Associações entre ansiedade e incapacidade funcional em pessoas idosas: estudo transversal

Resumo

Objetivo

estimar a ocorrência de ansiedade em pessoas idosas e sua associação com os diferentes padrões de incapacidade funcional em um município de pequeno porte do estado da Paraíba, Brasil.

Método

estudo transversal e analítico realizado com 233 idosos vinculados à Estratégia Saúde da Família e aleatoriamente selecionados. Os dados foram coletados por meio dos instrumentos World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0 e o Inventário de Ansiedade Geriátrica, cuja análise foi subsidiada pela estatística descritiva e bivariada, considerando significância quando p<0,05.

Resultados

48,1% dos idosos apresentaram algum nível de ansiedade autorreferida, com níveis significativamente maiores entre as mulheres (média dos postos = 128,11; p = 0,002). Também se constatou associação entre o padrão de ansiedade grave com o padrão de incapacidade grave (p < 0,001).

Conclusão

a elevada ocorrência de diferentes graus de ansiedade geriátrica e sua associação com a incapacidade funcional grave sinaliza a coexistência entre alterações psicoemocionais e motoras, sugerindo a necessidade de romper a cadeia do subdiagnóstico e fortalecer a implementação de intervenções especializadas no campo da gerontogeriatria.

Palavras-Chave:
Envelhecimento; Idoso; Transtornos de ansiedade; Classificação internacional de funcionalidade; incapacidade e saúde

Abstract

Objective

to estimate the prevalence of anxiety in older adults and its association with different levels of functional disability in a small town in the state of Paraiba, Brazil.

Method

a cross-sectional analytical study was carried out of 233 randomly-selected older users of the Family Health Strategy program. Data were collected using the World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0 and the Geriatric Anxiety Inventory. Results were analyzed using descriptive and bivariate statistics adopting a significance level of p < 0.05.

Results

Overall, 48.1% of the participants had some degree of selfreported anxiety, with significantly higher levels among women (mean rank = 128.11; p = 0.002). An association was also found between severe anxiety level and severe disability level (p < 0.001).

Conclusion

the high prevalence of different degrees of geriatric anxiety and its association with severe functional disability indicates the coexistence of psychoemotional and motor alterations. These findings suggest the need to break the chain of underdiagnosis and strengthen the implementation of specialized interventions in the field of gerontology and geriatrics.

Keywords
Aging; Aged; Anxiety Disorders; International Classification of Functioning; Disability and Health

INTRODUÇÃO

A ansiedade geriátrica vem anunciando-se como um dos mais importantes agravos à saúde mental na velhice, com prevalência global entre 15% e 52%¹. Embora ocorra em praticamente todas as fases da vida, os quadros de ansiedade tendem a demonstrar maior agravamento com a senilidade, com desfecho comumente debilitante em pessoas idosas em idade avançada². Caracteriza-se como uma das principais causas de afastamentos laborais e sociais, além de representar um fator de risco predisponente para o desenvolvimento limitações comparáveis ou até mais severas do que quadros crônicos bem estabelecidos²,³.

O curso do envelhecimento provoca naturalmente a diminuição gradual da funcionalidade do indivíduo, reduzindo a capacidade de adaptação da pessoa idosa e a tornando menos propensa a executar funções cotidianas relacionadas ao autocuidado, aquisição de habilidades e convivência em sociedade¹,⁴. Todavia, o envelhecimento quando associado a quadros psicoemocionais e comorbidades pré-existentes, maiores são os graus de fragilização e comprometimento da autonomia e independência do idoso, tornando-o mais susceptível ao processo de disfuncionalidade e incapacidade geriátrica⁴,⁵.

Dessa forma, a funcionalidade é compreendida como uma relação dinâmica que abrange todas as estruturas do corpo, atividades desenvolvidas, condições de saúde, fatores ambientais e pessoais em torno do indivíduo, sendo a incapacidade a dificuldade ou a restrição em desempenhar atividades cotidianas em algum domínio da vida dentro do intervalo considerado normal para um ser humano⁶.

