Carga de trabalho de enfermagem e requisição das atividades no cuidado de pessoas idosas em terapia intensiva

Resumo

Objetivo

Analisar a carga de trabalho e requisição de cuidados de enfermagem de pessoas idosas admitidas na unidade de terapia intensiva (UTI) em comparação com adultos.

Método

estudo transversal realizado em duas UTI de dois hospitais (público e privado) na região metropolitana de São Paulo. Foram extraídas do prontuário eletrônico de pacientes admitidos nas unidades no ano de 2019 as seguintes variáveis: idade, sexo, tempo de internação em UTI, escore Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) e do Nursing Activities Score (NAS). Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. A comparação de médias foi feita pelo teste T de Student e a associação entre as frequências das intervenções requeridas pelos participantes através do teste exato de Fischer.

Resultados

Foram incluídos no estudo 495 pacientes, dos quais 56,6% eram pessoas idosas com idade média de 74,9± 9,5 anos. O tempo de permanência das pessoas idosas na UTI foi de 6,0±7,7 dias. Verificou-se que a pontuação média do SAPS3 admissional foi de 48,3±13,7 pontos e a pontuação do NAS, também admissional, foi de 71,0±10,4 pontos, sendo maior entre pessoas idosas do que entre os adultos, tanto para a gravidade (p<0,001) quanto para a carga de trabalho (p=0,007).

Conclusão

a idade avançada está associada com uma maior carga de trabalho da enfermagem em unidade de cuidados intensivos e maior chance de ocorrência de intervenções, associada à maior gravidade na admissão e maior tempo de internação na UTI por essa população em comparação aos adultos.

Palavras-Chave:
Unidade de Terapia Intensiva; Idoso; Cuidado de Enfermagem ao idoso hospitalizado; Carga de Trabalho

Abstract

Objective

To analyze the workload and nursing care requirements of elderly people admitted to the intensive care unit (ICU) compared to adults.

Method

Cross-sectional study carried out in two ICUs of two hospitals (public and private) in the metropolitan region of São Paulo. The following variables were extracted from the electronic medical records of patients admitted to the units in 2019: age, gender, length of ICU stay, Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) and Nursing Activities Score (NAS). The data was analyzed using descriptive statistics. Means were compared using Student's t-test and the association between the frequencies of interventions required by the participants using Fischer's exact test.

Results

The study included 495 patients, 56.6% of whom were elderly with a mean age of 74.9± 9.5 years. The length of stay of the elderly in the ICU was 6.0±7.7 days. It was found that the average SAPS3 score on admission was 48.3±13.7 points and the NAS score, also on admission, was 71.0±10.4 points, being higher among older people than adults, both for severity (p<0.001) and workload (p=0.007).

Conclusion

Older age is associated with a greater workload for intensive care unit nurses and a greater chance of interventions, associated with greater severity on admission and longer ICU stays for this population compared to adults.

Keywords
Intensive Care Unit; Aged; Nursing Care of Hospitalized Elderly; Workload

INTRODUÇÃO

A dinâmica demográfica mundial impacta diretamente nos sistemas de saúde, visto que o envelhecimento da população se relaciona com o aumento na incidência e prevalência de comorbidades as quais estão associadas à elevação da hospitalização e mortalidade desses indivíduos¹.

Até o final de março de 2023, a média de idade em anos entre os admitidos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) no Brasil era de 62,63 e mediana de 65. Além disso, a população idosa com idade entre 60 e 80 anos ocupa a maior parte dos leitos de UTI entre grupos etários, com um total de 39,90% desses leitos, seguido pelos adultos (39,05%) e pela população idosa com idade superior a 80 anos (21,06%)².

Além da agudização de doenças crônicas, com destaque para as de causas cardiovasculares elevarem o número de admissões da população idosa em UTI³, o processo de envelhecimento, mesmo que saudável, progride com alterações fisiológicas específicas que envolvem perda funcional, requerendo um suporte de cuidados diferente do apresentado por adultos, independente da gravidade⁴.

Sabe-se que o cuidado com a população idosa na UTI está relacionado com o aumento da carga de trabalho de enfermagem em comparação com adultos sendo considerado um fator associado à maior demanda de cuidado⁵. Nesse sentido, a assistência às pessoas com mais de 60 anos em leitos de UTI requer enfermeiros qualificados, conhecedores das especificidades inerentes à senescência e à senilidade³. Nessa perspectiva, destaca-se o Nursing Activities Score (NAS), como um instrumento capaz de mensurar a carga de trabalho da enfermagem contribuindo para um dimensionamento adequado de pessoal⁶.

