Acessibilidade / Reportar erro

Teste de força máxima de preensão palmar em pessoas idosas longevas do sudeste brasileiro: definição de pontos de corte

Resumo

Objetivo

Definir pontos de corte para os valores do teste de força máxima de preensão palmar (FMPP) em pessoas idosas longevas.

Método

Estudo transversal com amostra de pessoas idosas longevas, octogenárias e nonagenárias, saudáveis e independentes funcionais (grupo robusto) e frágeis (grupo frágil). O teste de FMPP foi realizado em triplicata, sendo considerado o maior valor obtido. Os valores de sensibilidade, especificidade e os pontos de corte foram calculados por meio da Curva Característica de Operação do Receptor (ROC). Foram utilizados os pontos de corte brasileiros e os do Consenso Europeu de Sarcopenia para estudo da comparação.

Resultados

Foram avaliadas 121 pessoas idosas, com idade média de 84,5±5,3 anos, 65 (53,7%) do sexo feminino, sendo 46 (38%) do grupo frágil e 75 (62%) do grupo robusto. Foram encontrados os pontos de corte para FMPP de 27 kgf para homens e 19 kgf para mulheres. Os valores de sensibilidade e especificidade para os pontos de corte masculinos foram 94,44 e 65,79, respectivamente. Para o sexo feminino foram de 85,71 e 67,57. A partir desses pontos de corte, 23 (38,3%) pessoas idosas do grupo robusto foram classificadas com força inadequada, e, portanto, com provável sarcopenia, ao passo que, de acordo com os pontos de corte brasileiros e europeus, o número é de 35 (44,3%) e 14 (33,3%), respectivamente.

Conclusão

O estudo definiu pontos de corte para a população longeva e mostrou que os pontos de corte definidos até o momento para a população idosa brasileira não se mostraram adequados para longevos.

Palavras-Chave:
Idoso de 80 Anos ou Mais; Longevidade; Força da Mão; Sarcopenia; Sensibilidade e Especificidade; Curva ROC

Abstract

Objective

To define cut-off points for the values ​​of the Maximum Handgrip Strength (MGS) test in long-lived elderly people.

Method

Cross-sectional study with a sample of long-lived elderly people, octogenarians and nonagenarians, healthy and functionally independent (robust group) and frail (fragile group). The MHS test was performed in triplicate, with the highest value obtained being considered. Sensitivity, specificity and cut-off values ​​were calculated using the Receiver Operating Characteristic Curve (ROC). The Brazilian cut-off points and those of the European Consensus on Sarcopenia were used for the comparison study.

Results

121 elderly people were evaluated, with a mean age of 84.5±5.3 years, 65 (53.7%) female, 46 (38%) from the frail group and 75 (62%) from the robust group. Cut-off points for MHS of 27 kgf for men and 19 kgf for women were found. Sensitivity and specificity values ​​for men’s cutoffs were 94.44 and 65.79, respectively. For woman, they were 85.71 and 67.57. Based on these cutoff points, 23 (38.3%) individuals from the robust group were classified as having competitive strength, and therefore with probable sarcopenia, while according to the Brazilian and European cutoff points, the number is 35 (44.3%) and 14 (33.3%).

Conclusion

The study defined cut-off points for the oldest-old population and showed that the cut-off points defined so far for the Brazilian elderly population were not adequate for the oldest-old.

Keywords
Elderly Aged 80 Years or Older; Longevity; Hand Strength; Sarcopenia; Sensitivity and Specificity; ROC Curve

INTRODUÇÃO

A independência e a autonomia necessárias para uma longevidade saudável estão diretamente relacionadas ao bem-estar e à funcionalidade do indivíduo11 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.. A força muscular é um importante parâmetro preditor de funcionalidade na pessoa idosa22 Bjerregaard P, Ottendahl CB, Jørgensen ME. Hand grip strength and chair stand test amongst Greenlandic Inuit: reference values and international comparisons. Int J Circumpolar Health. 2021;80(1):1966186.. O avanço da idade é um fator de risco para baixa força muscular e para o desenvolvimento de sarcopenia, condição associada a quedas, declínio funcional, fragilidade e mortalidade33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31..

Sarcopenia é uma desordem muscular, progressiva e generalizada que envolve a perda acelerada de massa muscular e funcionalidade44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.. Originalmente, a principal característica para diagnóstico de sarcopenia era a perda de massa muscular44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.. A definição evoluiu e a maioria dos consensos, apoiados por outros grupos de estudo, passaram a priorizar a perda de funcionalidade, particularmente com relação à força muscular, em associação à massa muscular reduzida44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.

5 Chen LK, Woo J, Assantachai P, Auyeung TW, Chou MY, Lijima K, et. al. Asian Working Gourp for Sarcoepnia: 2019 consensus update on sarcopenia diagnosis and treatment. J Am Med Dir Assoc 2020; 21: 300–307.e2

6 Zanker J, Scott D, Reijnierse EM, Brennan-Olsen SL, Daly RM, Girgis CM, et al. Establishing an operational definition of sarcopenia in Australia and New Zealand: Delphi method-based consensus statement. J Nutr Health Aging 2019; 23:105–10.

