	3,2(±1,5)	4,1(±2,1)	0,777	0,662 - 0,853
Memória de trabalho	90	2,8(±1,9)	3,0(±2,1)	0,873	0,808 - 0,916
Fluência verbal	90	13,2(±8,4)	14,4(±8,8)	0,938	0,906 - 0,959
Raciocínio indutivo	90	1,0(±1,2)	1,1(±1,3)	0,807	0,707 - 0,873
Memória verbal de longo prazo	90	3,7(±1,9)	4,5(±2,2)	0,882	0,821 - 0,923
COGTEL*** Escore Total	90	24,1(±12,4)	27,3(±14,3)	0,946	0,919 - 0,965
MMSE**** Escore Total	90	23,8(±4,5)	24,4(±4,0)	0,899	0,847 - 0,934
Nível Educacional	90	0,8(±1,4)	0,8(±1,4)	0,985	0,977 - 0,990

• *Coeficiente de correlação intraclasse; **Intervalo de confiança; ***Cognitive Telephone Screening Instrument;****Mini Exame de Estado Mental.

Validade concorrente

A relação entre o escore total do COGTEL (bem como para cada um dos seis subtestes) com o MMSE e o nível educacional foi investigada através do coeficiente de correlação de Pearson. Análises preliminares foram realizadas para assegurar as assunções da normalidade, linearidade e homocedasticidade. Verificou-se uma correlação positiva entre o escore total do COGTEL com o MMSE (r=0,682; p<0,001), bem como, com o nível educacional (r=0,604; p<0,001). As correlações nos restantes subtestes das funções cognitivas e o MMSE variaram entre fracas na memória prospetiva (r=0,237; p<0,05) a fortes na memória de trabalho (r=0,655; p<0,001) (Tabela 2).

Tabela 2
Correlações bivariadas entre o escore total do COGTEL (assim como, os seis subtestes) com o escore total do MMSE e o nível educacional. Manaus, Fonte Boa, Apuí - AM, 2016.

Variável	MMSE*	p	Nível Educacional	p
Memória Prospetiva	0,237**	0,025	0,162	0,128
Memória verbal de curto prazo	0,501**	<0,001	0,456**	<0,001
Memória de trabalho	0,659**	<0,001	0,592**	<0,001
Fluência verbal	0,655**	<0,001	0,622**	<0,001
Raciocínio indutivo	0,584**	<0,001	0,559**	<0,001
Memória verbal de longo prazo	0,561**	<0,001	0,455**	<0,001
COGTEL*** Escore Total	0,682**	<0,001	0,604**	<0,001

• *Mini Exame de Estado Mental; **Coeficiente de correlação de Pearson (sig. 2-tailed); ***Cognitive Telephone Screening Instrument.

DISCUSSÃO

O presente estudo procurou avaliar a fiabilidade e a validade concorrente do instrumento COGTEL em um estudo piloto em 90 adultos idosos do Amazonas. Em primeiro lugar, as fiabilidades teste-reteste para o escore total do COGTEL foram elevadas e aceitáveis-a-elevadas nos restantes seis subtestes que compõem o instrumento. Resultados similares foram também verificados para o teste-reteste no MMSE e nível educacional. O coeficiente de correlação intraclasse é o mais utilizado para estudar a estabilidade dos escores nos dois testes¹³.

Os valores de fiabilidade reportados no nosso estudo piloto são comparáveis aos apresentados em outras escalas. Por exemplo, na escala de Wechsler (avaliação da inteligência) foram reportadas fiabilidades que variavam entre 0,38 e 0,87 para jovens adultos e adultos-adultos^14,15. Se tivermos em consideração as medidas de fiabilidade apresentadas pelo MMSE¹⁶, geralmente os valores variam entre 0,80 e 0,95. A fiabilidade teste-reteste reportada no presente estudo piloto para o MMSE e o nível educacional foi igualmente elevada 0,899 e 0,985, respectivamente.

Esse quadro de resultados indica que o COGTEL (assim como os subtestes que o compõem), o MMSE e o nível de educação (avaliado a partir do questionário socioeconômico proposto para a população brasileira) apresentam uma fiabilidade/estabilidade aceitável, tendo em consideração os pontos de corte mencionados por Thomas e Nelson¹³. Isto significa que esses testes podem ser usados de forma confiável para a avaliação do funcionamento cognitivo e o nível educacional em adultos idosos. Esses resultados estão em concordância com um estudo recente publicado no Dementia and Geriatric Cognitive Disorders Extra pela equipe de investigação que traduziu e desenvolveu o COGTEL para a língua Portuguesa, Ihle et al.⁴. O COGTEL é assim proposto como um instrumento de avaliação das funções cognitivas breve e fiável, que pode ser utilizado em estudos epidemiológicos com adultos idosos.