Apesar da caracterização das atividades de enfermagem associadas à carga de trabalho já ter sido descrita na literatura, comparando instituições públicas e privadas⁷, até o momento não foram encontrados estudos que analisassem essa associação entre pessoas idosas, em comparação com adultos. Não se sabe quais são exatamente as atividades mais requisitadas por pessoas idosas e qual a razão de chances de ocorrência das mesmas nessa população. Esses resultados podem ser potencialmente relevantes para o planejamento da assistência especializada em unidades de terapia intensiva.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi analisar a carga de trabalho de equipe de enfermagem e as atividades requeridas entre pessoas idosas na unidade de terapia intensiva, em comparação com adultos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal derivado de pesquisa prévia intitulada: “O impacto do Nursing Activities Score na capacidade preditora do Simplified Acute Physiology Score 3: uma coorte comparativa entre UTI pública e privada”, realizada no período de junho a setembro de 2020 e, em duas UTI de dois hospitais de grande porte (um público e um privado) localizados na região metropolitana de São Paulo. O hospital público é um centro de referência no atendimento de urgência e emergência de média e alta complexidade com 24 leitos ativos de UTI, enquanto instituição privada é um hospital geral com cerca de 50 leitos ativos de terapia intensiva, ambos hospitais são administrados pela Sociedade Beneficente de Senhoras – Hospital Sírio Libanês.

Para o presente estudo, o cálculo amostral foi feito considerando um erro α de 0,05, com β de 0,20 e com um tamanho de efeito de 0,30. Assim, a amostra requerida foi de 220 por grupo etário, totalizando 440 participantes. Para compensar possíveis perdas, foi prevista uma adição de 10%, totalizando uma amostra final estimada em 484 participantes. A análise pós-hoc para analisar o poder alcançado indicou um poder de estudo (probabilidade 1 - erro β) de 0,999, calculado para um tamanho de efeito de 0,30 em uma amostra de 495 participantes.

Participaram do estudo os pacientes admitidos nas UTI gerais, das instituições participantes, entre os meses de janeiro a dezembro de 2019, com idade maior ou igual a 18 anos e permanência mínima na de 24 horas na UTI. Foram excluídos aqueles com ausência de informações das variáveis relacionadas ao desfecho (carga de trabalho de enfermagem) no prontuário eletrônico e os prontuários de pacientes que necessitaram de reinternação durante o período referente à coleta.

Os dados foram coletados de forma retrospectiva, por meio da busca em prontuários eletrônicos, disponíveis no sistema EPIMED. Foram coletados dados sociodemográficos (sexo, idade, tempo de permanência na UTI), a gravidade admissional aferida em até uma hora da admissão pelo índice prognóstico Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) ⁸ e a carga de trabalho aferida após vinte e quatro horas de admissão NAS⁶.

O SAPS 3 avalia a gravidade individualmente dos pacientes internados em UTI através de 20 variáveis distribuídas em 3 agrupamentos: estado de saúde crônico e terapia anterior; circunstâncias relacionadas à admissão na UTI e presença e grau de disfunção fisiológica. Ao final da avaliação é calculado um escore que varia entre 16 e 217, sendo a pontuação e a gravidade do paciente diretamente proporcionais. Este instrumento utiliza como parâmetro dados coletados no momento da admissão do indivíduo em uma UTI ou até a primeira hora desse processo, aumentando sua sensibilidade frente a outros modelos visto que os dados fisiológicos não sofrem grandes interferências da terapêutica instituída⁸.

O NAS é destinado à mensuração da carga de trabalho da equipe de enfermagem, sendo ele composto por 23 intervenções de enfermagem agrupadas em 7 categorias: atividades básicas, suporte ventilatório, suporte cardiovascular, suporte renal, suporte neurológico, suporte metabólico e intervenções específicas à unidade intensiva. Assim, cada item avaliado agrega uma pontuação que variam de 1,2 a 32,0 ao escore obtendo um resultado de no máximo 176,8%. Com isso, se a pontuação for 100, interpreta-se que o paciente demandou de 100% do tempo de um profissional de enfermagem para prestação do cuidado nas últimas 24 horas, caso ultrapasse esse valor, conclui-se que há a necessidade de mais de um profissional para tal⁶.