7 Bhasin S, Travison TG, Manini TM, Patel S, Pencina KM, Fielding RA, et al. Sarcopenia definition: the position statements of the sarcopenia definition and outcomes consortium. J Am Geriatr Soc 2020; 68: 1410–8.
-88 Coletta G, Phillips SM. An elusive consensus definition of sarcopenia impedes research and clinical treatment: A narrative review. Ageing Res Rev. 2023;86:101883.. Essa é, atualmente, a definição mais citada, proposta e revisada recentemente pelo Grupo Europeu de Trabalho sobre Sarcopenia em Pessoas Idosas (EWGSOP)44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46..

Assim, no conceito atual de sarcopenia, estão presentes três elementos: redução de força, massa e função33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.. Distingue-se, dessa forma, do processo fisiológico de redução da massa muscular associado ao envelhecimento e é considerada uma síndrome geriátrica pela morbimortalidade associada44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.. Essa síndrome, assemelha-se também com o fenótipo de fragilidade99 Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-56 por compartilhar o elemento central deste - a redução de massa muscular. Dessa forma, pessoas idosas com sarcopenia (síndrome ou processo) apresentam-se em risco de fragilização11 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30..

No Brasil, a prevalência de sarcopenia entre as pessoas de 60 anos ou mais encontra-se entre 13,9% e 16%, respectivamente, de acordo com o estudo “COMO VAI?” e a revisão sistemática de Diz et al. (2017)1010 Barbora-Silva TG, Bielemann RM, Gonzalez MC, Menezes AMB. Prevalence of sarcopenia among Community-dwelling elderly of a medium-sized South American city: results of the COMO VAI? Study.J Cachexia Sarcoepnia Muscle. 2016;7(2):136-43,1111 Diz JBM, Leopoldino AAO, Moreira B de S, Henschke N, Dias RC, Pereira LSM, et al. Prevalence of sarcopenia in older Brazilians: A systematic review and meta-analysis. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(1):5–16. Dentro dessa faixa etária, a maior prevalência está nos grupos de idade mais avançada, o que está relacionado ao fato da força muscular diminuir cerca de 1,5%-5% por ano quando o indivíduo ultrapassa os 50 anos de idade, evidenciando a importância de se estudar de forma mais aprofundada a força na população longeva1212 Kyle UG, Genton L, Hans D, Karsegard L, Slosman D, Pichard C. Age-related differences in fat-free mass, skeletal muscle, body cell mass and fat mass between 18 and 94 years. Eur J Clin Nutr.. 2001;55(8):663–72..

Para a avaliação e diagnóstico da sarcopenia podem ser utilizados diferentes testes validados de força, massa muscular e performance33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.,44 Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.,55 Chen LK, Woo J, Assantachai P, Auyeung TW, Chou MY, Lijima K, et. al. Asian Working Gourp for Sarcoepnia: 2019 consensus update on sarcopenia diagnosis and treatment. J Am Med Dir Assoc 2020; 21: 300–307.e2. Especificamente para avaliação da força muscular, o teste mais recomendado é o da força máxima de preensão palmar (FMPP). A FMPP possui um custo relativamente baixo, sendo de fácil utilização clínica e se relacionando com a força em outros compartimentos do corpo1313 Roberts HC, Denison HJ, Martin HJ, Patel HP, Syddall H, Cooper C, et al. A review of the measurement of grip strength in clinical and epidemiological studies: towards a standardised approach. Age Ageing. 2011;40(4):423–9.. Uma baixa performance nesse teste é um forte indicativo de piores desfechos hospitalares, grandes limitações funcionais e baixa qualidade de vida33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.. A fraqueza muscular, evidenciada pelo teste de preensão palmar, apresentou forte concordância com sarcopenia pelo Consórcio de Definição e Resultados em Sarcopenia (SDOC)77 Bhasin S, Travison TG, Manini TM, Patel S, Pencina KM, Fielding RA, et al. Sarcopenia definition: the position statements of the sarcopenia definition and outcomes consortium. J Am Geriatr Soc 2020; 68: 1410–8..

Para o diagnóstico de provável sarcopenia, confirmada quando a massa muscular também está baixa33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31., os valores resultantes do teste devem estar abaixo dos pontos de cortes definidos em quilograma-força (kgf), de 27 kgf para homens e 16 kgf para mulheres, de até 80 anos1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637.. Tais pontos de cortes provém de um consenso onde dados de 12 estudos populacionais conduzidos na Grã-Bretanha foram combinados para produzir valores normativos para força de preensão ao longo da vida (de 4 a 90 anos). Neste estudo, somente 10,5% da amostra tinha 80 anos ou mais, portanto longevos1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637..

