Acessibilidade / Reportar erro

Efeito imediato da estimulação auditiva rítmica nos parâmetros espaços-temporais da marcha de idosos sedentários: um estudo piloto

Resumo

Objetivos

Avaliar o efeito imediato da estimulação auditiva rítmica (EAR) com música sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha em idosos sedentários e analisar possíveis interações com os episódios de quedas.

Métodos

Estudo piloto de intervenção com idosos sedentários (n=15), idade ≥ 60 anos, ambos os sexos, independentes na marcha. Adicionalmente, os idosos foram divididos em dois grupos, caidores (n=5) e não caidores (n=10), baseado no histórico de quedas no último ano. A avaliação dos parâmetros espaços-temporais da marcha foi realizada através do teste de Caminhada de 10 metros executado em marcha livre (T0), repetido com suporte da EAR com música (T1) e executado em marcha livre novamente (T2). Para a análise dos dados, foram utilizados a ANOVA de medidas repetidas e a ANOVA (two-way) para comparação entre os grupos, com o post hoc de Tukey. O tamanho do efeito das intervenções também foi calculado.

Resultados

Houve redução significativa do tempo e do número de passos e um aumento da velocidade da marcha (p<0,0001; com efeito grande) entre os momentos T0-T1 e T0-T2. Ambos os grupos caidores e não caidores apresentaram redução significativa do tempo e do número de passos (p<0,0001) e aumento da velocidade (p<0,0001), mas apenas na variável cadência houve efeito do grupo e da interação tempo e grupo.

Conclusão

Verificou-se um efeito imediato positivo do uso da EAR nos parâmetros espaços-temporais da marcha de idosos sedentários com maior efeito na cadência de idosos não caidores.

Palavras-Chave:
Saúde do Idoso; Marcha; Estimulação Acústica; Música

Abstract

Objectives

Evaluate the immediate effect of rhythmic auditory stimulation (RAS) with music on the spatio-temporal parameters of gait in sedentary old people and analyze possible interactions with episodes of falls.

Methods

Pilot intervention study with sedentary old people (n= 15), age ≥60 years, both sexes, independent in gait. Additionally, participants were divided into two groups, fallers (n= 5) and non-fallers (n= 10), based on the history of falls in the last year. The evaluation of the spatio-temporal parameters of the gait was performed using the 10-meter walk test performed with free walking (T0), repeated with RAS with music (T1), and without RAS again (T2). For data analysis, repeated measures ANOVA and two-way ANOVA were used for comparison between groups, with Tukey’s post hoc. The effect size of the intervention was also calculated.

Results

There was a significant reduction in time and number of steps and an increase in walking speed (p<0.0001; with great effect) between moments T0-T1 and T0-T2. Both the faller and non-fallers groups showed a significant reduction in time and number of steps (p<0.0001) and an increase in speed (p<0.0001), but only in the cadence variable was there an effect of the group and of time and group interaction.

Conclusion

There was an immediate positive effect of the use of RAS on the space-time parameters of gait in sedentary old people, with a greater effect on the cadence of non-falling old people.

Keywords
Health of the Elderly; Gait; Acoustic stimulation; Music

INTRODUÇÃO

Devido à transição demográfica, o Brasil apresenta uma população cada vez mais envelhecida com a perspectiva de alcançar a marca de 41 milhões de idosos no ano de 203011 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19. Disponível em: 90/1809-98232016019.15014https://doi.org/10.150 .. Acompanhando esse crescimento, aumentam também as preocupações em relação às dificuldades que acometem essa faixa etária22 Abdala RP, Barbieri Jr W, Bueno Jr CR, Gomes MM. Padrão de marcha, prevalência de quedas e medo de cair em idosas ativas e sedentárias. Rev Bras Med Esporte. 2017;23(1):26-30. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220172301155494 .. A limitação da independência física é um dos maiores temores durante o processo de envelhecimento, sendo um dos fatores que pode tornar o idoso cada vez mais dependente11 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19. Disponível em: 90/1809-98232016019.15014https://doi.org/10.150 .

2 Abdala RP, Barbieri Jr W, Bueno Jr CR, Gomes MM. Padrão de marcha, prevalência de quedas e medo de cair em idosas ativas e sedentárias. Rev Bras Med Esporte. 2017;23(1):26-30. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220172301155494 .
-33 Aboutorabi A, Arazpour M, Bahramizadeh M, Hutchins SW, Fadayevatan R. The effect of aging on gait parameters in able-bodied older subjects: a literature review. Aging Clin Exp Res. 2015;28(3):393-405. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s40520-015-0420-6 .. Diminuição da agilidade, alteração na força muscular, decréscimo na capacidade funcional, modificações na marcha e perda do equilíbrio são fatores que podem contribuir para problemas de mobilidade44 Monteiro D, Silva LP, Sá PO, Oliveira ALR, Coriolano MGWS, LINS OG. Prática mental após fisioterapia mantém mobilidade funcional de pessoas com doença de Parkinson. Fisioter Pesqui. 2018;25(1):65-73. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-2950/17192425012018 ..

As alterações na mobilidade manifestam-se na forma de instabilidade ao caminhar, dificuldade ao sentar-se e levantar-se de uma cadeira, dentre outras, relacionando-se intimamente com as alterações na marcha que facilmente são identificadas na população idosa55 Camara FM, Gerez AG, Miranda MLJ, Velardi M. Capacidade funcional do idoso: formas de avaliação e tendências. Acta Fisiatr. 2008;15(4):249-56. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/actafisiatrica/article/view/103005/101285 .. A redução da velocidade na marcha, a diminuição do comprimento do passo e a redução da cadência, podem ocorrer em condições patológicas ou em alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento66 Novaes RD, Miranda AS, Dourado VZ. Usual gait speed assessment in middle-aged and elderly Brazilian subjects. Rev Bras Fisioter. 2011;15(2):117-22. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-35552011000200006 .,77 Santos IR, Carvalho RC, Lima KBSP, Silva SC, Ferreira AS, Vasconcelos NN, et al. Análise dos parâmetros da marcha e do equilíbrio dos idosos após exercícios aeróbicos e terapêuticos. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2016;20(1):19-23. Disponível em: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v20i1.2016.5778 ., elevando o risco de resultados adversos da mobilidade, incluindo quedas88 Clark DJ. Automaticity of walking: functional significance, mechanisms, measurement and rehabilitation strategies. Front Hum Neurosci. 2015;9(246):1-13. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00246 .,99 Conradsson D, Halvarssona A. The effects of dual-task balance training on gait in older women with osteoporosis: a randomized controlled trial. Gait Posture. 2019;68:562-68. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2019.01.005 ..