Visando reduzir o viés de coleta dos dados, o preenchimento e a soma das pontuações dos itens do NAS foram realizados pelo autor principal desse estudo nas duas instituições participantes de forma retrospectiva através da análise dos prontuários. Para isso, foram consideradas as anotações, evoluções e avaliações multiprofissionais além de prescrições médica e de enfermagem.

Para a análise dos dados, a amostra final foi dividida em dois grupos, o G1 composto por adultos (com idade entre 18 e 59 anos) e o G2 composto por pessoas idosas (com idade maior ou igual a 60 anos). A normalidade dos dados foi testada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. As variáveis contínuas foram apresentadas como média ± desvio padrão. As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absoluta e relativa. Para a comparação de médias entre os grupos foi utilizado o teste T de Student com análise de variância pelo teste de Levene. Para testar a associação entre a frequência das intervenções requeridas pelos participantes nos dois grupos etários foi utilizado o teste exato de Fischer.

Para analisar a chance da idade avançada (maior ou igual a 60 anos) interferir na ocorrência de cada uma das intervenções do NAS foram construídos modelos de regressão logística (com entrada pelo método stepwise foward), assumindo a idade como variável independente e cada uma das intervenções como dependente. Para tanto, foi construído um modelo para cada intervenção e ao final, unificados para apresentação em uma única tabela. Foram apresentados os modelos sem ajuste de covariáveis, indicando a medida de associação (razão de chances da ocorrência), com seu respectivo intervalo de confiança e p-valor. Em estudos transversais, a razão de chances pode ser usada como um método para estimar a chance de ocorrência de uma condição em um grupo em relação a outro⁹.

Os dados foram analisados por meio do software SPSS v.22 e o nível de significância adotado em testes bicaudais foi de 0,05.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto Sírio Libanês com o número de parecer 4.084.423. e seguiu a regulamentação para pesquisas envolvendo seres humanos vigente no país (Resolução 466/2012). Foram também resguardados os termos dispostos a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709 de 2018).

RESULTADOS

Dos 495 participantes incluídos, 280 eram homens (56,6%) e 215 mulheres (43,4%). As pessoas idosas representaram 56,6% (n=280) do total de participantes. A idade média da população idosa foi de 74,9± 9,5 anos, sendo discretamente maior entre as mulheres (75,7±9,8 anos) em comparação aos homens (74,3±9,1 anos). Não houve diferença estatisticamente significante de idade entre homens e mulheres (p=0,253).

Não se observou diferença no tempo de permanência na UTI (5,0±6,2 dias vs. 6,0±7,7 dias, p=0,117) quando comparados os grupos de adultos e idosos. Entretanto, a gravidade avaliada pelo SAPS3 (36,5±13,4 vs. 48,3±13,7, p<0,001) e a carga de trabalho avaliada pelo NAS (68,3±11,6 vs. 71,0±10,4, p=0,007) foram maiores entre as pessoas idosas quando comparados aos adultos (Tabela 1).

Tabela 1
Média do tempo de permanência, gravidade e carga de trabalho admissionais em pacientes adultos e pessoas idosas admitidas na UTI. São Paulo, SP, 2020.

	Total	Adultos	Pessoas idosas	p-valor*
	(média±DP))	(média±DP)	(média±DP)
Tempo de permanência em UTI	5,6±7,1	5,0±6,2	6,0±7,7	0,117
SAPS3	44,3±14,7	36,5±13,4	48,3±13,7	<0,001
NAS	69,8±11,0	68,3±11,6	71,0±10,4	0,007

• DP – desvio padrão; SAPS3 – Simplified Acute Physiological Score 3; NAS – Nursing Activities Score . *Teste T-Student com correção de Levene para igualdade das variâncias

Ao serem comparados os itens do escore NAS observou-se diferença significante na frequência das intervenções nos itens: monitorização e controles (66,5% vs. 33,5%, p<0,001; mobilização e posicionamento (59,2% vs. 40,8%, p=0,009); suporte e cuidado aos familiares e pacientes (67,0% vs. 33,0%, p<0,001); tratamento para melhora da função pulmonar (62,9% vs. 37,1%, p=0.005); medida quantitativa do débito urinário (57,9% vs. 42,1%, p=0,012) e; intervenções específicas na unidade (62,0% vs.38,0%, p=0,018) nas pessoas idosas em comparação com os adultos (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência de pontuação de itens no NAS das primeiras 24h após a admissão na UTI distribuídos por grupos etários. São Paulo, SP, 2020.