Logo, a manutenção do bem-estar psicoemocional e da capacidade funcional na velhice representam uma preocupação central no campo do envelhecimento, uma vez que suas implicações podem trazer repercussões diretas para o contexto da pessoa idosa, da família e da comunidade. Além disso, seus agravamentos aumentam o risco de morte para faixa etária, gerando maiores índices de hospitalizações e onerosidades para o Sistema Público de Saúde.

Esse cenário indica a necessidade de identificar evidências científicas que elucidem a existência de relação entre o envelhecimento, a ansiedade e a capacidade funcional. Essa resposta poderá subsidiar a implementação de cuidados qualificados e especializados à população idosa, sobretudo ao alinhar a coexistência de quadros indicativos de ansiedade com a (in)capacidade funcional.

Ademais, levantamento realizado nas principais bases de dados nacionais/internacionais (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Scientific Electronic Library Online e CINAHL) evidenciaram uma maior abordagem de outros transtornos mentais comuns na população idosa, diferentes da ansiedade, sinalizando a fragilidade das evidências quanto ao acometimento por transtornos de ansiedade entre a população idosa e suas implicações no contexto de vida e saúde, especialmente em cidades de pequeno porte na região do Nordeste brasileiro⁷,⁸.

Frente ao exposto, o objetivo do estudo foi estimar a ocorrência de ansiedade em pessoas idosas e sua associação com os diferentes padrões de incapacidade funcional em um município de pequeno porte do estado da Paraíba, Brasil.

MÉTODO

Investigação transversal e analítica de uma amostra representativa de idosos cadastrados em cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS’s) da zona urbana do município de Cuité, caracterizado como uma cidade de pequeno porte do Curimataú Ocidental do estado da Paraíba, Brasil.

O cálculo amostral realizado por meio do programa de domínio público OpenEpi versão 3.0 considerou o universo da população de idosos da zona urbana do município (N= 2.486)⁹; média estimada da prevalência de quadros indicativos de ansiedade em pessoas idosas P = 22,0% (0,22)¹⁰; nível de confiança de 95%; e erro amostral de 5%, resultando em um “n” equivalente a 233 participantes, contabilizada a ocorrência de seis perdas e recusas. Os participantes foram selecionados de forma aleatória, sistemática e proporcional para cada UBS. Como forma de inclusão dos idosos foram considerados três critérios: possuir idade igual ou superior a 60 anos; residir na área de abrangência das UBS em que fazem acompanhamento e são cadastrados; e cumprir o critério de satisfatoriedade cognitiva aferida pelos itens da orientação temporal (data da entrevista) e espacial (relato do endereço) do Miniexame de Estado Mental, com escore igual a 10 pontos, independente da escolaridade¹¹. Foram excluídos do estudo os participantes que apresentaram alguma inaptidão na comunicação que inviabilizasse a coleta de dados, ou aqueles que após duas tentativas não houvesse êxito no contato domiciliar.

A fase de coleta de dados ocorreu entre os meses de abril e maio de 2021, somente após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro (Parecer n° 4.487.662), respeitando os aspectos éticos e científicos propostos nas Resoluções 466/2012 e 510/2016, ambas do Conselho Nacional de Saúde. Para identificação e recrutamento dos participantes, foi realizado um levantamento dos endereços residenciais vinculados aos prontuários dos idosos em cada UBS. Participaram da fase de coleta de dados o pesquisador responsável, o pesquisador participante e três alunas vinculados ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Envelhecimento e Qualidade de Vida (NEPEQ) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) previamente treinadas. Destaca-se que devido o estado pandêmico da covid-19, foram atendidas todas as normas sanitárias e de biossegurança vigentes no Brasil, com distanciamento mínimo de 1,5 metros e utilização de equipamentos de proteção individual pelos pesquisadores.