No entanto, há evidência substancial de que os valores normativos de força são diferentes entre as populações de países desenvolvidos e de países em desenvolvimento1515 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Kuh D, Cooper C, Sayer AA. Global variation in grip strength: a systematic review and meta-analysis of normative data. Age Ageing. 2016;45(2):209–16. O EWGSOP evidencia a urgência na realização de novos estudos em diferentes regiões do mundo para a obtenção de melhores pontos de cortes33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31..

No Brasil, dois estudos trazem referências para o teste1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.,1717 Amaral CA, Amaral TLM, Monteiro GTR, Vasconcellos MTL, Portela MC. Hand grip strength: Reference values for adults and elderly people of Rio Branco, Acre, Brazil. Wehrmeister FC, editor. PLOS ONE [Internet]. 2019;14(1):e0211452.. O primeiro foi desenvolvido com participantes de centros comunitários para pessoas idosas das regiões sul e sudeste e sugere pontos de corte de 30 kgf para homens e 21,7 kgf para mulheres a partir de uma amostra com pessoas idosas, sendo 8% longevas1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.. O outro estudo, conduzido em uma amostra com indivíduos de 18 a 102 anos, residentes em Rio Branco, cidade da região Norte do Brasil, traz os percentis dos valores obtidos estratificados por grupo etário, sem a testagem da sensibilidade e especificidade, sendo 10,7% da amostra longeva1717 Amaral CA, Amaral TLM, Monteiro GTR, Vasconcellos MTL, Portela MC. Hand grip strength: Reference values for adults and elderly people of Rio Branco, Acre, Brazil. Wehrmeister FC, editor. PLOS ONE [Internet]. 2019;14(1):e0211452..

A utilização de pontos de corte não específicos para esse grupo etário pode impactar diretamente no diagnóstico de sarcopenia, uma vez que um valor abaixo desses pontos para o teste de força pode refletir alterações fisiológicas do envelhecimento e não indicar baixo desempenho1717 Amaral CA, Amaral TLM, Monteiro GTR, Vasconcellos MTL, Portela MC. Hand grip strength: Reference values for adults and elderly people of Rio Branco, Acre, Brazil. Wehrmeister FC, editor. PLOS ONE [Internet]. 2019;14(1):e0211452.. Sendo assim, a partir da hipótese de que os valores normais para o teste de força de idosos longevos podem estar abaixo dos atuais, que são utilizados para todas as faixas etárias, o objetivo do presente estudo foi estudar a força de preensão palmar desse grupo e definir pontos de corte para o teste a partir de uma amostra de pessoas idosas longevas, independentes funcionais, sabidamente saudáveis.

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal que avaliou a força de preensão palmar de dois grupos: pessoas idosas longevas com independência funcional, atendidas no Ambulatório de Envelhecimento Saudável e pessoas idosas longevas frágeis, atendidas no Ambulatório de Atenção Nutricional ao Idoso, ambos do Instituto Jenny de Andrade Faria, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil. Os ambulatórios pertencem ao Centro Referência de Geriatria. Os dados foram coletados no período de março de 2016 a novembro de 2021.

As pessoas idosas do estudo tiveram sua funcionalidade avaliada por meio da Escala visio analógica de Fragilidade que realiza a Classificação Clínico-Funcional dos Idosos11 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.. As pessoas idosas com independência funcional são aquelas que apresentaram independência para atividades de vida diária (AVDs) básicas, instrumentais e avançadas, de acordo com dados coletados em consulta médica geriátrica. Esse grupo se encontra entre os estágios 1 e 3 desta Escala11 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.. Foram considerados frágeis aquelas que apresentam dependência parcial ou total para a realização de AVDs instrumentais e/ou básicas, se encontrando entre os estratos 6 e 811 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.. No delineamento deste estudo considerou-se que as pessoas idosas com independência funcional apresentam força adequada para a idade11 Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.. Em contrapartida, as frágeis, apresentam dependência para a realização de algum tipo de atividades de vida diária e instrumental e, por isso, poderiam não apresentar força adequada para a idade. As pessoas idosas frágeis, constituíram o grupo denominado de frágil e as pessoas idosas independentes funcionais constituíram o grupo robusto. Os critérios de inclusão foram indivíduos de 80 anos ou mais, de ambos os sexos, com dados do teste de força de preensão palmar disponíveis nos prontuários multidisciplinares. A avaliação da força realizada no ambulatório é padronizada na rotina de atendimento e todos os profissionais são treinados e orientados a seguir tal padrão1313 Roberts HC, Denison HJ, Martin HJ, Patel HP, Syddall H, Cooper C, et al. A review of the measurement of grip strength in clinical and epidemiological studies: towards a standardised approach. Age Ageing. 2011;40(4):423–9.. Foram excluídas pessoas idosas centenárias. O processo de seleção dos participantes no estudo está apresentado na Figura 1.

Figura 1
Processo de seleção dos participantes no estudo. Minas Gerais, 2018-2020.

