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Propósito de vida e desempenho de atividades avançadas de vida diária em idosos mais velhos

Resumo

Objetivo

Verificar a associação entre propósito de vida (PV) e a realização de atividades avançadas e instrumentais de vida diária (AAVD e AIVD) em idosos.

Método

Estudo de corte transversal com participantes da avaliação de seguimento do estudo FIBRA (Fragilidade em Idosos Brasileiros) nas cidades de Campinas e Ermelino Matarazzo (SP), Brasil, nos anos de 2016 e 2017. Participaram 187 idosos com 80 anos e mais recrutados em domicílios familiares. O protocolo incluiu a aplicação de um teste de rastreio de deficit cognitivo sugestivo de demência, escala para avaliação das AAVD, a Escala de Lawton e Brody avaliando AIVD, a Escala de Depressão Geriátrica e a Escala de Propósito de Vida de Ryff e Keyes (1995).

Resultados

Os participantes tinham em média 83,81 (±3,60) anos, 4,38 (±3,76) anos de escolaridade e tinham renda mensal média de 3,49 salários mínimos (±2,61) e 125 (66,8%) eram mulheres. Análises de regressão hierárquica mostraram associações estatisticamente significativas entre PV, sintomas depressivos e pontuação mais alta em AAVD (p=0,003) e sem associação significativa com AIVD (0,580), em modelo ajustado para variáveis sociodemográficas, avaliação subjetiva de saúde, desempenho cognitivo e depressão.

Conclusões

Os idosos com maior escore de PV e menor número de sintomas depressivos foram mais propensos a realizar AAVD, mas não AIVD, que se associaram à idade, sexo, sintomas depressivos e desempenho cognitivo. PV pode colaborar para a manutenção do estado funcional no idoso, contribuindo para um envelhecimento saudável.

Palavras-Chave:
Longevidade; Envelhecimento; Satisfação pessoal; Atividades de vida diária

Abstract

Objective

To verify the association between purpose in life (PL) and the performance in advanced (AADL) and instrumental (IADL) activities of daily living.

Methods

Cross-sectional community-based study which analyzed data from the follow-up assessment of the FIBRA Study (Frailty in Elderly Brazilians) in the cities of Campinas and Ermelino Matarazzo (SP), Brazil, in 2016 and 2017. Participants were 187 community dwelling persons aged 80 years and older. The protocol included the application of a cognitive deficit screening test suggestive of dementia, an inventory assessing AADL, the Lawton and Brody scale (IADL), the Geriatric Depression Scale and the Ryff and Keyes’ (1995) Purpose in Life Scale.

Results

Participants had an average of 83.81 (±3.60) years, 4.38 (± 3.76) years of schooling, 3.49 minimum wages (±2.61) of income, 125 (66.8%) being women. Hierarchical linear regression analyzes showed that PV and depressive symptoms were significantly associated with a higher number of AADL (p=0.003) and no significant association with IADL scores (0.580), in a model adjusted for sociodemographic variables, self-rated health, cognitive performance and depression.

Conclusions

The results suggest that older adults with higher PL and lower number of depression symptoms are more likely to perform a higher number of AADL. This association was not observed for IADL, which were associated with age, sex, depression and cognitive performance. PL may have an impact on complex levels of functional status in the elderly, thus contributing to healthy aging.

Keywords
Longevity; Aging; Personal satisfaction; Activities of Daily Living

INTRODUÇÃO

A capacidade funcional pode ser definida como a habilidade para realizar atividades que possibilitam à pessoa cuidar de si mesma e viver de maneira independente. Pode ser avaliada por questionários que investigam a capacidade de realizar atividades básicas (ABVD), instrumentais (AIVD) e avançadas de vida diária (AAVD)11 Pinto AH, Lange C, Pastore CA, de Llano PMP, Castro DP, dos Santos F. Capacidade funcional para atividades da vida diária de idosos da Estratégia de Saúde da Família da zona rural. Cien. Saude Colet. 2016; 21, 3545–3555. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-812320152111.221820. As ABVD são atividades relacionadas ao autocuidado e à sobrevivência, incluindo tomar banho e alimentar-se, enquanto as AIVD são atividades de vida prática; são mais complexas, no que tange às exigências cognitivas e incluem manejar medicações, controlar as finanças e usar meios de transporte, que podem sofrer a influência de fatores sociais, motivacionais e contextuais22 Antúnez SF, Lima NP, Bierhals IO, Gomes AP, Vieira LS, Tomasi E. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária: um estudo de base populacional com idosos de Pelotas, Rio Grande do Sul 2014. Epidemiol. Serv. Saude, Brasília 2018; 27(2), 2017290. Disponível em: https://doi: 10.5123/S1679-49742018000200005. As AAVD referem-se a atividades comumente realizadas fora do domicílio, que revelam envolvimento com a comunidade e participação social, entre elas trabalho remunerado e voluntário, frequentar a igreja, comparecer a centros de convivência para idosos e realizar cursos33 Sposito G, Neri AL, Yassuda MS. Atividades avançadas de vida diária (AAVD) e o desempenho cognitivo em idosos residentes na comunidade: Dados do Estudo FIBRA Polo UNICAMP. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2016; 19(1):7-20. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-9823.2016.15044.