Para a obtenção das informações foram utilizados: I) Questionário sociodemográfico, contemplando as variáveis: sexo, cor/raça, estado civil, religião, renda familiar, arranjo familiar, alfabetização funcional e ocupação; II) Inventário de Ansiedade Geriátrica (GAI): utilizado para avaliação de sintomas indicativos de ansiedade na população idosa¹² e composto por 20 itens dicotômicos, cuja avaliação dos seus resultados consiste no somatório dos 20 itens, adotando a seguinte categorização: 0-10 indica ausência de ansiedade; de 11-15, ansiedade leve/moderada; e de 16-20, ansiedade grave, conforme sua tradução e adaptação transcultural na versão brasileira¹³; e III) World Health Organization Disability Assessment Schedule (WHODAS) 2.0: instrumento genérico de avaliação de saúde e deficiência no âmbito populacional ou clínico, fornecendo o nível de funcionalidade de seis domínios de vida: Domínio 1: Cognição (compreensão e comunicação); Domínio 2: Mobilidade (movimentação e locomoção); Domínio 3: Autocuidado (higiene, vestir-se, comer e permanecer sozinho); Domínio 4: Relações interpessoais (interações com outras pessoas); Domínio 5: Atividades de vida (responsabilidades domésticas, lazer, trabalho e escola); e Domínio 6: Participação (atividades comunitárias e em sociedade). A versão de 12 itens da escala utilizada neste estudo produz um escore de 0 a 48 pontos, considerando de 0 a 1 ponto como “sem incapacidade”, de 02 a 05 como “incapacidade leve”, de 06 a 11 pontos como “incapacidade moderada” e 12 ou mais pontos como “incapacidade grave”¹⁴.

Os dados foram analisados e apresentados com aporte da estatística descritiva e bivariada, utilizando medidas simples de frequência absoluta e relativa, além de média como medida de tendência central. Em seguida utilizou-se a análise estatística inferencial para relacionar a variável desfecho (padrão de ansiedade) e variáveis de exposição (características sociodemográficas e padrão de funcionalidade). Na operacionalização da estatística bivariada foi aplicado o teste Exato de Fisher para a averiguar a associação entre variáveis categóricas; e os testes de U de Mann Whitney e Kruskal Wallis para a comparação de grupos diante da variável desfecho. Foram utilizados os testes não-paramétricos face à assimetria da normalidade de distribuição dos dados aferida pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As relações foram consideradas significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Dentre os 233 participantes, foi identificada predominância de pessoas idosas mais jovens de 60 a 74 anos (59,7%), do sexo feminino (60,5%), casados (54,1%), pardos (56,2%), católicos (70,4%), aposentados (89,7%), não alfabetizados (57,9%), renda mensal de 2 e 3 salários mínimos (51,1%) e coabitando somente com o cônjuge (28,3%). Quando comparado o resultado do escore total do GAI com os grupos das variáveis sociodemográficas, constatou-se significância estatística somente com a variável sexo (p = 0,002), cuja média dos postos sinalizam que a ansiedade é mais evidente nas mulheres idosas (média dos postos = 128,11) (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação do escore total do GAI segundo a caracterização sociodemográfica dos idosos acompanhados em Unidades Básicas de Saúde. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=233).

