Programa Academia Carioca da Saúde: Cotidiano, lazer e saúde de idosos

Resumo

Objetivo:

Identificar as atividades realizadas por idosos integrantes do Programa Academia Carioca da Saúde em seus cotidianos e analisar as contribuições de tais práticas para a saúde e qualidade de vida.

Método:

pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva realizada por meio de entrevista com 30 idosos frequentadores de uma Academia da Saúde, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A análise foi do tipo lexicográfico, com uso do software Alceste.

Resultados:

Foram geradas cinco classes lexicais. As atividades físicas e de lazer se expressam nas classes 2 e 3. Os depoimentos que compõem as classes lexicais evidenciam que os idosos realizam as atividades cotidianas com autonomia e independência. Eles avaliam que as atividades promovem a integração dos participantes, incrementa a participação social e beneficiam a saúde e a qualidade de vida atribuindo sua proatividade à participação no grupo de convivência.

Conclusão:

As atividades diversificam o cotidiano, incrementam a socialização e as oportunidades de lazer de idosos, consequentemente a saúde, na medida em que oportuniza ampliação das relações sociais.

Palavras-chave:
Saúde do Idoso; Qualidade de Vida; Atividades de Lazer; Atividade Motora; Política Pública

Abstract

Objective:

to identify the activities performed by older adults as part of the Rio Health Gym Program in their daily lives, and analyze the contributions of these practices to their health and quality of life.

Method:

a qualitative, exploratory and descriptive study was conducted using interviews with 30 older adults who attended a health center in the city of Rio de Janeiro (RJ). Lexicographic analysis was performed using the Alceste software program.

Results:

five lexical classes were generated. Physical and leisure activities comprised classes 2 and 3. The statements that made up the lexical classes showed that older adults carried out their daily activities with autonomy and independence. According to their assessment, the activities promote the integration of participants, increase social participation and benefit health and quality of life. They attribute their proactivity to participation in the social group.

Conclusion:

the activities bring diversity to daily living, increase socialization and leisure opportunities, and consequently improve the health of older people by facilitating social relationships.

Keywords:
Health of the Elderly; Quality of Life; Leisure Activities; Motor Activity; Public Policy

INTRODUÇÃO

A Política de Envelhecimento Ativo (PEA) promove oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida (QV) de pessoas em processo de envelhecimento. A PEA estimula a percepção sobre o bem-estar físico, social e mental no curso da vida, a participação na sociedade de acordo com as necessidades, os desejos e as capacidades das pessoas, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessários. Idade avançada não implica dependência, portanto, o envelhecimento ativo deve integrar políticas públicas de saúde¹.

As crises econômicas, políticas e sociais afetam as políticas sociais e as instituições públicas com consequências em vários setores, especialmente no previdenciário e na saúde. Não obstante, para que a PEA atinja o objetivo de promover o envelhecimento saudável, os serviços de saúde precisam prestar atendimento qualificado à população, de prevenção e promoção da saúde. Assim, é fundamental que no curso da vida, o indivíduo acumule capital social, intelectual, financeiro e saúde, sendo tal reponsabilidade individual, mas também do Estado².

Estratégias abrangentes no curso da vida podem fornecer uma base sólida para os países responderem aos desafios do envelhecimento populacional³. Destaca-se a importância das ações do Estado no que compete à saúde populacional, de modo que as pessoas tenham oportunidades de viver dignamente, tenham acesso a bens e serviços que lhes permitam fazer escolhas saudáveis. Nesse sentido, para além dos determinantes sociais da saúde, as políticas públicas devem considerar as determinações sociais, que implicam QV da população.

Pesquisa realizada em uma cidade do Nordeste dos Estados Unidos da América com pessoas entre 19-63 anos evidenciou que praticantes de atividades de lazer mostraram-se mais bem-humorados, com mais interesse, menos estresse e menor frequência cardíaca daqueles que não as praticavam, evidenciando a efetividade de lazer na melhoria da saúde e do bem-estar⁴.

