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Infodemia de covid-19 em idosos com acesso a mídias digitais: fatores associados a alterações psicopatológicas

Resumo

Objetivo

Analisar o perfil sociodemográfico e repercussões da infodemia de covid-19 nas alterações psicopatológicas em idosos com acesso a mídias digitais.

Método

Estudo transversal por web-based survey na população acima de 60 anos que utiliza mídias digitais. A análise descritiva contemplou variáveis sociodemográficas e relacionadas à exposição a informações sobre covid-19; analisou-se um conjunto de sinais e sintomas de alterações psicopatológicas devido a essa exposição. Os dados foram analisados pelos testes Mann-Whitney, Kruskal-Wallis e coeficiente de correlação de Spearman.

Resultados

Participaram da pesquisa 470 pessoas idosas, a maioria na faixa etária de 60 a 69 anos (61,3%), sexo feminino (67,2%), raça/cor branca (71,1%) e com nível superior ou maior escolaridade (41,3%). A exposição às informações sobre covid-19 ocorreu em 89,4% dos respondentes pela televisão e em 71,3%, pelas redes sociais, tendo causado preocupação (76,9%) e medo, tanto da morte de pessoas queridas (76,8%) quanto de adoecer (74%). Esses sinais e sintomas de alterações psicopatológicas estavam presentes em 3,8% das mulheres e 5,9% dos homens, associados à menor nível de escolaridade, diminuição da renda pós-pandemia e ao fato do idoso se sentir afetado pelas notícias sobre covid-19 veiculadas nas redes sociais.

Conclusão

A infodemia de covid-19 foi associada a alterações psicopatológicas em idosos. Mesmo com o aumento do acesso às redes sociais, a principal fonte de informação dessa população é a televisão. Estratégias de inclusão e alfabetização digitais para a população idosa devem ser pensadas como meio para lidarem com a infodemia de covid-19.

Palavras-Chave:
Idoso; Covid-19; Internet e Acesso à Informação; Redes Sociais; Pandemia por Covid-19

Abstract

Objective

to analyze the sociodemographic profile and COVID-19 infodemic’s repercussions on psychopathological alterations in older people with access to digital media.

Method

cross-sectional study by web-based survey in the population over 60 years old who use digital media. Descriptive analysis considered sociodemographic variables and other variables related to exposure to information about COVID-19; a set of signs and symptoms to psychopathological alterations due to this exposure were analyzed. Data analyzed by the Mann-Whitney, Kruskal-Wallis tests and Spearman’s correlation coefficient.

Results

a total of 470 older people were included in the survey, 61.3% aged 60 to 69 years, 67.2% female, 71.1% white race/color and 41.3% with higher education. 89.4% of respondents be exposed to news and information about COVID-19 on television, and 71.3% on social network. The most cited psychic symptoms were feeling worried (76.9%), fear of death of dear people (76.8%) and fear of getting sick (74%). Psychopathological alterations were observed in 3.8% of women and 5.9% of men. These sign and symptoms were associated with a lower level of education, a decrease in post-pandemic income and felt affected by the news about COVID-19 on social networks.

Conclusion

COVID-19 infodemic is associated with psychopathological alterations in older people. Even with the increase in access to social networks, the main media used by older people is television. Strategies for digital inclusion and literacy should be developed, offering tools for older people to fight the COVID-19 infodemic.

Keywords
Aged; Covid-19; Internet and Access to Information; Social Networking; Covid-19 Pandemic

Introdução

Os meios de comunicação, tanto tradicionais quanto digitais, pela sua capacidade de pulverização, atingem diversos públicos e propiciam que cidadãos recebam e compartilhem informações rapidamente, muitas vezes sem checar a veracidade das notícias11 Sousa Júnior JH, Raasch M, Soares JC. Da desinformação ao caos: uma análise das fake news frente à pandemia do coronavírus (COVID-19) no Brasil. Cadernos de Prospecção 2020;13(2):331-346. Disponível em: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/nit/article/view/35978.. A utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) exige da atual geração de pessoas idosas, a necessidade de adquirir novas habilidades sem recorrer a conhecimentos anteriores22 Bianchetti L. Da chave de fenda ao laptop – tecnologia digital e novas qualificações: desafios à educação. 2. ed. Santa Catarina: Editora da UFSC; 2008..