Variáveis	Escore Total do GAI
	n (%)	Média dos postos	Sig. p-valor
Faixa etáriaB
60-74 anos (idosos-jovens)	139 (59,7)	115,08	0,851
75-89 anos (idosos-idosos)	82 (35,2)	120,37
Acima de 90 anos (sobrenvelhecidos)	12 (5,2)	116,17
SexoA			0,002*
Masculino	92 (39,5)	99,98
Feminino	141 (60,5)	128,11
Cor/RaçaB			0,233
Branca	70 (30,0)	107,79
Parda	131 (56,2)	122,77
Amarela	02 (0,9)	31,25
Preta	29 (12,4)	119,12
Indígena	01 (0,4)	115,50
Estado civilB
Solteiro	36 (15,5)	101,78	0,059
Casado	126 (54,1)	111,65
Divorciado/desquitado	16 (6,9)	128,59
Viúvo	55 (23,6)	135,84
ReligiãoB
Nenhuma	18 (2,6)	101,28	0,710
Católica	164 (70,4)	118,22
Protestante/Evangélica	43 (18,5)	119,57
Judaica	01 (0,4)	58,50
Outra	06 (2,6)	102,75
Alfabetização funcionalA			0,684
Sim	98 (42,1)	119,10
Não	135 (57,9)	115,47
Renda familiarB			0,932
Igual a 01 s.m.	112 (48,1)	116,85
Entre 02 e 03 s.m.	119 (51,1)	116,84
Acima de 04 s.m.	02 (0,8)	134,75
Arranjo familiarB			0,230
Cônjuge e filhos (as)	39 (16,7)	108,32
Somente com filhos (as)	23 (9,9)	129,04
Arranjos trigeracionais	21 (9,0)	134,95
Arranjos intrageracionais	11 (4,7)	141,09
Somente com cônjuge	66 (28,3)	104,24
Somente com netos (as)	05 (2,1)	174,90
Sozinho (a)	50 (21,5)	114,96
Cônjuge, filhos(as), genro/nora	10 (4,3)	120,10
Outros arranjos	08 (3,4)	122,38
OcupaçãoB			0,399
Aposentado (a)	209 (89,7)	117,12
Agricultor (a)	19 (8,2)	119,34
Servidor (a) público (a)	03 (1,3)	143,50
Outros	02 (0,9)	42,50

• ^A - Teste U de Mann-Whitney. ^B - Teste de Kruskal Wallys * - Significância estatística (p-valor < 0,05)

A Tabela 2 apresenta os achados relativos ao padrão de ansiedade autorreferida presente entre os idosos avaliados. Conforme a estratificação do escore total obtido a partir do GAI, 51,9% dos participantes apresentaram ausência de ansiedade, seguidos de 18,9% com ansiedade leve/moderada e 29,2% com ansiedade grave. Dessa forma, no presente estudo, pelo menos 48,1% dos idosos demonstraram algum grau de ansiedade.

Tabela 2
Classificação do padrão de ansiedade segundo o GAI em idosos acompanhados em Unidades Básicas de Saúde. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=233).

Variáveis	Idosos
	n (%)
Ausência de ansiedade	121 (51,9)
Ansiedade leve/moderada	44 (18,9)
Ansiedade grave	68 (29,2)
Total	233	100,0%

Ao associar a ocorrência de quadros indicativos de ansiedade com a classificação de funcionalidade, verificou-se uma associação estatisticamente significativa (p < 0,001) entre a ansiedade e a incapacidade, em que o sentido da associação está entre o padrão de ansiedade grave com o padrão de incapacidade grave, conforme demonstrado na Tabela 3. Quanto ao padrão de incapacidade, têm-se: 9,87% (ausente), 33,05% (leve), 22,75% (moderada) e 34,33 (grave).

Tabela 3
Associação entre as categorias dos padrões de ansiedade e incapacidade de idosos acompanhados em Unidades Básicas de Saúde. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=233).

Padrão de incapacidade (WHODAS)	Padrão de Ansiedade (GAI)			Sig. p-valor A
	Ausente	Leve/Moderada	Grave
Ausente	17	05	01	< 0,001*
Leve	49	16	12
Moderada	28	09	16
Grave	27	14	39

• ^A - Teste Exato de Fisher. * - Significância estatística (p-valor < 0,05)

DISCUSSÃO

Este estudo propôs estimar a ocorrência de ansiedade em pessoas idosas e sua associação com os diferentes padrões de incapacidade funcional em um município de pequeno porte no interior da Paraíba. A hipótese traçada vislumbrava achados que apontassem uma elevada ocorrência de ansiedade em idosos, sobretudo por reconhecer sua condição de subdiagnóstico especialmente no nível da atenção primária à saúde. Não obstante, outra hipótese estabelecia a associação entre a ansiedade, a incapacidade funcional e as condições socioeconômicas dos idosos. Desse modo, os achados confirmaram tais hipóteses ao evidenciarem que 48,1% dos participantes apresentaram algum nível de ansiedade autorreferida, cujo nível grave está significativamente associado ao padrão de incapacidade funcional grave.