Estudo desenvolvido no Japão identificou resposta inversa entre a quantidade de atividade física no lazer e o risco de incapacidade com demência em homens, concluindo que um nível mais alto de atividade física deve ser recomendado para homens idosos jovens para prevenir incapacidades com demência⁵. Outra pesquisa evidenciou associação de níveis mais altos de atividade física no lazer a uma avaliação mais positiva da memória em adultos de meia idade e idosos⁶. Em vista disso, as atividades físicas e de lazer têm sido recomendadas na promoção de saúde de idosos.

Em 2011 foi criado o Programa Academia da Saúde (PAS), uma das estratégias articuladas à Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), tendo em vista como um de seus eixos tratar das práticas corporais e atividades físicas. Esse Programa vem ocorrendo, em articulação com a atenção primária à saúde, com efetividade⁷, razão pela qual releva sua importância no campo da saúde do idoso, em consonância com o objetivo de promover um envelhecimento ativo.

O PAS funciona em espaços públicos criados para realização de lazer e de atividades físicas, dentre outras ações como educação em saúde, produção de cuidados e modos de ser saudáveis⁸. O estímulo à participação de pessoas nesses programas é primordial, por estarem votados à promoção da saúde e incentivarem a aquisição de novos hábitos de vida saudáveis⁹.

Articulado ao PAS, no município do Rio de Janeiro, há o Programa Academia Carioca da Saúde (PACS), vinculado aos Centros Municipais de Saúde e Clínicas da Família, com oferta de atividades aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O PACS tem papel estratégico na integralidade das práticas de saúde e na ampliação de oportunidades de participação dos usuários em atividades de base comunitária, que servem de incentivo à prática de atividades físicas. Observa-se um número cada vez maior de idosos participantes do PACS¹⁰, o que indica ser esse um campo importante de assistência, mas também de pesquisa na área da saúde e cuidado do idoso.

Os fatores motivacionais para que os idosos frequentem os espaços públicos de lazer estão relacionados à busca por hábitos saudáveis e à interação social¹¹. Pesquisa realizada com idosos no sul do Brasil concluiu que o apoio social de familiares e amigos são preditores para que idosos participem de atividades físicas, e recomenda o incentivo de famliares e amigos a fornecerem apoio social aos idosos para atividades físicas com foco na prática conjunta¹¹.

Portanto, estudos que evidenciem as repercussões da inserção de idosos em grupos e práticas conjuntas de atividades como estratégias para o envelhecimento saudável ganham relevância.

Os objetivos desta investigação são identificar as atividades realizadas por idosos integrantes do Programa Academia Carioca da Saúde em seus cotidianos e analisar as contribuições de tais práticas para a saúde e QV.

MÉTODO

Estudo qualitativo, exploratório, descritivo, realizado de dezembro de 2015 a junho de 2016. Participaram idosos de uma Academia Carioca de Saúde (ACS) de uma Clínica de Estratégia de Saúde da Família (ESF), na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Trata-se de um programa cujo foco principal é promover a saúde e prevenir doenças, pela adoção de um estilo de vida saudável. Abrange a comunidade vinculada à ESF, com atuação de diferentes setores da sociedade e participação de profissionais de saúde e educação física. O Programa ACS nessa Clínica de ESF foi implantado em 2011 e realiza diversas atividades tais como: exercícios físicos com e sem aparelhos, palestras, grupos de artesanato, caminhada, dança de salão, visitas domiciliares, passeios culturais e confraternização para os aniversariantes do mês.

Inscritos nessa ACS havia 819 pessoas, sendo que 445 participavam de uma ou mais atividades e destes, 374 tinham 60 anos ou mais de idade. Participaram da pesquisa as pessoas com 60 anos de idade ou mais, com comunicação verbal e cognição preservadas, com frequência nas atividades da ACS por no mínimo 30 dias. Excluíram-se os idosos com frequência irregular nas atividades e os ausentes nos dias da realização da pesquisa. O estado cognitivo não foi avaliado pela pesquisadora, mas sim, captado nos registros dos prontuários. Amostra selecionada por conveniência, decidida com a análise preliminar do conteúdo de 30 entrevistas que evidenciou saturação dos dados¹² por meio de um mapeamento panorâmico dos conteúdos que permitiu avaliar o delineamento do quadro empírico da pesquisa, segundo os objetivos propostos.