Um número crescente de estudos sugere que fatores psicológicos podem moderar o impacto da idade sobre o estado funcional, entre eles o bem-estar eudaimônico ou psicológico (BEP)44 Ryff CD, Heller AS, Schaefer SM, van Reekum C, Davidson RJ. Purposeful Engagement, Healthy Aging, and the Brain. Curr. Behav. Neurosci. Reports. 2016; 3, 318–327. Disponível em: https://doi:10.1007/s40473-016-0096-z. De acordo com Ryff e Keyes55 Ryff CD, Keyes CL. The structure of psychological well-being revisited. J Pers Soc Psychol. 1995; 69(4): 719-27. Disponível em: https://doi: 10.1037//0022-3514.69.4.719 existem seis dimensões do BEP: autonomia (independência e capacidade de autodeterminação); domínio do ambiente (capacidade de gerenciar o mundo ao redor); crescimento pessoal (estar aberto a novas experiências); relações positivas com os outros; autoaceitação (atitude positiva em relação a si mesmo); e propósito de vida (PV). Em especial, PV refere-se ao senso de que a vida tem sentido e direção, e orienta o comportamento em busca do alcance de metas e objetivos. PV está relacionado a uma visão positiva sobre a vida, tal como sentir-se motivado para viver66 Boyle PA, Buchman AS, Bennett DA. Purpose in life is associated with a reduced risk of incident disability. Am J Geriatr Psychiatry 2010a; 18, 1093–1102. Disponível em: https://doi:10.1097/JGP.0b013e3181d6c259. É descrito por Ryff et al.44 Ryff CD, Heller AS, Schaefer SM, van Reekum C, Davidson RJ. Purposeful Engagement, Healthy Aging, and the Brain. Curr. Behav. Neurosci. Reports. 2016; 3, 318–327. Disponível em: https://doi:10.1007/s40473-016-0096-z como um dos principais domínios do BEP, associado à maior probabilidade de engajamento em comportamentos saudáveis e a desfechos favoráveis no envelhecimento. PV é um construto cada vez mais explorado na pesquisa contemporânea devido ao seu potencial de estimular a resiliência em face de adversidades e estressores44 Ryff CD, Heller AS, Schaefer SM, van Reekum C, Davidson RJ. Purposeful Engagement, Healthy Aging, and the Brain. Curr. Behav. Neurosci. Reports. 2016; 3, 318–327. Disponível em: https://doi:10.1007/s40473-016-0096-z. Atua como amortecedor dos efeitos de fatores de risco sobre a saúde física e mental e pode ser foco de intervenções que visem à melhora dessas condições77 Ko HJ, Hooker K, Geldhof GJ, McAdams DP. Longitudinal purpose in life trajectories: Examining predictors in late midlife. Psychol. Aging. 2016; 31, 693–698. Disponível em: https://doi: 10.1037/pag0000093. Sua importância é grande na idade avançada, quando aumentam as possibilidades de perda de capacidades físicas e cognitivas e de ocorrência de eventos não-controláveis, cujo manejo é beneficiado por uma visão positiva sobre a vida e por sentir-se motivado para viver.