Estima-se que cerca de um terço dos idosos caem, ao menos, uma vez ao ano. A taxa de quedas anual situa-se entre 28-35% na população com mais de 65 anos e tal prevalência aumenta entre os idosos 70 anos ou mais para 32-42%1010 Silveira MB, Saldanha RP, Leite JCC, Silva TOF, Silva T, Filippin LI. Construção e validade de conteúdo de um instrumento para avaliação de quedas em idosos. Einstein. 2018;16(2):1-8. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4154 .. Estudos sobre perfis de queda demostram que o declínio da velocidade da marcha é proporcional ao aumento da idade, em que indivíduos com 70 anos ou mais apresentam reduções significativas da velocidade da marcha quando comparados aos indivíduos com idades entre 40 e 59 anos77 Santos IR, Carvalho RC, Lima KBSP, Silva SC, Ferreira AS, Vasconcelos NN, et al. Análise dos parâmetros da marcha e do equilíbrio dos idosos após exercícios aeróbicos e terapêuticos. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2016;20(1):19-23. Disponível em: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v20i1.2016.5778 .,1111 Na’emani F, Zali ME, Sohrabi Z, Fayaz-Bakhsh A. Prevalence of risk factors for falls among the elderly receiving care at home. Salmand: Iran J of Ageing. 2019,13(5):638-51. Disponível em: http://dx.doi.org/10.32598/SIJA.13.Special-Issue.638 .. Deficit e distúrbios na marcha são fatores importantes a serem estudados para prevenção de quedas e suas consequências1212 Ferreira LMBM, Javier Jerez-Roig J, Andrade FLJP, Oliveira NPD, Araújo JRT, Lima KCL. Prevalência de quedas e avaliação da mobilidade em idosos institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):995-1003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562016019.160034 .. Com isso, percebe-se a necessidade estratégias eficazes na prevenção, no controle dos agravos, medidas de reabilitação e incentivo à participação ativa na melhoria da saúde para que se consiga agregar qualidade aos anos adicionais de vida1313 Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018 ..

Uma forma de terapia para marcha em idosos que vem sendo recentemente implementada é o treino com estimulação auditiva rítmica (EAR), apresentando-se como uma área de interesse emergente ainda subavaliada nessa população. A EAR utiliza técnicas rítmicas, tais como ritmo de palmas, batida musical e metrônomo como pistas auditivas que sincronizam as respostas auditivo-motora e têm sido utilizadas em sua maioria como estratégia na reabilitação de distúrbios da marcha1414 Luessi F, Mueller LK, Breimhorst M, Vogt T. Influence of visual cues on gait in Parkinson’s disease during tredmill walking at multiples velocities. J Neurol Sci. 2012;314(1-2):78-82. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jns.2011.10.027 .

15 Ghai S, Ghai I, Effenberg AO. Effect of Rhythmic Auditory Cueing on Aging Gait: a Systematic Review and Meta-Analysis. Aging Dis. 2018;9(5):901-23. Disponível em: https://doi.org/10.14336/AD.2017.1031 .

16 Vitorio R, Stuart , Gobbi LTB, Rochester L, Alcock L, Pantall A. Reduced gait variability and enhanced brain activity in older adults with auditory cues: a functional near-infrared spectroscopy study. Neurorehabil Neural Repair. 2018;32(11):976-87. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1545968318805159 .
-1717 Thaut MH, Rice RR, Braun Janzen T, Hurt-Thaut CP, McIntosh GC. Rhythmic auditory stimulation for reduction of falls in Parkinson’s disease: a randomized controlled study. Clin Rehabil. 2019;33(1):34-43. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0269215518788615 .. No entanto, os efeitos de pistas externas rítmicas nos parâmetros específicos da marcha em idosos sedentários, assim como sua relação com episódios de quedas, ainda não são claros e merecem investigação mais aprofundada. Portanto, este estudo objetivou avaliar o efeito imediato da EAR com música sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha em idosos sedentários e analisar possíveis interações com os episódios de quedas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo piloto de intervenção (efeito imediato), realizado entre agosto e dezembro de 2019, com participantes do Projeto Saúde do Idoso do Hospital Regional Belarmino Correia (PSI/HRBC), Goiana, Pernambuco (PE), Brasil. O Projeto Saúde do Idoso foi implantado em 2017 como uma iniciativa que tem como objetivo acompanhar o processo do envelhecimento por meio de ações de saúde voltadas para melhora da qualidade de vida, diante da necessidade de um cuidado especializado voltado para essa população. As atividades do projeto visam prevenir agravos e promover a saúde dos idosos a partir de um atendimento multiprofissional.

A população base cadastrada no PSI/HRBC em 2018, era composta por 300 participantes de acordo com o setor de arquivo médico. A seleção dos sujeitos e a verificação da elegibilidade para o estudo foi realizada nas consultas geriátricas que ocorrem uma vez por semana no ambulatório. A amostra foi selecionada por conveniência. Foram entrevistados 20 idosos, dentre os quais, cinco foram excluídos por não atenderem aos critérios de elegibilidade. Assim, 15 idosos foram incluídos na análise dos dados (5% da população base) e posteriormente divididos em dois grupos, caidores (n=5) e não caidores (n=10).