A pesquisadora inseriu-se no campo para estabelecer vínculos com os participantes, divulgar a pesquisa, convidá-los verbalmente e também por meio de entrega de uma carta-convite, além de consultar os registros dos idosos cadastrados na Academia. Aos que aceitaram, foi feito agendamento para aplicação de um questionário com perguntas fechadas para a caracterização dos participantes (sexo, idade, estado civil/conjugal, escolaridade, aposentadoria, residência e tempo de participação nas atividades), e um roteiro de entrevista semiestruturada sobre: hábitos diários, cuidados de saúde, lazer, estabelecimento de relações entre suas ações e QV, atividades realizadas na ACS, percepções e avaliações. Esse roteiro foi previamente testado com três idosos da ACS para verificação da clareza das questões e funcionalidade para alcançar os objetivos da pesquisa. As entrevistas testes foram descartadas e os depoentes não integraram a amostra da pesquisa. Após o teste não houve necessidade de alterar o instrumento. As entrevistas foram gravadas utilizando-se aplicativo instalado no aparelho de telefonia móvel (celular) da pesquisadora, que realizou pessoalmente as entrevistas, na própria ACS, com privacidade e duração média de 60 minutos.

Os dados de identificação foram contabilizados em percentuais, as entrevistas foram transcritas e submetidas ao software Alceste 2012 para análise lexicográfica. Esse software divide o texto em unidades de contexto elementares (UCE) e organiza classes lexicais compostas pela redução das palavras principais utilizadas nos discursos às suas raízes, distribuídas em frequências e associações, em função das similaridades e/ou oposições desses léxicos, dispostas em classificações hierárquicas.

Após o processamento do corpus de dados formado pelas entrevistas, o Alceste repartiu o texto em 1.391 UCE, formadas por 4.447 palavras ou vocábulos distintos. Os vocábulos foram reduzidos às suas raízes originando 859 palavras analisáveis (substantivos, adjetivos, verbos) e 266 formas suplementares (artigos, pronomes). Foram geradas cinco classes lexicais. A Classe 1 trata do conhecimento dos idosos sobre qualidade de vida; as Classes 2 e 3 tratam das atividades físicas e de lazer proporcionadas pela ACS; e as Classes 4 e 5 tratam dos aspectos fisiológicos da saúde e da terapêutica aplicada na atenção primária à saúde. Para atender aos objetivos deste artigo selecionou-se as classes 2 e 3 e suas classificações hierárquicas ascendentes (CHA), cuja análise evidencia a dinâmica de formação das classes pelas relações de proximidade entre os léxicos. As UCE foram selecionadas para compreender o objeto à luz do contexto e do traço linguístico dos participantes.

Estudo aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa em respeito à Resolução nº 466/2012, com Parecer número 1.201.027. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a identidade foi preservada por códigos: sexo masculino (M), feminino (F), número sequencial e idade (a).

RESULTADOS

Participaram 25 mulheres (83,3%) e cinco homens (16,7%); a faixa etária variou de 60 a 82 anos, com predominância entre 60 a 65 anos 16 (53,3%). Estado conjugal: 16 (53,3%) casados, 6 (20%) divorciados, 6 (20%) viúvos, 1 (2%) solteiro e 1 participante não se definiu em nenhuma dessas categorias pois mantinha um relacionamento estável, mas não vivia maritalmente; 27 (90%) moravam com familiares e 3 (10%) sozinhos; 18 (60%) estavam aposentados.

A Classe lexical 2 está composta por 192 UCE, cerca de 20% das processadas pelo programa. Os vocábulos dessa classe expressam significados atribuídos às atividades de lazer relacionadas às relações afetivas (familiares, amigos e colegas de trabalho).