Todos os dados foram coletados dos prontuários multidisciplinares do atendimento geriátrico e nutricional, incluindo dados demográficos (sexo e idade), dados antropométricos (peso, altura, perímetro da panturrilha, de braço e dobra cutânea tricipital) e de força máxima de preensão palmar (FMPP).

Abaixo estão descritos os métodos utilizados pelos profissionais dos ambulatórios para gerar os dados coletados. Ressalta-se que todos os profissionais e alunos que integram a equipe desses dois ambulatórios são treinados periodicamente para a padronização das técnicas.

A massa corporal foi aferida em balança Filizola® (PL 200 LED, Filizola®, São Paulo (SP) Brasil), com divisão de 100g, com o paciente descalço e sem casacos. A altura foi aferida em estadiômetro presente no mesmo equipamento, com o paciente posicionado de costas, com a cabeça no plano de Frankfurt, e pés juntos1818 World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of antropometry. Geneva, 1995.452p (Technical Report Series, n. 894). Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/37003
https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
.

A partir do peso e da altura calculou-se o Índice de Massa corporal (IMC), dividindo-se o peso (em quilogramas) pela altura ao quadrado (em metros). Este foi classificado de acordo com a recomendação de classificação para pessoas idosas, com baixo peso <23Kg/m², peso normal ≥23Kg/m² e <28Kg/m², sobrepeso ≥28Kg/m² e <30Kg/m22 Bjerregaard P, Ottendahl CB, Jørgensen ME. Hand grip strength and chair stand test amongst Greenlandic Inuit: reference values and international comparisons. Int J Circumpolar Health. 2021;80(1):1966186. e obesidade ≥30Kg/m22 Bjerregaard P, Ottendahl CB, Jørgensen ME. Hand grip strength and chair stand test amongst Greenlandic Inuit: reference values and international comparisons. Int J Circumpolar Health. 2021;80(1):1966186. 1919 OPAS. Organização Pan-Americana. XXXVI Reunión del Comitê Asesor de Ivestigaciones en Salud – Encuestra Multicêntrica – Salud Beinestar y Envejecimeiento (SABE) en América Latina e el Caribe (2002) – Informe preliminar. Disponível em: <URL:http://www.opas.org/program/sabe.htm.> (abril. 2023)
http://www.opas.org/program/sabe.htm...
.

A FMPP foi aferida por meio de um dinamômetro, da marca Jamar® (BL5001, Lafayete, Indiana, EUA). Para isso, foram realizadas três medidas da mão direita e três da mão esquerda, de forma intercalada, utilizando-se o maior valor obtido em ambas como o resultado do teste. As medidas foram feitas com os indivíduos sentados, com as costas e os braços apoiados nos encostos, com o ombro relaxado e cotovelos flexionados a 90°. Foi solicitado que a pessoa idosa fizesse a maior força de compressão que conseguisse sob a alça do aparelho enquanto o avaliador estimulava-o e observava a maior marcação1313 Roberts HC, Denison HJ, Martin HJ, Patel HP, Syddall H, Cooper C, et al. A review of the measurement of grip strength in clinical and epidemiological studies: towards a standardised approach. Age Ageing. 2011;40(4):423–9..

Para efeito de comparação, foram utilizados os pontos de cortes para FMPP ajustados para a população brasileira1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43. e os do segundo Consenso Europeu de Sarcopenia (EWGSOP2)33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31., que adota os dados do estudo de Dodds e colaboradores1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637.. O primeiro considera baixa força para homens quando o resultado for <30 kgf e para mulheres quando <21,7 kgf1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.. Já o segundo, considera baixa força resultados <27 kgf e <16 kgf para homens e mulheres, respectivamente33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.. A baixa força foi considerada provável sarcopenia33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31..

Os valores foram apresentados de forma descritiva por meio de média e desvio padrão para variáveis simétricas e mediana e percentis 25 e 75 para as variáveis assimétricas. O teste de normalidade utilizado foi o de Komogorov-Smirnov. Os valores categóricos foram expressos em frequência.

Para comparar as características de acordo com a classificação funcional e com o sexo, foram utilizados os testes T de Student para variáveis simétricas e o teste de Mann-Whitney para as variáveis assimétricas. As características categóricas foram comparadas por meio dos testes qui-quadrado quando eram encontradas mais de 2 células com valores maiores de 5 e teste Exato de Fisher quando nenhuma célula apresentou valores maiores que 5.

A fim de definir pontos de corte em uma série de dados contínuos de valores de FMPP, foi realizado o estudo da sensibilidade e da especificidade, de cada um dos pontos, obtidas pela Curva Característica de Operação do Receptor (ROC) a partir dos dados das pessoas idosas robustas e frágeis. Essa divisão se faz necessária, uma vez que é preciso realizar a comparação entre os dados de dois grupos com características clínicas opostas para a obtenção da Curva ROC2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4.. Para constatar a efetividade da Curva ROC em definir pontos de corte em um teste diagnóstico, utiliza-se a área sob a curva, que, apresentado o valor de 0,5 ou menor reflete um teste sem capacidade de discriminar a presença da condição clínica estudada, ou seja, um teste sem eficácia2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4..

