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Análise do alinhamento dos membros inferiores em crianças com excesso de peso

Analysis of lower limb alignment in overweight children

Resumos

O sobrepeso e a obesidade (SO) têm atingido proporções epidêmicas, principalmente, em idade escolar, tornando-se um problema mundial de saúde. Muitas adaptações podem ocorrer na organização postural de crianças com SO, provocando, graves consequências. A avaliação postural pode colaborar para o entendimento destas alterações. O objetivo do presente estudo foi verificar alterações na postura dos membros inferiores de crianças com SO, através de metodologia específica. Vinte e dois indivíduos, sendo distribuídos de acordo com o sexo: 9 do feminino e 13 do masculino, com faixa etária entre 5-9 anos, participaram do estudo. Na avaliação postural, foram utilizados a fotogrametria e o software SAPo. Foram analisados os ângulos articulares dos membros inferiores e a projeção plantar do centro de gravidade. Foi utilizada estatística não-paramétrica descritiva, além dos testes de Kruskal-Wallis e de Mann-Whitney (p<0,05), para comparação entre os sexos. Ambos os sexos apresentaram anteroversão e leve rotação pélvica, à direita para o feminino e à esquerda para o masculino hiperextensão e valgismo de joelhos e valgismo tornozelos. O centro de gravidade apresentou 26,95% de anteriorização. Conclui-se que a avaliação postural nessa população foi congruente aos achados da literatura e a metodologia utilizada possibilitou quantificar os dados para futuras comparações.

Obesidade; Postura; Desenvolvimento Infantil


Overweight and obesity have reached epidemic proportions, especially among schoolchildren, and have become a global health problem. Many adaptations in postural organization are observed in overweight and obese children, which have serious consequences. Posture assessment contributes to the understanding of these changes. The aim of this study was to assess changes in lower limb posture of overweight and obese children using a specific method. Twenty-two subjects, 9 girls and 13 boys, aged 5-9 years participated in the study. Posture was assessed by photogrammetry using the SAPo software. The lower limb joint angles and plantar projection of the center of gravity were analyzed. Nonparametric and descriptive statistics were used, in addition to the Kruskal-Wallis and Mann-Whitney tests (p < 0.05) for comparison between genders. Both groups showed anterior pelvic tilt and slight rotation (to the right in girls and to the left in boys), hyperextension, and valgus knees and ankles. The center of gravity presented 26.95% anteriorization. In conclusion, posture assessment in this population was consistent with literature findings and the method used permitted the quantification of data for future comparisons.

Obesity; Posture; Child Development


ARTIGO ORIGINAL

DOI: 10.5007/1980-0037.2011v13n2p124

Análise do alinhamento dos membros inferiores em crianças com excesso de peso

Analysis of lower limb alignment in overweight children

Alessandra Rezende MartinelliI; Moisés Oliveira PurgaI; Alessandra Madia MantovaniI; Marcela Regina CamargoI; Alan Abrão RosellI; Cristina Elena Prado Teles FregonesiI; Ismael Forte Freitas JuniorII

IUniversidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciência e Tecnologia. Departamento de Fisioterapia. Campus de Presidente. Prudente, SP. Brasil

IIUniversidade Estadual Paulista. Departamento de Educação Física. Campus de Presidente Prudente, SP. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alessandra Rezende Martinelli. Rua: José Soares Filho, 460. Parque Francal. CEP: 14403-128, Franca, São Paulo, Brasil. E-mail: lerezendemartinelli@yahoo.com.br

RESUMO

O sobrepeso e a obesidade (SO) têm atingido proporções epidêmicas, principalmente, em idade escolar, tornando-se um problema mundial de saúde. Muitas adaptações podem ocorrer na organização postural de crianças com SO, provocando, graves consequências. A avaliação postural pode colaborar para o entendimento destas alterações. O objetivo do presente estudo foi verificar alterações na postura dos membros inferiores de crianças com SO, através de metodologia específica. Vinte e dois indivíduos, sendo distribuídos de acordo com o sexo: 9 do feminino e 13 do masculino, com faixa etária entre 5-9 anos, participaram do estudo. Na avaliação postural, foram utilizados a fotogrametria e o software SAPo. Foram analisados os ângulos articulares dos membros inferiores e a projeção plantar do centro de gravidade. Foi utilizada estatística não-paramétrica descritiva, além dos testes de Kruskal-Wallis e de Mann-Whitney (p<0,05), para comparação entre os sexos. Ambos os sexos apresentaram anteroversão e leve rotação pélvica, à direita para o feminino e à esquerda para o masculino hiperextensão e valgismo de joelhos e valgismo tornozelos. O centro de gravidade apresentou 26,95% de anteriorização. Conclui-se que a avaliação postural nessa população foi congruente aos achados da literatura e a metodologia utilizada possibilitou quantificar os dados para futuras comparações.