Foram incluídos idosos de ambos os sexos, com idade ≥60 anos, fisicamente inativos, com capacidade de mover-se de forma independente, sem contraindicações médicas para realização de deambulação, com capacidade de compreender instruções e participação ativa nas tarefas, considerando os escores do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) correspondentes a sua escolaridade1818 Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. “Mini-mental state”. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12(3):189-98. Disponível em: https://doi.org/10.1016/0022-3956(75)90026-6 .,1919 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3):777-81. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014 ..

Foram critérios para exclusão: idosos que apresentassem doenças neurológicas, patologias ortopédicas, reumáticas e/ou vasculares que levassem à restrição funcional moderada ou severa em um ou ambos os membros inferiores, com história de fratura no último ano, labirintite e/ou vestibulopatia não controlada ou grave, hipertensão e/ou doença cardíaca não controlada. Foram excluídos também idosos com comprometimento visual que levassem à restrição funcional moderada ou severa, como surdez ou com dificuldade moderada ou severa de escutar a música. Também foram consideradas outras afecções da orelha externa verificadas na rotina da consulta ao geriatra do serviço.

Os participantes foram orientados quanto a sua colaboração na pesquisa e objetivos do estudo, assim quanto os riscos e os benefícios, emitindo seu consentimento formal através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas as etapas do estudo obedeceram às diretrizes das resoluções do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de 2012 que regem a pesquisa envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (CAAE: 17868719.5.0000.5208).

Inicialmente foram coletadas as informações de idade, sexo, escolaridade, medo de cair (com a possibilidade de resposta como sim ou não) e o histórico de quedas no último ano, que foi utilizado para dividir os idosos em dois grupos, caidores e não caidores.

Para avaliar o nível de atividade física, foi perguntando se o idoso praticou algum tipo de exercício físico e/ou esporte nos últimos três meses e com qual frequência. Os idosos que responderam ‘não’ foram considerados fisicamente inativos. Após essa etapa, os participantes foram encaminhados aos corredores do ambulatório para realização da análise dos parâmetros espaços-temporais da marcha, utilizando-se do teste de Caminhada de 10 metros (TC10).

O TC10 é um instrumento utilizado para análise cinética e cinemática da marcha que consiste em uma caminhada durante um percurso de 10 metros (m), os quais 2 m iniciais são para aceleração, 6 m para andar em velocidade normal e 2 m finais para desaceleração. O paciente foi instruído a caminhar em superfície plana, em linha reta e em ritmo confortável. O teste apresenta boa reprodutibilidade e confiabilidade (Coeficiente de Correlação Intraclasse =0,86, com diferença média de −0,03±0,16 m/s e os limites de concordância de 95% de Bland e Altman para a diferença média foram −0,33 a 0,27)2020 Adell E, Wehmhörner S, Rydwik E. The Test-Retest Reliability of 10 Meters Maximal Walking Speed in Older People Living in a Residential Care Unit. J Geriatr Phys Ther. 2013;36(2):74-7. Disponível em: https://doi.org/10.1519/JPT.0b013e318264b8ed ., além de ser uma medida simples, de rápida execução e com fator prognóstico do risco de quedas em pacientes idosos.

Para análise das variáveis do tempo e número de passos, foram considerados os 6metros centrais em que foram descontados os componentes de aceleração e desaceleração da marcha. O avaliador utilizou um cronômetro digital 1/100s (Poker Ergo Digital, REF 08089-2018®, Montenegro, RS, Brasil), para obter o tempo da caminhada dos voluntários. O número de passos foi contado durante a execução do teste e uma câmera foi posicionada para auxiliar na confirmação da captação do número de passos. A cadência, expressa em passos/segundo, foi calculada dividindo-se o número total de passos (P) pelo tempo (T) em segundos, gastos no percurso. Foi realizada a multiplicação por 60 [C=P/T x 60] para seleção da música cuja frequência é expressa em batimentos por minuto (bpm). A velocidade foi calculada dividindo-se a distância (D) total pelo tempo (T) gasto em segundos para vencer o percurso e multiplicado por 60 [V= D/T x 60]2121 Matsumoto L, Magalhães G, Antunes GL, Torriani-Pasin C. Efeitos do estímulo acústico rítmico na marcha de pacientes com Doença de Parkinson. Rev Neurocienc. 2014;22(3):404-9. Disponível em: https://doi.org/10.34024/rnc.2014.v22.8075 ..

Os participantes realizaram uma tomada inicial do TC10 para familiarização com o teste e conhecimento do trajeto. Após esta fase foram realizadas as etapas do experimento. Sequencialmente os idosos realizaram o TC10 sem estimulação para aferição das variáveis (T0 – sem EAR). Em seguida realizaram o mesmo teste com a estimulação auditiva rítmica com música, em que as mesmas variáveis foram aferidas (T1 – com EAR). E por fim, realizaram o TC10 sem estimulação (T2 – sem EAR). Em cada tomada do TC10 foram realizadas três mensurações sequencialmente, sendo elas: T0 (T01, T02 e T03), T1 (T11, T12 e T13) e T2 (T21, T22 e T23), sendo o resultado final de cada tomada obtido através da média aritmética das três medidas em cada momento.

Os testes foram realizados em único encontro, sucessivamente, sendo conferido o tempo de repouso de 1 minuto entre as aferições dos parâmetros espaços-temporais da marcha, para que houvesse retorno à condição inicial do teste. Caso fosse necessário, o tempo de descanso poderia ser aumentado. Porém, nenhum idoso apresentou essa necessidade e todos conseguiram realizar as nove aferições perfazendo em média 20 minutos entre a explicação e a realização dos testes.