A sensibilidade de um teste estatístico corresponde à quantidade de resultados positivos em relação à indivíduos que possuem determinada condição clínica. Já a especificidade corresponde à quantidade de resultados negativos dentre os indivíduos que não possuem a condição clínica estudada2121 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 1. J Bras Pneumol. 2017;43(5):330. Nesse sentido, o ponto de corte escolhido foi aquele que apresentou o maior valor no Índice de Youden, o qual indica o ponto com menor taxa de falsos positivos e negativos concomitantemente a partir da sensibilidade e da especificidade2222 Yin J, Mutiso F, Tian L. Joint hypothesis testing of the area under the receiver operating characteristic curve and the Youden index. Pharm Stat. 2021;20(3):657–74.. Foi adotado 0,05 como nível de significância.

Os valores preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN), bem como as razões de semelhança positivas (RV+) e negativas (RV-) e os demais testes relacionados à curva ROC e aos pontos de corte foram obtidos por meio do programa MedCalc2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4.,2323 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(6):408.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE: 80295616.1.0000.5149, Parecer n° 2.422.800 e CAAE 37058720.7.0000.5149, Parecer n°: 4.329.040).

RESULTADOS

A amostra foi composta por 121 pessoas idosas, sendo 46 (38%) do grupo frágil e 75 (62%) do grupo robusto. As características demográficas e antropométricas da população estudada encontram-se na Tabela 1. Sete indivíduos do grupo frágil não foram avaliados antropometricamente devido a dificuldades relacionadas à baixa mobilidade, no entanto esses indivíduos não foram excluídos, pois tiveram a força avaliada sem prejuízo na técnica.

Tabela 1
Características demográficas e antropométricas da amostra estudada segundo os grupos (N=121). Belo Horizonte (MG), 2018-2020.

Em relação aos pontos de corte, o estudo das sensibilidades e especificidades, a partir da Curva ROC, revelou o valor de ≤27 kgf como o ponto mais adequado para os homens e ≤19 kgf para mulheres para o teste de FMPP (Figura 2).

Figura 2
Curvas ROC, pontos de cortes e valores de sensibilidade e especificidade para o sexo masculino e feminino, respectivamente. Belo Horizonte (MG), 2018-2020.

Os valores obtidos a partir dos indicadores estatísticos revelam que os pontos de corte definidos são considerados eficazes para discriminar condições clínicas. Em relação a área sob a curva, tem-se essa característica quando os valores estão acima de 0,8 e, em relação ao valor de p, quando for <0,001, o que foi encontrado no estudo2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4..

Ademais, tem-se os VPPs e VPNs de 32,8% e 98,5% para o grupo masculino e de 31,8% e 96,4% para o grupo feminino, respectivamente. O VPP reflete a probabilidade de o indivíduo ser frágil quando o valor do teste de FMPP for menor ou igual ao ponto de corte estabelecido e deve ser maior que a prevalência da doença. O VPN reflete a probabilidade de o indivíduo ser robusto, quando o valor do teste de FMPP for maior que o ponto estabelecido2323 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(6):408. Assim, na prática, vemos que a grande maioria dos indivíduos que apresentarem um teste maior que os pontos encontrados no estudo não terão um diagnóstico de provável sarcopenia.

As RV+ e a RV- foram de 2,76 e 0,08 para o grupo masculino e de 2,64 e 0,21 para o grupo feminino, respectivamente. Tendo em vista que um valor de RV+ maior que 1,0 tem maior eficácia em indicar a presença da doença a partir de um resultado positivo, os valores encontrados reiteram a validade do teste. Para a RV-, tem-se que quanto mais próximo de 0, menor a probabilidade de doença a partir de um resultado negativo, sendo que um valor próximo de 1,0 reflete ineficácia no teste2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4.. Nesse sentido, tem-se bons resultados de RV-, corroborando para a eficácia do teste, com ênfase no valor do grupo masculino.

Quanto ao teste de FMPP (Tabela 2), 65,3% pessoas idosas da amostra se mostraram com baixa força considerando os pontos de cortes brasileiros1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.. Destes, 44,3% eram do grupo robusto, portanto independentes funcionais. Já em relação aos pontos de cortes do EWGSOP33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31., 34,7% da amostra foi classificada com baixa força, sendo que, destes, 36,6% eram do grupo robusto.

Tabela 2
Força máxima de preensão palmar da amostra estudada, segundo grupos. Belo Horizonte, MG, 2018-2020.

