Sistema Móvel de Assistência ao Idoso (SMAI): percepções sobre o uso no cuidado de pessoas com demência

Resumo

Objetivo:

analisar as percepções de cuidadores e profissionais de saúde sobre o uso de um aplicativo móvel no cuidado e suporte social de pessoas com demência.

Método:

Trata-se de uma pesquisa qualitativa sobre a experiência de implantação do Sistema Móvel de Assistência ao Idoso (SMAI) na rotina de cuidadores de pessoas com demência acompanhadas por um ambulatório de geriatria. Os dados foram obtidos por meio da aplicação de questionários sobre as características dos cuidadores e escala Zarit de avaliação do nível de sobrecarga. Para a avaliação funcional dos pacientes foi aplicado o questionário Activities of Daily Living Questionnaire (ADLQ). As percepções dos cuidadores e profissionais foram coletadas através da gravação do áudio dos grupos focais e analisadas de acordo com a técnica de análise temática-categorial.

Resultados:

Vinte cuidadores participaram dos grupos focais nos três encontros e cinco profissionais de saúde. As categorias que emergiram do estudo apresentaram temas relacionados às experiências dos usuários, comunicação, gerenciamento de medicamentos, sentimento do cuidador, estratégias de manejo do paciente, impacto da demência na vida dos cuidadores, adoecimento do cuidador e avaliação do aplicativo.

Conclusão:

Intervenções utilizando aplicativos móveis podem ajudar a melhorar a comunicação e o suporte social no cuidado de pessoas com demência. A experiência com o SMAI e suas aplicações representou uma oportunidade inovadora tanto para os familiares cuidadores quanto para os profissionais do ambulatório.

Palavras-chave:
Comunicação; Cuidadores; Saúde do Idoso; Telemedicina

Abstract

Objective:

To analyze the perceptions of caregivers and health professionals about a mobile application used for the caring and social support of people with dementia.

Method:

A qualitative study was performed on the experience of implementing a Mobile Care System for Older Adults (Sistema Móvel de Assistência ao Idoso, SMAI) in the routine of caregivers of people with dementia, treated at an outpatient clinic for cognitive disorders. Data were obtained through the application of questionnaires about the characteristics of caregivers and the Zarit scale to assess the level of burden. An Activities of Daily Living Questionnaire (ADLQ) was applied for functional evaluation. The perception of caregivers and professionals were collected through the audio recording of focus groups and analyzed according to the thematic-categorical analysis technique.

Results:

Twenty caregivers and five health professionals participated in the focus groups. Categories that emerged from the study revealed themes related to users’ experiences, communication, medication management, feelings of caregivers, patient management strategies, impact of dementia on caregivers’ lives, illness of caregivers and application evaluation.

Conclusion:

Interventions using mobile applications can help improve communication and social support in the care of dementia. The experience with the SMAI and its applications represented an innovative opportunity for both family caregivers and healthcare professionals.

Keywords:
Communication; Caregivers; Health of the Elderly; Telemedicine

INTRODUÇÃO

As tecnologias destinadas ao suporte de pessoas com demência são caracterizadas pela utilização de dispositivos móveis gerenciadores do cuidado em saúde, fortalecendo as relações entre profissionais de saúde, familiares e pacientes^1,2. O fenômeno do envelhecimento populacional está sendo acompanhado do aumento do número de pessoas com demência, gerando um impacto significativo no custo dos cuidados ao longo da vida e com intervenções necessárias para fornecer apoio às famílias³.

O cuidador informal é descrito como um indivíduo não remunerado que desenvolve ações de cuidado não profissionais. Este, pode ser um membro da família, um amigo ou vizinho que fornece assistência ao idoso dependente nas suas atividades diárias^4,5. A maioria desses cuidadores compartilha com o idoso uma relação familiar, além da proximidade física e afetiva, com predominância do gênero feminino.

Cuidar de uma pessoa com demência causa um impacto significativo na dinâmica familiar. As tarefas de cuidado variam desde a supervisão do idoso até o auxílio nas atividades de vida diárias relacionadas ao autocuidado como higiene pessoal, alimentação, controle do uso de medicamentos e gerenciamento das finanças. Essas atividades podem causar efeitos negativos como sobrecarga física, psicológica, social e financeira⁶.