A EAR utilizada foi composta por faixas musicais com ritmo demarcado e constante fornecida pelo app ParkinSONS® utilizando um smartphone, sistema operacional Android. O app foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa Pró-Parkinson (Registro no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI, nº BR512020001451-8) e encontra-se em processo de comercialização. A cadência confortável obtida no TC10 foi utilizada como parâmetro para seleção da EAR para etapa T1. Foram incrementados 10% à cadência confortável para obtenção da cadência treino possibilitando a seleção da música para a EAR. Os ritmos musicais regionais fornecidos pelo app apresentam as frequências 70 bpm, 80 bpm, 90 bpm, 100 bpm, 110 bpm e 120 bpm, que podem ser selecionados de forma individualizada para cada participante. A intensidade sonora oferecida foi de aproximadamente 75 dB NA (decibéis nível de audição), nível acima daquele percebido por idosos com perda auditiva periférica leve a moderada, verificada por audiometria, que é que em torno de 30 a 70 dB NA2222 Koohi N, Vickers DA, Utoomprurkporn N, Werring DJ, Bamiou DE. A Hearing Screening Protocol for Stroke Patients: An Exploratory Study. Front Neurol. 2019;10(842):1-8. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fneur.2019.00842 .. Headfones supra aurais conectados foram utilizados simultaneamente pelo idoso e terapeuta para garantir a realização do teste na cadência treino selecionada. Além disso, foi realizada uma verificação de escuta da música e compreensão do teste antes de sua realização.

A EAR fornece aos pacientes uma orientação temporal que facilita a regulação de seus movimentos durante a caminhada. Isso ocorre porque o sistema auditivo e motor tem uma conectividade rica em vários níveis corticais, subcorticais e espinais. O sistema auditivo - um processador rápido, preciso e de informação temporal - projeta-se em estruturas motoras no cérebro, criando uma conexão entre o sinal rítmico e a resposta motora2323 Hove MJ, Keller PE. Impaired movement timing in neurological disorders: rehabilitation and treatment strategies. Ann N Y Acad Sci. 2015;1337(1):111-7. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nyas.12615 .. Diante disso, é recomendada a incorporação precoce das pistas auditivas rítmicas com variações de tempo de ± 10% em relação à cadência preferida para melhorar o desempenho da marcha. Com a EAR personalizada para a cadência do indivíduo, respeita-se a velocidade passível de ser alcançada e, ao mesmo tempo, promove-se incentivo e estímulo à melhoria do seu padrão de marcha1515 Ghai S, Ghai I, Effenberg AO. Effect of Rhythmic Auditory Cueing on Aging Gait: a Systematic Review and Meta-Analysis. Aging Dis. 2018;9(5):901-23. Disponível em: https://doi.org/10.14336/AD.2017.1031 .,1717 Thaut MH, Rice RR, Braun Janzen T, Hurt-Thaut CP, McIntosh GC. Rhythmic auditory stimulation for reduction of falls in Parkinson’s disease: a randomized controlled study. Clin Rehabil. 2019;33(1):34-43. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0269215518788615 .,2323 Hove MJ, Keller PE. Impaired movement timing in neurological disorders: rehabilitation and treatment strategies. Ann N Y Acad Sci. 2015;1337(1):111-7. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nyas.12615 ..

Os dados foram tabulados em planilha de Microsoft Excel e compilados através de estatística descritiva e processados no software Statistical Package for the Social Science versão 20.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA). A normalidade dos dados foi confirmada através do teste de Shapiro-Wilk. Para avaliar as diferenças entre as medidas para amostra total foi utilizada uma ANOVA de medidas repetidas. A ANOVA two-way com medidas repetidas foi utilizada para comparar as variáveis de desfecho considerando o grupo (caidores vs. não caidores) e o tempo (T0, T1 e T2) como fatores de comparação seguido do teste de esfericidade de Mauchly e se necessário foi aplicado a correção de Greenhouse-Geisser. Em ambas as análises foi utilizado o post hoc de Tukey para identificação pontual das diferenças e considerado p<0,05. O tamanho do efeito imediato da EAR com música sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha foi calculado também calculado por meio do teste de Hedges (g), sendo seus valores classificados em: insignificante (<0,19); pequeno (0,20-0,49); médio (0,50-0,79); grande (0,80-1,29) e muito grande (>1,30)2424 Silva VM, Arruda ASF, Silva LSV, Pontes Junior FL, Cachioni M, Melo RC. Efetividade de uma intervenção múltipla para a prevenção de quedas em idosos participantes de uma Universidade Aberta à Terceira Idade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):1-13. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.190032 ..

RESULTADOS

Os dados sociodemográficos, o tempo de estudo e o inquérito sobre quedas estão apresentados na Tabela 1. A média de idade foi de 71,3±6,45 anos, com a idade mínima de 65 e máxima de 83 anos. Na amostra, 33% dos idosos relataram ter sofrido um episódio de queda no último ano e 73% expressaram o medo de cair, sendo caidores ou não.

Tabela 1
Caracterização da amostra dos usuários do Projeto Saúde do Idoso (n=15). Goiana, PE, 2019.

Os resultados em relação repercussão efeito da EAR com música sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha dos idosos foram apresentados na Figura 1 e as análises do tamanho do efeito na Tabela 2. Houve uma redução significativa do tempo da marcha no TC10 (ANOVA. p<0,0001). O post hoc indicou que o tempo para realização da marcha no TC10 reduziu significativamente entre os momentos T0 e T1 (-0,85seg), com um tamanho do efeito grande (g=1,07), e esse efeito se manteve em T2. Em relação ao número de passos, houve uma redução significativa (ANOVA. p<0,0001). No teste post hoc foram observadas reduções significativas entre T0 – T1 e entre T0 – T2, com efeito grande (g=1,03 e g=1,02, respectivamente). No parâmetro velocidade, a ANOVA indicou um aumento significativo (p<0,0001). O post hoc indicou aumento significativo da velocidade entre T0 – T1 com manutenção desse efeito grande (g=1.05) em T2. Quanto à cadência foi possível verificar um aumento significativo (ANOVA. p=0,026*). O post hoc indicou aumento significativo entre T0 e T2 com tamanho de efeito grande (g=0,97).