O uso da internet no Brasil, embora crescente em todos os grupos etários, foi mais acelerado nas idades mais elevadas. Observou-se o aumento do percentual de pessoas com 60 anos ou mais de idade que utilizaram a internet entre 2018 (38,7%) e 2019 (45,0%), provavelmente ocorrido devido à evolução nas facilidades de uso dessa tecnologia e pela sua disseminação no cotidiano da sociedade desde décadas anteriores33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2019 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2021 [acesso em 13 ago 2021]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101794_informativo.pdf.
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No ano de 2020, a pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) impôs mudanças comportamentais em todas as sociedades. A maior vulnerabilidade dos idosos e pessoas com comorbidades de desenvolverem a forma mais grave da doença e, portanto, apresentarem maiores coeficientes de mortalidade, juntamente com o risco de disseminação da covid-19 e a preocupação com os impactos econômicos, sociais e sanitários, levaram vários países a adotarem medidas de contenção, dentre elas o isolamento social44 Velho FD, Herédia VBM. O idoso em quarentena e o impacto da tecnologia em sua vida. Rosa dos Ventos 2020;12(3):1-14. Disponível em: https://doi.org/10.18226/21789061.v12i3a10.,55 Nunes VMA, Machado FCA, de Morais MM, Costa LA, do Nascimento ICS, Nobre TTX, et al. COVID-19 e o cuidado de idosos: Recomendações para Instituições de Longa Permanência. Natal: Edufrn; 2020. E-book. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/28754.
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. Nesse contexto, as TICs tornaram-se importantes na comunicação com o mundo externo66 Armitage R, Nellums LB. COVID-19 and the consequences of isolating the elderly. The Lancet Public Health. 2020;5(5):e256. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30061-X.. Observou-se um aumento substancial na busca por informações relacionadas à doença ou a serviços de saúde durante a pandemia de covid-1977 Pesquisa web sobre o uso da Internet no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus: Painel TIC COVID-19 [livro eletrônico]. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil; 2021..

As mídias digitais são capazes de disseminar as informações com maior volume, maior rapidez e efetividade do que as mídias tradicionais, seja pela integração de muitos usuários em uma única rede compartilhada seja pela propagação de informação por meio de uma ampla variedade de tipos de conteúdo, como texto, áudio, imagem, vídeo88 O’Brien M, Moore K, McNicholas F. Social media spread during Covid-19: the pros and cons of likes and shares. Ir Med J. 2020;113(4):52. Disponível em: https://www.irishpsychiatry.ie/wp-content/uploads/2020/04/Social-Media-Spread-During-Covid-19-The-Pros-and-Cons-of-Likes-and-Shares-IMJ-2020.pdf.. Nesse contexto, o fenômeno da infodemia pode ser conceituado como o excesso de informações, algumas precisas e outras não, que dificulta encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis, gerando opiniões e comportamentos sociais que podem ser potencialmente de risco para a saúde das pessoas99 Mesquita CT, Oliveira A, Seixas FL, Paes A. Infodemia, fake news and medicine: science and the quest for truth. Int J Cardiovasc Sci. 2020;33(3):203-205. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-56472020000300203&lng=en&nrm=iso..

A literatura aponta a importância do acesso às TICs por parte dos idosos44 Velho FD, Herédia VBM. O idoso em quarentena e o impacto da tecnologia em sua vida. Rosa dos Ventos 2020;12(3):1-14. Disponível em: https://doi.org/10.18226/21789061.v12i3a10., contudo deve-se analisar o impacto do excesso de informações nesse momento de pandemia sobre esses sujeitos, em virtude tanto de sua maior vulnerabilidade seja à doença e suas repercussões66 Armitage R, Nellums LB. COVID-19 and the consequences of isolating the elderly. The Lancet Public Health. 2020;5(5):e256. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30061-X., seja quanto ao baixo domínio dessas tecnologias e capacidade de avaliação da qualidade da informação1010 Estabel LB, Luce BF, Santini LA. Idosos, fake news e letramento informacional. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação. 2020; 16:1-15. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/136587..

Dentre as principais repercussões da infodemia na saúde mental da população adulta e idosa, uma revisão de escopo identificou que a ansiedade (69,7%), a depressão (51,5%), o estresse (36,4%) e o medo (21,2%) foram os sinais e sintomas relacionados à infodemia mais frequentes em 33 publicações. Encontrou-se que as fontes de informação exercem papel fundamental para o desenvolvimento desses e de outros sintomas e que o aumento da ansiedade é uma das repercussões do tempo de exposição às informações veiculadas por redes sociais digitais1111 Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210170. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170.. As lacunas apontadas por esta revisão1111 Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210170. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170. e a inexistência de estudos brasileiros sobre este tema instigam estudos desta natureza, visando incrementar a produção de evidências científicas sobre as consequências da infodemia associada a alterações psicopatológicas, especialmente nas pessoas idosas. A vulnerabilidade devido ao aumento quantitativo de informações pode ser mais evidente nesse grupo populacional, que nem sempre conhece ou pratica as recomendações de checagem informacional em meio à profusão de notícias equivocadas, alheias à desinformação existente no ciberespaço e potenciais disseminadoras de notícias falsas1010 Estabel LB, Luce BF, Santini LA. Idosos, fake news e letramento informacional. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação. 2020; 16:1-15. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/136587..

