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Fatores genéticos e ambientais da atividade física: um estudo em famílias com três gerações

Physical activity level of three generation families: genetic and environmental factors

Resumos

Os objetivos do estudo foram: (1) verificar a presença indireta de transmissão vertical de fatores genéticos nos níveis de atividade física (AF) e comportamento sedentário (CS) ao longo de três gerações e (2) estimar a magnitude dos fatores genéticos e ambientais. A amostra foi constituída por 1034 indivíduos de 100 famílias, com três gerações, provenientes da região de Lisboa, Portugal. A avaliação da AF e CS foi realizada por meio do IPAQ, forma curta. Os fenótipos avaliados foram: atividade física total (AFT); vigorosa (AFV); moderada (AFM); caminhada; tempo sentado (T S), tempo a ver televisão (T TV) e classificação do nível de AF. Calculou-se o índice de massa corporal (IMC). A estrutura familiar e o comportamento genérico das variáveis entre familiares foram analisados no software Pedstats. A heritabilidade (h²) e o efeito do ambiente partilhado foram estimados pelo método de máxima verossimilhança implementado no software Solar. A representação gráfica foi feita no software HLM. Ajustou-se os resultados às covariáveis: sexo, idade, sexo*idade, idade², sexo*idade² e IMC. Foi adotado um nível de significância de 0,05. As estimativas de h² foram as seguintes: AFV h²=0,35±0,06 (p<0.0001); AFM h²=0,29±0,06 (p<0.0001); caminhada h²=0,40±0,06 (p<0.0001); AFT h²=0,28±0,06; T S h²=0,29±0,06 (p<0.0001); T TVh²=0,15±0,06 (p<0.003) e determinação do nível de AF h²=0,35±0,14 (p<0.007). O efeito ambiental partilhado não foi significativo. Os resultados indicam que os fatores genéticos podem contribuir entre 15 a 40% da variabilidade total nos diferentes fenótipos da AF e CS, considerada influência baixa a moderada. Fatores ambientais não-transmitidos correspondem à maior contribuição na determinação desses fenótipos.

Epidemiologia genética; Atividade física; Heritabilidade


This study aims (1) to investigate the presence of familial aggregation in physical activity (PA) levels and sedentary behavior (SB) among members of three generations families and (2) to estimate the magnitude of additive genetic influences on PA and SB phenotypes. The sample consisted of 100 extended families covering three generations (n=1034), from the Lisbon area, Portugal. Phenotypes were assessed via the short version of the self-administered International Physical Activity Questionnaire (IPAQ-SF). Measured phenotypes: total physical activity (TPA); vigorous (VPA); moderate (MPA); walking; time spent in sitting time (ST), watching television (WT) and PA levels classification. Body mass index (BMI) was calculated. Exploratory family analysis in all phenotypes was conducted in PEDSTATS software. The genetic component (h²) and shared environmental effect were estimated using maximum likelihood implemented in the SOLAR software package. All graphs were done in HLM software. Sex, age, sex*age, age², sex*age² and BMI were used as covariates. Significant level was set at 0,05. Genetic component estimates (h²) were as follows: TPA h²=0,28±0,06 (p<0.0001); VPA h²=0,35±0,06 (p<0.0001); MPA h²=0,29±0,06 (p<0.0001); walking h²=0,40±0,06 (p<0.0001); ST h²=0,29±0,06 (p<0.0001); WT h²=0,15±0,06 (p<0.003) and determination of the level physical activity h²=0,35±0,14 (p<0.007). Shared environmental effect was not significant. These results showed a low-to-moderate genetic contribution, between 15% to 40% of the total variability, in the PA and SB phenotypes. The genetic factors have low to moderate influence in this sample. Non-shared environmental factors appear to have the major contribution in these phenotypes.

Genetic epidemiology; Physical activity; Heritability


ARTIGO ORIGINAL

Fatores genéticos e ambientais da atividade física. Um estudo em famílias com três gerações

Physical activity level of three generation families. Genetic and environmental factors

Raquel Nichele de Chaves; Michele Caroline de Souza; Daniel Santos; André Seabra; Rui Garganta; José António Ribeiro Maia

Universidade do Porto. Desporto, Faculdade de Desporto. Laboratório de Cineantropometria e Estatística Aplicada. Porto. Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José António Ribeiro Maia Rua Dr. Plácido Costa, 91 4200.450 Porto , Portugal E-mail: jmaia@ fade.up.pt