Figura 1
Repercussão do efeito imediato da estimulação auditiva rítmica com música nos parâmetros espaços-temporais da marcha em idosos (n=15). Goiana, PE, 2019.
Tabela 2
Análise do tamanho do efeito imediato do efeito imediato da estimulação auditiva rítmica com música nos parâmetros espaços-temporais da marcha em idosos (n=15). Goiana, PE, 2019.

A Tabela 3 apresenta os resultados da repercussão da EAR sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha nos grupos caidores e não caidores. Em ambos os grupos, houve uma redução significativa no tempo [F(2,26)=21,00; p<0,0001] e número de passos [F(2,26)=24,23; p<0,0001] e aumento na velocidade [F(2,26)=17,68; p<0,0001], sem efeito do grupo ou da interação (ps> 0,05).

Tabela 3
Repercussão do efeito imediato da estimulação auditiva rítmica com música nos parâmetros espaços-temporais da marcha nos grupos caidores (n=5) e não caidores (n=10). Goiana, PE, 2019.

Sobre a variável cadência, houve efeito do grupo [F(1-13)= 5,36; p=0,037], indicando uma cadência significativamente maior no grupo não caidores. Além disso, houve efeito da interação tempo x grupo [F(2,26)=4,66; p=0,018], onde o post hoc apontou que a cadência aumentou apenas no grupo não caidores entre T0 e T1 (p=0,024) e entre T0 e T2 (p=0,004) (Tabela 3). O teste de Mauchly indicou que a esfericidade dos dados da cadência não foi violada (X2=4,83; p=0,089), não sendo necessário aplicar correção de Greenhouse-Geisser.

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou o efeito imediato da EAR com música sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha em idosos sedentários. Os resultados mostram redução significativa no tempo e no número de passos e aumento na velocidade e na cadência da marcha quando os idosos realizam o percurso utilizando o recurso da EAR com música (T0 vs T1). O efeito tendeu a se manter quando o percurso foi realizado novamente sem o uso do recurso (T0 vs T2) o que pode indicar que a EAR com música promoveu um efeito imediato positivo sobre os parâmetros espaços-temporais da marcha desses idosos.

Sabe-se que a velocidade da marcha é um indicador importante por sua capacidade de predizer eventos adversos como perda da independência, aumento da incapacidade, limitações funcionais, quedas, hospitalizações e morte. O envelhecimento fisiológico é responsável pela redução de 1,2% na velocidade da marcha anualmente2525 Perera S, Patel KV, Rosano C, Rubin SM, Satterfield S, Harris T, et al. Gait Speed Predicts Incident Disability: a Pooled Analysis. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2016;71(1):63-71. Disponível em: https://doi.org/10.1093/gerona/glv126 .. Um dos sistemas mais afetados é o neuromuscular com a perda de neurônios motores alfa da medula espinhal, ocorrendo a deterioração dos seus axônios e consequente atenuação no recrutamento das unidades motoras, resultando em limitações no funcionamento desses sistemas, impactando no desempenho e velocidade da marcha dos idosos2626 Leite LEA, Resende TL, Nogueira GM, da Cruz IBM, Schneider RH, Gottlieb MGV. Envelhecimento, estresse oxidativo e sarcopenia: uma abordagem sistêmica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012; 15(2):365-80. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1809-98232012000200018..

Um conceito-chave da EAR é a sincronização auditivo-motora através da via retículo espinal. Como explicação neurofisiológica, a ativação das áreas motoras do cérebro com uso de estímulos com ritmo pode aumentar a excitabilidade dos neurônios motores espinais, reduzindo o tempo substancial para a musculatura responder a um comando motor, melhorando a ativação muscular e o controle dos movimentos influenciando na melhora da velocidade2121 Matsumoto L, Magalhães G, Antunes GL, Torriani-Pasin C. Efeitos do estímulo acústico rítmico na marcha de pacientes com Doença de Parkinson. Rev Neurocienc. 2014;22(3):404-9. Disponível em: https://doi.org/10.34024/rnc.2014.v22.8075 .,2727 Koshimori Y, Thaut MH. Future perspectives on neural mechanisms underlying rhythm and music based neurorehabilitation in Parkinson’s disease. Ageing Res Rev. 2018;47:133-9. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.arr.2018.07.001 ..

O estudo de Wilson et al.2828 Wilson CM, Kostsuca SR, Boura JA. Utilization of a 5-Meter Walk Test in Evaluating Self-selected Gait Speed during Preoperative Screening of Patients Scheduled for Cardiac Surgery. Cardiopulm Phys Ther J. 2013;24(3):36-43. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3751713/pdf/cptj0024-0036.pdf . sugere como clinicamente significativa uma diferença >0,05 m/s, a qual foi obtida durante a comparação da velocidade de marcha entre diferentes testes. O incremento médio na velocidade de 0,17 m/s (T0 vs T1) e 0,14 m/s (T1 vs T2) foi superior ao considerado clinicamente significativo, verificado também por outros autores em estudos com EAR2121 Matsumoto L, Magalhães G, Antunes GL, Torriani-Pasin C. Efeitos do estímulo acústico rítmico na marcha de pacientes com Doença de Parkinson. Rev Neurocienc. 2014;22(3):404-9. Disponível em: https://doi.org/10.34024/rnc.2014.v22.8075 .,2929 Rizzo JR, Raghavan P, McCrery JR, Oh-Park M, Verghese J. Effects of emotionally charged auditory stimulation on gait performance in the elderly: a preliminary study. Arch Phys Med Rehabil. 2015;96(4):690-6. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.12.004 ..