As intervenções de saúde realizadas à distância representam um campo de conhecimento promissor no que diz respeito ao suporte no cuidado da demência. Estudos destacam as tecnologias desenvolvidas para o cuidado desse público por meio da telemedicina^7-9. Aplicativos móveis são conhecidos como programas ou softwares instalados em smartphones com uma interface de usuário amigável e atrativa. Dentre as principais aplicações destacam-se o suporte no cuidado de saúde como o monitoramento de doenças crônicas, orientação aos cuidadores e sistemas de acompanhamento domiciliar^10,11.

Diversas intervenções de cuidado à distância têm sido utilizadas para o provimento de suporte a cuidadores familiares de pessoas com demência¹². As tecnologias relacionadas ao cuidado da demência são classificadas como suporte à memória, tratamento, segurança, treinamento, prestação de cuidados e interação social. Estudos destacaram a eficiência dos aplicativos móveis na prestação de cuidados de saúde a pessoas com demência e suporte aos cuidadores^13-15.

Este estudo apresenta a experiência de uso do Sistema Móvel de Assistência ao Idoso (SMAI) e tem por objetivo analisar as percepções de cuidadores e profissionais de saúde sobre o uso do aplicativo SMAI no cuidado e suporte social de pessoas com demência.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa de avaliação da experiência de uso do aplicativo SMAI durante o período de dezoito meses. Foram utilizados os critérios consolidados para estudos qualitativos no planejamento e organização dos grupos focais¹⁶. O estudo foi realizado em um ambulatório de Geriatria e a amostra selecionada por conveniência e não aleatória composta por idosos e cuidadores acompanhados no período de setembro de 2015 a março de 2017.

Foram estabelecidos como critérios de inclusão: paciente com diagnóstico de demência e perda funcional, acompanhado no ambulatório de geriatria; cuidador principal de idoso com interesse no uso do aplicativo móvel e que mantém contato direto com o idoso ou cuidador formal. Não foram incluídos pacientes que residiam sozinhos ou em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Os profissionais de saúde incluídos no estudo integravam a equipe multiprofissional do ambulatório de geriatria e acompanhavam os idosos participantes nas consultas presenciais.

Os dados foram coletados por meio de questionários sobre as características demográficas e específicas dos cuidadores e aplicação da escala de Zarit, traduzida e adaptada, para identificação do nível de sobrecarga do cuidador¹⁷. Para a avaliação do nível de dependência do paciente, foi aplicado o questionário Activities of Daily Living Questionnaire (ADLQ), utilizado na avaliação funcional de pacientes com doença de Alzheimer¹⁸.

Descrição do Sistema

A estrutura do SMAI é composta por dois aplicativos móveis Android (SMAI Cuidador e SMAI Doutor), uma aplicação na web (SMAI Web) e um servidor (SMAI server). Os aplicativos foram desenvolvidos por meio de uma parceria entre o ambulatório de geriatria e o Laboratório de Ciência da Computação (LCC) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A interface SMAI Web foi desenvolvida com o objetivo de prover suporte à equipe de saúde por meio do monitoramento de erros e tráfego de dados, sendo o servidor SMAI responsável por toda a infraestrutura de armazenamento, autenticação, controle de acesso e transmissão de dados para as aplicações.

Foi realizado um estudo prévio de usabilidade com cinco cuidadores selecionados no ambulatório, no sentido de verificar o comportamento do primeiro protótipo do aplicativo SMAI. Esses cuidadores usaram o protótipo em condições reais durante duas semanas, sendo avaliada a correta execução do aplicativo e o acesso ao banco de dados remoto. Posteriormente, foi implementado o presente estudo de avaliação das percepções com a segunda versão do aplicativo. Cada cuidador participante recebeu um smartphone da marca Motorola, modelo Moto G, com o aplicativo SMAI cuidador e um chip com plano de dados financiado pelo projeto, não havendo ônus para os participantes durante o estudo.

O SMAI apresenta recursos como alertas de horário correto dos medicamentos, alarme, relatório do paciente e cuidador, envio de imagens, sistema localizador via GPS e um espaço de troca de mensagens entre cuidador e equipe. O relatório do paciente foi organizado na forma de checklist contendo informações sobre o padrão de sono, alteração comportamental, alimentação, hidratação, disfagia, tosse, urina, hábito intestinal e registro de quedas.