Dessa forma, uma das preocupações atuais é analisar a maneira como as pessoas idosas consomem os meios de comunicação e as repercussões destes no curso do próprio envelhecimento1212 Acosta MA, Rodrigues FAZ, Pastorio A. Análise do uso dos meios de comunicação por idosos de Santa Maria/RS. Estud Interdiscipl Envelhec. 2012;17(1):167-182.. Além disso, conhecer o perfil da população idosa quanto ao uso dos meios de comunicação e a associação desse uso com as necessidades, motivações, atitudes e interesses nesse período da vida1212 Acosta MA, Rodrigues FAZ, Pastorio A. Análise do uso dos meios de comunicação por idosos de Santa Maria/RS. Estud Interdiscipl Envelhec. 2012;17(1):167-182. é fundamental para a tomada de decisões e desenvolvimento de políticas públicas1313 Boletim Especial DIEESE. Quem são os idosos brasileiros [Internet]. 30 de abril de 2020. São Paulo: DIESSE; 2020 [acesso em 28 ago 2021]. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2020/boletimEspecial01.
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O objetivo deste estudo foi analisar o perfil sociodemográfico e repercussões da infodemia de covid-19 nas alterações psicopatológicas em idosos com acesso a mídias digitais.

Métodos

Estudo transversal, realizado por web-based survey, conduzido entre os meses de julho de 2020 e dezembro de 2020, com a população de 60 anos ou mais, residente em Juiz de Fora, município do interior de Minas Gerais, Brasil, que disseram possuir acesso às mídias sociais e e-mail e/ou telefone, e com habilidade para responder o questionário utilizando as mídias digitais ou mesmo o telefone. O fenômeno do envelhecimento populacional nesse município pode ser observado com o aumento de 45% no número de idosos entre os anos 2000 e 2010, percentual maior que o de Minas Gerais (42%) e do Brasil (41%)1414 Moraes GSS, Vitarelli LV, Pedroso ESRP. Cartilha Envelhecendo e Juiz de Fora. Equipamentos urbanos e serviços voltados à população idosa existentes no município. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2020.. Segundo estimativas da Fundação João Pinheiro para a Região Geográfica Intermediária de Juiz de Fora, a participação relativa da faixa etária de 65 anos ou mais de idade no total da população deverá passar dos 10% alcançados em 2010 para 21% em 20401515 Fundação João Pinheiro. Informativo FJP. Estudos Populacionais – Demografia 2020 [internet];2(6):1-5 [acesso em 09 set 2021]. Disponível em: http://novosite.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/14.7.2020_Inf_CEP_Demografia_06_2020..

Trata-se de um dos estudos da fase 1 da investigação multicêntrica mista, de estratégia sequencial transformativa, intitulada “Infodemia de Covid-19 e suas repercussões sobre a saúde mental de idosos: estudo multicêntrico Brasil/Portugal/Chile/México/Colômbia/Peru”. Contou com uma amostra não probabilística calculada a partir da população finita acima de 60 anos residente no município de Juiz de Fora, estimada para o ano de 2019, prevalência de 50% de alterações psicopatológicas, com erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%.

Foram realizadas entrevistas piloto para adequação do questionário, minimizando potenciais fontes de viés. A abordagem à população foi feita a partir do envio do link de acesso ao questionário eletrônico por e-mail ou pelas redes sociais (Whatsapp, Facebook e Instagram), além do uso da chamada telefônica buscando convidá-los para receberem o link ou responderem o questionário pelo telefone, caso afirmassem que utilizavam as mídias digitais. A estratégia bola de neve virtual1616 Costa BRL. Bola de Neve Virtual: O Uso das Redes Sociais Virtuais no Processo de Coleta de Dados de uma Pesquisa Científica. RIGS 2018;7(1):15-37. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/rigs/article/view/24649. foi utilizada solicitando o compartilhamento do link para as redes que continham contatos de pessoas idosas. A web-based survey, composta por questões de preenchimento obrigatório para que se conseguisse dar seguimento, também foi enviada a sociedades científicas municipais de geriatria e gerontologia bem como a associações de aposentados da cidade de Juiz de Fora.