A ansiedade se desenha como uma condição comprometedora para saúde do idoso ao diminuir sua qualidade de vida e ao potencializar seu adoecimento¹⁵. Múltiplas condições associadas ao processo de envelhecimento podem contribuir diretamente para seu o aparecimento e, portanto, geram indícios e vieses para a sua avaliação na velhice, dos quais destacam-se a perda ou a redução da autoestima, limitação da atividade diária, perda de amigos e parentes, diminuição da independência física, aumento das doenças crônicas e a ausência do apoio social¹⁶. Logo, indica-se uma variação de até 52% na ocorrência de ansiedade para essa faixa etária, aumentando gradativamente conforme o avanço da idade¹⁰,¹⁵.

Embora sua alta prevalência seja amplamente difundida na literatura científica, é persistente a inviabilização do diagnóstico e rastreio da ansiedade na população idosa. A efetividade da detecção de transtornos de ansiedade em pessoas mais velhas é dificultada pelos seus aspectos patológicos facilmente confundíveis com condições naturais do envelhecimento biopsicossocial, condição emocional comum, declínio cognitivo ou comorbidades decorrentes do processo de senilidade. Logo, quando não se diferenciam os sintomas, se negligenciam integralmente a avaliação, a conclusão diagnóstica e o manejo terapêutico dessa condição¹⁶.

A autonegligência também é relatada na literatura científica e no cuidado em saúde. Estudo realizado com longevos em cinco clínicas gerais do Reino Unido evidenciou que aqueles com maiores níveis de gravidade de ansiedade normalizam seus sintomas como parte dos problemas de saúde e dificuldades funcionais associados à sua faixa etária. Essas pessoas idosas também se mostraram relutantes na busca pelos serviços de saúde, consequentemente dificultando seu diagnóstico e tratamento¹⁷.

Quando avaliado segundo o padrão de gravidade, 29,2% dos idosos demonstram a forma mais grave da ansiedade, percentual superior ao encontrado no estudo conduzido em Maceió, Brasil, em que se obteve 16,28%¹⁸. Convergente aos dados mencionados, evidencia-se que sintomas como inquietação, tensão muscular, concentração prejudicada e sono perturbado, comumente associados a forma clínica mais grave da ansiedade, aumentam consideravelmente os riscos de limitações no funcionamento físico, na participação social e nas atividades da vida diária das pessoas idosas, sendo considerados fatores de risco independentes para o desenvolvimento de quadros de incapacidades nessa faixa etária².

Várias são as condições que podem ocasionar a alta prevalência de quadros graves de ansiedade na população idosa, sendo estas relacionadas principalmente a fatores como o aumento na carga de doenças e internações, baixa atividade laboral, uso de substâncias como álcool ou tabaco, aumento dos conflitos interfamiliares, exposição a eventos negativos, diagnóstico tardio do quadro ansioso ou o acompanhamento terapêutico inadequado⁵.

É oportuno considerar o cenário epidemiológico no qual os participantes do estudo foram avaliados, reflexo do estado pandêmico ocasionado pela covid-19. Dados atestam que a pandemia da covid-19 e o distanciamento físico por ela provocado podem atuar como estressores potenciais para o surgimento e agravamento de quadros psicoemocionais nos idosos, em que fatores como a solidão decorrente do isolamento social, o medo de contrair a doença, o impedimento de se despedir daqueles que morreram, a tensão econômica e as incertezas sobre o futuro, contribuíram significantemente para um aumento de até 20% dos sintomas de ansiedade nessa população¹⁹,²⁰.

Quando avaliada na perspectiva do gênero, a ansiedade geriátrica apresentou maior ocorrência e intensidade nas mulheres quando comparadas aos homens. Resultado convergente ao estudo multicêntrico realizado na Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha e Israel, em que as mulheres mostraram níveis significativamente mais elevados de ansiedade, sendo três vezes mais propensas a desenvolver qualquer um dos transtornos de ansiedade²¹.