Palavras-chave: Obesidade; Postura; Desenvolvimento Infantil.

ABSTRACT

Overweight and obesity have reached epidemic proportions, especially among schoolchildren, and have become a global health problem. Many adaptations in postural organization are observed in overweight and obese children, which have serious consequences. Posture assessment contributes to the understanding of these changes. The aim of this study was to assess changes in lower limb posture of overweight and obese children using a specific method. Twenty-two subjects, 9 girls and 13 boys, aged 5-9 years participated in the study. Posture was assessed by photogrammetry using the SAPo software. The lower limb joint angles and plantar projection of the center of gravity were analyzed. Nonparametric and descriptive statistics were used, in addition to the Kruskal-Wallis and Mann-Whitney tests (p < 0.05) for comparison between genders. Both groups showed anterior pelvic tilt and slight rotation (to the right in girls and to the left in boys), hyperextension, and valgus knees and ankles. The center of gravity presented 26.95% anteriorization. In conclusion, posture assessment in this population was consistent with literature findings and the method used permitted the quantification of data for future comparisons.

Key words: Obesity; Posture; Child Development.

INTRODUÇÃO

O sobrepeso e a obesidade (SO) têm atingido proporções epidêmicas, principalmente em idade escolar1,2, e já assumem frequência de maior magnitude que a desnutrição3. Em algumas regiões brasileiras, a prevalência de SO em crianças com idade inferior a 10 anos pode ultrapassar os 40%4,5, tornando o fato um problema de saúde pública6. O SO são transtornos multifatoriais e estão associados ao nível de atividade física7. A relação causa e consequência de tais transtornos ainda não estão bem elucidadas8, no entanto, sabe-se que fatores como uma alta ocorrência de fraturas e desconforto musculoesquelético, pouca mobilidade geral e o mau alinhamento do membro inferior são mais frequentes em crianças com SO e colaboram para a perpetuação do acúmulo de gordura9.

Embora sejam poucos os estudos específicos sobre o impacto da obesidade no sistema musculoesquelético infantil, Wearing et. al10 descrevem que muitas adaptações podem ocorrer na organização postural dessas crianças, como alterações no alinhamento e na estrutura dos quadris, joelhos, tornozelos e pés, provocando dor, desconforto, ineficiência da biomecânica corporal e consequente redução da mobilidade. Ademais, crianças com SO apresentam maior dificuldade de controle postural, possivelmente, influenciada pela deficitária propriocepção nos joelhos, comumente observada11,12.

Grande parte dos problemas posturais desenvolvidos durante a infância permanece na vida adulta. Portanto, a crescente incidência de obesidade infantil, que aumenta a predisposição aos desvios posturais, pode resultar em uma população adulta com membros inferiores significativamente desalinhados13. Para que isso não ocorra, é necessário que se entenda um pouco melhor como o SO desfavorecem o desenvolvimento adequado dos membros inferiores. A avaliação postural pode ser a chave para esse entendimento.

Ainda há muita discussão acerca da utilização desse recurso, devido à diversidade de técnicas disponíveis e à discordância entre os padrões de normalidade encontrados, contudo, é consenso que uma postura equilibrada é importante para um bom funcionamento das estruturas musculoesqueléticas14. Estudos atuais que utilizam a avaliação da postura através da análise de fotografias têm apresentado boa confiabilidade dos dados e reprodutibilidade da técnica14,15. Dessa maneira, parece que a fotogrametria surgiu como um alento para as investigações posturais e vem se consolidando e se tornando consenso entre os pesquisadores.