Considerou-se como critérios para inclusão no estudo ter 60 anos ou mais e acesso a mídias digitais; já para exclusão, declarar não possuir habilidade para responder o questionário utilizando as mídias digitais ou mesmo pelo telefone. Apenas os participantes que aceitaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) digital foram direcionados ao questionário.

Foram coletados dados demográficos e socioeconômicos: sexo (masculino, feminino e não declarado), faixa etária (60-69 anos, 70-79 anos, 80 anos ou mais), situação conjugal (com cônjuge, sem cônjuge), raça/cor (branca, outras), número de pessoas residentes na casa (mora sozinho, com 1 a 2 pessoas, com 3 ou mais pessoas), condição da residência (própria, outro tipo), região da residência (área urbana, área rural), escolaridade (fundamental, médio, superior ou mais), utilização dos serviços de saúde (apenas SUS, privados e privado+SUS), número de dependentes da renda (nenhum dependente, 1 a 2, 3 ou mais), fonte de renda (até 1 fonte de renda, mais de 1 fonte de renda), alteração da renda com a pandemia de covid-19 (igual ou maior renda, menor renda).

Outros dados coletados se referem à exposição às notícias e informações sobre covid-19: horas de exposição por dia nas redes sociais, na televisão e no rádio, frequência na última semana (exposto, não exposto) nas diferentes mídias (redes sociais, TV, rádio), equipamentos mais utilizados para acessar notícias e informações (redes sociais, televisão, rádio, jornais ou revistas impressas), informações das redes sociais, TV ou rádio tem afetado (analisado dicotomizado em sim e não e também categorizado em não se sente afetado, sente-se afetado fisicamente, psicologicamente, física e psicologicamente), respostas de medo, conscientização, estresse, segurança e/ou ansiedade que essas informações geravam (alguma resposta, nenhuma resposta) quando faziam referência a número de infectados e mortos por covid-19, sobre medo relacionado à doença, fotos, vídeos e notícias falsas sobre covid-19, veiculadas nas redes sociais, TV e rádio, frequência de sinais e sintomas observados quando expostos às informações sobre covid-19, nos últimos 15 dias, sendo avaliada pelo somatório de pontos do questionário e dicotomizada a partir do rastreio positivo para alterações psicopatológicas mediante a exposição a informações sobre covid-19 (caso e não caso).

Esse rastreio foi feito a partir de um conjunto de questões que compõe uma escala, ainda em processo de validação, elaborada pelo grupo de pesquisa1717 Barbosa AJG, Freitas ER, Cavalcante R. Universidade Federal de Juiz de Fora. Escala de Sintomas de Infodemia (ESI). 2020. e desenvolvida com questões relativas à frequência com que 34 sinais e sintomas de alterações psicopatológicas se manifestaram nos últimos 15 dias, ao idoso ter contato com informações sobre covid-19 (notícias na TV ou na internet, mensagens de WhatsApp, vídeos do Youtube, dentre outros). Utilizou-se uma escala do tipo Likert de quatro pontos (0 – nunca, 1 – poucas vezes, 2 – algumas vezes, e 3 – muitas vezes), onde pontuações mais altas indicam maior carga de alterações psicopatológicas decorrentes da exposição às informações sobre a pandemia. O escore total varia de zero a 102, computado com a adição da pontuação de cada item. O instrumento apresentou consistência interna adequada: Alfa de Cronbach (α=0,964; IC95%=0,962–0,966), Greatest Lower Bound (glb=0,981; IC95%=0,981–0,983), correlação inter-item média (r=0,441; IC95%=0,427–0,456) e correlação item-total corrigida (0,346≤0,798). Com relação às evidências de validade baseadas na estrutura interna, análises fatoriais exploratórias robustas atestaram que se trata de uma medida unidimensional. Essa medida ainda não pôde ser submedida a análises de sensibilidade e especificidade. Contudo, segundo Crawford e Garthwaite, classificações percentílicas expressam pontuações de modo mais relevante do que outras métricas, permitindo descrever o quão comuns ou incomuns são os construtos mensurados na amostra investigada1818 Crawford JR, Garthwaite PH. Percentiles please: The case for expressing neuropsychological test scores and accompanying confidence limits as percentile ranks. The Clinical Neuropsychologist. 2009; 23(2):193-204.. Fundamentados nesse referencial, os autores sugerem que o percentil 95 do escore total bruto seja considerado como ponto de corte para a sugestão de alterações psicopatológicas. Dessa forma, nas primeiras análises para validação foi observada diferença na pontuação média entre homens (M=20,30; dp=19,94; IC95%=19,03≥21,57) e mulheres (M=26,54; dp=21,81; IC95%=25,59≥27,49).