RESUMO

Os objetivos do estudo foram: (1) verificar a presença indireta de transmissão vertical de fatores genéticos nos níveis de atividade física (AF) e comportamento sedentário (CS) ao longo de três gerações e (2) estimar a magnitude dos fatores genéticos e ambientais. A amostra foi constituída por 1034 indivíduos de 100 famílias, com três gerações, provenientes da região de Lisboa, Portugal. A avaliação da AF e CS foi realizada por meio do IPAQ, forma curta. Os fenótipos avaliados foram: atividade física total (AFT); vigorosa (AFV); moderada (AFM); caminhada; tempo sentado (TS), tempo a ver televisão (TTV) e classificação do nível de AF. Calculou-se o índice de massa corporal (IMC). A estrutura familiar e o comportamento genérico das variáveis entre familiares foram analisados no software Pedstats. A heritabilidade (h2) e o efeito do ambiente partilhado foram estimados pelo método de máxima verossimilhança implementado no software Solar. A representação gráfica foi feita no software HLM. Ajustou-se os resultados às covariáveis: sexo, idade, sexo*idade, idade2, sexo*idade2 e IMC. Foi adotado um nível de significância de 0,05. As estimativas de h2 foram as seguintes: AFV h2=0,35±0,06 (p<0.0001); AFM h2=0,29±0,06 (p<0.0001); caminhada h2=0,40±0,06 (p<0.0001); AFT h2=0,28±0,06; TS h2=0,29±0,06 (p<0.0001); TTVh2=0,15±0,06 (p<0.003) e determinação do nível de AF h2=0,35±0,14 (p<0.007). O efeito ambiental partilhado não foi significativo. Os resultados indicam que os fatores genéticos podem contribuir entre 15 a 40% da variabilidade total nos diferentes fenótipos da AF e CS, considerada influência baixa a moderada. Fatores ambientais não-transmitidos correspondem à maior contribuição na determinação desses fenótipos.

Palavras-chave: Epidemiologia genética; Atividade física; Heritabilidade.

ABSTRACT

This study aims (1) to investigate the presence of familial aggregation in physical activity (PA) levels and sedentary behavior (SB) among members of three generations families and (2) to estimate the magnitude of additive genetic influences on PA and SB phenotypes. The sample consisted of 100 extended families covering three generations (n=1034), from the Lisbon area, Portugal. Phenotypes were assessed via the short version of the self-administered International Physical Activity Questionnaire (IPAQ-SF). Measured phenotypes: total physical activity (TPA); vigorous (VPA); moderate (MPA); walking; time spent in sitting time (ST), watching television (WT) and PA levels classification. Body mass index (BMI) was calculated. Exploratory family analysis in all phenotypes was conducted in PEDSTATS software. The genetic component (h2) and shared environmental effect were estimated using maximum likelihood implemented in the SOLAR software package. All graphs were done in HLM software. Sex, age, sex*age, age2, sex*age2 and BMI were used as covariates. Significant level was set at 0,05. Genetic component estimates (h2) were as follows: TPA h2=0,28±0,06 (p<0.0001); VPA h2=0,35±0,06 (p<0.0001); MPA h2=0,29±0,06 (p<0.0001); walking h2=0,40±0,06 (p<0.0001); ST h2=0,29±0,06 (p<0.0001); WT h2=0,15±0,06 (p<0.003) and determination of the level physical activity h2=0,35±0,14 (p<0.007). Shared environmental effect was not significant. These results showed a low-to-moderate genetic contribution, between 15% to 40% of the total variability, in the PA and SB phenotypes. The genetic factors have low to moderate influence in this sample. Non-shared environmental factors appear to have the major contribution in these phenotypes.

Key words: Genetic epidemiology; Physical activity; Heritability.

INTRODUÇÃO

Em anos recentes, estudos epidemiológicos têm sugerido uma relação consistente entre estilos de vida fisicamente ativos e estados de saúde1-3. As evidências consideram, também, o efeito significativo da prática de atividade física (AF) moderada a elevada na prevenção de inúmeras doenças crônicas, reduzindo riscos e prevalência de morte prematura ocasionada por tais desordens4-5. Decorre daqui a necessidade em entender a magnitude e significados dos fatores que "determinam" os níveis de AF, de modo independente e em interação, de forma a promover e stratégias de intervenção e promoção da prática regular desse comportamento6.