Maiores pontuações em PV relacionam-se ao uso de serviços preventivos de saúde88 Kim ES, Strecher VJ, Ryff CD. Purpose in life and use of preventive health care services. Proc. Natl. Acad. Sci. 2014; 111, 16331–16336. Disponível em: https://doi: 10.1073/pnas.1414826111; maior frequência de atividade física99 Hooker SA, Masters KS. Purpose in life is associated with physical activity measured by accelerometer. J. Health Psychol. 2016; 21, 962–971. Disponível em: https://doi:10.1177/1359105314542822,1010 Kim ES, Kawachi I, Chen Y, Kubzansky LD. Association between purpose in life and objective measures of physical function in older adults. JAMA Psychiatry. 2017; 74, 1039–1045. Disponível em: https://doi: 10.1001/jamapsychiatry.2017.2145; a menor chance de hospitalização1111 Wilson RS, Capuano AW, James BD, Amofa P, Arvanitakis Z, Shah R, et al. Purpose in life and hospitalization for ambulatory care-sensitive conditions in old age. Am. J. Geriatr. Psychiatry. 2018; 26, 364–374. Disponível em: https://doi:10.1016/j.jagp.2017.06.022; melhor qualidade do sono1212 Kim ES, Hershner SD, Strecher VJ. Purpose in life and incidence of sleep disturbances. J. Behav. Med. 2015; 590–597. Disponível em: https://doi:10.1007/s10865-015-9635-4; menor comprometimento cognitivo1313 Lewis NA, Turiano NA, Payne BR, Hill PL. Purpose in life and cognitive functioning in adulthood. Aging, Neuropsychol. Cogn. 2017; 24, 662–671. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13825585.2016.1251549; menor risco para a doença de Alzheimer1414 Boyle PA, Buchman AS, Barnes LL, Wilson RS, Yu L, Schneider JA, et al. Effect on Purpose of Life on the Relation Between Alzheimer Disease Pathologic Changes on Cognitive Function in Advanced Age. Arch Gen Psychiatry 2012; 69, 499–505. Disponível em: https://doi: 10.1001/archgenpsychiatry.2011.1487; e menores taxas de mortalidade1515 Hill PL, Turiano NA. Purpose in Life as a Predictor of Mortality Across Adulthood. Psychol. Sci. 2014; 25, 1482–1486. Disponível em: https://doi: 10.1177/0956797614531799. Boyle et al.66 Boyle PA, Buchman AS, Bennett DA. Purpose in life is associated with a reduced risk of incident disability. Am J Geriatr Psychiatry 2010a; 18, 1093–1102. Disponível em: https://doi:10.1097/JGP.0b013e3181d6c259 demonstraram que pontuação mais alta em PV associou-se a menor risco de desenvolvimento de incapacidades em ABVD e em AIVD e a menos limitações na mobilidade, depois de 4 anos, controlando variáveis sociodemográficas, fragilidade, risco cardiovascular, doenças vasculares, depressão, neuroticismo e tamanho da rede social. Em outro estudo de seguimento1616 Mota NP, Tsai J, Kirwin PD, Sareen J, Southwick SM, Pietrzak RH. Purpose in Life is Associated with a Reduced Risk of Incident Physical Disability in Aging U.S. Military Veterans. Am. J. Geriatr. Psychiatry. 2016; 24, 706–714. Disponível em: https://doi: 10.1016/j.jagp.2016.03.004, observaram que pontuação mais alta em PV foi fator protetor contra o desenvolvimento de incapacidades em AIVD, mesmo após ajuste por fatores de risco sociodemográficos, físicos e psiquiátricos. Possíveis explicações para esses achados podem estar relacionadas ao fato de pessoas com alto nível de PV tenderem a ser mais proativas quanto ao autocuidado em saúde e ao envolvimento em atividades saudáveis, com melhoria da funcionalidade global1717 Tomioka K, Kurumatani N, Hosoi H. Relationship of Having Hobbies and a Purpose in Life With Mortality, Activities of Daily Living , and Instrumental Activities of Daily Living Among Community-Dwelling Elderly Adults. J. Epidemiol 2016; 26, 361–370. Disponível em: https://doi: 10.2188/jea.JE20150153.

Com o aumento da longevidade, há uma necessidade crescente de identificar fatores que possam prolongar o tempo de manutenção da independência na velhice avançada1818 Glei DA, Goldman N, Ryff CD, Weinstein M. Physical Function in U.S. Older Adults Compared With Other Populations: A Multinational Study. J Aging Health 2019; 31(7), 1067-1084. Disponível em: https://doi: 10.1177/0898264318759378. O objetivo da presente pesquisa foi verificar a associação entre PV e a realização das AAVD e AIVD, variáveis sociodemográficas, avaliação subjetiva da saúde, desempenho cognitivo e sintomas depressivos, em idosos brasileiros com 80 anos e mais. Esta pesquisa fez uso dos dados do seguimento do estudo FIBRA (Fragilidade em Idosos Brasileiros). Optou-se em investigar a relação entre PV e AVD com idosos com 80 anos ou mais, visto que as limitações funcionais são mais frequentes na idade avançada e PV poderia ter moderado o efeito de tais limitações sobre a adaptação dos idosos.

A hipótese subjacente é que os idosos com escores mais altos de PV terão melhor desempenho em AAVD e AIVD do que os com escores mais baixos. Conjectura-se que PV mais elevado possa propiciar maior motivação para a realização de atividades e maior engajamento em comportamentos saudáveis.

MÉTODO

Este é um estudo transversal, com amostra de 187 idosos recrutados em domicílios familiares, integrantes de uma coorte de idosos nascidos a partir de 1 de janeiro de 1911 e participantes do seguimento do Estudo Fibra (Fragilidade em Idosos Brasileiros) realizado em Campinas e em Ermelino Matarazzo (EM), São Paulo, Brasil, em 2016 e 2017, no qual a medida de PV foi incluída e quando esses idosos completariam 80 anos ou mais.

Os registros da linha de base do Estudo Fibra (2008-2009; N=1.284) serviram de apoio para a identificação dos idosos que seriam convidados a participar do estudo de seguimento. O recrutamento e a coleta de dados foram realizados por estudantes treinados, na residência dos participantes e durou cerca de 90 minutos. Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 80 anos, ter participado da linha de base do Estudo Fibra Campinas, ter residência permanente no domicílio, compreender as instruções e concordar em participar. Os de exclusão foram: presença de deficit cognitivos sugestivos de demência; incapacidade permanente ou temporária para andar, mesmo utilizando bengala ou andador; perda localizada de força e afasia decorrentes de acidente vascular encefálico (AVE); comprometimento grave da motricidade, da fala ou da afetividade associados à doença de Parkinson; déficits sensoriais graves e estar em estágio terminal1919 Neri AL, Yassuda MS, de Araújo LF, Eulálio MC, Cabral BE, de Siqueira MEC, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico , cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras : Estudo FIBRA. Cad. Saúde Pública [online], 2013; vol.29, n.4, pp.778-792. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000400015.