Item NAS Admissional	Total	Pessoas Idosas	Adulto	p-valor*
	N (%)	n (%)	n (%)
1a. Sinais vitais horários, cálculo e registro do balanço hídrico.	203 (100,0)	135 (66,5)	68 (33,5)	<0,001
1b. Presença à beira do leito e observação contínua ou ativa por 2 horas ou mais em algum plantão.	292 (100,0)	145 (49,7)	147 (50,3)	<0,001
1c. Presença à beira do leito e observação contínua ou ativa por 4 horas ou mais em algum plantão.	-	-	-	-
2. Investigações laboratoriais: Bioquímicas e Microbiológicas.	459 (100,0)	261 (56,9)	198 (43,1)	0,860
3. Medicação, exceto drogas vasoativas.	490 (100,0)	275 (56,1)	215 (43,9)	1,000
4a. Realização de procedimentos de higiene.	481 (100,0)	271 (56,3)	210 (43,7)	0,409
4b. Realização de procedimentos de higiene que durem mais do que 2 horas em algum plantão.	11 (100,0)	6 (54,5)	5 (45,5)	1,000
4c. Realização de procedimentos de higiene que durem mais do que 4 horas em algum plantão.	-	-	-	-
5. Cuidados com drenos – Todos (Exceto Sonda Gástrica).	84 (100,0)	46 (54,8)	38 (45,2)	0,717
6a. Realização do(s) procedimento(s) de mobilização e posicionamento até três vezes em 24 horas.	69 (100,0)	29 (42,0)	40 (58,0)	0,009
6b. Realização do(s) procedimento(s) de mobilização e posicionamento mais do que 3 vezes em 24 horas ou com 2 enfermeiros em qualquer frequência.	417 (100,0)	247 (59,2)	170 (40,8)	0,009
6c. Realização do(s) procedimento(s) de mobilização e posicionamento com 3 ou mais enfermeiros em qualquer frequência.	4 (100,0)	1 (25,0)	3 (75,9)	0,321
7a. Suporte e cuidado aos familiares e pacientes que requerem dedicação exclusiva por cerca de 1 hora em algum plantão.	233 (100,0)	156 (67,0)	77 (33,0)	<0,001
7b. Suporte e cuidados aos familiares e pacientes que requerem dedicação exclusiva por 3 horas ou mais em algum plantão.	3 (100,0)	1 (33,3)	2 (66,7)	0,581
8a. Realização de tarefas administrativas e gerenciais de rotina.	76 (100,0)	38 (50,0)	38 (50,0)	0,210
8b. Realização de tarefas administrativas e gerenciais que requerem dedicação integral por cerca de 2 horas em algum plantão.	419 (100,0)	242 (57,8)	177 (42,2)	0,258
8c. Realização de tarefas administrativas e gerenciais que requerem dedicação integral por cerca de 4 horas ou mais de tempo em algum plantão.	4 (100,0)	2 (50,0)	2 (50,0)	1,000
9.Suporte Respiratório. Qualquer forma de ventilação mecânica/ventilação; respiração espontânea; oxigênio suplementar por qualquer método.	295 (100,0)	168 (56,9)	127 (43,1)	0,926
10. Cuidado com vias aéreas artificiais. Tubo endotraqueal ou cânula de traqueostomia.	140 (100,0)	67 (47,9)	73 (52,1)	0,016
11.Tratamento para melhora da função pulmonar. Fisioterapia torácica, espirometria estimulada, terapia inalatória e aspiração endotraqueal.	256 (100,0)	161 (62,9)	95 (37,1)	0,005
12. Medicação Vasoativa, Independente do Tipo e Dose.	185 (100,0)	109 (58,9)	76 (41,1)	0,454
13. Reposição intravenosa de grandes perdas de fluidos. Administração de fluidos > 3l/m2/dia, independente do tipo de fluido administrado.	3 (100,0)	1 (33,3)	2 (66,7)	0,582
14. Monitorização do átrio esquerdo. Cateter de artéria pulmonar com ou sem medida do débito cardíaco.	-	-	-	-
15. Reanimação cardiorrespiratória nas últimas 24 horas (excluído soco precordial).	1 (100,0)	0 (0,0)	1 (100,0)	0,433
16. Técnicas de hemofiltração. Técnicas dialíticas.	36 (100,0)	13 (36,1)	23 (63,9)	0,014
17. Medida quantitativa do débito urinário (ex. Sonda vesical de demora).	473 (100,0)	274 (57,9)	199 (42,1)	0,012
18. Medida da pressão intracraniana	6 (100,0)	3 (50,0)	3 (50,0)	1,000
19. Tratamento da acidose/alcalose metabólica complicada.	6 (100,0)	2 (33,3)	4 (66,7)	0,410
20. Hiperalimentação Intravenosa.	8 (100,0)	6 (75,0)	2 (25,0)	0,476
21. Alimentação enteral. Através de tubo gástrico ou Outra Via Gastrointestinal (ex. Jejunostomia).	45 (100,0)	26 (57,8)	19 (42,2)	1,000
22. Intervenção(ões) específica(s) na unidade de terapia intensiva.	155 (100,0)	158 (62,0)	97 (38,0)	0,018
23. Intervenções específicas fora da unidade de terapia intensiva. Procedimentos diagnósticos ou cirúrgicos.	85 (100,0)	44 (51,8)	41 (48,2)	0,337