De acordo com a CHA (Figura 1), identifica-se que os vocábulos: vejo, televisão, vendo, visita e amigos, descrevem ações protagonizadas na rotina dos idosos, com valorização das relações de amizades. Esses vocábulos se ligam a: final, semana, ver, neto, que representam importante relação familiar.

Figura 1
Classificação Hierárquica Ascendente, Classe 2.

A família predomina nos discursos, pelos substantivos: pai, esposo, marido, esposa, irmã, filho, filha, neto, neta, sobrinhos, mãe. A família emergiu dos discursos quando os idosos foram questionados sobre suas atividades de lazer e rotina relacionados a uma QV satisfatória.

“Minha filha mora ali em frente ao Shopping. É difícil ir para a casa dela. Ela fala: mamãe vamos passear no shopping, vem para cá” (F27, 74a).

Os léxicos pai e mãe apresentam elevada proximidade e frequência, ligam-se ao vocábulo irmão e ambos se ligam ao termo morr que retrata o falecimento dessas pessoas. Esses termos estão ligados a morar e chamar, significando a convivência dos idosos com seus pais e irmãos.

As UCE produzidas pela Classe 2 sugerem que as atividades de lazer dos idosos ocorrem em ambientes familiares, no contato e convivência com netos e sobrinhos, em seu cotidiano, festas e aniversários de parentes.

“Minha rotina é só correria mesmo. Só final de semana que tenho lazer, vou para a feira de São Cristóvão, viajo. Às vezes tem aniversário de parentes, junta todo mundo e vai. Tem comes e bebes, dança. Minha família toda adora dançar” (F11, 65a).

“A gente faz churrasco, brinca demais. Sobrinhos todos. Quando eu vou visitar meu neto, deito no chão com ele, brinco” (F26, 63a).

O lazer também é caracterizado por passeios, idas ao shopping, cinema, praia, realizados na companhia de pessoas da família ou por convite e incentivo de filhos e cônjuge. A prática religiosa surge como atividade de lazer, realizada com familiares. A CHA mostra a ligação entre os vocábulos igreja e domingo, ambos ligados aos léxicos filho e sábado, evidenciando a companhia dos filhos.

“Às vezes, quando eu não tenho nada para fazer, eu invento. Ligo para minha irmã, combino de encontrar na cidade, só para sair de casa” (F7, 70a).

“Eu gosto de ir à igreja aos domingos, vou de manhã e de noite, meu filho me leva” (F10, 65a).

As UCE abordam as amizades do ambiente de trabalho, a socialização e o contato com os amigos. Observa-se que o direito ao passe livre nos transportes oportuniza ampliar essas atividades de lazer e outras cotidianas:

“Onde eu trabalhava deixei muitos amigos e às vezes a gente se encontra. Tem gente que fala: vem para cá. Aí eu gosto, vou para casa delas, a gente bebe uma cerveja, bate-papo, ri, brinca. É assim que eu gosto” (F1, 62a).

“Eu e minha esposa vamos muito, com nosso cartão do idoso a gente pega o ônibus e saímos para o centro, fomos no museu, na praia, a gente curtiu muito” (M12, 70a).

A violência e a falta de companhia emergiram nas UCE como principais obstáculos à realização de atividades de lazer:

“Eu não tenho muito lazer, eu não saio muito porque devido à violência, às vezes a gente não tem companhia” (F1, 62a).

A CHA evidencia a proximidade dos vocábulos: forró, dança e feira, que se ligam à distração, representando atividades de lazer dos idosos para seu divertimento. Tais vocábulos se associam a: cinema, colega, praia, passeio, que também são atividades que lhes ocupam o tempo.

Na CHA, os termos gosto e ir estão ligados aos léxicos passear e sair, que representam a satisfação dos idosos com os passeios. Os vocábulos: adoro, lazer, dia e trabalho se conectam, ressaltando o prazer, satisfação e transformação em realizar atividades de lazer e participação da ACS.