O total foi de 1.284, sendo 900 idosos de Campinas e 384 de EM. Ao final, 543 dos 1284 idosos que participaram da primeira onda de medidas ou linha de base, foram dados como perdas por não localização, recusa, exclusão e desistência; e 192 idosos eram falecidos; portanto 549 foram entrevistados outra vez. Dentre estes, 419 pontuaram acima da nota de corte no teste de rastreio cognitivo; entre eles, 234 tinham 80 anos ou mais. Dentre os idosos elegíveis para responder a escala de propósito de vida no seguimento, 47 foram excluídos porque não responderam completamente a todos os itens da escala. Dessa forma, a amostra para este estudo foi composta por 187 idosos com 80 anos e mais, sem deficit cognitivo sugestivo de demência e que responderam a escala de propósito no seguimento do Estudo Fibra Campinas, cuja coleta de dados ocorreu em 2016 e 2017.

As variáveis de interesse foram PV, AAVD, AIVD, avaliação subjetiva da saúde, desempenho cognitivo e sintomas depressivos. As variáveis sociodemográficas incluídas na análise foram: idade; sexo; escolaridade; e renda familiar mensal em número de salários mínimos.

PV foi avaliado por uma versão de 10 itens da escala de Ryff e Keyes55 Ryff CD, Keyes CL. The structure of psychological well-being revisited. J Pers Soc Psychol. 1995; 69(4): 719-27. Disponível em: https://doi: 10.1037//0022-3514.69.4.719, traduzida e validada para uso no Brasil2020 Ribeiro CC, Neri AL, Yassuda MS. Semantic-cultural validation and internal consistency analysis of the Purpose in Life Scale for brazilian older adults. Dement Neuropsychologia 2018; 12(3):244-249. Disponível em: https: //doi.org/10.1590/1980-57642018dn12-030004. Os participantes foram solicitados a classificar seu grau de concordância com cada afirmação, em uma escala Likert de cinco pontos: não concordo de jeito nenhum (1), concordo pouco (2), concordância moderada (3), concordo muito (4) e concordo muitíssimo (5). As pontuações dos itens 2, 3, 5, 6 e 10 foram invertidas para análise. O escore final é resultado da média das respostas às 10 perguntas (soma/10), podendo variar de 1 a 5. Escores mais altos refletem níveis mais elevados de PV1414 Boyle PA, Buchman AS, Barnes LL, Wilson RS, Yu L, Schneider JA, et al. Effect on Purpose of Life on the Relation Between Alzheimer Disease Pathologic Changes on Cognitive Function in Advanced Age. Arch Gen Psychiatry 2012; 69, 499–505. Disponível em: https://doi: 10.1001/archgenpsychiatry.2011.1487. Exemplos de duas perguntas da escala: “Eu vivo a vida um dia de cada vez e realmente não penso sobre o futuro” e “Eu tenho um senso de direção e propósito de vida”.

O desempenho cognitivo foi mensurado pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Para cada idoso, o escore total pode variar de 0 a 30 pontos, correspondentes à soma dos pontos das respostas corretas. Para determinar a inclusão na presente análise foram consideradas as seguintes notas de corte, baseadas nas médias encontradas por Brucki et al.2121 Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61:777-81. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0004-282X2003000500014 para cada faixa de escolaridade menos um desvio padrão: 17 para idosos analfabetos; 22 para escolaridade entre um e quatro anos; 24 para os com escolaridade entre cinco e oito anos; e 26 para os idosos que tinham nove ou mais anos de escolaridade.

As AAVD foram avaliadas mediante um questionário contendo 17 itens de autorrelato: fazer e receber visitas; ir à igreja, ir a festas e a eventos culturais; dirigir automóvel; fazer viagens curtas e longas; desempenhar trabalho remunerado e voluntário; manter contato com amigos e familiares por telefone, carta, e-mail ou redes sociais; usar a internet para se informar, fazer compras ou movimentar a conta bancária; fazer cursos e frequentar grupos de idosos. Para cada um dos itens havia três alternativas de respostas: “nunca fiz”, “parei de fazer” e “ainda faço”. Foi computado o número de respostas “ainda faço”, que podiam variar de 0 a 17 pontos1919 Neri AL, Yassuda MS, de Araújo LF, Eulálio MC, Cabral BE, de Siqueira MEC, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico , cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras : Estudo FIBRA. Cad. Saúde Pública [online], 2013; vol.29, n.4, pp.778-792. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000400015.