Os profissionais de saúde acompanhavam os pacientes por meio de um tablet com a versão do aplicativo “SMAI Doutor” instalada e por meio dela era possível visualizar todas as informações enviadas pelos cuidadores individualmente.

A respeito do sigilo dos dados, cada usuário possuía uma identificação única no sistema que era autenticada antes do envio e transmissão de dados. Todos os dados eram criptografados para garantir a autenticidade e confidencialidade e a comunicação enviada pela equipe de saúde era controlada pela identificação (ID) do respectivo profissional.

Organização dos Grupos Focais

As percepções dos cuidadores e profissionais foram analisadas utilizando Grupos Focais como estratégia metodológica qualitativa¹⁹. Os encontros foram conduzidos no ambulatório, em local silencioso, livre de distrações, com gravação dos áudios e duração entre 45 a 55 minutos. Além dos participantes, houve a presença de um facilitador, representado pelo pesquisador principal e um observador, que tomou notas durante os grupos focais.

Foram organizados três grupos focais aos seis, doze e dezoito meses de utilização do aplicativo SMAI pelos cuidadores e equipe de saúde, como parte da continuidade do cuidado à distância. Nos dois primeiros encontros foram utilizadas perguntas abertas sobre a experiência de uso do sistema. No último encontro com os cuidadores foram aplicadas questões fechadas com o objetivo de focalizar na avaliação do sistema.

Análise dos Dados

As gravações digitais foram transcritas e as transcrições revisadas pelo pesquisador principal que compareceu em todos os encontros. Os dados foram analisados pelo método de análise temática-categorial²⁰. A análise de conteúdo é uma técnica de análise da comunicação que revisa o que foi dito nas entrevistas e observado pelo pesquisador.

O primeiro passo, conhecido como pré-análise, inclui a organização do material empírico, sendo representado pela transcrição literal dos discursos. Esse processo também inclui uma leitura alternada e a definição de objetivos, que irão sustentar a constituição do corpus textual.

A fase de exploração do material começa por meio de operações de codificação e decomposição em relação aos objetivos formulados. Nesta etapa, observamos a transformação dos dados utilizando técnicas de recorte, agregação e enumeração para alcançar a representação do conteúdo e a expressão do texto analisado. Por fim, o material é classificado em temas ou categorias que ajudam a entender o que está por trás dos discursos²¹.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob parecer n° 32654014.9.0000.5259. Todos os participantes que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Guarda e Compromisso (TGC) do aparelho utilizado no estudo, contendo as informações a respeito da devolução do aparelho e os procedimentos em caso de perda ou furto.

RESULTADOS

Vinte cuidadores participaram dos grupos focais nos três encontros e cinco profissionais de saúde (sendo três médicos residentes em Geriatria, uma médica geriatra e uma assistente social) que acompanharam o estudo de intervenção sobre o uso do sistema durante o período de dezoito meses. No primeiro grupo focal, sete cuidadores compareceram. O segundo encontro contou com a participação de seis cuidadores e no último participaram sete cuidadores. As tabelas 1 e 2 apresentam as características demográficas e específicas dos cuidadores participantes no estudo, respectivamente.

Tabela 1
Características demográficas dos cuidadores. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Característica	Cuidadores (n=20)
Idade	67 (+10,75)
Sexo
Feminino	18 (90%)
Masculino	2 (10%)
Estado Civil
Casado	9 (45%)
Viúvo	1 (5%)
Divorciado	3 (15%)
Solteiro	7 (35%)
Escolaridade
≤ 12 anos	12 (60%)
> 12 anos	8 (40%)
Renda Familiar (em salário mínimo)
≤ 2	6 (30%)
2-4	12 (60%)
4-6	2 (10%)
> 10	0 (0%)
Situação
Empregado	2 (10%)
Desempregado	2 (10%)
Aposentado	16 (80%)
Parentesco
Filho(a)	15 (75%)
Cônjuge	3 (15%)
Outros	2 (10%)

Tabela 2
Características específicas dos cuidadores. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Característica	Cuidadores (n=20)
Nível de Sobrecarga (Zarit)
Moderada	7 (35%)
Moderada/Severa	8 (40%)
Severa	3 (15%)
Pequena/nenhuma	2 (10%)
Tempo como cuidador
≤ 5 anos	9 (45%)
6-7 anos	4 (20%)
8-10 anos	4 (20%)
> 10 anos	3 (15%)
Divide o cuidado
Sim	11 (55%)
Não	9 (45%)
Reside com o idoso
Sim	18 (90%)
Não	2 (10%)
Cuidador Formal
Sim	4 (20%)
Não	16 (80%)
Problemas de saúde
Nenhum problema	1 (5%)
1-2	11 (55%)
> 2	8 (40%)
Suporte Psicológico
Sim	6 (30%)
Não	14 (70%)