Os dados coletados foram submetidos a análise exploratória visando obter estatísticas descritivas dos indicadores sociodemográficos e das variáveis relacionadas à infodemia. O teste Kolmogorov-Smirnov indicou que a distribuição dos dados não seguia padrão de normalidade, por isso foram utilizados testes não paramétricos como Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis na análise bivariada, com intervalo de confiança de 95%. Para analisar a correlação entre os sinais e sintomas de alterações psicopatológicas e a quantidade de horas de exposição às mídias (redes sociais, televisão e rádio), utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. As variáveis que apresentaram p≤0,10 foram levadas para a regressão linear múltipla pelo método backward sendo mantidas no modelo final variáveis com p<0,05.

A presente pesquisa obedeceu aos critérios éticos e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o número de parecer 4.134.050.

Resultados

Foram recebidos 517 questionários que, após exclusão de duplicatas (19) e de residentes em Instituição de Longa Permanência (28), resultou em uma amostra constituída por 470 respondentes. Essa amostra era caracterizada, majoritariamente, por respondentes do sexo feminino (67,2%), raça/cor branca (71,1%), com cônjuge (56,2%), em residência própria (81,5%), localizada na área urbana (97,0%) e morando com 1 a 2 pessoas (55,5%). Entre os participantes da pesquisa, 40,6% declararam possuir nível superior ou maior escolaridade e 41,3% disseram utilizar tanto serviços de saúde pagos quanto não pagos. Quanto à renda, reportaram viver com apenas uma fonte de renda (81,5%), possuírem de 1 a 2 dependentes desta (57,2%) e não ter sua renda alterada devido a pandemia de covid-19 (78,3%). A idade média dos respondentes foi 68,82 anos (dp±6,97) e a maioria se encontrava na faixa etária de 60 a 69 anos (61,3%).

No que se refere à exposição diária às notícias e informações sobre covid-19, encontrou-se que em média os idosos referiram 3,72 horas (mediana=2,00; P25=1,00; P75=6,00) pela televisão, 3,08 horas (mediana=1,00; P25=0,00; P75=4,00) pelas redes sociais (Whatsapp, Facebook, Youtube, Instagram e outras) e menos de 1 hora (mediana=0,00; P25=0,00; P75=2,00) pelo rádio. Afirmaram estarem expostos às notícias ou informações sobre covid-19 durante a última semana, sendo 89,4% pela televisão, 71,3% pelas redes sociais e 42,8% pelo rádio.

Foram mais citados como utilizados para acessar notícias e informações sobre covid-19 os itens: televisão (82,55%), Whatsapp (44,04%), rádio (32,76%), Facebook (31,70%), sites de internet (31,70%), jornais ou revistas impressas (23,83%), Youtube (18,29%), Instagram (13,61%), Twitter (1,91%) e Telegram (1,91%).

Sobre o impacto autopercebido das informações sobre a covid-19 a maior parte dos idosos respondeu que não se sentia afetado pelas informações veiculadas nas redes sociais (58,2%) e no rádio (70%). Entretanto, para a mídia mais utilizada pelos idosos, a televisão, 51,0% sentiam-se afetados física e ou psicologicamente por essas informações (Figura 1).

Figura 1
Impacto autopercebido das informações sobre a covid-19 veiculadas nas mídias (n=470). Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2020.

A análise sobre as repercussões das notícias sobre covid-19 referentes ao número de infectados, número de mortos, medo relacionado à doença, fotos, vídeos e notícias falsas, divulgadas nas diferentes mídias (redes sociais, televisão e rádio), geraram nos idosos pesquisados respostas de conscientização (33%), medo (24,6%), ansiedade (16,5%), estresse (14,4%) e segurança (2,1%). A resposta mais citada pode indicar que o contato com informações veiculadas não afetou a condição emocional, sendo motivo para a tomada de consciência sobre a pandemia, seus riscos e formas de prevenção.

Ao ter contato com informações sobre covid-19 (notícias na TV ou na internet, mensagens de Whatsapp, vídeos do Youtube, dentre outros) os idosos relataram respostas como preocupação (76,9%), medo de que pessoas queridas morram (76,8%) e medo de adoecer (74,0%) (Tabela 1).

Tabela 1
Sinais e sintomas de alterações psicopatológicas devido à exposição às informações sobre covid-19, nos últimos 15 dias. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2020.

Esses sinais e sintomas de alterações psicopatológicas apresentaram escore médio de 22,89, com mediana de 17,00 (IQ=27,00). Encontrou-se diferença significativa (p>0,01) entre mulheres (mediana=20,00; P25=9,00; P75=37,00) e homens (mediana=13,00; P25=5,00; P75=24,00), sendo positivo para 3,8% das mulheres e 5,9% dos homens.