“Eu não tenho muito lazer. Eu tento fazer as coisas mais para me distrair e não passar o dia em branco. Eu gosto de ir para os aniversários dos parentes, vou para a feirinha, tomo uma cervejinha, vejo pessoal dançando” (F11, 65a).

“Adoro ir para a rua porque eu distraio a minha cabeça. Eu gosto de sair. Meu lazer, eu adoro ouvir um forró, eu adoro uma cerveja. Minha saúde está bem” (F29, 70a).

“Minhas atividades, eu gosto muito. O dia que passo sem vir, fico aborrecida. Eu gosto mesmo, não me tira isso aqui [referindo-se à ACS], se não eu fico aborrecida. Gosto de passear, quando eu posso, eu vou. Meu lazer é às vezes encontrar com os amigos e amigas” (F30, 60a).

A Classe lexical 3 compõe-se de 114 UCE, 12% das processadas pelo programa. Os vocábulos dessa classe caracterizam atividades de rotina, ações, tarefas e responsabilidades que os idosos realizam em seu cotidiano, como se vê na Figura 2.

Figura 2
Classificação Hierárquica Ascendente, Classe 3.

A Classe 3 evidencia a ACS como parte do cotidiano dos idosos, cuja rotina é descrita por ações praticadas desde cedo, por meio do léxico acord, do verbo acordar, que explica o início do dia.

Os vocábulos: café, tomo, banho, acordo, chego e serviço representam o início das atividades diárias antes e depois das atividades na Academia. Esta classe foi composta por UCE predominantes nos discursos femininos, evidenciando seus cotidianos com os afazeres domésticos, representados pela palavra serviço.

Na CHA identifica-se que os vocábulos vir e academia se ligam a venho, sai, cuido, rotina, segunda, quinta, que junto com o vocábulo cansa, descrevem a rotina de atividades realizadas na ACS, durante quatro dias consecutivos. Predominam palavras sobre as práticas cotidianas de cuidado de si, da casa e da família:

“Eu acordo cedo, tomo café, dou comida para meu cágado. Venho para a academia, faço almoço, faço artesanato quando aparece algo para eu fazer” (F17, 61a).

“Gosto de vir para cá. Eu venho, levanto, tomo café, venho aqui na academia, faço atividade. Vou para casa, limpo, faço comida. Arrumo cozinha, fico cansada” (F13, 79a).

A CHA mostra as relações entre os vocábulos sono, lava, roupa, levanto, comida, que refletem a necessidade de descanso diurno. Os vocábulos: durmo, dormir, novo, noite e hora se referem à importância dada ao sono e repouso. E também há evidências do idoso como o cuidador de familiares:

“Eu durmo meia hora depois do almoço, levanto, vou lavar a louça e faço alguma limpeza em algum lugar, dentro da minha casa. Sento e vou ver televisão”. (F1, 62a).

“Levanto cinco horas da manhã, faço café, venho para a ginástica, volto para a casa, faço o almoço, dou comida para as crianças e de tarde eu costumo deitar um pouco no sofá”. (F3, 62 anos).

“Minha rotina é rotativa, corrida. Venho para a Academia, saio e vou fazer hidroginástica. Chego em casa, cuido da mãe até mais ou menos três horas”. (F30, 60a).

DISCUSSÃO

As atividades do idoso envolvem familiares, amigos e o ambiente da ACS, o que pode ser benéfico na promoção de sua saúde e bem-estar. Tais resultados indicam as transformações ocorridas no cotidiano de idosos aposentados, pelo tempo disponível para outras atividades, além das habituais de cuidado do lar e da família, próprias das mulheres que, inclusive, são a maioria de participantes nesta pesquisa. Para os que estavam inseridos no mercado de trabalho, a participação em diferentes atividades de seu novo cotidiano evidencia a transição da vida social de trabalhador para a de aposentado e os impactos no comportamento. A participação e o engajamento em atividades ocupacionais facilitam ao idoso ter propósito na vida, mantendo sua funcionalidade e independência nas atividades diárias¹³.