De modo geral, a literatura aponta uma maior prevalência de queixas de saúde e de transtornos psicoemocionais presentes no sexo feminino²². Essa diferenciação entres os gêneros pode ser justificada pelos fatores historicamente associadas ao sexo feminino, em que as mulheres ao longo da vida tiveram um reduzido acesso a escolaridade, menor possibilidade de trabalho formal, níveis mais baixos de renda, maior pressão social e sobrecarga doméstica, condições que contribuem para uma menor proteção, segurança e bem-estar na velhice²¹.

Além disso, ressalta-se que os sintomas indicativos de ansiedade presentes nas mulheres idosas podem se caracterizar como uma manifestação associada a problemas subjacentes em sua vida, incluindo síndromes hormonais, transtorno de estresse pós-traumático, agressão sexual, violência doméstica ou outras experiências negativas, comumente relacionadas ao gênero e a faixa etária avançada²². Esse segmento populacional, portanto, deve receber um olhar mais cuidadoso dos profissionais e serem fortemente avaliados e assistidos nos diferentes níveis da rede de atenção à saúde.

Consoante aos dados apresentados, cabe assinalar que o processo de envelhecimento e o conjunto de alterações fisiológicas e patológicas vivenciadas pela população idosa ao longo da vida podem culminar no crescente nível de dependência, comprometimento funcional e declínio das capacidades físicas, cognitivas e psicológicas, podendo ainda influenciar diretamente no desenvolvimento de transtornos mentais comuns, como o da ansiedade²³,²⁴.

Outrossim, infere-se que a ansiedade atua como um impulsionador da fragilização e aumento da vulnerabilidade na população idosa, sendo considerada uma condição altamente determinante para o aumento do nível de incapacidade na velhice¹.

Nesse sentido, os resultados apresentados neste estudo ratificaram a associação entre o padrão de ansiedade autorreferida e o padrão de incapacidade identificada entre os idosos, constatando que o sentido da associação está entre o padrão de ansiedade grave com o padrão de incapacidade grave. Tais dados corroboram estudo realizado em um município de pequeno porte do interior da Bahia (Brasil), em que idosos com transtornos de ansiedade ou depressão possuíam uma maior prevalência para quadros de comprometimento no desempenho das atividades de vida diária, maior vulnerabilidade clinico-funcional, baixo envolvimento social ou processos de incapacidade²⁵.

A presença de prejuízos funcionais ou quadros de incapacidades são comumente referidos nos estudos sobre ansiedade geriátrica, sendo caracterizada como uma forma de manifestação ou consequência dos comprometimentos associados ao transtorno¹⁵. Autores ressaltam que mudanças experimentadas nos quadros de ansiedade contribuem para a diminuição da participação social, comprometimento da autonomia e intensificação das limitações no desenvolvimento das atividades de vida diárias, fatores que incapacitam os idosos na vida cotidiana²². Além disso, seus sintomas podem interagir com outros quadros pré-existentes, intensificando os deficit cognitivos e funcionais que já ocorrem devido ao processo de envelhecimento, tornando-os mais graves e incapacitantes com o tempo².

Outro fator de impacto sobre o nível de incapacidade em pessoas idosas com ansiedade é o aumento ou surgimento de comorbidades decorrente do transtorno²⁴. A literatura aponta que idosos ansiosos possuem maior predisposição para ocorrência de distúrbios físicos, incluindo problemas de visão, quedas, hipertensão, problemas gastrointestinais, além de alterações cardiovasculares, fatores que podem contribuir sobre o aumento dos níveis de incapacidades e vulnerabilidades. Ademais, idosos com ansiedade tendem a possuir uma inadequação dos regimes terapêuticos e comprometimento do autocuidado, condições que fragilizam ainda mais a funcionalidade e a qualidade de vida dos idosos²⁶.

Outrossim, muito embora neste estudo não há significância estatística na comparação entre os grupos de idosos quanto à faixa etária e o escore total do GAI, infere-se que a ansiedade grave pode ser considerada um precursor do declínio cognitivo e de quadros severos de incapacidade em adultos mais velhos²⁷. Tal fato justifica-se mediante as alterações neurobiológicas ocasionadas pelo transtorno, somadas ao uso prolongado de benzodiazepínicos em seu tratamento, o que pode tornar o indivíduo mais susceptível ao desenvolvimento de condições neurodegenerativas como Alzheimer ou demência vascular. Primícia essa confirmada em outros estudos de metanálises realizados nos últimos 5 anos ²⁸-³⁰.