As AIVD foram avaliadas por meio da Escala de Lawton e Brody2222 Lawton MP, Brody EM. Assessment of Older People: Self-Maintaining and Instrumental Activities of Daily Living. Gerontologist, 1969; 9, 179–186. Disponível em: https://doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179 com sete itens (capacidade para usar telefone, uso de transporte, capacidade de fazer compras, preparo das refeições, tarefas domésticas, uso de medicação e manejo do dinheiro) e três possibilidades de respostas: totalmente independente (3 pontos); necessita de alguma ajuda (2 pontos); e necessita de ajuda total (1 ponto). Nas análises, foi utilizada a soma das atividades realizadas com independência total.

Os participantes responderam a uma questão sobre avaliação geral da saúde, com pontuação variando entre 1 (muito ruim) e 5 (muito boa). Nas análises, os escores da avaliação geral da saúde foram divididos em quatro categorias (muito ruim/ruim, regular, bom e muito bom). Os sintomas depressivos foram avaliados por meio da Escala de Depressão Geriátrica (EDG), com 15 itens2323 Yesavage JA, Brink TL, Rose TL, Lum O, Huang V, Adey M, et al. Development and validation of a geriatric depression screening scale: A preliminary report. J. Psychiatr. Res. 1982; 17, 37–49. Disponível em: https://doi: 10.1016/0022-3956(82)90033-4,2424 Paradela EMP, Lourenço RA, Veras RP. Validação da escala de depressão geriátrica em um ambulatório geral. Rev Saúde Pública, 2005; 39(6): 918-23. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102005000600008.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas em 23/11/2015, mediante o parecer número 1.332.651, e cadastrados na Plataforma Brasil/ Ministério da Saúde sob o C.A.A.E. 49987615.30000.5404 e mediante o parecer 2.847.829, de 27/08/2018, CAAE 92684517.5.1001.5404.

Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da coleta de dados.

Foram realizadas análises descritivas para as variáveis de caracterização da amostra. Os dados são apresentados para a amostra total e para homens e mulheres separadamente. O estudo da relação de PV com as variáveis AAVD e AIVD foi realizado por meio de análise de regressão linear simples e múltipla, com método hierárquico em três modelos. O primeiro modelo analisou a associação entre PV e AAVD. No modelo dois foram acrescentadas as variáveis sexo, idade e escolaridade e, no terceiro, foram inseridos os escores do MEEM, EDG e avaliação subjetiva de saúde. Nas análises de regressão (simples e hierárquica), as variáveis numéricas foram transformadas em postos devido à ausência de distribuição normal.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 187 idosos, sendo 125 (66,84%) mulheres. A idade variou entre 80 e 98 anos com média de 83,81 (±3,60). A média de anos de escolaridade foi de 4,38 (±3,76), com variação entre 0 e 9 anos de estudo; 13,90% da amostra não tinha nenhum estudo formal. A renda média foi 3,49 SM (salário mínimo) (±2,60), sendo que 47,50% tinha renda de 1 a 3 SM. A média para o MEEM foi 25,01 (±2,80). Para a EDG a média foi de 3,54 (±2,78) variando entre 0 e 12 pontos. A Tabela 1 apresenta a caracterização sociodemográfica e clínica e os escores de PV na amostra total e na amostra segmentada por sexo. Foi observada diferença estatisticamente significativa entre número de AIVD desempenhadas com independência por homens, que se mostraram mais independentes do que as mulheres.

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e escores de PV para a amostra total e para mulheres e homens, considerando desempenho de AIVD e AAVD e avaliação subjetiva de saúde. Estudo FIBRA 80+, idosos, Campinas (SP), 2016-2017.

Na Tabela 2, pode-se observar que ocorreram associações significativas entre maiores escores em AAVD e maior número de anos de escolaridade, maior pontuação no MEEM, menor número de sintomas depressivos, escores mais altos em PV e saúde percebida como muito boa e boa.

Tabela 2
Análise de regressão linear simples das associações entre número de AAVD desempenhadas, variáveis sociodemográficas, escores no MEEM, na EDG, em PV e em avaliação subjetiva de saúde(N=187). Estudo FIBRA 80+, Campinas, SP, 2016-2017.

Na análise de regressão linear hierárquica (Tabela 3) observa-se que no modelo 2 houve uma associação positiva entre AAVD e PV e anos de escolaridade. No modelo 3, a associação entre AAVD e PV permaneceu significativa, mesmo na presença da avaliação subjetiva de saúde, MEEM e sintomas depressivos, que se associou negativamente com AAVD.

Tabela 3
Análise de regressão linear hierárquica entre escores mais altos em AAVD e PV, variáveis sociodemográficas, pontuação no MEEM e na EDG e avaliação subjetiva de saúde de saúde (N=187). Estudo FIBRA 80+, Campinas, SP, 2016-2017.