• *Teste exato de Fisher

Quando se avaliou a distribuição das pessoas idosas segundo a frequência das atividades requeridas, observou-se que a administração de medicamentos, os cuidados com a higiene e com o débito urinário foram as mais frequentemente realizadas nessa população (Figura 1).

Figura 1
Distribuição da população idosa segundo a frequência das atividades requeridas. São Paulo, 2020.

Na análise multivariada observou-se que a idade ≥ que 60 anos influenciou nas intervenções avaliadas e quase dobrou as chances de monitorização e controles (item 1a) (OR: 1,970, IC95%: 1,360-2,850, p<0,001) e de mobilização e posicionamento (item 6b) (OR: 1,926, IC95%: 1,178-3,149, p=0,009). A chance de suporte e cuidado aos familiares e pacientes (7a) mais que dobrou entre os idosos (OR: 2,210, IC95%: 1,535-3,182, p<0,001) e a medida quantitativa do débito urinário fez aumentar em mais de 3 vezes entre estes (OR: 3,425 IC95%: 1,306-8,982, p= 0,012). Além disso, a chance para intervenções específicas na UTI (item 22) foi 1,5 vezes maior entre a população idosa (OR: 1,546, IC95%: 1,081-2,211, p=0,007) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise multivariada da chance ocorrência das intervenções previstas no NAS na população idosa na UTI – São Paulo, SP, 2020.