Utilizando os pontos de corte definidos no presente estudo, 60 (49,5%) indivíduos foram classificados com força inadequada, sendo, 23 (38,3%) do grupo robusto e 37 (61,7%) do grupo frágil (p<0,001) (Tabela 2). Nesta classificação não há diferença entre sexo (p=0,077). Aplicando-se esses pontos de corte observa-se, portanto, uma redução de 24% na classificação de baixa força muscular nos indivíduos independentes funcionais, na comparação com os pontos de corte brasileiros.

DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou a FMPP de pessoas idosas robustas e propôs pontos de cortes de ≤27 kgf para homens e ≤19 kgf para mulheres que são sugestões para utilização na prática clínica com idosos longevos. Além disso, foi possível concluir que, de fato, tais pontos de corte são menores que os utilizados atualmente para a população brasileira, sem especificação etária, indicando que valores normais para idosos longevos podem ser menores.

O trabalho avaliou e definiu pontos de corte para o teste de FMPP tendo como foco exclusivo um grupo de pessoas idosas longevas brasileiras independentes funcionais, utilizando na análise estatística um grupo de mesma faixa etária e com característica oposta relacionada à funcionalidade, no caso com presença de fragilidade. Até então, os estudos que analisaram a FMPP partiram de amostras com diferentes grupos etários, tendo como minoria pessoas idosas longevos1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637.,2424 Bimali I, Opsana R, Jeebika S. Normative reference values on handgrip strength among healthy adults of Dhulikhel, Nepal: A cross-sectional study. J Family Med Prim Care. 2020;9(1):310.

25 Reichenheim ME, Lourenço RA, Nascimento JS, Moreira VG, Neri AL, Ribeiro RM, et al. Correction: Normative reference values of handgrip strength for Brazilian older people aged 65 to 90 years: Evidence from the multicenter Fibra BR study. PLoS One. 2022;17(3):e0265915.

26 Huemer MT, Kluttig A, Fischer B, Ahrens W, Castell S, Ebert N, et al. Grip strength values and cut-off points based on over 200,000 adults of the German National Cohort - a comparison to the EWGSOP2 cut-off points. Age Ageing. 2023;52(1):afac324.

27 Fernandes S, Rodrigues da Silva E, New York B, Macedo P, Gonçalves R, Camara S, et al. Cutoff Points for Grip Strength in Screening for Sarcopenia in Community-Dwelling Older-Adults: A Systematic Review. J Nutr Health Aging. 2022;26(5):452-460.
-2828 Bahat G, Tufan A, Kilic C, Aydin T, Akpinar TS, Kose M, et al. Cut-ff points for height, weight and body mass index adjusted bioimpedance analysis measurements of muscle mass with use of different threshold definitions. Ageing Male. 2020;23(5):382-387..

Estudos regionais para definição de pontos de corte para o teste da FMPP são necessários devido a diferenças entre os resultados de países desenvolvidos e em desenvolvimento1515 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Kuh D, Cooper C, Sayer AA. Global variation in grip strength: a systematic review and meta-analysis of normative data. Age Ageing. 2016;45(2):209–16. Em um estudo que comparou a FMPP de indivíduos de diversas regiões do mundo foi claramente evidenciado que os valores de força de preensão palmar são substancialmente mais baixos nos países em desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos1515 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Kuh D, Cooper C, Sayer AA. Global variation in grip strength: a systematic review and meta-analysis of normative data. Age Ageing. 2016;45(2):209–16. Como exemplo, na população masculina de 30 anos, a média encontrada da FMPP nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, respectivamente, foi de 52,8 kgf e 43,4 kgf1515 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Kuh D, Cooper C, Sayer AA. Global variation in grip strength: a systematic review and meta-analysis of normative data. Age Ageing. 2016;45(2):209–16.

Assim, estudos nacionais para definição de pontos de corte mais adequados à nossa realidade têm sido conduzidos. Entretanto, o delineamento de cada estudo é diferente e não incluem um grupo com características clínicas opostas para comparação, método recomendado ao estudar a sensibilidade e especificidade por meio de uma Curva Roc2020 Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4., como no caso do presente estudo. Um desses estudos utilizou como comparação o “medo de cair” entre os participantes1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43. e o outro estudo apenas apresentou os resultados dos testes de acordo com grupos etários, não avaliando a sensibilidade e especificidade1717 Amaral CA, Amaral TLM, Monteiro GTR, Vasconcellos MTL, Portela MC. Hand grip strength: Reference values for adults and elderly people of Rio Branco, Acre, Brazil. Wehrmeister FC, editor. PLOS ONE [Internet]. 2019;14(1):e0211452..

Em relação aos pontos de corte do nosso estudo, para os homens, o valor de 27 kgf foi menor que o encontrado no estudo brasileiro, de 30 kgf1616 Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.. Tal resultado sugere que, nas pessoas idosas longevas estudadas, um menor valor absoluto de força não se caracteriza como baixo desempenho. Semelhante situação encontramos nas mulheres, nas quais o valor de ponto de corte encontrado foi de 19 kgf, menor que o estudo brasileiro, de 21,7 kg. Na prática, isso mostra que se utilizados os pontos de cortes brasileiros propostos até então, uma pessoa idosa longeva sabidamente saudável e sem comprometimento funcional poderia ser classificada com provável sarcopenia.