A Tabela 4 apresenta os resultados das análises de regressão linear simples entre número de AIVD desempenhadas com independência e as variáveis independentes. Observou-se uma associação positiva e significativa entre independência em AIVD e sexo masculino, anos de escolaridade, escore no MEEM, em PV, em avaliação subjetiva de saúde e associação negativa com os escores na EDG.

Tabela 4
Análise de regressão linear simples para maior independência em AIVD (N=187). Estudo FIBRA 80+, Campinas, SP, 2016-2017.

Na análise de regressão linear hierárquica para AIVD com independência (Tabela 5), observa-se que PV apresentou associação significativa com as AIVD nos modelos 1 e 2, isoladamente e na presença das variáveis sociodemográficas, respectivamente. Entretanto, no modelo mais completo, que incluiu as variáveis avaliação subjetiva de saúde, MEEM e EDG, PV não esteve associado às AIVD. No modelo 3, manteve associação significativa com sexo, idade, MEEM e EDG.

Tabela 5
Análise de regressão linear hierárquica entre maior número de AIVD desempenhadas com independência e os escores em PV, no MEEM e na EDG, variáveis sociodemográficas e avaliação subjetiva de saúde (N=187). Estudo FIBRA 80+, Campinas, SP, 2016-2017.

DISCUSSÃO

A presente pesquisa teve como objetivo verificar se haveria associação entre PV e a realização de AAVD e AIVD em idosos com 80 anos e mais. Os resultados indicaram que o número de AAVD realizadas apresentou associação significativa positiva com PV e negativa com sintomas depressivos. Entretanto, independência em AIVD associou-se negativamente com idade, sintomas depressivos, e positivamente com sexo, desempenho cognitivo, mas não com PV.

Na presente pesquisa os homens apresentaram melhor desempenho na realização das AIVDs com independência quando comparado com as mulheres. Isto devido ao fato de elas apresentaram um maior número de doenças crônicas e limitantes, as quais geram dores, dificuldades na realização das atividades cotidianas, comprometendo assim a funcionalidade2525 Tornero-Quiñones I, Sáez-Padilla J, Díaz AE, Robles MTA, Robles AS. Functional Ability, Frailty and Risk of Falls in the Elderly: Relations with Autonomy in Daily Living. Int. J. Environ. Res. Public Health 2020, 17, 1006; doi:10.3390/ijerph17031006.

Os resultados da presente pesquisa ressaltam a importância de PV elevado para a realização das AAVD, atividades mais complexas, as quais exigem maior competência cotidiana e motivação1717 Tomioka K, Kurumatani N, Hosoi H. Relationship of Having Hobbies and a Purpose in Life With Mortality, Activities of Daily Living , and Instrumental Activities of Daily Living Among Community-Dwelling Elderly Adults. J. Epidemiol 2016; 26, 361–370. Disponível em: https://doi: 10.2188/jea.JE20150153,2626 Sano N, Kyougoku M. An analysis of structural relationship among achievement motive on social participation , purpose in life , and role expectations among community dwelling elderly attending day services. PeerJ 2016; 4:e1655. Disponível em: https://doi.org/10.7717/peerj.1655. Pessoas com alto nível de PV parecem ser mais propensas a envolverem-se em atividades mais elaboradas, que exigem múltiplas habilidades e diferentes demandas ambientais. A presença de PV elevado pode constituir motivação para o envolvimento ativo na execução dessas atividades, que usualmente são realizadas na comunidade2727 Musich S, Wang SS, Kraemer S, Hawkins K, Wicker E. Purpose in Life and Positive Health Outcomes Among Older Adults. Popul. Health Manag. 2017; 21, pop.2017.0063. Disponível em: https://doi: 10.1089/pop.2017.0063,2828 Ribeiro CC, Neri AL, Yassuda MS. Propósito de vida em adultos e idosos: Revisão Integrativa. Ciênc. saúde coletiva 2020; 25(6): 2127-2142. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.20602018. Não foram identificados estudos prévios que examinaram a relação entre PV e a realização de AAVD. Assim, destaca-se que essa é uma contribuição original desta pesquisa.

Os resultados demonstraram uma influência importante da escolaridade em relação ao PV e às AAVD. De acordo com Ryff44 Ryff CD, Heller AS, Schaefer SM, van Reekum C, Davidson RJ. Purposeful Engagement, Healthy Aging, and the Brain. Curr. Behav. Neurosci. Reports. 2016; 3, 318–327. Disponível em: https://doi:10.1007/s40473-016-0096-z bem-estar psicológico e escolaridade estão fortemente ligados, especialmente pelos domínios do crescimento pessoal e PV. Segundo a autora, as oportunidades de autorrealização não são igualmente distribuídas, mas ocorrem principalmente com aqueles que aproveitam ao máximo seus talentos e capacidades. Supõe-se, assim, que indivíduos mais escolarizados apresentem mais chances de colocar suas habilidades em prática, envolver-se em atividades mais complexas, como as AAVD, aumentando a autorrealização, o bem-estar psicológico, refletindo de maneira favorável nos escores de PV2020 Ribeiro CC, Neri AL, Yassuda MS. Semantic-cultural validation and internal consistency analysis of the Purpose in Life Scale for brazilian older adults. Dement Neuropsychologia 2018; 12(3):244-249. Disponível em: https: //doi.org/10.1590/1980-57642018dn12-030004. Entretanto, observa-se que nos modelos mais complexos, após a inclusão das variáveis MEEM, EDG e Avaliação Subjetiva da Saúde, a escolaridade não esteve associada às AAVD ou AIVD.