Categoria do NAS	Atividade		OR	IC95%	p-valor
Atividade básica	1a	Sinais vitais horários, cálculo e registro do balanço hídrico.	1,970	1,360-2,850	<0,001
	1b	Presença à beira do leito e observação contínua ou ativa por 2 horas ou mais em algum plantão.	0,497	0,343-0,720	0,720
	1c	Presença à beira do leito e observação contínua ou ativa por 4 horas ou mais em algum plantão.	-	-	-
	2	Investigações laboratoriais: Bioquímicas e Microbiológicas.	1,104	0,554-2,202	0,778
	3	Medicação, exceto drogas vasoativas.	1,043	0,277 – 3,930	0,951
	4a	Realização de procedimentos de higiene.	0,571	0,173-1,879	0,356
	4b	Realização de procedimentos de higiene que durem mais do que 2 horas em algum plantão.	0,923	0,278-3,066	0,896
	4c	Realização de procedimentos de higiene que durem mais do que 4 horas em algum plantão.	-	-	-
	5	Cuidados com drenos – Todos (Exceto Sonda Gástrica).	0,882	0,552-1,411	0,600
	6a	Realização do(s) procedimento(s) até três vezes em 24 horas.	0,505	0,302-0,846	0,009
	6b	Realização do(s) procedimento(s) mais do que 3 vezes em 24 horas ou com 2 enfermeiros em qualquer frequência.	1,926	1,178-3,149	0,009
	6c	Realização do(s) procedimento(s) com 3 ou mais enfermeiros em qualquer frequência.	0,253	0,026-2,452	0,236
Atividade básica	7a	Suporte e cuidado aos familiares e pacientes que requerem dedicação exclusiva por cerca de 1 hora em algum plantão.	2,210	1,535-3,182	<0,001
	7b	Suporte e cuidados aos familiares e pacientes que requerem dedicação exclusiva por 3 horas ou mais em algum plantão.	0,382	0,340-4,238	0,433
	8a	Realização de tarefas administrativas e gerenciais de rotina.	0,731	0,448-1,193	0,211
	8b	Realização de tarefas administrativas e gerenciais que requerem dedicação integral por cerca de 2 horas em algum plantão.	1,324	0,809-2,166	0,264
	8c	Realização de tarefas administrativas e gerenciais que requerem dedicação integral por cerca de 4 horas ou mais de tempo em algum plantão.	0,766	0,107-5,484	0,791
Suporte Ventilatório	9	Suporte Respiratório. Qualquer forma de ventilação mecânica/ventilação; respiração espontânea; oxigênio suplementar por qualquer método.	1,039	0,724-1,493	0,834
	10	Cuidado com vias aéreas artificiais. Tubo endotraqueal ou cânula de traqueostomia.	0,615	0,415-0,912	0,015
	11	Tratamento para melhora da função pulmonar. Fisioterapia torácica, espirometria estimulada, terapia inalatória e aspiração endotraqueal.	1,709	1,194-2,446	0,003
Suporte Cardiovascular	12	Medicação Vasoativa, Independente do Tipo e Dose.	1,166	0,806-1,685	0,415
	13	Reposição intravenosa de grandes perdas de fluidos. Administração de fluidos > 3l/m2/dia, independente do tipo de fluido administrado.	0,383	0,035-4,253	0,435
	14	Monitorização do átrio esquerdo. Cateter de artéria pulmonar com ou sem medida do débito cardíaco.	-	-	-
	15	Reanimação cardiorrespiratória nas últimas 24 horas (excluído soco precordial).	0,000	0,000	0,995
Suporte Renal	16	Técnicas de hemofiltração. Técnicas dialíticas.	0,406	0,201-0,823	0,012
	17	Medida quantitativa do débito urinário (ex. Sonda vesical de demora).	3,425	1,306-8,982	0,012
Suporte Neurológico	18	Medida da pressão intracraniana	0,765	0,153-3,830	0,745
Suporte Metabólico	19	Tratamento da acidose/alcalose metabólica complicada.	0,379	0,069-2,091	0,266
	20	Hiperalimentação Intravenosa.	2,332	0,466-11,670	0,303
	21	Alimentação enteral. Através de tubo gástrico ou Outra Via Gastrointestinal (ex. Jejunostomia).	1,056	0,568-1,963	0,863
Intervenções específicas	22	Intervenção(ões) específica(s) na unidade de terapia intensiva.	1,546	1,081-2,211	0,017
	23	Intervenções específicas fora da unidade de terapia intensiva. Procedimentos diagnósticos ou cirúrgicos.	0,791	0,495-1,264	0,327

• Variável independente inserida no modelo: idoso (idade ≥ 60 anos). # itens não requeridos pelos idosos da amostra.

DISCUSSÃO

Este estudo analisou a carga de trabalho da equipe de enfermagem entre pessoas idosas, em comparação com adultos, na unidade de terapia intensiva, identificando as atividades mais requisitadas pelas pessoas idosas e a razão de chances de ocorrência das mesmas nessa população.

Observou-se que a gravidade avaliada pelo SAPS3 e a carga de trabalho avaliada pelo NAS foram significantemente maiores entre as pessoas idosas quando comparados aos adultos. Não foi identificada diferença no tempo de permanência na UTI entre esses dois grupos.

Quanto aos itens do escore NAS, observou-se diferença significante na frequência das intervenções nos itens: monitorização e controles; mobilização e posicionamento; suporte e cuidado aos familiares e pacientes; tratamento para melhora da função pulmonar; medida quantitativa do débito urinário e intervenções específicas na unidade nas pessoas idosas em comparação com os adultos. Sendo a administração de medicamentos, os cuidados com a higiene e com o débito urinário as atividades requeridas mais frequentes entre as pessoas idosas.

Considerando que os índices prognósticos mensuram a gravidade da população atendida em determinada unidade identificando desarranjos fisiológicos agudos e crônicos durante a admissão, e a percepção de que a fragilidade física dos idosos, com as especificidades inerentes à senescência e à senilidade, contribuem para elevar a gravidade da doença, é esperada a elevação nos escores SAPS 3 em pessoas idosas.