A redução do tempo, o aumento da cadência e da velocidade na caminhada, observadas nesse estudo refletem uma marcha qualitativamente melhor2929 Rizzo JR, Raghavan P, McCrery JR, Oh-Park M, Verghese J. Effects of emotionally charged auditory stimulation on gait performance in the elderly: a preliminary study. Arch Phys Med Rehabil. 2015;96(4):690-6. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.12.004 .. Esses parâmetros apresentaram melhora significativa indicando que os movimentos rítmicos naturais da marcha podem ser corrigidos por meio de processos de sincronização e atenção externa promovida pela EAR3030 Sejdić E, Fu Y, Pak A, Fairley JA, Chau T. The effects of rhythmic sensory cues on the temporal dynamics of human gait. PLoS ONE. 2012;7(8):1-7. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0043104 .. Durante o processo do envelhecimento a marcha deixa de ser realizada de forma automática, passando a ter um maior controle executivo compensatório. Com o uso do estímulo auditivo, o sistema neuromuscular pode executar a ação com menos controle consciente e permitindo movimentos mais suaves, o que pode resultar na melhora da marcha3131 Shahraki M, Sohrabi M, Taheri Torbati HR, Nikkhah K, NaeimiKia M. Effect of rhythmic auditory stimulation on gait kinematic parameters of patients with multiple sclerosis. J Med Life. 2017;10(1):33-7. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28255373 .,3232 Huijben B, van Schooten KS, van Dieën JH, Pijnappels M. The effect of walking speed on quality of gait in older adults. Gait Posture. 2018; 65:112-16. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2018.07.004 ..

Os resultados mostraram ainda que os parâmetros espaços-temporais da marcha nos idosos foram influenciados positivamente com o uso do estímulo auditivo, com uma melhora que permanece mesmo sem o estímulo auditivo (T2). É possível observar um possível aprendizado motor propiciado pela EAR, promovendo um indicativo de efeito imediato que permaneceu após a realização do teste sem a presença do estímulo que pode estar relacionado com o sistema somatossensorial. O sistema somatossensorial das vias motoras também é responsável pela coordenação e percepção do estado corporal e ambiental que são essenciais para o controle do movimento. O uso da batida rítmica-sonora excita as vias auditivas-motoras a criarem uma rápida conexão levando a uma sincronização temporal entre os mecanismos de entrada sensorial e saída motora, reconfigurando esse sistema através da neuroplasticidade1616 Vitorio R, Stuart , Gobbi LTB, Rochester L, Alcock L, Pantall A. Reduced gait variability and enhanced brain activity in older adults with auditory cues: a functional near-infrared spectroscopy study. Neurorehabil Neural Repair. 2018;32(11):976-87. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1545968318805159 .,3333 Yu L, Zhang Q, Hu C, Huang Q, Ye M, Li D. Effects of different frequencies of rhythmic auditory cueing on the stride length, cadence, and gait speed in healthy young females. J Phys Ther Sci. 2015;27(2):485-7. Disponível em: https://doi.org/10.1589/jpts.27.485 .. Dessa forma, promove o aumento da consciência rítmica, permitindo aumentar a concentração, a atenção e a capacidade de perceber tanto a direção do movimento quanto a velocidade dos movimentos executados refletindo na melhora dos parâmetros da marcha3434 Dalla Bella S, Dotov D, Bardy B, de Cock VC. Individualization of music-based rhythmic auditory cueing in Parkinson’s disease. Ann N Y Acad Sci. 2018;1423:1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nyas.13859 ..

Outra hipótese a se cogitar para explicar os achados é a curva de aprendizagem do idoso frente às repetições em cada momento do teste que independeria da oferta da EAR. Entretanto, dois argumentos podem refutar essa hipótese. Primeiro, seria esperado, nesse caso, observar diferenças significativas entre todos os momentos (T0 vs T1; T1 vs T2 e T0 vs T2) demonstrando a aprendizagem relacionada a melhora progressiva no desempenho com o aumento das repetições, o que não ocorreu. O segundo ponto diz respeito à modulação do ritmo da marcha proporcionada pela EAR no momento T1 onde foi ofertado ao idoso um estímulo com incremento de 10% em sua cadência confortável para a marcha o que favoreceu o desempenho durante a oferta (momento T1) e sua manutenção (momento T2). Porém, à ausência de um grupo controle e de outros estudos na literatura não nos permite excluir por completo o efeito do tempo (repetição/aprendizado), fazendo com que esse achado deva ser interpretado com cautela.

Um estudo de revisão evidenciou que modificações nos parâmetros espaços-temporais melhoram a variabilidade da marcha que é importante na prevenção de quedas. A variabilidade da marcha encontrada na população idosa tem sido associada a um risco aumentado de queda e dessa forma, a maior ritmicidade que é promovida pela EAR demonstrou reduzir a variabilidade nos padrões de ativação musculoesquelética, permitindo assim aceleração de movimentos articulares, reduzindo o tempo de marcha e aumentando sua velocidade1515 Ghai S, Ghai I, Effenberg AO. Effect of Rhythmic Auditory Cueing on Aging Gait: a Systematic Review and Meta-Analysis. Aging Dis. 2018;9(5):901-23. Disponível em: https://doi.org/10.14336/AD.2017.1031 ..

Tanto no grupo caidores quanto no grupo não caidores observou-se uma redução significativa no tempo e no número de passos como um aumento na velocidade da marcha quando os idosos realizam o percurso utilizando o recurso da EAR com música (T0 vs T1). O efeito se manteve quando o percurso foi realizado novamente sem o uso do recurso (T0 vs T2) o que indica que a EAR com música promoveu um efeito imediato positivo sobre esses parâmetros independente do histórico de quedas. Entretanto, quando comparamos os grupos, observamos que o grupo não caidores obteve um desempenho significativamente melhor do que o grupo caidores em todos os parâmetros da marcha analisados, apontando para a possibilidade de o histórico de quedas também influenciar nos benefícios obtidos com intervenções como essa. A ausência de comparação com outras variáveis que poderiam explicar ou interferir nessa relação nos remetem a uma cautela na interpretação desses resultados, que devem ser analisados em estudos futuros.