Por outro lado, os achados referentes às AIVD demonstraram que essas atividades não estiveram associadas a PV no modelo mais completo. Resultados divergentes foram encontrados por Tomioka et al.1717 Tomioka K, Kurumatani N, Hosoi H. Relationship of Having Hobbies and a Purpose in Life With Mortality, Activities of Daily Living , and Instrumental Activities of Daily Living Among Community-Dwelling Elderly Adults. J. Epidemiol 2016; 26, 361–370. Disponível em: https://doi: 10.2188/jea.JE20150153 que investigaram idosos com 65 anos e mais, a relação entre a manutenção de passatempos e PV com mortalidade e declínio da independência. No período de seguimento de 3 anos, 248 idosos morreram, 119 declinaram em ABVD e 178 em AIVD. Não ter passatempos prazerosos e PV mais baixo, associaram-se com aumento do risco para mortalidade Odds Ratio (OR)= 2,08, IC 95%, 1,47-2,94), declínio em ABVD (OR= 2,74, IC 95%, 1,44-5,21) e declínio em AIVD (OR= 1,89, IC 95%, 1,01-3,55). O estudo de Tomioka et al.1717 Tomioka K, Kurumatani N, Hosoi H. Relationship of Having Hobbies and a Purpose in Life With Mortality, Activities of Daily Living , and Instrumental Activities of Daily Living Among Community-Dwelling Elderly Adults. J. Epidemiol 2016; 26, 361–370. Disponível em: https://doi: 10.2188/jea.JE20150153 foi uma pesquisa longitudinal e envolveu amostra mais jovem do que a do presente estudo, portanto, as comparações são limitadas pelas diferenças metodológicas.

Boyle et al.66 Boyle PA, Buchman AS, Bennett DA. Purpose in life is associated with a reduced risk of incident disability. Am J Geriatr Psychiatry 2010a; 18, 1093–1102. Disponível em: https://doi:10.1097/JGP.0b013e3181d6c259 e Mota et al.1616 Mota NP, Tsai J, Kirwin PD, Sareen J, Southwick SM, Pietrzak RH. Purpose in Life is Associated with a Reduced Risk of Incident Physical Disability in Aging U.S. Military Veterans. Am. J. Geriatr. Psychiatry. 2016; 24, 706–714. Disponível em: https://doi: 10.1016/j.jagp.2016.03.004 também demonstraram que maior pontuação em PV se associou a menor risco de desenvolvimento de incapacidades em AIVD em delineamento longitudinal de 4,7 e 2 anos, respectivamente. PV elevado está associado a comportamentos mais saudáveis ​​podendo representar fator de proteção contra doenças. Assim, é plausível supor que essa variável, se elevada, pode contribuir para a capacidade funcional de idosos77 Ko HJ, Hooker K, Geldhof GJ, McAdams DP. Longitudinal purpose in life trajectories: Examining predictors in late midlife. Psychol. Aging. 2016; 31, 693–698. Disponível em: https://doi: 10.1037/pag0000093,2929 Irving J, Davis S, Collier A. Aging With Purpose : Systematic Search and Review of Literature Pertaining to Older Adults and Purpose. Int J Aging Hum Dev, 2017; 85(4):403-437. Disponível em: https://doi:10.1177/0091415017702908. Na análise, PV foi significativamente associada nos modelos 1 e 2, na presença de variáveis sociodemográficas. Perde-se sua significância quando as variáveis foram adicionadas. Tal achado pode indicar que, entre o idoso mais velho, as AIVD são mais influenciadas pelo desempenho cognitivo, humor e estado de saúde do que por bem-estar psicológico. Por outro lado, o desempenho nas AAVD pode ser impulsionado pelo senso de propósito.

Nos resultados apresentados, pôde-se observar que sintomas depressivos estiveram associados com AIVD e AAVD no modelo de regressão mais completo, bem como indicam que fatores psicossociais, particularmente a depressão, parecem estar associados ao risco de incapacidade física e funcional nas atividades cotidianas por pessoas em idade avançada3030 Mendes de Leon CF, Rajan KB. Psychosocial influences in onset and progression of late life disability. J Gerontol B Pshycol Sci Soc Sci. 2014; 69:287-302. Disponível em: https://doi:10.1093/geronb/gbt130. Por outro lado, outros estudos sugerem que a depressão é o resultado do aumento da incapacidade funcional, e não variável preditora de alterações no estado funcional3131 Chao SF. Functional disability and depressive symptoms: longitudinal effects of activity re- striction, perceived stress, and social support. Aging Ment Health 2014; 18:767-76. Disponível em: https://doi: 10.1080/13607863.2013.878308.