Ainda foi encontrada associação dessas alterações psicopatológicas com variáveis demográficas e socioeconômicas e com aquelas relativas à exposição a informações sobre covid-19 (Tabela 2). As variáveis demográficas e socioeconômicas associadas ao desfecho foram: sexo feminino, nível de escolaridade fundamental, residência em imóvel não próprio, utilização de serviços de saúde privados e do SUS, 1 a 2 dependentes de sua renda, renda menor pós-pandemia. Já as variáveis associadas referentes à exposição às notícias e informações sobre covid-19 foram: maior quantidade de horas por dia e maior frequência de exposição às notícias e informações sobre covid-19 veiculadas nas redes sociais e TV, sentir-se afetado por essas informações via redes sociais, TV e rádio e a respostas geradas no idoso quando exposto a informações sobre covid-19 (número de infectados, mortos, medo relacionado à doença, fotos, vídeos e notícias falsas) nas mídias pesquisadas.

Tabela 2
Fatores associados a sinais e sintomas de alterações psicopatológicas mediante a exposição às informações sobre covid-19 (n=470). Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2020.

As variáveis que permaneceram significativas no modelo final (p<0,05) após ajustes foram: nível de escolaridade (superior ou mais), renda pós-pandemia (menor) e sentir-se afetado por notícias e informações sobre covid-19 veiculadas nas redes sociais (não) (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão linear múltipla preditores de alterações psicopatológicas mediante a exposição às informações sobre covid-19. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2020.

Discussão

Os achados deste estudo revelaram associação do nível de escolaridade, da renda pós-pandemia e do fato de se sentir afetado por notícias veiculadas nas redes sociais com sinais e sintomas de alterações psicopatológicas devido a exposição às informações sobre covid-19, indicando que maior carga dessas alterações foi encontrada naqueles idosos com menores níveis de escolaridade, diminuição da renda no período pós-pandemia e que relataram se sentirem afetados por essas informações veiculadas nas redes sociais.

Uma revisão de escopo encontrou associação entre maior grau de escolaridade e chance de desenvolver ansiedade e depressão explicando que o grau de escolaridade poderia estar relacionado tanto à compreensão da gravidade da situação pandêmica quanto à busca por informações sobre a covid-191111 Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210170. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170.. Entretanto, um estudo conduzido na população idosa da região sudeste brasileira apontou que idosos mais escolarizados apresentavam índices mais baixos de depressão e solidão devido a maior resiliência e suporte social1919 Ferreira HG. Relações entre crenças, atitudes e saúde mental de idosos na pandemia da covid-19. Rev Psi Saúde 2021;13(1):187-201.. O presente estudo corrobora com esse achado uma vez que encontrou maior carga de alterações psicopatológicas associadas a idosos com menores níveis de escolaridade.

Outro fator associado a alterações psicopatológicas encontrado neste estudo foi a diminuição da renda após o advento da pandemia de covid-19. A PNAD Covid-19 revela que, entre a população com 60 anos ou mais, houve uma perda de 22% dos rendimentos médios do trabalho2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). Microdados da amostra Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. Ainda que 73,6% dos idosos sejam aposentados ou pensionistas2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). Microdados da amostra Rio de Janeiro: IBGE; 2020., a redução da renda do trabalho acaba impactando suas famílias, uma vez que a renda do idoso desempenha papel importante no domicílio onde mora e que a insegurança financeira afeta a saúde mental2121 Camarano AA. Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres? Rev Ciênc. Saúde Coletiva. 2020; 25(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.30042020..

Também associado a problemas relacionados à saúde mental, o isolamento social contribuiu para maior exposição das pessoas às informações disseminadas pelas redes sociais digitais1111 Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210170. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170.. O fato de se sentir afetado pelas informações sobre covid-19 veiculadas nas redes sociais esteve associado, no presente estudo, a sinais e sintomas de alterações psicopatológicas.