No presente estudo, a correlação positiva entre gravidade da doença e consequente aumento da carga de trabalho de enfermagem foi observada, com impacto ainda no maior tempo de internação na UTI registrados no grupo de pessoas idosas. Resultados semelhantes do SAPS 3 foram encontrados em estudos com essa população, registrando média desse índice de gravidade em 48,9¹⁰ e 50,9¹¹. Entretanto, os estudos que relacionam carga de trabalho e gravidade dos pacientes, devido o ano de desenvolvimento e publicação⁵,⁷,¹² utilizaram o SAPS2 dificultando maiores comparações dos resultados apresentados.

Os itens do NAS (1a) aferição de sinais vitais e (2) investigação e o acompanhamento nas avaliações laboratoriais: bioquímicas e microbiológicas foram maiores nas pessoas idosas em comparação com adultos, ressalta-se que durante a dinâmica de envelhecimento, ocorrem modificações morfológicas e fisiológicas em todos os sistemas do organismo com perda funcional progressiva, e, portanto, realizar um acompanhamento mais direcionado de exames bioquímicos e microbiológicos na população idosa pode evidenciar menor índice de deterioração do quadro clínico¹³.

Nas administrações de medicações, exceto drogas vasoativas, as pessoas idosas também estavam em superioridade. Os dados foram similares a outra casuística, onde validou-se na análise das categorias do NAS, que as atividades mais frequentemente pontuadas foram o uso de medicamentos, a medição de urina excretada e os procedimentos de higiene¹⁴. Relaciona-se então à influência da reconciliação medicamentosa nas internações pessoas idosas sobre os aspectos citados devido à polifarmácia comum entre esses indivíduos¹⁵.

A maior frequência na realização de Procedimentos de Higiene nas pessoas idosas é explicada pela pluripatogenia comum nessa população, sendo considerada responsável pela progressiva perda de autonomia da mesma para a realização de atividades básicas e instrumentais de vida diária, desta maneira, quando hospitalizadas, em unidades de cuidados intensivos, apresentam maior demanda quanto aos procedimentos de higiene e cuidados direcionados com drenos e cateteres¹³.

A maior demanda de tempo da assistência de enfermagem referente aos cuidados com familiares pelas pessoas idosas está relacionada à maior dependência prévia de cuidados prestados por cuidadores e familiares, o que corrobora com o resultado de pesquisa onde foi demonstrado que esse item do NAS esteve presente em 100% dos participantes avaliados¹⁶.

Resultado semelhante foi identificado nos itens relacionados à mobilização e ao suporte ventilatório. Tais realidades são explicadas pela crescente carga global de incapacidade em pessoas idosas por deterioração biológica, gerando desafios importantes na assistência¹³ . Corroboram a isso outros estudos, como por exemplo o realizado em um hospital universitário na cidade de São Paulo com o objetivo de verificar a correlação da carga de trabalho de enfermagem com o índice de massa corpórea em pacientes críticos, identificando p<0,007 e p<0,047 para os mesmos tópicos respectivamente, e outro onde evidenciou o suporte ventilatório como um dos itens citado em 90% do total da amostra do estudo¹⁴,¹⁷,¹⁸.

A frequência estatisticamente significativa de intervenções específicas realizadas na UTI entre adultos e pessoas idosas são explicadas pelo desenvolvimento da tecnologia, com aumento no arsenal terapêutico para a prestação de assistência à saúde, sobretudo no aspecto de monitorização dos parâmetros vitais e terapias substitutivas realizadas, gerando o aumento da expectativa de vida. Dados semelhantes foram encontrados em estudo cujo objetivo era comparar a carga de trabalho, segundo o NAS, entre a população idosa que sofreu eventos adversos durante sua internação, verificando que 73,4% do total de participantes foram submetidos a tais intervenções¹⁹.

Quanto aos cuidados relacionados ao suporte renal, sabe-se que a maior prevalência dos casos de lesão renal se concentra em pessoas idosas internadas em UTI, como demonstrado no estudo realizado em um hospital universitário no Rio de Janeiro que obteve frequência de 87% dessa população com necessidade de intervenções de suporte renal, demonstrando que a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de lesão renal aguda com grande impacto na morbimortalidade desse público²⁰.

Aqueles pacientes que na admissão apresentam maior gravidade, comorbidades e disfunções orgânicas tendem a permanecer por períodos maiores de internação na UTI e apresentam maior predisposição de readmissão de acordo com suas condições clínicas e fatores de risco associados e identificados. Destaca-se aqui a presença de idade avançada como fator relevante na associação com a elevação na carga de trabalho da enfermagem. A utilização do escore, NAS, possibilita avaliação de indicadores assistenciais, na busca constante de viabilização de assistência de enfermagem direcionada e com qualidade associada também à saúde do trabalhador²¹.