Quando comparamos os pontos de corte obtidos no presente estudo com os estabelecidos pelo EWGSOP2, percebemos uma maior proximidade. Para os homens, o valor encontrado de 27 kgf é exatamente igual ao estabelecido e, para as mulheres, o valor de 19Kgf é maior que o estabelecido pelo consenso, de 16 kgf33 Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.. Sendo assim, o número de homens classificados com baixa força foi exatamente igual. Já o número de mulheres classificadas com baixa força dobrou quando o ponto de corte de nosso estudo é empregado.

Esses dados revelam um ponto importante a ser analisado, que é o fato de os pontos de cortes gerados a partir dos dados de força de uma população octogenária e nonagenária estarem muito próximos de pontos calculados em estudos que incluíram uma ampla faixa etária (de 4 a 90 anos)1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637.. Nesse mesmo estudo, os valores mínimos de percentis (percentil 10) de força encontrados em longevos foi de 16 kgf a 23 kgf em homens e 9 kgf a 13 kgf em mulheres1414 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637., portanto bem abaixo do ponto de corte do nosso estudo. Isso sugere que, talvez, a redução da força em pessoas idosas com funcionalidade preservada não seja tão intensa, ou que tenha se alcançado um platô em determinada idade, mostrando a peculiaridade do grupo em questão e reforçando a necessidade de mais estudos acerca das características dessa população. Tem-se aqui, uma amostra pouco estudada de pessoas idosas longevas funcionalmente independentes.

Uma das limitações do nosso estudo foi o fato de ter sido conduzido em uma capital de um estado da região sudeste do Brasil, não podendo os pontos de corte para FMPP aqui encontrados serem considerados referência para as pessoas idosas longevas de todo o país. Ademais, o grupo estudado é de um serviço de saúde referência, portanto não caracteriza um estudo de base populacional. Entretanto, como este estudo foi desenvolvido exclusivamente com indivíduos longevos, grupo minoritário entre os idosos, na ausência de outros estudos com essa população, servem de parâmetro para novas pesquisas e por que não, referência, até pesquisas com amostras representativas da população brasileira serem publicadas.

Assim, os valores de pontos de corte de FMPP apresentados no nosso estudo são sugestões de referência para serem levados em consideração ao se trabalhar com pessoas idosas longevas na prática clínica e ambulatorial. Em relação a outros estudos brasileiros sobre o tema, este conseguiu suprir limitações identificadas relacionadas à falta de um grupo comparativo com características bem definidas, ao passo que trouxe uma abordagem mais focada na população longeva.

CONCLUSÃO

O presente estudo definiu os pontos de corte de ≤27 kgf para os homens e de ≤19 kgf para as mulheres para uma população de idosos longevos, e observou que estes são realmente menores do que aqueles propostos até então no país para avaliação de FMPP e para diagnóstico de provável sarcopenia. Isso indica que, na prática clínica atual, uma pessoa idosa longeva, sabidamente saudável e sem comprometimento funcional, poderia ser classificada com provável sarcopenia. Assim, os pontos propostos têm como objetivo contribuir para a clínica trazendo um diagnóstico mais assertivo. No entanto, ainda se destaca a necessidade do desenvolvimento de mais estudos com grupos representativos do país de idosos longevos, a fim de se consolidar referências que irão ajustar a conduta clínica da população idosa brasileira.