Em segundo lugar, no nosso estudo verificou-se uma correlação positiva forte entre o escore total do COGTEL com o MMSE, bem como, com o nível educacional. A validade concorrente envolve um instrumento de medida e uma avaliação critério que é administrado ao mesmo tempo¹³. No nosso caso, considerou-se o MMSE como uma medida popular de critério, validada e extensamente aceite na avaliação da cognição, particularmente, em adultos idosos, e o COGTEL como o instrumento que se pretende validar para esta população. Ihle et al.⁴, em uma amostra brasileira de 361 homens e 507 mulheres, adultos idosos residentes na comunidade, média de idades 70,1(±6,8), variação: 57-92 anos, estabeleceu as correlações entre o COGTEL e MMSE. Foi verificada uma correlação substancial entre o escore total do COGTEL com o escore total do MMSE (r = 0,65, p <0,001). Esses resultados são muito similares aos que foram alcançados no presente estudo piloto (r = 0,68, p <0,001).

Kliegel et al.³, para avaliar a validade simultânea do instrumento COGTEL, calculou correlações de Pearson entre o escore total do COGTEL e o nível de escolaridade. Valores mais elevados no escore total do COGTEL foram associadas a uma quantidade maior de educação, r =0,47. Os resultados do presente estudo piloto suportam os resultados alcançados pelos autores do COGTEL, Kliegel et al.³, contudo, apresentando valores de correlação ainda mais elevados (r=0,60).

Assim como sugerido anteriormente por Kliegel et al.³, no nosso estudo foi efetuada a validação concorrente do COGTEL, comparando os resultados desse instrumento com os alcançados por outros instrumentos de avaliação cognitiva, tais como o MMSE. Como descrito na literatura, Creavin et al. ² corrobora que o MMSE é considerado um dos testes mais utilizados, quer em estudos epidemiológicos, quer em contexto de prática clínica, sobretudo, devido à validade estabelecida, bem como a facilidade e rápida aplicação. Estamos, portanto, perante uma medida critério adequada. Uma vez que se verificou uma correlação positiva forte, entre o escore total do COGTEL com o MMSE (r=0,682; p<0,001), podemos afirmar que existe validade concorrente nesses instrumentos.

Por outro lado, a aplicação do instrumento COGTEL apresenta algumas vantagens na avaliação da cognição, comparativamente, ao MMSE. Em primeiro lugar, na quantificação do escore total do COGTEL, são considerados os seis subtestes (memória prospetiva; memória verbal de curto prazo; memória de trabalho; raciocínio indutivo; fluência verbal e memória verbal de longo prazo) com diferentes ponderações em uma equação final do COGTEL. No caso do MMSE, todas as tarefas entram com o mesmo peso nas contas finais. Em segundo lugar, o MMSE apresenta limitações em estudos em indivíduos residentes na comunidade com um envelhecimento saudável no funcionamento cognitivo. Isto significa que o MMSE não é suficientemente sensível para diferenciar níveis de desempenho individuais, uma vez que é restringido pelo seu efeito teto (ceiling effect)^3,4. Por outras palavras, não permite monitorizar as diferenças interindividuais no funcionamento cognitivo em indivíduos que, à partida, já tenham atingido o escore total da escala^5,6.

Adicionalmente, com o propósito de estudar a validação concorrente, suportamo-nos em estudos anteriores^16,17,3, em que foram calculadas as associações entre os testes das funções cognitivas e o nível de educação. Esse quadro conceptual baseia-se no pressuposto de que a educação, normalmente definida como o número de anos de estudo formal completados, tem provado ser um importante determinante da performance cognitiva⁸. Portanto, existe alguma unanimidade na ideia que a capacidade intelectual e a escolaridade contribuem para o desenvolvimento da reserva cognitiva, por trás da qual estará a capacidade de atenuar os efeitos do comprometimento neural nas habilidades cognitivas decorrentes do processo de envelhecimento^2,18,19. Esse quadro de resultados suporta o COGTEL como um instrumento de avaliação da função cognitiva válido, que pode ser utilizado em estudos epidemiológicos com adultos idosos na comunidade.

Este estudo apresenta, contudo, algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Em primeiro lugar, os participantes eram essencialmente voluntários, e, por isso, podem ser geralmente mais saudáveis do que aqueles que não participaram. Em segundo, o viés de sobrevivência, especialmente entre os homens nas faixas etárias mais velhas, não pode ser descartado como um potencial fator confundidor, particularmente, nas comparações entre gêneros. Por fim, embora tenham sido identificados os casos de hipoacusia severa, pequenos deficit auditivos não foram totalmente controlados, o que pode ter levado a dificuldades de compreensão das tarefas a realizar por parte das pessoas idosas.

CONCLUSÃO

Este estudo apresenta evidências preliminares de fiabilidade/estabilidade e validade concorrente do COGTEL na avaliação das funções cognitivas em adultos idosos residentes na comunidade. Os resultados do presente estudo suportam a utilização do COGTEL como um instrumento breve, fiável e válido para analisar diferenças interindividuais no funcionamento cognitivo em estudos com adultos idosos.

AGRADECIMENTOS

Os autores do presente estudo agradecem ao Dr. Jefferson Jurema pela supervisão na recolha de informação e aprovação no Comitê de Ética, à Floramara T. Machado, Angeany P. Odim e Bárbara R. Muniz pela gestão e assistência técnica na recolha de informação, assim como a todos os elementos da equipe de campo. Estamos especialmente gratos a todos os voluntários participantes que aceitaram integrar a amostra.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Jun 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  13 Jul 2018
• Aceito
  27 Mar 2019