De uma maneira geral, é encontrada na literatura certa quantidade de estudos que pesquisam o posicionamento dos membros inferiores de crianças obesas, contudo, sem sua devida quantificação11-13,15. Ademais, grande parte deles utiliza métodos cujos resultados não são padronizados e variam de acordo com o instrumento utilizado10. O fato de a fotogrametria vir sendo amplamente aceita para avaliação da postura aliada ao pressuposto de que os aspectos do SO possam influenciar na biomecânica postural, o presente estudo buscou avaliar, descrever e comparar os sexos e hemicorpos, com a utilização da fotogrametria e de um software específico, o padrão postural dos membros inferiores de crianças com excesso de gordura corporal.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Sujeitos da Pesquisa

Foram avaliadas 22 crianças com SO e idade entre cinco e nove anos, de ambos os sexos, provenientes do Projeto de Extensão Universitária "Programa Super Ação", da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP). O estado nutricional foi classificado pelo índice de massa corporal (IMC), seguindo valores de referência para sexo e idade, publicados por Cole et. al16. Os critérios de inclusão neste estudo foram o enquadramento do participante na categoria sobrepeso ou obesidade, a ausência de enfermidades de ordem neurológica, psíquica ou outros problemas médicos graves que pudessem alterar a postura.

Este estudo foi elaborado de acordo com os Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCT/UNESP (205/2007).

Procedimentos

A coleta dos dados foi realizada no Laboratório de Estudos Clínicos em Fisioterapia (LECFisio) da FCT/UNESP, em diversos horários do dia, de acordo com a disponibilidade dos participantes. A temperatura ambiente foi mantida em 21°C e as crianças foram orientadas a não praticar nenhum tipo de atividade desgastante anteriormente à coleta. Num primeiro momento, foram registradas a idade, massa e estatura dos indivíduos para cálculo do IMC.

Em seguida, foi iniciada a avaliação da postura por meio de fotogrametria com utilização do Software de Avaliação Postural (SAPo)17, ferramenta validada, confiável e reprodutível (coeficiente de correlação intra-classe de 0,9915). Para isso, o ambiente e o participante foram preparados. Uma câmera digital foi posicionada sobre um tripé, a uma altura correspondente a 50% da estatura do indivíduo e a uma distância de 3,00m do mesmo. No participante, orientado a trajar roupas de banho, foram fixados com fita adesiva dupla-face, marcadores de isopor, sobre alguns dos pontos anatômicos pré-determinados pelo protocolo SAPo (Figura 1). Em seguida, foi solicitado ao indivíduo que permanecesse em posição ortostática, paralelamente a um fio de prumo fixado ao teto, de tal modo que este fio e o avaliado ficassem em um mesmo plano, perpendicular ao eixo da câmera. Para permitir uma posterior calibração no software, foram colocadas esferas de isopor no fio de prumo, a uma distância conhecida de 0,40m entre elas.


Após o posicionamento do indivíduo, foram feitas 12 imagens: três em vista anterior, três em posterior, três laterais esquerdas e três direitas. Esse procedimento garantiu que fossem realizadas médias entre as imagens em cada vista, evitando-se possíveis erros casuais. Para manter a mesma base de sustentação, foi utilizado um tapete preto de borracha, no qual o indivíduo se posicionou livremente em vista anterior, para a primeira fotografia. Neste momento, os pés foram contornados com giz, visando direcionar a posição dos mesmos nas imagens subsequentes. Assim, o tapete foi rodado 90° da posição inicial para cada nova foto. Ao sujeito foi solicitado sempre posicionar seus pés sobre o desenho, inicialmente, feito no tapete. O posicionamento do tapete foi padronizado dentro de uma moldura de 0,50 x 0,50m, marcada no solo com fita adesiva.

Posteriormente, foi realizada a calibração das imagens, com a qual foi ajustada a direção vertical da foto e as distâncias na imagem foram transformadas de pixels para distâncias reais do objeto (medidas em metro). Após a calibração, os marcadores foram identificados e delimitados na fotografia. Assim, as imagens digitalizadas foram analisadas pelo software que determinou os ângulos articulares e a projeção plantar do centro de gravidade (CG).

Descrição das variáveis

Nas análises das imagens digitalizadas pelo software SAPo, angulações com valores negativos (-) indicam desvios à esquerda (E) no plano frontal (vista anterior e posterior) e desvio posterior no plano sagital (vista lateral esquerda e direita); já angulações com valores positivos (+) indicam desvios à direita (D) no plano frontal e desvio anterior no plano sagital. As medidas analisadas e suas respectivas vistas; siglas e descrições podem ser observadas no quadro 1.


Em relação à projeção plantar do CG, sua estimativa é baseada em cálculos específicos já embutidos no SAPo e as medidas são realizadas através da análise da distância entre a projeção do CG e a base de suporte no plano sagital, com origem na posição média entre os dois maléolos, descritos em porcentagem (%).