O grupo de participantes teve o predomínio de cuidadores informais, sexo feminino, casadas, escolaridade menor que 12 anos, renda mensal de 2 a 4 salários mínimos, aposentadas e filhas dos pacientes. Por meio da escala de Zarit, foi identificado um nível de sobrecarga moderada a severa, com um tempo como cuidador de até 5 anos. A maioria dos cuidadores afirmou que dividia o cuidado do paciente com outra pessoa da família. Dentre os idosos participantes, cinco deles (25%) apresentaram incapacidade moderada (25%) e quinze (75%) incapacidade severa de acordo com os escores obtidos no questionário ADLQ, caracterizando um grau de dependência significativo nas atividades de vida diárias.

No primeiro encontro, foi destacada a comunicação com a equipe de saúde como ponto positivo em situações de emergência, embora o sistema não tenha sido projetado para esses casos. O comentário sobre o lembrete do horário de administração dos medicamentos ajudou na compreensão da necessidade de atualização das prescrições na tela do aplicativo após as consultas no ambulatório. Os cuidadores também expressaram um sentimento de segurança no cuidar a partir do uso do aplicativo (Quadro 1).

Quadro 1
Temas e comentários dos cuidadores aos seis meses de uso. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Tema 1: Comunicação • “Ela sofreu uma queda grave e nós a levamos ao hospital, gravamos tudo aqui. Não consegui resolver isso com o médico dela, porque a consulta estava agendada para dois ou três meses depois. Enviei as mensagens e fotos, depois recebi as respostas no prazo” (C5 Cuidador). Tema 2: Gerenciamento de medicamentos • “O sistema envia uma notificação sobre o tempo de medicação, no entanto, o medicamento registrado ainda é antigo e isso me preocupou um pouco e depois foi confirmado. Enviei uma mensagem sobre isso” (C2 Cuidador). Tema 3: Sentimento dos cuidadores • “Tem sido muito interessante perguntar ao cuidador no fim de semana como ele está se sentindo, acho isso legal. Eu só queria saber o que vocês fazem com isso” (C2 Cuidador). • “Acho que me sinto mais seguro para cuidar da minha mãe, porque toda vez que procuro, encontro respostas, me sinto mais seguro, então uso muito” (C4 Cuidador). • “Até agora, minha experiência tem sido muito boa, porque é muito difícil ser cuidador, principalmente quando você está sozinho, pois é só você para cuidar daquela pessoa” (C7 Cuidador).

Aos 12 meses, os cuidadores ressaltaram o impacto da demência em suas vidas. Quando uma entrevistada falava sobre sua trajetória de vida, sonhos, projetos e desejos, observou-se que cuidar de uma pessoa com dependência funcional pode causar efeitos negativos à saúde dos cuidadores, principalmente, quando estão sobrecarregados. Além de questões físicas, os conflitos sociais aumentaram a complexidade das demandas de cuidados.

A observação de relatos de sobrecarga e adoecimento dos cuidadores resultou no encaminhamento dessas pessoas ao ambulatório para acompanhamento da saúde física e emocional. A importância da musicoterapia e atividades de lazer foi destacada quando uma das cuidadoras afirmou ter levado a idosa a espaços culturais que costumava frequentar. Ao falar sobre a demência, os participantes demonstraram preocupação com o avanço da doença. Eles também expressaram satisfação pela oportunidade de trocar mensagens com a equipe de saúde (Quadro 2).