A partir do aumento exacerbado de informação e desinformação e do descompasso das autoridades públicas nas declarações sobre a pandemia, criou-se um ambiente de insegurança e receio para a população. Durante surtos, epidemias e pandemias, o processo de comunicação se torna ainda mais importante para que informações precisas sejam transmitidas e recebidas de forma a não gerarem dúvida e confusão2222 Areosa SVC, Benitez LB, Wichmann FMA, Lepper L, Cardoso CMC, Periera EM, Wegner E. Envelhecimento, mídia e sociedade. Rev Contexto Saúde 2011;10(20): 261-266.. A infodemia atingiu de forma abrupta as pessoas que desconhecem ou não possuem habilidade para o uso e criticidade adequada das informações e suas fontes2323 Vicari SR, Selbach CJ, Magnus APM. A importância da comunicação durante a pandemia covid-19: relato de caso nos canais de comunicação da Biblioteca Central Irmão José Otão da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). RevIU 2020;2(n. esp):1-17.. Encontrou-se um maior número de idosos respondentes do sexo feminino, na faixa etária de 60 a 69 anos, com cônjuge, maior escolaridade e morando com outras pessoas, dados também encontrados em outra web-based survey conduzida durante a pandemia no Brasil1919 Ferreira HG. Relações entre crenças, atitudes e saúde mental de idosos na pandemia da covid-19. Rev Psi Saúde 2021;13(1):187-201.. O perfil sociodemográfico dessa amostra pode indicar um novo padrão entre os idosos que utilizam as mídias digitais: bastante escolarizados, com acesso e conhecimento para uso da internet1919 Ferreira HG. Relações entre crenças, atitudes e saúde mental de idosos na pandemia da covid-19. Rev Psi Saúde 2021;13(1):187-201.. Dessa forma, os resultados podem ser generalizados para idosos usuários de redes sociais.

Segundo um estudo norte-americano, fatores limitantes quanto ao uso da tecnologia foram menos percebidos pela população idosa com maior renda e escolaridade. Já com o aumento da idade entre os idosos as limitações foram percebidas como mais restritivas2424 Lee B, Chen Y, Hewitt L. Age differences in constraints encountered by seniors in their use of computers and the internet. Computers in Human Behavior. 2011; 27(3): 1231–1237. Disponível em: https://www.academia.edu/8141215/Age_differences_in_constraints_encountered_by_seniors_in_their_use_of_computers_and_the_internet.. As mídias digitais podem minimizar os efeitos do isolamento social2525 Seifert A, Cotten SR, Xie B. A double burden of exclusion? Digital and social exclusion of older adults in times of COVID-19. J Gerontol Ser B, Psychol Sci Soc Sci 2021;76(3):99-103. que impactam ainda mais as famílias que apresentam vulnerabilidade econômica e social2626 Júnior, Mauro Dias Silva. Vulnerabilidades da população idosa durante a pandemia pelo novo coronavírus. Rev.Bras.Geriatr.Gerontol. 2020;2(3):e200319..

Encontrou-se maior frequência de uso da televisão para acessar notícias e informações sobre covid-19. Um estudo entre idosos brasileiros comprovou a supremacia do uso dessa mídia sobre as demais e abordou a preocupação em relação ao impacto da exposição demasiada sobre a saúde física, a condição psicológica e a qualidade de vida desses usuários1212 Acosta MA, Rodrigues FAZ, Pastorio A. Análise do uso dos meios de comunicação por idosos de Santa Maria/RS. Estud Interdiscipl Envelhec. 2012;17(1):167-182..

Nota-se que, embora maior número de idosos utilize a televisão para busca de informações, a variável que se mostrou associada a alterações psicopatológicas foi aquela referente às notícias acessadas pelas redes sociais. Esse achado pode ser o reflexo da ampliação do acesso à internet e revelar a maior percepção da infodemia nas mídias digitais.

Uma pesquisa brasileira, também realizada com a estratégia de bola de neve virtual, conduzida em 2018, com 384 idosos, encontrou que a televisão foi a fonte principal de informações entre as pessoas idosas moradoras das regiões Sudeste e Centro-Oeste e a internet entre os moradores do Norte, Nordeste e Sul. Além disso, referiu que idosos jovens (de 60 a 79 anos) usavam a internet diariamente e por mais de 2 horas2727 Diniz JL, Moreira ACA, Teixeira IX, Azevedo SGV, Freitas, CASLF, Maranguape IC. Inclusão digital e o uso da internet pela pessoa idosa no Brasil: estudo transversal. Rev Bras Enferm 2020; 73(suppl 3):1-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0241..

Em 2019, entre as pessoas com 60 anos ou mais, 45,0% utilizavam a internet2828 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2019 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2021 [acesso em 13 ago 2021]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101794_informativo.pdf.
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e destes, 65% acessavam exclusivamente pelo celular2929 Fernández AM. Práticas digitais móveis das pessoas idosas no Brasil: dados e reflexões. Panorama setorial da Internet. In: Cetic.br/NIC.br [Internet] 2019 [acesso em 12 jul 2020]. Disponível em: https://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/1/panorama_estendido_mar_2019_online.pdf.
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. Contudo, um levantamento realizado no Brasil encontrou que devido a pandemia de covid-19, os idosos adotaram as redes sociais em seu cotidiano (91% com cadastro em alguma delas) e aumentaram o tempo de permanência nas mesmas (66% aumentaram a frequência de uso). As redes sociais mais utilizadas pelos idosos foram Facebook, Whatsapp e Instagram3030 Kantar Ibope Media. Data Stories. Tech+: Tecnologia e aceleração digital para os “Masters” [Internet] janeiro/2021 [acesso em 10 ago 2021]. Disponível em: https://my.visme.co/view/dmdmn3ev-data-stories-ed-6-masters.
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, resultado parecido com o encontrado na presente pesquisa, sendo as mais citadas Whatsapp, Facebook, Youtube e Instagram.