Todos os idosos caidores da amostra relataram o medo de cair. Alguns autores relatam que o medo de cair tem um efeito negativo sobre a marcha de pessoas idosas, com estimativas da frequência de quedas variando entre 29% e 77%3535 Hadjistavropoulos T, Delbaere K, Fitzgerald TD. Reconceptualizing the role of fear of falling and balance confidence in fall risk. J Aging Health. 2011;23(1):3-23. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0898264310378039 .. Hadjistavropoulos et al.3535 Hadjistavropoulos T, Delbaere K, Fitzgerald TD. Reconceptualizing the role of fear of falling and balance confidence in fall risk. J Aging Health. 2011;23(1):3-23. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0898264310378039 . apresentou um modelo representando forte associações entre medo de cair e o equilíbrio reduzido, prejudicando o desempenho da marcha em idosos. Apenas em um estudo foi investigado o efeito uso da EAR para prevenção de quedas, sendo este na população com doença de Parkinson1717 Thaut MH, Rice RR, Braun Janzen T, Hurt-Thaut CP, McIntosh GC. Rhythmic auditory stimulation for reduction of falls in Parkinson’s disease: a randomized controlled study. Clin Rehabil. 2019;33(1):34-43. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0269215518788615 .. Os resultados indicaram que o treinamento da marcha com EAR reduziu o número de quedas e modificou a cinemática da marcha nos indivíduos caidores com doença de Parkinson (com o aumento na velocidade da marcha e no comprimento da passada).

A utilização da estratégia da EAR apresentou boa viabilidade, baixo custo, fácil aplicação e resultados animadores com relação ao efeito imediato nessa amostra. Entretanto vale ressaltar que um estudo piloto não controlado limita a generalização dos resultados que devem ser interpretados com cautela. Recomendamos a realização de ensaios clínicos que possam investigar o efeito do uso dessa estratégia sobre a marcha e as possíveis repercussões sobre as atividades diárias de idosos sedentários.

Reforçamos que a temática é nova e relevante não sendo localizados na literatura nacional estudos semelhantes com uso da EAR na população idosa sedentária. Consideramos ainda que a estratégia tem potencial de utilização por outras áreas além da fisioterapia no contexto da intervenção em atividades funcionais rítmicas.

CONCLUSÃO

Este estudo piloto aponta um efeito imediato positivo do uso da estimulação auditiva rítmica nos parâmetros espaços-temporais da marcha de idosos sedentários, principalmente na velocidade da marcha que é um importante indicador por predizer eventos adversos como as quedas e alterações na funcionalidade. Houve um melhor desempenho nos parâmetros tempo, velocidade e cadência da marcha dos idosos não caidores submetidos à EAR. Contudo, ensaios clínicos são necessários para investigar os efeitos dessa estratégia acerca do envelhecimento saudável.

  • Financiamento da pesquisa: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Programa Institucional de Apoio a Produção Científica na UFPE (PROAP-CAPES).