Quadro 2
Temas e comentários dos cuidadores aos doze meses de uso. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Tema 1: Impacto da demência na vida do cuidador • “Isso afetou minha vida 100%. Quando me aposentei, meu sonho era viver e viajar com uma mochila. Sempre gostei muito de viajar, minha vida mudou do vinho para água. Tem dias que eu choro, mudou também financeiramente” (C4 Cuidador). • “O impacto na minha vida foi que eu morava sozinha, tinha meu trabalho, meu carro e minha vida. Agora, devido à doença de Alzheimer do meu pai, tenho que ficar mais na casa da minha mãe do que na minha própria casa. Porque ele parou de dirigir agora eu durmo lá para dirigir caso algo aconteça” (C2 Cuidador). • “A doença de Alzheimer é uma doença que me assusta porque vejo que com minha mãe ela está avançando muito rápido, ela está ficando mais agitada, deprimida e chorando muito ultimamente. Eu uso o smartphone o tempo todo para enviar uma mensagem ao médico” (C3 Cuidador). Tema 2: Adoecimento do cuidador • “Eu tinha pressão alta, glicose alta e problemas sérios na coluna. Tinha dias que eu não conseguia andar e com esse estresse a doença piorou” (C4 Cuidador). • “Tive alguns problemas agravados como colesterol, glicose e aumento de triglicerídeos e miomas” (C1 Cuidador). • “Minha pressão arterial e glicose estão altas agora e tenho problemas para dormir, às vezes, tomo pílulas. Eu estava com muita raiva e não tinha paciência com ninguém. Minha mãe e eu discordamos muito, ela é uma pessoa controladora e geralmente me ataca e me ofende com palavras” (C2 Cuidador). Tema 3: Estratégias de cuidado • “Coloquei a estação de rádio que toca músicas antigas e românticas. Essa semana eu coloquei mantras, quando eu coloco essas músicas ela canta, dança e bate palmas” (C1 Cuidador). • “Dois anos atrás, nós a levamos para um clube de música que tocava músicas antigas, mas ela não reagiu a nada, ela adorava o carnaval” (C5 Cuidador).

Aos dezoito meses foram observados temas relacionados à segurança dos cuidadores no uso do aplicativo, comunicação e mudanças no cuidado diário, sendo destacada a troca de mensagens com a equipe de saúde (Quadro 3).

Quadro 3
Temas e comentários dos cuidadores aos dezoito meses. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Tema 1: Segurança dos cuidadores • “Sinto que tenho meu anjo da guarda, meu companheiro, minha segurança. A diferença é a segurança. Nos sentimos mais relaxados e seguros, sabendo que há alguém o tempo todo, em vez de esperar três ou quatro meses” (C1 Cuidador). • “Eu me senti muito mais seguro” (C5 Cuidador). Tema 2: Comunicação com a equipe de saúde • “A comunicação com os médicos melhorou. Isso porque temos a resposta quase que imediatamente” (C5 Cuidador). • “O médico que cuida da minha mãe no hospital está sempre dando feedback e perguntando como ela está no aplicativo. Às vezes, escrevo um texto para o médico. Até peço desculpas, mas precisava relatar tudo o que estava acontecendo com ela” (C2 Cuidador). Tema 3: Mudanças no cuidado diário • “Tenho essa obsessão de cuidar, mas uma coisa que acho difícil é a água. Você pergunta quantos copos? E então eu comecei a me supervisionar e foi bom nesse sentido. Agora tenho essa preocupação com a água, além dos medicamentos, porque não tinha essa preocupação antes como hoje” (C4 Cuidador). • “Minha mãe odeia beber água. Eles dizem que é um problema comum com os idosos e o aplicativo pergunta quantos copos. Hoje eu tento dar muito mais água à minha mãe” (C3 Cuidador). • “O que prestei mais atenção é tosse e urina, agora presto atenção ao cheiro da urina dela. Um dia meu marido me perguntou: você cheira a urina da minha mãe? Eu disse: sim, é claro, precisamos ver se cheira forte, porque pode ser uma infecção urinária. Para mim essas duas observações foram excelentes” (C2 Cuidador).

Quadro 4
Temas e comentários da equipe de saúde. Rio de Janeiro. 2015-2017.