O impacto psíquico gerado tanto pela maior vulnerabilidade à gravidade da covid-19 quanto pela infodemia, pode levar a uma sobrecarga mental e emocional deixando os indivíduos ansiosos e deprimidos3131 Organização Pan-Americana da Saúde. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19 [internet], 2020 [acesso em 13 ago 2021]. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52054.
https://iris.paho.org/handle/10665.2/520...
. No que se refere às respostas geradas no idoso devido às informações sobre covid-19 veiculadas nas redes sociais, televisão e rádio, encontrou-se que “medo”, “ansiedade” e “estresse” foram frequentes, embora a resposta de “conscientização” tenha sido a mais citada, indicando necessidade de estudos mais específicos sobre esse aspecto.

Estima-se que entre um terço e metade da população exposta a uma epidemia, possa vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica caso não seja feita nenhuma intervenção de cuidado específico para as reações e sintomas manifestados. As reações mais frequentemente observadas nesse contexto são: medo de adoecer, medo de morrer e medo de perder pessoas estimadas3232 Noal DS, Passos MFD, Freitas CM. Recomendações e orientações em saúde mental e atenção psicossocial na covid-19. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. Os achados da presente pesquisa corroboram o exposto uma vez que dentre os sinais e sintomas sugestivos de alterações psicopatológicas, aqueles mais citados foram “preocupação”, “medo que pessoas queridas morram” e “medo de adoecer”.

Destaca-se que os estudos transversais são limitados para inferir causalidade pela ausência de temporalidade entre a ocorrência dos eventos de interesse. Uma das limitações das web-based surveys é o fato de que acabam deixando de fora uma parcela significativa de pessoas sem acesso à internet ou menos predispostas a participar de pesquisas on-line 1919 Ferreira HG. Relações entre crenças, atitudes e saúde mental de idosos na pandemia da covid-19. Rev Psi Saúde 2021;13(1):187-201.. Outras limitações referem-se às probabilidades de seleção da amostra e a taxa de não resposta não poderem ser estimadas, além do fato das conexões entre os participantes não serem conhecidas o que impede considerar a dependência das observações na estimação da variância. Dentre as vantagens de uma web-based survey, método que tem sido amplamente utilizado, estão o menor custo, a agilidade no levantamento dos dados e a possibilidade de se atingir pessoas com um perfil específico e em locais dispersos3333 Szwarcwald CL, Pina MF. ConVid – Pesquisa de comportamentos pela internet durante a pandemia de COVID-19 no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cad Saúde Pública 2021;37(3):1-15. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00268320..

Conclusão

A infodemia pode gerar implicações negativas que comprometem a saúde da população idosa e suas relações sociais, com maior impacto naqueles com menor nível de escolaridade e renda, ou seja, com maior grau de vulnerabilidade.

Os idosos carregam, então, uma tripla carga de vulnerabilidade (por estarem sujeitos a formas mais graves da própria doença, à infodemia e a alterações psicopatológicas). Em vista disso, torna-se essencial que estudos e ações, no campo da saúde coletiva, para o enfrentamento da covid-19, levem em conta as particularidades dessa população.

Estratégias para impulsionar o acesso e a alfabetização digital da população idosa, viabilizando o desenvolvimento de habilidades de busca, seleção, análise e tomada de decisão1111 Delgado CE, Silva EA, Castro EAB, Carbogim FC, Püschel VAA, Cavalcante RB. COVID-19 infodemic and adult and elderly mental health: a scoping review. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210170. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0170., bem como a criação de programas na mídia que se destinem a essa faixa etária, combatam a disseminação da desinformação e permitam a checagem informacional de maneira simples e prática, podem minimizar os riscos para a saúde decorrentes da infodemia.

Novos estudos devem contemplar mecanismos que aumentem a resiliência dessa população e explorem a melhor apropriação de idosos às tecnologias digitais e às ferramentas que possibilitem a verificação das informações.

  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Bolsas de Produtividade em Pesquisa: processos 303229/2019-5, 312355/2021-1 e 403323/2021-5.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2021
  • Aceito
    10 Mar 2022
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