A compreensão dos determinantes da AF tem progredido na área dos fatores ambientais, mostrando forte tendência a abordagens mais "ecológicas"7. Estudos prévios reportam, de modo sistemático, a correlação entre diferentes fatores de natureza ambiental e o comportamento da AF em diversos contextos, destacando determinantes potenciais dos níveis de AF como o suporte parental e outros efeitos familiares8-9. Embora significativa, a influência familiar sugere muitos questionamentos quanto aos possíveis efeitos genéticos e culturamente transmitidos, além das diferentes exposições a esses efeitos entre as gerações.

No que concerne à magnitude dos fatores genéticos, pesquisas no domínio da Epidemiologia Genética têm apresentado influência genética baixa a moderada na variância total dos diferentes fenótipos da AF10-14, envolvendo, também, o comportamento sedentário (CS)15-17. São resultados amplamente divergentes e, em sua maioria, baseados na transmissão de características entre duas gerações, i.e., entre membros de uma família nuclear. Os dados a partir de um design com famílias nucleares não contêm informação suficiente para estimar de maneira isolada e quantitativa a contribuição relativa dos componentes genéticos e ambientais partilhados, pois avaliam a fração da variância fenotípica atribuível aos fatores combinados de todas as influências familiares18. Os fatores ambientais partilhados no seio de cada família, quando não controlados, podem se tornar fatores de confundimento da influência genética na variabilidade dos níveis de AF e sedentarismo. O delineamento com pedigrees extensos favorece o controle desses efeitos, bem como a diversidade de relações entre diferentes graus de parentesco, estruturando de forma precisa as covariâncias esperadas em um modelo poligênico19.

Devido à emergente necessidade de entender a magnitude dos determinantes genéticos e ambientais na variabilidade dos níveis de AF e do CS, à inconsistência dos resultados reportados até a recente data e à escassez de estudos com delineamento baseado em pedigrees extensos, esta pesquisa percorre os propósitos seguintes: (1) verificar a presença indireta de transmissão vertical de fatores genéticos nos níveis de AF e no CS entre membros familiares de três gerações, e (2) estimar a magnitude dos fatores genéticos e ambientais responsáveis pela variabilidade nos níveis de AF e no CS, em termos populacionais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Amostra

O estudo é de natureza transversal com delineamento baseado em pedigrees extensos. A amostra foi constituída por 1034 indivíduos pertencentes a 100 famílias de três gerações (517 homens e 517 mulheres), provenientes da região de Lisboa, capital de Portugal, apresentando idades entre os 7 e os 85 anos. A amostragem foi efetuada com base no voluntariado das famílias, as quais foram avaliadas após a assinatura do consentimento livre e informado. A dimensão média das famílias foi de 10,34 membros, variando entre 9 e 16 familiares. Devido a dados incompletos, reduziu-se o número de indivíduos analisados, totalizando 738 participantes das 100 famílias envolvidas (Tabela 1).

Níveis de Atividade Física

Os fenótipos da AF foram avaliados por meio do Questionário Internacional de Atividade Física, forma curta (IPAQ-SF). Esse instrumento tem propriedades de medida aceitáveis no controle dos níveis de AF população com validação internacional previamente reportada e métodos estandardizados. No que concerne à fiabilidade, relatou-se um coeficiente de correlação intraclasse de 0.7-0.8. Para a determinação da validade, esse instrumento foi comparado a dados da acelerometria, reportando, aproximadamente, rho=0.30. IPAQ-SF também é recomendado a pesquisas sobre o controle nacional quanto aos níveis de AF20-21.

A aplicação desse instrumento foi feita após explicação do avaliador sobre o objetivo de cada questão. Os participantes com idades inferiores a 15 anos foram entrevistados por uma equipe previamente treinada a partir de uma abordagem padronizada. Aos outros indivíduos, o questionário foi auto-administrado. Após uma semana, foi realizado o reteste com 10 famílias, no sentido de obter estimativas de fiabilidade.

Os fenótipos avaliados pelo IPAQ-SF foram os seguintes: AF vigorosa (AFV), AF moderada (AFM), caminhada e CS, nomeadamente, tempo sentado (TS) e dispendido a assistir televisão (TTV). As medidas obtidas referem-se à frequência (dias por semana) e à duração (minutos por dia). De acordo com o protocolo oficial estandardizado22, os resultados podem ser apresentados por escalas contínuas do dispêndio energético semanal, expresso pelo equivalente metabólico (MET/minutos/semana). Sendo um MET, do inglês metabolic equivalent, o valor aproximado do VO2 de repouso, os valores de referência para o cálculo do dispêndio energético são: 8.0 METs para AFV; 4.0 METs para AFM; e 3.3 METs para caminhada. A AF total (AFT) é obtida por meio da soma dos valores reportados para AFV, AFM e caminhada. Para o comportamento sedentário, atribui-se o equivalente metabólico em repouso, mantendo os valores em minutos por dia.