Tema 1: Percepções sobre o SMAI Doutor • “Gostei do aplicativo. Acho que é muito fácil de usar e os pacientes podem resolver pequenos problemas sem precisar comparecer a uma consulta. Eles podem resolver algumas coisas muito simples, enviando mensagens e respondendo, vendo algo relatado a eles” (P1, Residente em Geriatria). • “É um instrumento muito útil para o acompanhamento desses pacientes. Os familiares e cuidadores têm muitas dúvidas e sobrecargas importantes devido ao tipo de atendimento que prestam. Também lhes proporciona um certo grau de segurança quando se deparam com uma situação inesperada” (P2, Residente em Geriatria). • “A tecnologia trouxe muitos benefícios para a sociedade e, neste caso, é extremamente útil” (P3, Residente em Geriatria). Tema 2: Questões positivas do sistema • “Eles gostaram do aplicativo e se sentiram aceitos pela nossa equipe de saúde, sentindo-se empoderados para falar sobre suas dificuldades no processo de cuidar, então acho que vai dar certo” (P5, Assistente Social). • “A tecnologia quebrou uma barreira que existia entre nós e o paciente precisamente porque eles são acessíveis a nós o tempo todo” (P3, Residente em Geriatria). Tema 3: Questões negativas do sistema • “Eles preencheram ou devem preencher o relatório diário do paciente. Eu acho que havia muitas perguntas para eles preencherem todos os dias. Há muitas coisas importantes, mas acho que responder diariamente provavelmente causa alguma sobrecarga” (P1, Residente em Geriatria). • “A parte negativa é referente aos tópicos que podem causar sobrecarga para o cuidador. Se a intenção do aplicativo é aliviar essa sobrecarga, está em contradição com esta proposta sempre ter que responder várias perguntas” (P3, Residente em Geriatria). • “O relatório diário do paciente possui detalhes ricos, no entanto, pode se tornar repetitivo para o cuidador em sua rotina diária” (P5, Assistente Social). Tema 4: Minha prática profissional • “Eu usaria na minha prática profissional. Pode ser usado para pacientes com Alzheimer ou outra demência, cuidados paliativos e monitoramento de pacientes em cuidados domiciliares” (P3, Residente em Geriatria). • “Eu não usaria em consultório particular. Eu usaria em uma situação em que tenho uma equipe multidisciplinar. Tenho a impressão de que não é muito adequado para consultório particular” (P2, Residente em Geriatria). • “Acho que a maior vantagem desse aplicativo é aplicá-lo em uma instituição como a nossa que possui um grupo de pacientes que precisam ser monitorados clinicamente e aqueles que não têm acesso direto aos médicos” (P4, Geriatra). • “Acho ótimo para monitorar grupos de pacientes complexos pelos serviços de saúde. Também é muito útil em situações como atendimento domiciliar” (P5, Assistente Social). Tema 5: Soluções e ideias para a aplicação do cuidador • “Acho que as questões mais importantes são resolvidas por mensagens” (P2, Residente em Geriatria). • “Seria um aplicativo que o paciente baixaria para seu próprio smartphone. Atualmente, a maioria das pessoas carrega um smartphone com vários aplicativos. Eu gostaria de ter outro colega comigo ou um enfermeiro e definir funções de agendamento e troca de mensagens” (P1, Residente em Geriatria). • “As mensagens são muito importantes, mas, por outro lado, devemos tornar esse aplicativo diferente de qualquer outro aplicativo, porque as mensagens podem ser enviadas pelo WhatsApp, por exemplo. Obviamente, é um aplicativo relacionado à saúde, então isso já é um diferencial. Eu também acho importante manter os relatórios mais simplificados” (P4, Geriatra). • “A grande vantagem está no que diz respeito às mensagens. Acho que devemos valorizar o espaço qualitativo onde podemos nos expressar” (P5, Assistente Social). • “Eles teriam espaço extra para fazer alguma observação que não está sendo solicitada diariamente e uma semanalmente ou a cada 15 dias” (P1, Residente em Geriatria)

De acordo com a interface SMAI Web, as funções mais utilizadas foram mensagens de texto, lembretes da administração de medicamentos, datas de consultas e câmera.

Ao final da intervenção, os profissionais de saúde apontaram que alguns cuidadores apresentaram dificuldades para comparecer às consultas e o aplicativo permitiu um relacionamento mais próximo com a equipe de saúde. Eles também concordaram que o aplicativo SMAI seria bastante útil para pacientes com condições crônicas.

O relatório do paciente foi considerado repetitivo e extenso para ser preenchido diariamente. Os médicos destacaram o uso do sistema no monitoramento remoto de pacientes com condições crônicas e dificuldade de mobilidade. Além disso, discutiram a necessidade de um profissional de saúde responsável pelo gerenciamento das informações transmitidas pelo aplicativo móvel para o acompanhamento do plano terapêutico.