Estudo que relacionou a percepção da transição da situação de trabalhador para aposentado identificou que os idosos apresentam nesta fase questões relacionadas à readaptação de vida, pessoais ou familiares, perdas sociais, econômicas e ganhos psicoemocionais e QV. Esse processo de transição pode ser influenciado por fatores anteriores a aposentadoria¹⁴.

A qualidade da adaptação à aposentadoria pode variar de acordo com fatores pessoais de saúde, emocionais, familiares, sociais e econômicos. Pesquisa de revisão realizada no Brasil concluiu que a aposentadoria não seria um fator de risco à saúde em todas as fases da vida, tampouco representa fator de risco para depressão em idosos¹⁵. Na Suécia, pesquisa com amostra representativa da população geral, mas com mais alto grau de educação, evidenciou nos achados transversais da primeira onda da pesquisa que pessoas aposentadas demonstraram melhor saúde psicológica em comparação com aquelas que ainda trabalhavam, e os longitudinais da primeira e segunda ondas mostraram que os que se aposentaram entre as ondas da pesquisa apresentaram mais mudanças positivas na saúde psicológica quando comparados aos que ainda trabalhavam ou estavam aposentados¹⁶.

A aposentadoria tem vertentes positivas, relacionadas à liberdade, mais tempo disponível para relacionamentos e atividades sociais e de lazer¹⁷. O aproveitamento do tempo se evidencia quando os idosos enfatizam a importância dos membros da família nesse novo cotidiano. Os léxicos remetem a tais membros e as atividades que eles demandam.

As UCE indicam que as interações com sobrinhos, netos e filhos e a manutenção de vínculos com irmãos proporciona ao idoso o sentido de pertencimento à família. O contato com a família permite que o idoso se socialize e se sinta valorizado, além de proporcionar descontração e alegria que fazem bem a sua saúde. Essas relações familiares influenciam o bem-estar. Pessoas que recebem apoio familiar desenvolvem maior autoestima que impacta no otimismo, no afeto e na saúde mental¹⁸. Considerando tais benefícios, bons relacionamentos são importantes, em especial quando as pessoas envelhecem, logo, fortalecer as relações familiares e os vínculos interpessoais confirmam-se como importantes para a QV de idosos.

Por outro lado, a mudança da estrutura familiar, como divórcio, viuvez, casamento de filhos ou nascimento de netos, faz com que muitos idosos vivenciem a solidão, como visto nos casos de ausência de companhia. A boa condição de saúde e independência financeira possibilitam ao idoso arcar com suas responsabilidades e gerenciar sua vida. Muitos são provedores de seus núcleos familiares e mostram-se satisfeitos, com sentimento de reciprocidade por receberem atenção e ajuda dos familiares em troca de auxílio financeiro, como compensação pela dedicação¹⁷.

Estudo realizado na Áustria sobre a importância do contato intergeracional para a saúde e QV de idosos afirma que a proximidade e a frequência da convivência de idosos com netos, filhos e parentes são fontes importantes para a QV na velhice¹⁹. As atividades de lazer citadas pelos participantes desta pesquisa são passear, ir ao shopping e cinema, e ir à igreja, e são realizadas, em sua maioria, na companhia de familiares e/ou amigos, e contribuem para o equilíbrio emocional e a socialização. Pesquisa no sul do Brasil concluiu que a maior participação em diferentes atividades no lazer se associa a boa percepção de QV dos idosos investigados²⁰, o que reforça o incentivo para que este grupo incremente tais atividades.

O engajamento em atividades de socialização e lazer envolvendo familiares e amigos sofre influências das ações de promoção de interação que são realizadas no ambiente do grupo da ACS, tais como passeios a teatros, museus, cinemas, parques, praias. Essas atividades afetam positivamente as pessoas, promovendo melhorias em seu bem-estar físico e psicológico. A convivência no grupo cria vínculos e quando inseridas no cotidiano, as atividades da ACS transformam hábitos, promovendo uma atitude ativa e positiva diante da vida.