Além disso, ressalta-se que os transtornos de ansiedade estão associados ao comportamento de evitação, que por sua vez pode resultar em um maior grau de isolamento social, e níveis substanciais mais baixos de atividade física, ambos fatores de risco para o desenvolvimento de quadros de incapacidade entre a faixa etária²⁷.

É importante pontuar que, embora autores afirmem haver interação complexa entre ansiedade e declínio clínico-funcional dos idosos, sua relação de causa e efeito ainda não é bem definida. Desse modo, tanto as alterações emocionais quanto a ansiedade patológica podem ser consequências de doenças físicas, como a própria ansiedade crônica pode contribuir para a deterioração da saúde e aumento da morbimortalidade, resultando no aumento do grau de incapacidade pelos idosos³¹.

Cabe enfatizar que o presente estudo deve ser interpretado levando em consideração algumas limitações relacionadas ao delineamento transversal adotado no percurso metodológico, que além de não permitir que se estabeleça a associação causa e efeito entre as variáveis, está propício ao viés de causalidade reversa entre os elementos de desfecho e exposição. Outro ponto a ser destacado é o limitado conjunto de produções nacionais sobre a temática. Talvez, por se tratar de um transtorno subdiagnosticado, esses dados apareçam diminutivos na literatura nacional, dificultando uma comparação fidedigna com os resultados apresentados, considerando a amplitude dos aspectos culturais, sociais e demográficos do país.

Ainda assim, mesmo com a existência de limitações, reforçamos a relevância da temática visto a pouca abordagem na literatura nacional. Consideramos ainda que resultados apresentados podem contribuir para perspectivas exitosas na criação de políticas públicas e qualificação da assistência multiprofissional prestada a população idosa, subsidiando o rastreamento, identificação, diagnóstico e adequação das condutas terapêuticas para quadros iniciais de ansiedade geriátrica.

CONCLUSÃO

Foram identificadas importantes evidências diante da relação entre o perfil sociodemográfico, os níveis de ansiedade geriátrica e os diferentes graus de incapacidade funcional dos idosos. Foi constatada a ocorrência total de 48,1% para os diferentes níveis de ansiedade geriátrica, com maior intensidade nas mulheres idosas. Na associação entre os resultados do WHODAS e GAI, encontrou-se significância entre o padrão de ansiedade grave com o padrão de incapacidade grave.

Os achados mencionados apontam a necessidade de planejamento e implementação de intervenções especializadas no campo da gerontogeriatria e a criação de políticas públicas que incorporem em suas práticas a avaliação periódica dos aspectos biopsicossociais que envolvam a saúde do idoso, uma vez que tanto a ansiedade como a incapacidade são condições facilmente prevenidas.

As repercussões da ansiedade e da incapacidade poderão ser amenizadas a partir do rastreamento e detecção precoce, ao possibilitar um cuidado singularizado e eficiente, a diminuição de complicações e a promoção da qualidade de vida da pessoa idosa. Para tanto, faz-se necessário a qualificação dos profissionais da atenção primária em saúde, na perspectiva de desenvolver suas competências e habilidades na identificação, manejo e condução adequada diante dessas condições de saúde, além da ampliação do escopo de ações oferecidas nas dimensões psicoemocional e motora, e seguimento para um serviço especializado, quando necessário.

Ademais, faz-se necessário um maior quantitativo de ensaios que abordem a complexidade da relação entre ansiedade geriátrica e incapacidade clínico-funcional, a fim de maximizar a contribuição empírica dos estudos nessa área e auxiliar na fundamentação, integralidade e longitudinalidade dos cuidados à saúde da pessoa idosa.

• Não houve financiamento para a execução desse trabalho.

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Editado por

Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Mar 2023
• Aceito
  20 Jun 2023