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O envelhecimento na perspectiva do racismo e de outras formas de discriminação: influências dos determinantes institucionais e estruturais para a vida das pessoas idosas

A gerontologia e a geriatria têm crescido muito nos últimos anos. Isso se deve à alta capacitação de profissionais que atuam nessas áreas, aos interesses dos novos e à crescente demanda de serviços para a emergente população idosa brasileira. Os desafios e mudanças são inúmeros e estão em todos os espaços: educação, saúde, trabalho, lazer, conjugalidade, sexualidade, participação política, residência e vizinhança.

Ainda em 2019 observamos que a academia, enquanto instituição e seus corpos discente e docente, serviços públicos e privados envolvendo suas chefias e colaboradores(as), não se abriu totalmente para os novos desafios hodiernos, principalmente quanto à necessidade de mudança das trajetórias de vida dos grupos sociais que enfrentam grandes dificuldades para envelhecer. Tal assunto é a ousadia pretendida com esse editorial.

Historicamente, o Brasil mantém encoberto os alicerces que estruturam sua sociedade: o racismo, o patriarcado, o machismo, a determinação de classes sociais e a religiosidade. Tentamos por anos escondê-los como se fossem pequenos alfinetes sem ponta. Tais determinantes criam situações que não possuem apenas o intuito de mostrar as diferenças entre grupos sociais, são marcadores de desigualdades e ocorrem repetida e sistematicamente, gerando trajetórias que nem sempre terão o envelhecimento como linha de chegada para grupos sociais como pretos, pardos e indígenas. Muitas dessas pessoas negras morrerão mais cedo11 Fiorio NM, Flor LS, Padilha M, de Castro DS, Molina MDCB. Mortalidade por raça/cor: evidências de desigualdades sociais em Vitória (ES), Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(3):522-30., terão incapacidades funcionais mais cedo, irão residir em regiões sem oportunidades para o envelhecimento ativo22 Da Silva A, Rosa TEC, Batista LE, Kalckmann S, Louvison MCP, Teixeira DSC, et al. Iniquidades raciais e envelhecimento:análise da coorte 2010 do Estudo Saúde,Bem-Estar e Envelhecimento (SABE). Rev Bras Epidemiol. 2019;21(suppl 2):E180004 [14 p.]., viverão sozinhas não por opção22 Da Silva A, Rosa TEC, Batista LE, Kalckmann S, Louvison MCP, Teixeira DSC, et al. Iniquidades raciais e envelhecimento:análise da coorte 2010 do Estudo Saúde,Bem-Estar e Envelhecimento (SABE). Rev Bras Epidemiol. 2019;21(suppl 2):E180004 [14 p.]., algumas precisarão esconder sua identidade sexual ou não viver com a pessoa que gosta, enfim, muitas pessoas não farão 60 anos em decorrência desses determinantes sociais! Em contraponto, e isso é bem estudado, já há grupos nonagenários, centenários que, na imensa maioria das vezes composta por brancos, que não enfrentam as barreiras estruturantes que a sociedade brasileira impõe e conseguem acessos a bons serviços públicos e privados, alimentos saudáveis, residência em bairros promotores de bem-estar e outras práticas condizentes com os nossos guidelines e revisões sistemáticas.

Muitos profissionais e pesquisadores não buscam compreender o “fracasso ou insuficiência” de nossas práticas e epistemologias. A limitação de saberes científicos e o desconhecimento ou não da validação dos saberes populares dos diversos grupos sociais de pessoas idosas, caso fossem respeitados, mudariam itinerários terapêuticos e as perspectivas de vida.33 Williams DR, Priest N. Racismo e saúde?: um corpus crescente de evidência internacional. Sociologias. 2015;17(40):124-74.

Tais determinantes são grandes monstros e, ao mesmo tempo, invisíveis aos olhos de muitos. Convido os leitores e autores da RBGG para algumas reflexões, a saber: as instituições de ensino pautam em seus currículos a determinação social de saúde, doença e cuidado, considerando a diversidade racial, étnica, etária e de gênero do Brasil? Quantos estudantes de ensino superior têm o envelhecimento como disciplina de carga horária ampliada e não mínima como se costuma observar? Nossos serviços de saúde sabem conjugar adequadamente os verbos “idosar”, idealizado pelo escritor Oswaldo Faustino, ou “gerontologizar”, isto é, temos nossos serviços orientados para a lógica do envelhecimento, usando indicadores adequados como a incapacidade funcional e suas intersecções com raça/cor da pele e gênero, e criando prioridades e linhas de cuidado específicas para cada grupo de pessoas idosas? Nossos (as) profissionais sabem acolher e tratar adequadamente uma idosa preta e pobre ou um casal de idosos gays? Como podemos rever nossos serviços de reabilitação que hoje deveriam ser uma das prioridades da Atenção Primária aos idosos, principalmente os idosos pobres, que ainda precisam trabalhar para lidar com suas despesas diárias? E o lazer que ainda não foi apreendido por muitos de nossos idosos negros? Como ter serviços que consigam abranger as reais vontades das pessoas idosas e seus valores culturais e étnicos, como os quilombolas e diversas tribos indígenas? Estamos cientes de que tudo isso deveria ser parte da “Agenda de Prioridades de Pesquisa do Brasil”?44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência T e IED de C e T. Agenda de Prioridades de Pesquisa Do Ministério Da Saúde - APPMS [Internet]. Brasília, DF: MS; 2018 [acesso em 29 set. 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_prioridades_pesquisa_ms.pdf

Assim, esse editorial busca trazer perguntas e algumas respostas sobre como precisamos urgentemente rever nossas práticas e saberes para entender essa pessoa negra ou indígena que tenta ultrapassar os 60 anos e, com nossa ajuda e diálogos constantes, incluir as práticas para a equidade nas nossas atividades, reduzindo iniquidades, discriminações já institucionalizadas ou inconscientes que muitas pessoas ainda têm e compreender que não somos iguais: somos diferentes e essa diferença gerou desigualdade e iniquidade e será com políticas, serviços e atividades orientadas para o enfrentamento do racismo, sexismo e outros determinantes estruturantes que teremos sucesso.

REFERENCES

  • 1
    Fiorio NM, Flor LS, Padilha M, de Castro DS, Molina MDCB. Mortalidade por raça/cor: evidências de desigualdades sociais em Vitória (ES), Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(3):522-30.
  • 2
    Da Silva A, Rosa TEC, Batista LE, Kalckmann S, Louvison MCP, Teixeira DSC, et al. Iniquidades raciais e envelhecimento:análise da coorte 2010 do Estudo Saúde,Bem-Estar e Envelhecimento (SABE). Rev Bras Epidemiol. 2019;21(suppl 2):E180004 [14 p.].
  • 3
    Williams DR, Priest N. Racismo e saúde?: um corpus crescente de evidência internacional. Sociologias. 2015;17(40):124-74.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência T e IED de C e T. Agenda de Prioridades de Pesquisa Do Ministério Da Saúde - APPMS [Internet]. Brasília, DF: MS; 2018 [acesso em 29 set. 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_prioridades_pesquisa_ms.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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