  • Não houve financiamento para a execução desse trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Moraes EN, Lanna FM, Santos RR, Bicalho MAC, Machado CJ, Romero DE. A new proposal for the clinical-functional categorization of the elderly: visual scale of frailty (vs-frailty). J Aging Res Clin Practice. 2016;5(1):24-30.
  • 2
    Bjerregaard P, Ottendahl CB, Jørgensen ME. Hand grip strength and chair stand test amongst Greenlandic Inuit: reference values and international comparisons. Int J Circumpolar Health. 2021;80(1):1966186.
  • 3
    Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing 2019;48:16–31.
  • 4
    Cruz-Jentoft AJ, Sayer AA. Sarcopenia. The Lancet [Internet]. 2019;393(10191):2636–46.
  • 5
    Chen LK, Woo J, Assantachai P, Auyeung TW, Chou MY, Lijima K, et. al. Asian Working Gourp for Sarcoepnia: 2019 consensus update on sarcopenia diagnosis and treatment. J Am Med Dir Assoc 2020; 21: 300–307.e2
  • 6
    Zanker J, Scott D, Reijnierse EM, Brennan-Olsen SL, Daly RM, Girgis CM, et al. Establishing an operational definition of sarcopenia in Australia and New Zealand: Delphi method-based consensus statement. J Nutr Health Aging 2019; 23:105–10.
  • 7
    Bhasin S, Travison TG, Manini TM, Patel S, Pencina KM, Fielding RA, et al. Sarcopenia definition: the position statements of the sarcopenia definition and outcomes consortium. J Am Geriatr Soc 2020; 68: 1410–8.
  • 8
    Coletta G, Phillips SM. An elusive consensus definition of sarcopenia impedes research and clinical treatment: A narrative review. Ageing Res Rev. 2023;86:101883.
  • 9
    Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-56
  • 10
    Barbora-Silva TG, Bielemann RM, Gonzalez MC, Menezes AMB. Prevalence of sarcopenia among Community-dwelling elderly of a medium-sized South American city: results of the COMO VAI? Study.J Cachexia Sarcoepnia Muscle. 2016;7(2):136-43
  • 11
    Diz JBM, Leopoldino AAO, Moreira B de S, Henschke N, Dias RC, Pereira LSM, et al. Prevalence of sarcopenia in older Brazilians: A systematic review and meta-analysis. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(1):5–16
  • 12
    Kyle UG, Genton L, Hans D, Karsegard L, Slosman D, Pichard C. Age-related differences in fat-free mass, skeletal muscle, body cell mass and fat mass between 18 and 94 years. Eur J Clin Nutr.. 2001;55(8):663–72.
  • 13
    Roberts HC, Denison HJ, Martin HJ, Patel HP, Syddall H, Cooper C, et al. A review of the measurement of grip strength in clinical and epidemiological studies: towards a standardised approach. Age Ageing. 2011;40(4):423–9.
  • 14
    Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip Strength across the Life Course: Normative Data from Twelve British Studies. PLoS ONE [Internet]. 2014;9(12):e113637.
  • 15
    Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Kuh D, Cooper C, Sayer AA. Global variation in grip strength: a systematic review and meta-analysis of normative data. Age Ageing. 2016;45(2):209–16
  • 16
    Sampaio RAC, Sampaio PYS, Castaño LAA, Barbieri JF, Coelho Júnior HJ, Arai H, et al. Cutoff values for appendicular skeletal muscle mass and strength in relation to fear of falling among Brazilian older adults: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2017;6;135(5):434–43.
  • 17
    Amaral CA, Amaral TLM, Monteiro GTR, Vasconcellos MTL, Portela MC. Hand grip strength: Reference values for adults and elderly people of Rio Branco, Acre, Brazil. Wehrmeister FC, editor. PLOS ONE [Internet]. 2019;14(1):e0211452.
  • 18
    World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of antropometry. Geneva, 1995.452p (Technical Report Series, n. 894). Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/37003
    » https://apps.who.int/iris/handle/10665/37003
  • 19
    OPAS. Organização Pan-Americana. XXXVI Reunión del Comitê Asesor de Ivestigaciones en Salud – Encuestra Multicêntrica – Salud Beinestar y Envejecimeiento (SABE) en América Latina e el Caribe (2002) – Informe preliminar. Disponível em: <URL:http://www.opas.org/program/sabe.htm> (abril. 2023)
    » http://www.opas.org/program/sabe.htm
  • 20
    Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 3. J Bras Pneumol. 2018;44(1):4.
  • 21
    Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 1. J Bras Pneumol. 2017;43(5):330
  • 22
    Yin J, Mutiso F, Tian L. Joint hypothesis testing of the area under the receiver operating characteristic curve and the Youden index. Pharm Stat. 2021;20(3):657–74.
  • 23
    Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(6):408
  • 24
    Bimali I, Opsana R, Jeebika S. Normative reference values on handgrip strength among healthy adults of Dhulikhel, Nepal: A cross-sectional study. J Family Med Prim Care. 2020;9(1):310.
  • 25
    Reichenheim ME, Lourenço RA, Nascimento JS, Moreira VG, Neri AL, Ribeiro RM, et al. Correction: Normative reference values of handgrip strength for Brazilian older people aged 65 to 90 years: Evidence from the multicenter Fibra BR study. PLoS One. 2022;17(3):e0265915.
  • 26
    Huemer MT, Kluttig A, Fischer B, Ahrens W, Castell S, Ebert N, et al. Grip strength values and cut-off points based on over 200,000 adults of the German National Cohort - a comparison to the EWGSOP2 cut-off points. Age Ageing. 2023;52(1):afac324.
  • 27
    Fernandes S, Rodrigues da Silva E, New York B, Macedo P, Gonçalves R, Camara S, et al. Cutoff Points for Grip Strength in Screening for Sarcopenia in Community-Dwelling Older-Adults: A Systematic Review. J Nutr Health Aging. 2022;26(5):452-460.
  • 28
    Bahat G, Tufan A, Kilic C, Aydin T, Akpinar TS, Kose M, et al. Cut-ff points for height, weight and body mass index adjusted bioimpedance analysis measurements of muscle mass with use of different threshold definitions. Ageing Male. 2020;23(5):382-387.

Editado por

Editado por: Tamires Carneiro de Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2023
  • Aceito
    09 Out 2023
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com