Após os cálculos, propõe-se uma classificação categórica dos indivíduos avaliados em três níveis de AF: pouco ativos; moderadamente ativos e muito ativos. A classificação considera os valores reportados em METs, bem como a frequência e a duração da AF. Neste estudo, os indivíduos foram classificados em duas categorias: pouco ativos (categoria 1) e de atividade moderada-a-extenuante (categorias 2 e 3), pois a análise estatística exigia que as variáveis fossem contínuas ou binárias.

Para investigar os parâmetros associados com os níveis de AF, foram medidos; a estatura, massa corporal; o índice de massa corporal (IMC), o efeito do ambiente partilhado é definido como household effects. A estatura foi medida com um antropômetro portátil da marca Siber Hegner®,com precisão de 0,1 centímetro (cm), de acordo com as referências de Lohman et al23. A massa corporal foi medida com uma balança (Secca) de precisão de 0,1 quilograma (kg). O indivíduo deveria estar na posição antropométrica de referência23, descalço e vestindo roupas leves. O IMC foi calculado por meio da razão entre a massa corporal e a estatura ao quadrado, obtendo um valor final expresso em kg/m2. Para determinar o efeito do ambiente partilhado, questionou-se cada avaliado sobre as pessoas com quem morava, estabelecendo uma codificação contínua capaz de identificar os sujeitos que conviviam entre si, i.e., na mesma morada.

Análise Estatística

A análise exploratória dos dados para verificação de possíveis erros da informação e presença de outliers foi realizada no software SPSS versão 17.0, bem como as medidas de fiabilidade, com os cálculos dos coeficientes de correlação intraclasse (R) e os respectivos intervalos de confiança (IC95%). Devido aos elevados valores de assimetria e achatamento, os fenótipos da AF foram transformados para o inverso da distribuição normal. Para verificar a estrutura de cada família e analisar o comportamento genérico das variáveis entre os diferentes membros da família, utilizou-se software PEDSTATS. O cálculo da heritabilidade (h2) foi realizado no software SOLAR versão 4.0. Destaca-se que a h2 e o efeito do ambiente partilhado foram estimados pelo método de máxima verossimilhança implementado nesse software. Inicialmente, foi formulado um modelo designado de esporádio (ou seja, ausência de covariância entre familiares para os distintos fenótipos). O valor de ajustamento desse modelo (Loglikelihood) é contrastado com o que resulta de um modelo poligênico. A diferença entre os dois Loglikelihoods tem uma distribuição aproximada à do qui-quadrado com 1 grau de liberdade. Espera-se um abaixamento de valor de Loglikelihood no modelo poligênico e que o resultado da estatística de qui-quadrado seja significativo. As representações gráficas foram efetuadas no software HLM versão 6.02. Os níveis de AF e CS foram ajustados às covariáveis idade, sexo, idade2, sexo*idade, sexo*idade2 e IMC. O nível de significância adotado foi de 0,05.

RESULTADOS

Os resultados deste estudo mostram uma fiabilidade elevada, com todos os valores pontuais de R acima 0,80. O intervalo de confiança situou-se entre 0.84 e 1.0, indicando a excelente qualidade dos dados.

A Tabela 1 apresenta a estratificação da amostra por geração e sexo, bem como os valores médios de idade e IMC. Em média, os valores de IMC dos indivíduos da primeira e segunda gerações são similares, situando-os próximos aos níveis de sobrepeso. A terceira geração, ao contrário, apresenta tendência de índices normoponderais.

A informação sobre os níveis de AF e CS é apresentada na Tabela 2. Optou-se pelos valores medianos e de amplitude interquartílica, devido ao fato de a assimetria e o achatamento serem elevados. Verifica-se que metade dos indivíduos da primeira e segunda gerações apresentam gasto energético para AFV igual a 0. Tal valor repete-se para AFM nos familiares da primeira geração. Os níveis de AFT reduzem ao longo da idade, enquanto, os valores do CS mostram similaridade e certa instabilidade intergeracional.