Foram sugeridos ajustes para a terceira versão do aplicativo SMAI Cuidador, incluindo a simplificação do relatório do paciente. Observou-se também que a função de troca de mensagens foi mais prevalente que as demais, uma vez que o cuidador se expressou com mais clareza e confiança. Finalmente, foi sugerida mudança na periodicidade de envio do relatório.

DISCUSSÃO

A análise temática dos grupos focais demonstrou que os sistemas implementados na rotina dos cuidadores e equipe de saúde foram bem aceitos. As experiências de uso do SMAI confirmaram a hipótese de que as intervenções baseadas em smartphones são eficazes, pois auxiliam na comunicação dos cuidadores com a equipe de saúde, contribuindo para o plano terapêutico e a continuidade do cuidado à distância²².

A comunicação através do aplicativo SMAI recebeu destaque na opinião dos cuidadores aparecendo no primeiro e terceiro grupos focais. Embora tenha sido acordado que o tempo de resposta da equipe de saúde seria de 24 a 48 horas, alguns cuidadores questionaram o atraso da resposta em algumas emergências com o paciente no domicílio. O sistema foi proposto para o monitoramento remoto dos pacientes e acompanhamento das intervenções realizadas nas consultas médicas presenciais, não incluindo emergências.

O estudo apresentou limitações relacionadas ao número reduzido de participantes nos grupos focais. A dificuldade de reunir um número maior de participantes foi associada à falta de habilidade no uso de smartphones, conforme declarado pelos cuidadores que recusaram o convite para participar da pesquisa. Um estudo demonstrou que fatores como idade, sexo e familiaridade com habilidades tecnológicas influenciam os participantes no uso de dispositivos tecnológicos²³. Além disso, a composição dos grupos focais dos cuidadores não foi heterogênea nos três encontros.

O sistema enviava uma notificação na hora exata de administração dos medicamentos de acordo com a prescrição médica registrada. Sendo necessária atualização da prescrição médica após cada consulta. Ferramentas de assistência, como lembretes de medicamentos, facilitam a adesão, além de monitorar efeitos adversos²⁴. Foi observada baixa adesão no envio diário das informações. Os cuidadores esqueciam de enviar o relatório ou preenchiam irregularmente. Por esta razão, foi sugerido pela equipe um relatório mais simplificado.

Os resultados mostraram que o uso de um aplicativo móvel como o SMAI pode ser uma realidade no sistema de saúde brasileiro. Foi relatada a necessidade de uma estrutura institucional com pessoas qualificadas para gerenciar as intervenções à distância. Estratégias práticas como treinamento de habilidades para gerenciamento de cuidados de saúde e otimização da comunicação entre cuidadores e clínicos são consideradas promissoras²⁵.

Estudos mostraram que os médicos estão mais abertos a atuar no desenvolvimento de aplicativos para saúde e enfatizam que os esforços de disseminação devem ser direcionados pelos programas de saúde pública para maximizar a adesão dessas tecnologias^26,27. Entretanto, a facilidade de desenvolver e disseminar aplicativos móveis não deve mascarar os reais desafios da aplicabilidade na prática clínica e as possíveis ameaças à segurança do paciente.

CONCLUSÃO

A experiência de implantação do aplicativo SMAI na rotina dos familiares cuidadores constituiu uma oportunidade inovadora para o ambulatório de geriatria no sentido de oferecer suporte social, monitoramento clínico, remoto e orientação profissional. Além disso, foi observada uma nova dimensão de cuidado relacionada ao sentimento de solidão e identificados os problemas de sobrecarga e adoecimento dos cuidadores.

O monitoramento dos pacientes pela equipe de saúde possibilitou a integração da tecnologia à prática clínica. As percepções dos profissionais acerca do aplicativo SMAI Doutor foram positivas. A troca de mensagens foi destacada na melhoria da comunicação e suporte social do cuidador.

Os aplicativos móveis apresentam potencial de uso na prática clínica quando valorizam as necessidades de saúde e sociais de pacientes e cuidadores.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos colegas do LCC/UERJ por todo suporte técnico e científico. Ao graduando Michel Pedro Filippo por sua colaboração no estudo. Aos idosos, cuidadores, profissionais e residentes do ambulatório NAI/UnATI/UERJ.

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• Financiamento da pesquisa:

  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) - Edital no E-26/110.243/2014 e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Bolsa de Doutorado no 88882.450494/2019-01.

Editado por

Edição:

Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Out 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  06 Dez 2019
• Aceito
  18 Jun 2020