Essa associação pode ser explicada pelo fato de a depressão ser uma condição relacionada a baixos níveis de atividade e à redução do estado motivacional, levando a deficit de mobilidade, em desempenho físico e a estilo de vida sedentário3131 Chao SF. Functional disability and depressive symptoms: longitudinal effects of activity re- striction, perceived stress, and social support. Aging Ment Health 2014; 18:767-76. Disponível em: https://doi: 10.1080/13607863.2013.878308. Os achados sobre sintomas depressivos e PV estão de acordo com outros estudos transversais. Por exemplo, Hedberg et al.3232 Hedberg P, Gustafsonb Y, Alèx L, Brulin C. Depression in relation to purpose in life among a very old population: A five-year follow-up study. Aging & Mental Health, August 2010; Vol. 14, No. 6, 757–763. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13607861003713216 incluiu 189 participantes (120 mulheres e 69 homens) com idades entre 85 e 103 anos, vivendo no norte da Suécia. Como resultado observaram que 40 participantes (21,2%) estavam com depressão, sendo estes os que apresentaram escores mais baixos em PV.

Os achados do presente estudo sugerem que PV mais elevado pode associar-se a maior envolvimento com atividades complexas realizadas na comunidade. Adicionalmente, estudos têm demonstrado que PV pode ser elevado por meio de intervenções psicossociais.

Um protocolo escolar elaborado para ensinar crianças e adolescentes sobre a importância do bem-estar demonstrou aumento no bem-estar psicológico (BEP) em uma amostra não clínica3333 Ruini C, Belaise C, Brombin C, Caffo E, Fava GA. Well-being therapy in school settings: A pilot study. Psychotherapy and Psychosomatics 2006; 75, 331-336. Disponível em: https:// doi: 10.1159/000095438. Nessas investigações uma combinação de técnicas de TCC (Terapia Cognitiva Comportamental) foi seguida por estratégias específicas para adaptar as dimensões do BEP. Baseada nessa intervenção escolar, Friedman et al.3434 Friedman EM, Ruini C, Foy R, Jaros LV, Sampson H, Ryff C. Lighten UP! A community-based group intervention to promote psychological well being in older adults. Aging & Mental Health 2017; Vol. 21, No. 2, 199205. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1093605 elaboraram o Programa Lighten UP! para promover o BEP em idosos que vivem na comunidade. O programa teve duração de oito semanas, e teve como objetivo ensinar os participantes (103 homens e mulheres com 60 anos ou mais) a identificar experiências positivas em vários domínios do BEP. Depois da intervenção, os participantes relataram aumento significativo do BEP (incluindo PV), satisfação com a vida, bem-estar social e níveis mais baixos de depressão. Esta investigação piloto sugere que essas intervenções podem aumentar o BEP e viabilizar mudanças positivas para o idoso.

Como limitações do presente estudo, pode-se citar o fato da pesquisa ser transversal, não possibilitando estabelecer relações de causa e efeito entre PV e estado funcional. Adicionalmente, deve ser considerado o possível viés de seleção de amostras em estudos longitudinais, quando os participantes mais vulneráveis são excluídos. Assim, é possível que pessoas com PV mais baixo e maior dependência nas AVD tenham saído da amostra em maior proporção, seja por morte, seja por necessidade de residir com os filhos ou em instituições de longa permanência para idosos, e que tal fato tenha afetado os achados relatados neste artigo3535 Segerstrom SC, Combs HL, Winning A, Boehm JK, Kubzansky LD. The Happy Survivor? Effects of Differential Mortality on Life Satisfaction in Older Age. Psychol Aging. 2016 June; 31(4): 340–345. doi:10.1037/pag0000091.

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que há uma significativa relação entre propósito de vida e manutenção de AAVD entre idosos com 80 anos ou mais. Em relação à independência em AIVD, ocorreu uma associação negativa com idade, sexo, sintomas depressivos, e positiva com desempenho cognitivo, mas não com PV.

Faz-se necessária a divulgação dos dados deste estudo nos meios acadêmico, leigo e profissional leigo, a fim de fomentar o envolvimento da sociedade em ações para melhorar a motivação pela vida em idosos e para propiciar desfechos favoráveis no envelhecimento.

Destaca-se a necessidade de futuras pesquisas investigarem a eficácia de intervenções que possam elevar níveis de propósito de vida e possivelmente facilitar o engajamento em atividades sociais significativas. Tais iniciativas constituem novas direções importantes para as pesquisas na área da Gerontologia, especificamente sobre a temática de propósito de vida.

  • Financiamento da pesquisa: CAPES/PROCAD número 2972/2014-01 (Projeto nº 88881.068447/ 2014-01), FAPESP número 2016/00084-8 e CNPq número 424789/2016-7.

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Editado por

Editado por: Tamires Carneiro de Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2021
  • Aceito
    02 Maio 2022
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