Desta forma, faz-se necessário atenção ao dimensionamento da equipe de enfermagem das unidades de terapia intensiva, de modo que o cuidado seja realizado com qualidade e segurança, respeitando as especificidades de cada faixa etária em especial a demanda dentro do processo de envelhecimento humano, suas particularidades em níveis de autonomia e independência.

Muitos estudos estão em desenvolvimento frente a possibilitar direcionamento acerca da demanda da equipe de enfermagem para procedimentos mais direcionados e intervencionistas sendo possível em poucos anos termos tecnologias como Humanid Nursing Robot (HNRs), o que alteraria a carga de trabalho pelo NAS. Atualmente, as empresas tecnológicas estão desenvolvendo robôs que atendem às demandas universais de tecnologia de saúde, o que possibilitará o cuidado humano concentrado nas relações humanas e o cuidado tecnológico vinculado a mensurações como sinais vitais, reabilitação e exercícios, enfatizando as preocupações éticas e a segurança da pessoa humana como fatores críticos dos novos preceitos em estudo²².

Assim, os resultados da presente pesquisa associam-se com os achados de outros estudos, demonstrando que a carga de trabalho de enfermagem foi elevada quando relacionada a assistência prestada para pessoas idosas quando comparadas ao grupo de pessoas não idosas. Além, de constatar por meio do NAS que não houve diferença na utilização de recursos terapêuticos entre esses grupos. Isso sugere que uma adequação tanto qualitativa quanto quantitativa da equipe de enfermagem, utilizando o NAS como referência de carga trabalho, é fundamental para o desenvolvimento de uma assistência à saúde segura e livre de danos aos pacientes.

Resguardar uma assistência de qualidade requer o conhecimento do perfil do paciente, os riscos e as principais complicações, principalmente, quando se trata de população idosa, visto a alta possibilidade de apresentarem alterações fisiológicas significativas, em curto espaço de tempo, em unidades de terapia intensiva²³. Em conformidade a isso, ao se analisar a razão de chance calculada no presente estudo constatou-se que a carga de trabalho de enfermagem nos itens de atividades básicas, suporte familiar e demais atividades comuns a um nível maior de dependência, possuem maior chance de serem realizados em pessoas idosas.

Por fim, o presente estudo apresenta como limitações a ausência de controle para covariáveis nos resultados da análise multivariada realizada, seu caráter retrospectivo para preenchimento do NAS e o envolvimento de uma população mista de doenças, podendo causar viés de seleção. Entretanto, buscou-se amenizar tal fato por meio de um estudo multicêntrico e da uniformização da coleta de dados por um único pesquisador.

Por fim, os resultados e discussão aqui apresentados possuem um grande potencial em agregar para a prática clínica e de pesquisa, fornecendo evidências sobre a carga de trabalho de enfermagem dispensada aos pacientes de diferentes grupos etários e internados em UTI de diferentes naturezas jurídicas, contribuindo para o fortalecimento da gestão da assistência à saúde, busca pela melhoria contínua da mesma e prestação de cuidados com foco na segurança do paciente através de um dimensionamento adequado da equipe de enfermagem fundamentando assim, uma prática de enfermagem baseada em evidências.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a população idosa está associada com uma maior carga de trabalho da equipe de enfermagem em unidade de cuidados intensivos observada pela pontuação de itens no NAS, com resultado expressivo para a requisição de cuidados na categoria de atividades básicas, associada à maior gravidade na admissão e maior tempo de internação na UTI por essa população em comparação aos adultos. Perfil semelhante ao obtido nos cálculos de chance de ocorrência das atividades de enfermagem nesse público, com destaque ainda para a medida quantitativa do débito urinário e hiperalimentação intravenosa. Estudos que analisem a requisição de cuidados e a carga de trabalho em pessoas idosas por diferentes faixas etárias são importantes para validação da qualidade do cuidado e implementação de melhorias na assistência prestada.

• Financiamento da pesquisa: Estudo realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – código de financiamento 001. Além disso, Renata E. de L. Ferretti-Rebustini recebeu apoio do CNPq sob a forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  03 Jun 2023
• Aceito
  30 Ago 2023