A Figura 1 representa, graficamente, os valores do fenótipo AFT, agrupados em função da mediana dos valores de cada família. Desse modo, é possível visualizar a agregação familiar (AgF) nesse fenótipo por meio da variação substancial representada entre as famílias. Para o fenótipo do CS, TTV, a variabilidade apresentada (Figura 2) sugere um incremento menor da mediana entre as famílias, ou seja, AgF de menor magnitude do que o fenótipo da AF, supracitados.



Tabela 3

Quanto às estimativas de h2, variam entre baixa a moderada (0,154 - 0,404), sendo todas estatisticamente significativas. O menor resultado foi para o fenótipo TTV e o maior para caminhada. A fração da componente genética na determinação de ser pouco ativo ou apresentar atividade moderada a extenuante foi de 35%. Os efeitos combinados da variância total atribuídos às diferentes covariáveis variam entre 18 e 58%, sendo que o IMC não mostrou significância estatística. O ambiente partilhado não apresentou resultados significativos na influência dos níveis de AF e CS.

DISCUSSÃO

Tal como foi referido anteriormente, os própositos deste estudo foram verificar a presença indireta de transmissão vertical dos fatores genéticos e estimar a magnitude desses fatores, bem como da influência ambiental, na variabilidade dos níveis de AF e do CS. Contudo, é importante que sejam mencionados e comparados os valores de AF dos indivíduos das diferentes gerações.

Em geral, os valores medianos apresentados corroboram informação prévia6, 24, sendo consistentes com a evidência de redução dos níveis de AF ao longo da idade; mostram, também, uma certa instabilidade intergeracional no tempo dispendido em CS. Os indivíduos com mais de 50 anos tendem a apresentar valores de gasto energético com AFV próximos de zero, face a uma redução substancial da sua participação em atividades de maior intensidade. Quanto ao tempo dispendido em CS (TS e TTV), foi observado que, entre jovens e adultos idosos (primeira e terceira gerações), os valores são mais elevados comparados aos adultos jovens (segunda geração). Fato que pode ser devido às ocupações diárias de cada estrato etário.

Dos fenótipos abordados pelo presente estudo, a AFT apresenta mais elementos de comparação, sendo reportada com mais frequência em pesquisas anteriores10, 13, 15-17. Ao ser avaliada por meio de questionários autoadministrados, as estimativas de h2 correspondem a 19%15, 23%10 e 29%13, corroborando o valor de 28%, sugerido para esta amostra. Os resultados com base na acelerometria indicam maior contribuição da componente genética nesse fenótipo. Por exemplo, Butte et al.17 e Cai et al.16, em um estudo com 1030 crianças de 319 famílias nucleares, participantes do estudo Viva La Familia, estimaram h2 para AFT de 55% e 57%, respectivamente.

Para os fenótipos AFV e AFM as estimativas de h2 encontradas no presente estudo foram de 35 e 29%. Simonen et al.15, no Québec Family Study, referem-se a esses fenótipos como AF moderada-a-extenuante, sendo avaliados, também, por meio de um questionário. Nesse estudo, os dados das 200 famílias indicam que a influência genética é responsável por explicar 16% da variação total do fenótipo em causa. Em contrapartida, estudos baseados na acelerometria16-17 apresentam h2 de 18 e 32% para AFV, enquanto para AFM a h2 estimada é de 49 e 50%. Não obstante a variabilidade de estimativas reportadas, os resultados encontrados evidenciam que os fatores genéticos exercem importante e significativa influência nesses fenótipos.

No presente estudo, o valor mais elevado de h2 foi para a caminhada, 40% da variação fenotípica total. Dos estudos com delineamento familiar disponíveis, não foi encontrada referência a esse fenótipo, tendo em vista que não é avaliado pelos instrumentos utilizados em tais pesquisas. No entanto, o estudo gemelar longitudinal conduzido por Ortega et al.25, com uma amostra de 63 irmãs-gêmeas monozigóticas e 67 dizigóticas, participantes do Finnish Twin Cohort Study, salientou a influência dos fatores genéticos e ambientais em dois fenótipos da caminhada (velocidade e resistência) ao longo do tempo. Os resultados fornecem indícios de que a componente genética pode explicar entre 56 a 60% da variação total da velocidade e 40 a 60% da resistência.