As atividades realizadas no ambiente do grupo se inserem no cotidiano dos idosos, são motivacionais e permitem que se percebam úteis e sintam prazer naquilo que fazem. Essa influência positiva evita o isolacionismo social de idosos, que se associa fortemente à saúde física e mental e se apresenta como uma grande preocupação para a saúde de idosos e também para as políticas sociais^21,22.

A convivência em grupo é importante para o contato e o estabelecimento de vínculos entre humanos, pertencimento social, favorecendo a QV e esse impacto é visto na avaliação da relação entre tipos e quantidade de atividade social e a QV, de acordo com sexo e faixa etária, havendo uma associação positiva entre o aumento do número de atividades sociais e aumento da QV²³.

A pesquisa em tela teve um maior número de mulheres envolvidas nas atividades da ACS, explicada no fato de que homens idosos tendem a praticar maior número de modalidades de atividades físicas quando comparados às mulheres, mas as mulheres idosas tendem a serem mais adeptas às atividades físicas como ginásticas e hidroginásticas em ambientes púbicos ou ao ar livre²⁴, como é o caso do local desta pesquisa. Isso mostra a necessidade de repensar a arquitetura de ambientes públicos, áreas de lazer, museus, praças e replanejá-los a fim de viabilizar a inserção de idosos nesses locais e permitir sua utilização para convivência, lazer e prática de atividades físicas. Investir em segurança e em meios que viabilizem o acesso dos idosos, tais como transportes, pavimentação e obras que preparem esses locais para a prática de atividades físicas de forma a atender às necessidades de todos.

O predomínio de ações que caracterizam o cotidiano doméstico evidencia que as mulheres têm uma vida cotidiana ativa, dividem-se entre as práticas de atividades físicas e os afazeres domésticos que, em sua maioria, não se constituem como limitações para realizarem suas atividades de vida diárias, ainda que relatem cansaço após as tarefas. Manter-se capaz de realizar suas funções no lar pode ser considerado como um dos benefícios da prática de atividades físicas na ACS.

O processo de envelhecimento interfere diretamente nas atividades básicas do cotidiano, e a prática de atividades físicas contribui para a autonomia e independência funcional de idosos²⁵. Independência e autonomia são conquistas a serem perseveradas e, nesse sentido, as atividades físicas realizadas na ACS, com ou sem aparelhos, denominadas genericamente pelos idosos e presentes nas UCE como atividade e ginástica, buscam desenvolver a capacidade de equilíbrio, flexibilidade, resistência, agilidade e força, que são habilidades importantes para manutenção das atividades de vida diárias²⁶.

Rotinas ocupadas com muitas tarefas e as diversas responsabilidades assumidas fazem com que o idoso se sinta valorizado socialmente. Cuidar da família eleva sua autopercepção de utilidade e afeta seu bem-estar e sua forma de encarar a velhice¹⁷. Por outro lado, também evidencia que a tarefa de cuidar permanece fortemente ligada à figura feminina, reafirmando a questão de gênero implicada nos cuidados diretos do lar e das pessoas, o que pode afetar as mulheres em relação a sua vida social e saúde física e mental²⁷. Isto pode explicar, em parte, a presença significativa nos resultados desta pesquisa de sono e cochilos diurnos.

A cidadania dos idosos se expressou no uso da carteira de gratuidade para se locomover pela cidade e para atividades de lazer. O uso de gratuidades e descontos em atividades de lazer indica a consciência sobre seus direitos, aspecto que também é objeto de discussão durante as atividades na ACS.

O Estatuto do Idoso garante a participação de idosos em atividades culturais e de lazer por meio de descontos no valor de ingressos e gratuidade no transporte coletivo urbano para os maiores de 65 anos, ficando a critério das autoridades locais sobre a gratuidade dos idosos de 60 a 65 anos²⁸.

Oportunidades de locomoção e de lazer sofrem o impacto do medo da violência que afeta a sensação de segurança no cotidiano e os impedem de realizar atividades de lazer como gostariam. Esses dados podem ser justificados pelo fato de a pesquisa ter sido realizada em um grande centro urbano, especialmente pelo contexto da cidade do Rio de Janeiro (RJ).

