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Vacinação contra covid-19 como direito e proteção social para a população idosa no Brasil

A promoção da saúde e da qualidade de vida da população idosa está diretamente relacionada com o sistema de proteção social que um país é capaz de proporcionar aos seus cidadãos. A noção de estado de bem-estar social ou Welfare State, que emergiu na Europa do século XIX, defende que cabe ao Estado a garantia de direitos e serviços considerados básicos para a sobrevivência e a qualidade de vida. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garante em termos legais um sistema de proteção social constituído por três componentes estruturantes, que são: a saúde, a assistência social e a previdência social. Consequentemente, compõem a seguridade social brasileira, o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema de Assistência Social (SUAS) e a Previdência Social (INSS). Apesar de constituir um importante marco legal e com incidência direta na promoção da saúde e aumento da expectativa de vida, diversos são os desafios para a completa implementação da proteção social à população idosa no Brasil11 Souza MS. Proteção social aos idosos no Brasil de 1988 a 2016: trajetória e características [Tese na Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2018 [acesso 09 dez. 2021]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/30880/2/ve_Michele_Souza_ENSP_2018.pdf
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Como parte do direito e acesso irrestrito à saúde, conforme preconiza o SUS e o paradigma da proteção social, a imunização compõe um dos principais programas nacionais desde sua constituição na década de 1970. O Programa Nacional de Imunização (PNI) tem sido fundamental para a diminuição da mortalidade infantil, o aumento dos anos de vida e a prevenção de agravos diversos, possibilitando que a pirâmide demográfica da população brasileira se aproxime aos dos países desenvolvidos22 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira MA, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020;36(Suppl 2):e00222919. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919..

Os idosos, estimados em 30 milhões de pessoas no Brasil, fazem parte do grupo vulnerável para o adoecimento e morte por covid-19 e, portanto, são prioritários no calendário de vacinação. Essa vulnerabilidade está associada ao fato dos casos graves e fatais terem se concentrado majoritariamente na população acima de 60 anos no início da transmissão comunitária do vírus, em março de 2020, e assim permanecido a maior parte da pandemia. Com o início da vacinação nos primeiros meses de 2021 e o seu lento processo de aplicação, por conta de problemas de escassez dos imunizantes, desencontros de faixas etárias e estágios diferentes de imunização entre regiões, estados e municípios do país, o perfil etário dos casos graves e óbitos se modificou, indicando que a prioridade do calendário vacinal obteve resultado. Por conseguinte, no mês de junho de 2021, observamos um recuo de idade nos óbitos e internações (casos graves), que coincidiu com um momento de grande cobertura vacinal dos idosos33 Fundação Oswaldo Cruz, Observatório COVID-19. Boletim Observatório Covid-19: Semana Epidemiológica 47 [Internet] . Brasília, DF; FIOCRUZ; 2020 [acesso em 04 dez. 2021]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-do-observatorio-covid-19-semana-47
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Atualmente, o debate centra-se na aplicação da terceira dose, também conhecida como dose de reforço. Com a chegada do inverno no Hemisfério Norte (meses de dezembro a fevereiro), diversos países europeus têm apostado nas doses de reforço e na vacinação infantil para fortalecer as suas defesas contra um ressurgimento de novas ondas e variantes do vírus SARS-CoV-2. Se na Europa a preocupação é com a sazonalidade das infecções respiratórias, no Brasil tememos as aglomerações para as festas de fim de ano e o carnaval.