REFERENCES

  • 1
    Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19. Disponível em: 90/1809-98232016019.15014https://doi.org/10.150 .
  • 2
    Abdala RP, Barbieri Jr W, Bueno Jr CR, Gomes MM. Padrão de marcha, prevalência de quedas e medo de cair em idosas ativas e sedentárias. Rev Bras Med Esporte. 2017;23(1):26-30. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1517-869220172301155494 .
  • 3
    Aboutorabi A, Arazpour M, Bahramizadeh M, Hutchins SW, Fadayevatan R. The effect of aging on gait parameters in able-bodied older subjects: a literature review. Aging Clin Exp Res. 2015;28(3):393-405. Disponível em: http://doi.org/10.1007/s40520-015-0420-6 .
  • 4
    Monteiro D, Silva LP, Sá PO, Oliveira ALR, Coriolano MGWS, LINS OG. Prática mental após fisioterapia mantém mobilidade funcional de pessoas com doença de Parkinson. Fisioter Pesqui. 2018;25(1):65-73. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-2950/17192425012018 .
  • 5
    Camara FM, Gerez AG, Miranda MLJ, Velardi M. Capacidade funcional do idoso: formas de avaliação e tendências. Acta Fisiatr. 2008;15(4):249-56. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/actafisiatrica/article/view/103005/101285 .
  • 6
    Novaes RD, Miranda AS, Dourado VZ. Usual gait speed assessment in middle-aged and elderly Brazilian subjects. Rev Bras Fisioter. 2011;15(2):117-22. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-35552011000200006 .
  • 7
    Santos IR, Carvalho RC, Lima KBSP, Silva SC, Ferreira AS, Vasconcelos NN, et al. Análise dos parâmetros da marcha e do equilíbrio dos idosos após exercícios aeróbicos e terapêuticos. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2016;20(1):19-23. Disponível em: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v20i1.2016.5778 .
  • 8
    Clark DJ. Automaticity of walking: functional significance, mechanisms, measurement and rehabilitation strategies. Front Hum Neurosci. 2015;9(246):1-13. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00246 .
  • 9
    Conradsson D, Halvarssona A. The effects of dual-task balance training on gait in older women with osteoporosis: a randomized controlled trial. Gait Posture. 2019;68:562-68. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2019.01.005 .
  • 10
    Silveira MB, Saldanha RP, Leite JCC, Silva TOF, Silva T, Filippin LI. Construção e validade de conteúdo de um instrumento para avaliação de quedas em idosos. Einstein. 2018;16(2):1-8. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4154 .
  • 11
    Na’emani F, Zali ME, Sohrabi Z, Fayaz-Bakhsh A. Prevalence of risk factors for falls among the elderly receiving care at home. Salmand: Iran J of Ageing. 2019,13(5):638-51. Disponível em: http://dx.doi.org/10.32598/SIJA.13.Special-Issue.638 .
  • 12
    Ferreira LMBM, Javier Jerez-Roig J, Andrade FLJP, Oliveira NPD, Araújo JRT, Lima KCL. Prevalência de quedas e avaliação da mobilidade em idosos institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):995-1003. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-22562016019.160034 .
  • 13
    Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018 .
  • 14
    Luessi F, Mueller LK, Breimhorst M, Vogt T. Influence of visual cues on gait in Parkinson’s disease during tredmill walking at multiples velocities. J Neurol Sci. 2012;314(1-2):78-82. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jns.2011.10.027 .
  • 15
    Ghai S, Ghai I, Effenberg AO. Effect of Rhythmic Auditory Cueing on Aging Gait: a Systematic Review and Meta-Analysis. Aging Dis. 2018;9(5):901-23. Disponível em: https://doi.org/10.14336/AD.2017.1031 .
  • 16
    Vitorio R, Stuart , Gobbi LTB, Rochester L, Alcock L, Pantall A. Reduced gait variability and enhanced brain activity in older adults with auditory cues: a functional near-infrared spectroscopy study. Neurorehabil Neural Repair. 2018;32(11):976-87. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1545968318805159 .
  • 17
    Thaut MH, Rice RR, Braun Janzen T, Hurt-Thaut CP, McIntosh GC. Rhythmic auditory stimulation for reduction of falls in Parkinson’s disease: a randomized controlled study. Clin Rehabil. 2019;33(1):34-43. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0269215518788615 .
  • 18
    Folstein MF, Folstein SE, Mchugh PR. “Mini-mental state”. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12(3):189-98. Disponível em: https://doi.org/10.1016/0022-3956(75)90026-6 .
  • 19
    Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3):777-81. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014 .
  • 20
    Adell E, Wehmhörner S, Rydwik E. The Test-Retest Reliability of 10 Meters Maximal Walking Speed in Older People Living in a Residential Care Unit. J Geriatr Phys Ther. 2013;36(2):74-7. Disponível em: https://doi.org/10.1519/JPT.0b013e318264b8ed .
  • 21
    Matsumoto L, Magalhães G, Antunes GL, Torriani-Pasin C. Efeitos do estímulo acústico rítmico na marcha de pacientes com Doença de Parkinson. Rev Neurocienc. 2014;22(3):404-9. Disponível em: https://doi.org/10.34024/rnc.2014.v22.8075 .
  • 22
    Koohi N, Vickers DA, Utoomprurkporn N, Werring DJ, Bamiou DE. A Hearing Screening Protocol for Stroke Patients: An Exploratory Study. Front Neurol. 2019;10(842):1-8. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fneur.2019.00842 .
  • 23
    Hove MJ, Keller PE. Impaired movement timing in neurological disorders: rehabilitation and treatment strategies. Ann N Y Acad Sci. 2015;1337(1):111-7. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nyas.12615 .
  • 24
    Silva VM, Arruda ASF, Silva LSV, Pontes Junior FL, Cachioni M, Melo RC. Efetividade de uma intervenção múltipla para a prevenção de quedas em idosos participantes de uma Universidade Aberta à Terceira Idade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):1-13. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.190032 .
  • 25
    Perera S, Patel KV, Rosano C, Rubin SM, Satterfield S, Harris T, et al. Gait Speed Predicts Incident Disability: a Pooled Analysis. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2016;71(1):63-71. Disponível em: https://doi.org/10.1093/gerona/glv126 .
  • 26
    Leite LEA, Resende TL, Nogueira GM, da Cruz IBM, Schneider RH, Gottlieb MGV. Envelhecimento, estresse oxidativo e sarcopenia: uma abordagem sistêmica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012; 15(2):365-80. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1809-98232012000200018.
  • 27
    Koshimori Y, Thaut MH. Future perspectives on neural mechanisms underlying rhythm and music based neurorehabilitation in Parkinson’s disease. Ageing Res Rev. 2018;47:133-9. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.arr.2018.07.001 .
  • 28
    Wilson CM, Kostsuca SR, Boura JA. Utilization of a 5-Meter Walk Test in Evaluating Self-selected Gait Speed during Preoperative Screening of Patients Scheduled for Cardiac Surgery. Cardiopulm Phys Ther J. 2013;24(3):36-43. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3751713/pdf/cptj0024-0036.pdf .
  • 29
    Rizzo JR, Raghavan P, McCrery JR, Oh-Park M, Verghese J. Effects of emotionally charged auditory stimulation on gait performance in the elderly: a preliminary study. Arch Phys Med Rehabil. 2015;96(4):690-6. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.12.004 .
  • 30
    Sejdić E, Fu Y, Pak A, Fairley JA, Chau T. The effects of rhythmic sensory cues on the temporal dynamics of human gait. PLoS ONE. 2012;7(8):1-7. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0043104 .
  • 31
    Shahraki M, Sohrabi M, Taheri Torbati HR, Nikkhah K, NaeimiKia M. Effect of rhythmic auditory stimulation on gait kinematic parameters of patients with multiple sclerosis. J Med Life. 2017;10(1):33-7. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28255373 .
  • 32
    Huijben B, van Schooten KS, van Dieën JH, Pijnappels M. The effect of walking speed on quality of gait in older adults. Gait Posture. 2018; 65:112-16. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2018.07.004 .
  • 33
    Yu L, Zhang Q, Hu C, Huang Q, Ye M, Li D. Effects of different frequencies of rhythmic auditory cueing on the stride length, cadence, and gait speed in healthy young females. J Phys Ther Sci. 2015;27(2):485-7. Disponível em: https://doi.org/10.1589/jpts.27.485 .
  • 34
    Dalla Bella S, Dotov D, Bardy B, de Cock VC. Individualization of music-based rhythmic auditory cueing in Parkinson’s disease. Ann N Y Acad Sci. 2018;1423:1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1111/nyas.13859 .
  • 35
    Hadjistavropoulos T, Delbaere K, Fitzgerald TD. Reconceptualizing the role of fear of falling and balance confidence in fall risk. J Aging Health. 2011;23(1):3-23. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0898264310378039 .

Editado por

Editado por: Daniel Gomes da Silva Machado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com