As condições e estilo de vida são fatores importantes na determinação social da saúde e na promoção do cuidado²⁹. Em vista disso, os discursos que refletem as ações do cotidiano denotam afetos, atitudes, revelam sentimentos e o modo como se vive gera avaliações, logo, gostar do que se faz ajuda a manter a motivação e a proatividade contribuindo para a adesão às atividades promotoras de saúde.

O uso recorrente dos verbos gostar e adorar pelos idosos caracterizam os afetos mobilizados para a manutenção de uma vida repleta de atividades, incluindo-se a participação na Academia. Daí a importância da avaliação e aconselhamento profissional, que contribuam para que o idoso manifeste suas opiniões e participe das decisões sobre o cuidado, em conjunto com o profissional, que pode auxiliá-lo no atendimento às suas necessidades e desejos.

Esta pesquisa se realizou em um espaço propício ao estabelecimento de relações entre saúde e atividade física, contexto que incide sobre a produção discursiva de seus conviventes. Sobre essa incidência, observa-se que a formação de uma identidade social de grupo pode ser um poderoso determinante do comportamento relacionado à atividade física³⁰.

O Brasil ainda não está preparado para enfrentar o envelhecimento populacional, precisa adequar o sistema de saúde e prover-se de políticas públicas voltadas para a atenção integral e QV³¹. Não obstante, observa-se que a Academia da Saúde integra a PNPS, se alinha à Política Nacional de Envelhecimento Ativo, e traduz as iniciativas de atendimento das necessidades de saúde e de manutenção da funcionalidade do idoso. Pesquisa de revisão evidenciou que a participação nas atividades da ACS gerou resultados positivos em pessoas com doenças crônicas e comorbidades¹⁰, indicando que a ACS é uma aliada na promoção e tratamento de saúde, somando-se às variadas iniciativas incentivadas pela gerontologia, que prima pela abordagem ampla da saúde e integral do ser humano.

Nesse esforço, há que se ter maior empenho de instituições, clínicas, hospitais e dos próprios profissionais de saúde para colocar em prática valores que sejam incorporados pelos idosos à promoção de hábitos saudáveis e manutenção das condições de saúde. A realização desta pesquisa em somente um campo de um grande centro urbano limita seus resultados. Recomenda-se ampliá-la para outros espaços e grupos de idosos para aprofundar os debates e análises por gênero, faixa etária e de variedade de condições de vida e de cotidianos. Não obstante, as contribuições desvelam a ACS como espaço de promoção de saúde e de cuidado, individuais e coletivos, em atendimento ao disposto na política de envelhecimento ativo⁸, sendo, portanto, pela ampla abrangência de atividades que proporciona, um campo profícuo para a atuação interdisciplinar. Soma-se a isso que estudos mostram que a participação em programas de atividades físicas e de lazer promovidos pelo governo brasileiro são fatores importantes na promoção e manutenção de estados de saúde adequados a QV na velhice³².

CONCLUSÃO

Atividades físicas diárias, participação social, convívio e interação com amigos nos grupos de convivência, práticas religiosas, realização de atividades cotidianas com independência e autonomia, apoio e contato familiar, importância do sono e repouso, assim como atividades de lazer na companhia de amigos e parentes, são as principais atividades realizadas e que integram o cotidiano do idoso, contribuindo para a sua saúde e QV.

A ACS integra uma política pública que promove a saúde e a qualidade de vida das pessoas por meio de diversas atividades, com isso, estimula o envelhecimento ativo, diversifica as atividades do cotidiano, incrementa a socialização e as oportunidades de lazer de idosos, na medida em que oportuniza ampliação das relações sociais, constituindo-se em uma importante política pública de promoção da saúde de pessoas idosas.

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• Financiamento da pesquisa:

  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Processo no. 310399/2015-7, Bolsa de Produtividade em Pesquisa. Capes Demanda Social, Bolsa de Estudos.

Editado por

Edição:

Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Out 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  15 Abr 2019
• Aceito
  10 Jun 2020