Análise dos dados

Para análise dos resultados, inicialmente, foi aplicado o teste Kolmogorov-Smirnov-Z, e verificou-se uma distribuição não-normal dos dados. Sendo assim, optou-se pela utilização da estatística não-paramétrica com as medidas descritivas: divisão em quartis e amplitudes, além da distribuição de frequências. Foram aplicados, também, os testes U de Mann-Whitney e H de Kruskal-Wallis, para análise das variáveis entre os sexos e hemicorpos, respectivamente, com p<0,05. Para realização do cálculo estatístico, foi utilizado o software SPSS versão 13.0.

RESULTADOS

As características referentes à idade, estatura, massa e ao IMC dos participantes estão expressos na Tabela 1. De acordo com Cole et. al16, todos os participantes foram considerados obesos.

As medianas e amplitudes referentes à avaliação das amplitudes e dos alinhamentos estudados estão na Figura 2.


Em vista anterior, os valores do AHEIAS e do AHTT apresentaram-se opostos entre os sexos feminino e masculino. O sexo feminino apresentou ligeira rotação pélvica e aumento do AHTT à D, enquanto o masculino apresentou ligeira rotação pélvica e um aumento do AHTT à E. Em vista lateral, os valores de AHP indicaram que ambos os sexos apresentaram algum grau de anteroversão pélvica e, em relação ao AJ e ao AT, houve, em geral, algum grau de hiperextensão de joelhos e pouca dorsiflexão de tornozelos em ambos os sexos. Em vista posterior, os valores do APR indicam que meninos e meninas apresentaram valores próximos e similares, demonstrando valgismo de tornozelo, em ambos hemicorpos.

Embora grande parte das variáveis coletadas não tenha sido numericamente semelhante entre os grupos e entre os hemicorpos, após a aplicação do Teste Mann-Whitney e Kruskal-Wallis (Tabela 2), respectivamente, não houve diferença significante entre eles (exceção para AQ, quando comparados os hemicorpos).

No total da amostra estudada, o CG demonstrou-se em valores medianos (amplitude) 26,95% (7,60-64,40%) anteriorizado. Para os grupos, os valores foram 22,20% (7,60-60,80%) no GM e 32,70% (15,50-64,40%) no GF.

Com o objetivo de sintetizar os resultados, foi realizada uma distribuição de frequências dos principais desvios posturais decorrentes das alterações angulares em todos os planos, dentro de cada grupo e na amostra total, que está exposta na Figura 3. Os valores da pelve foram padronizados de acordo com Mac-Thiong et al.18; dos joelhos, em vista sagital, foram padronizados de acordo com Bird19 e, em vista frontal, de acordo com Neves e Campagnolo20 e os de tornozelos foram padronizados de acordo com Malhotra21 e Hennessy22.


DISCUSSÃO

O alinhamento postural no plano sagital muda consideravelmente entre as idades de 4-12 anos, o que engloba a faixa etária do presente estudo (5-9 anos). Essas mudanças, decorrentes da maturação fisiológica do sistema musculoesquelético, possivelmente ocorrem para evitar um inadequado deslocamento anterior do CG23. Quando existe excesso de peso, os desvios posturais tentam compensar as alterações na pelve também ocasionadas pela anteriorização do CG24. O presente estudo mostrou resultados que corroboram essa proposição, uma vez que a projeção do CG encontrou-se anteriorizada, possível causa das alterações posturais encontradas.

Segundo Kendall et al.25, o alinhamento pélvico é a chave para a qualidade do alinhamento postural global. Na ocorrência de desequilíbrios dessa estrutura, a postura, como um todo será afetada. A posição fisiológica da pelve conduz a um bom posicionamento do abdome, tronco e membros inferiores. Os resultados deste estudo demonstraram que, em relação ao AHP(D) e AHP(E), 100% da amostra apresentou algum grau de báscula anterior da pelve. Possivelmente, em consequência de tal fato, na análise sagital dos joelhos foi observado que 45,45% da amostra apresentaram genu recurvatum, e sua análise frontal mostrou valores iguais a 19,15° (AQ(D)) e 15,90° (AQ(E)), resultando em valgismo em ambos joelhos. Em relação aos tornozelos, os valores de APR(D) (15,85°) e APR(E) (19,20°), indicariam também, a presença de valgismo. A obesidade pode levar a desequilíbrios nas articulações dos pés e pequenas alterações em sua estrutura ou em sua disposição em relação à articulação do tornozelo, o que pode causar influências nas estratégias de controle postural, bem como no próprio alinhamento das demais articulações dos membros inferiores e tronco. No plano frontal, o valgismo de tornozelos tem sido relacionado ao dos joelhos e ambos à obesidade e ao desabamento do arco longitudinal plantar13.