As estimativas de h2 para os fenótipos que expressam o CS foram de 15% para TTV e 29% para TS. Das investigações analisadas, duas referem-se ao CS, salientando valores moderados de h2, 59 e 60%16-17 , consideravelmente superiores a esta pesquisa. Ressalta-se que estão baseados em dados com acelerômetros, avaliando as atividades relacionadas a esse traço de forma conjunta. Simonen et al.15 sugerem que a contribuição relativa dos fatores genéticos ao fenótipo inatividade física (IF) corresponde a 25%, sendo mais próximo aos providenciados pela presente pesquisa. Evidências da influência genética nesse fenótipo avançaram para o território da Genética Molecular, com a identificação de região cromossômica que possa albergar genes candidatos e/ou mutações responsáveis pela variação na IF. Com um estudo de genome-wide linkage scan para os níveis de AF, Simonen et al.26 encontraram linkage promissor no cromossomo 2p2216, detectando que a determinação de ser sedentário ou fisicamente ativo tem significativa contribuição genética e que há sentido em avançar para estudos de associação com genes candidatos.

É importante salientar que há estudos, baseados em pedigrees extensos, em que o efeito do ambiente partilhado não apresentou valores significativos na influência dos fenótipos avaliados. Por exemplo, Mitchell et al.12 estimaram a proporção da variação na AF como um efeito do ambiente comum e não encontraram valor significativo. Também Choh et al.13 observaram tal efeito apenas para AF de tempo-livre, não sendo significativo para a AFT, AF desportiva e AF no trabalho/escola. Em estudo com famílias nucleares, Pérusse et al.11 reportaram influência dos fatores ambientais comuns somente para participação em atividade desportiva e não para os níveis habituais de AF. Não obstante a discrepância nos resultados mencionados, a estimação do efeito do ambiente partilhado é ainda problemática em estudos com famílias cujos filhos não sejam gêmeos. As inconsistências reportadas podem ser atribuídas a componentes não mensuráveis do ambiente partilhado, como por exemplo, atitudes em relação à AF, características próprias do contexto em que a família está envolvida e aspectos da vizinhança13.

Os efeitos ambientais (não transmitidos) contribuem entre 60 e 85% na variabilidade dos fenótipos avaliados nesta pesquisa, corroborando resultados previamente relatados11-13, cujo cálculo controla os efeitos do ambiente partilhado. Pérusse et al.11 ressaltam que 71% da variação nos níveis habituais de AF devem-se a fatores do ambiente. Choh et al.13 relatam valores entre 71% e 87% nos diferentes fenótipos da AF e Mitchell et al.12 sugerem um valor pouco superior de 91%. Todas as estimativas convergem ao fato do ambiente apresentar maior contribuição na variância total dos diferentes fenótipos relacionados à AF.

O presente estudo tem pontos fortes, sobretudo, importantes por se situarem no domínio da pesquisa em Epidemiologia Genética aplicada à AF. Ressalta-se a magnitude amostral e etária dos participantes, bem como a presença de três gerações, constituindo um design com pedigrees extensos, pouco reportado na literatura. Destaca-se, também, a estimação do efeito do ambiente partilhado com base numa estrutura matricial familiar nos diferentes fenótipos da AF e CS.

Entre as limitações do estudo, destacam-se: (1) o uso de questionário autoadministrado para mensurar os níveis de AF e CS. Contudo, em pesquisas de grande dimensão em termos amostrais, é mais ou menos inevitável o recurso a questionários; (2) a estimativa do efeito do ambiente partilhado é sempre um problema porque se trata de uma variável latente. A necessidade de incorporar medidas mais objetivas de diferentes aspectos das vivências no seio das famílias pode ajudar a estimar de modo mais preciso a magnitude deste efeito.

Em suma, os resultados do presente estudo revelam presença significativa da transmissão dos fatores genéticos nos níveis de AF e CS. As estimativas de h2 explicam 28-40% da variação total nos níveis de AF e 15-29% no CS. O efeito do ambiente partilhado não foi significativo para esta amostra, enquanto os efeitos ambientais não transmitidos apresentaram maior contribuição na variabilidade dos fenótipos avaliados. Contudo, é inequívoca a sugestão da presença de efeitos genéticos aditivos de magnitude baixa a moderada na variação total dos níveis de AF e CS. Portanto, os dados desta pesquisa contribuem para o desenvolvimento de estudos em Genética Molecular, ainda escassos, constituindo um suporte relevante a investigações e intervenções futuras.

Agradecimentos

Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal com a referência PTDC/DES/67569/2006.

Recebido em 15/01/10

Revisado em 04/02/10

Aprovado em 22/03/10

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  • Endereço para correspondência

    José António Ribeiro Maia
    Rua Dr. Plácido Costa, 91
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2010
    • Revisado
      04 Fev 2010
    • Aceito
      22 Mar 2010
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