O Ministério da Saúde anunciou em setembro de 2021 que qualquer pessoa com 18 anos ou mais pode obter uma dose de reforço, desde que tenha recebido sua segunda dose da vacina há pelo menos 5 meses. Na ocasião, 93% dos idosos estavam com a vacinação completa e foi a primeira parcela da população a receber a terceira dose44 Brasil. Ministério da Saúde. LocalizaSUS. Informe Covid-19 Vacinação: Doses Aplicadas. Brasília, DF: MS; 2021 [acesso em 05 dez. 2021]. Disponível em: https://infoms.saude.gov.br/extensions/DEMAS_C19_Vacina_v2/DEMAS_C19_Vacina_v2.html
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. Novamente observou-se um movimento de recuo do número de óbitos e agravamento da doença na população idosa, sugerindo um forte indicativo do benefício desse protocolo de vacinação33 Fundação Oswaldo Cruz, Observatório COVID-19. Boletim Observatório Covid-19: Semana Epidemiológica 47 [Internet] . Brasília, DF; FIOCRUZ; 2020 [acesso em 04 dez. 2021]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-do-observatorio-covid-19-semana-47
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Ainda tem sido difícil identificar quem são os indivíduos que não retornaram para a segunda dose, bem como se a terceira dose terá uma boa aderência como a primeira, dessa forma será importante promover uma agenda de investigação sobre hesitação vacinal na população idosa. Se antes a segurança da vacina era um dos principais motivos levantados na hesitação, hoje podemos destacar também o baixo nível de medo do vírus. Nesse mesmo sentido, é preciso investir em pesquisas que avaliem o alcance e abrangência da vacinação, tal qual aferir os impactos dos esquemas vacinais propostos.

Não temos dúvidas de que gestores e profissionais de saúde devam insistir na divulgação da necessidade de imunização como estratégia de mitigação da pandemia. Em especial quanto à aplicação da terceira dose, que complementada com as medidas de proteção individual e distanciamento social, podem ser capazes de minimizar a propagação do vírus e o impacto da covid-19 na população idosa. Por isso é importante seguirmos com o incentivo às doses propostas e já nos prepararmos para uma provável segunda rodada do protocolo completo da vacinação, não só para a dose de reforço. Grandes indústrias farmacêuticas, privadas e públicas, já se preparam para o desenvolvimento de vacinas mais específicas para lidar com as mutações do vírus que ameaçam a eficácia da vacina. Então, o panorama aponta a necessidade de esclarecimento e incentivo contínuo através de campanhas de vacinação específicas aos grupos populacionais, especialmente aos idosos, que estejam centradas em suas dúvidas e reticências, com linguagem e meios de acesso adequados.

No atual momento (dezembro de 2021), observamos uma queda e estabilização dos casos por um longo período, temos um cenário pandêmico mais favorável do que o que vivenciamos no decorrer de toda a pandemia no Brasil. No entanto, uma nova onda e o surgimento da variante ômicron traz novamente incertezas para a ciência, os governos, as populações, o mercado e poderá afetar diretamente as eleições de 2022 no Brasil. Infelizmente, temos visto que o debate em torno da vacinação tem sido utilizado como ferramenta de disputa ideológica, esvaziando o debate em torno do direito à proteção social, à saúde, à vacina e do seu excelente custo benefício como estratégia de saúde pública. Nesse sentido, consideramos que a imunização da população precisa ser contemplada em uma política de Estado, alinhada aos propósitos do SUS e do sistema de proteção social brasileiro.

REFERÊNCIAS

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    Souza MS. Proteção social aos idosos no Brasil de 1988 a 2016: trajetória e características [Tese na Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2018 [acesso 09 dez. 2021]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/30880/2/ve_Michele_Souza_ENSP_2018.pdf
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  • 2
    Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira MA, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020;36(Suppl 2):e00222919. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919.
  • 3
    Fundação Oswaldo Cruz, Observatório COVID-19. Boletim Observatório Covid-19: Semana Epidemiológica 47 [Internet] . Brasília, DF; FIOCRUZ; 2020 [acesso em 04 dez. 2021]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-do-observatorio-covid-19-semana-47
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    Brasil. Ministério da Saúde. LocalizaSUS. Informe Covid-19 Vacinação: Doses Aplicadas. Brasília, DF: MS; 2021 [acesso em 05 dez. 2021]. Disponível em: https://infoms.saude.gov.br/extensions/DEMAS_C19_Vacina_v2/DEMAS_C19_Vacina_v2.html
    » https://infoms.saude.gov.br/extensions/DEMAS_C19_Vacina_v2/DEMAS_C19_Vacina_v2.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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