O estudo de Campos et al.26, com adolescentes obesos e avaliação por simetrógrafo apóia grande parte dos presentes resultados, uma vez que 92% das meninas e 69% dos meninos apresentaram anteroversão pélvica; 49% do total apresentaram hiperextensão de joelhos; 50% e 13% das meninas e 38% e 23% dos meninos apresentaram genu valgum e genu varum, respectivamente. Resultados concordantes também foram encontrados no estudo de Pinto et. al27, com pré-adolescentes obesos e avaliação clínica, no qual, foi observado genu recurvatum em 24,40% e genu valgum em 55,10% da amostra. O estudo de Cicca et al.13, que utilizou fotogrametria para avaliar crianças obesas, corrobora, parcialmente, os presentes achados, uma vez que foram observados genu valgum em 52% da amostra, todavia, em relação ao APR, apesar dos ângulos de crianças obesas (7,97±3,99°) e eutróficas (6,06±5,91°) terem sido diferentes, o valgismo não foi evidente.

As diferentes proporções entre os desvios de cada articulação, quando se compara a presente amostra com outros estudos, talvez possa ser justificada pela diferente média de idade, IMC e também por diferentes critérios de referências adotados por cada autor. Mesmo assim, parece evidente que o excesso de gordura corporal pode acentuar a anteroversão da pelve como descrito na literatura10,28; as adaptações do joelho tendem à presença de valgismo de joelhos nessa população10,13,24,28, embora o varismo também seja encontrado; o desabamento do arco plantar contíguo ao valgismo do tornozelo, também parece ser um achado comum.

Ainda que não tenham sido encontradas diferenças entre grupos e hemicorpos (com uma exceção), pouco foi encontrado em relação a esses parâmetros, pois grande parte das pesquisas atribui a eles papel de covariáveis, não os comparando. A diferença encontrada entre o AQ(D) e o AQ(E), não foi observada no estudo de Cicca et al.13 e talvez seja derivada de possíveis escolioses, deformidade comum em crianças nessa faixa etária29. O desarranjo da estrutura axial pode ter levado a assimetrias das articulações apendiculares, desencadeando tal diferença. Desta maneira, esse achado provavelmente não esteja relacionado à obesidade.

De uma maneira geral, os indivíduos aqui avaliados apresentaram, então, valgismo dos tornozelos, hiperextensão dos joelhos, rotação medial de quadris e anteroversão pélvica, o que pode ter provocado o deslocamento anterior do CG. As demais variáveis coletadas (AHEIAS, AHTT e AT) mostraram alterações que possivelmente se relacionem aos distúrbios já discutidos, ou possam ser consideradas alterações de menor importância e mais relativas à variedade individual ou à própria fase de crescimento30.

Embora os resultados encontrados possuam valor respaldado cientificamente13-15,17,29, é necessário levar em consideração algumas limitações, como a falta de um grupo eutrófico, o que não tornou possível a realização de comparações sobre as incidências dos desvios posturais, prejudicando um estudo mais aprofundado sobre a condição.

CONCLUSÃO

Com a avaliação, pôde-se observar um padrão postural semelhante ao descrito na literatura no qual são incluídos valgismo dos tornozelos e joelhos, além de sua hiperextensão, rotação medial de quadris e anteroversão pélvica. Não foi observada diferença desse padrão entre os sexos e nem entre os hemicorpos, quando comparados estatisticamente. Foi possível quantificar e assinalar os principais desvios e desalinhamentos articulares através de uma ferramenta específica para tal finalidade, confiável e com reprodutibilidade aceitável. Futuros estudos, com a mesma metodologia e inserção de um grupo controle, devem ser incentivados no sentido de se obter parâmetros padronizados de comparação.

Recebido em 04/12/09

Revisado em 26/07/10

Aprovado em 20/12/10

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  • Endereço para correspondência:
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    CEP: 14403-128, Franca, São Paulo, Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      20 Dez 2010
    • Revisado
      26 Jul 2010
    • Recebido
      04 Dez 2009
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