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O estudo da demonstração em aprendizagem motora: estado da arte, desafios e perspectivas

The study of demonstration in motor learning: state of the art, challenges, and perspectives

Resumos

O objetivo deste artigo é realizar uma revisão de literatura sobre a demonstração, uma importante fonte de informação no processo de aquisição de habilidades motoras, buscando apresentar o estado da arte, os principais desafios e algumas perspectivas de pesquisa. A demonstração tem sido investigada sob diferentes bases teóricas. A primeira delas é a teoria de aprendizagem social de Bandura, na qual foram apresentadas proposições acerca de como a informação observada é processada pelo aprendiz. As pesquisas mais recentes têm procurado elucidar a natureza da informação observada e se fundamentam em duas abordagens teóricas: a motora e a da ação. Os resultados de pesquisas com base na teoria de Bandura mostram que, no ato da aprendizagem por observação, as características do modelo, do aprendiz, da demonstração e da habilidade motora potencializam diferentemente os subprocessos relacionados à formação de referência da ação. Já os estudos que têm investigado a natureza da informação apresentam avanços em ambas as abordagens teóricas, porém em ritmo lento. Para que novos avanços ocorram, sugere-se um intercâmbio metodológico entre as abordagens e a realização de investigações em que o aprendiz tenha maior controle sobre a solicitação e o uso da demonstração.

Aprendizagem motora; Demonstração; Observação; Habilidade motora


The aim of this study was to review the literature regarding demonstration as an important information source for the acquisition of motor skills. State of the art, main research challenges and some research perspectives are presented. Different theoretical bases have been used for the investigation of demonstration. The first is Bandura's social learning theory, in which proposals of how the observed information is processed by the learner are presented. Recent studies have tried to identify the nature of the observed information based on two theoretical models: motor and action approaches. Research findings based on Bandura's theory show that, during the process of observational learning, factors such as characteristics of the model, learner, demonstration, and motor skill differently affect the sub-processes related to the formation of the guide of action. On the other hand, studies investigating the nature of the information have shown advances in both theoretical approaches, but at a slower pace. For further developments to occur, we suggest a methodological exchange between the two theoretical approaches and investigations in which the learner has greater control over the request and use of demonstration.

Demonstration; Motor learning; Motor skill; Observation


ARTIGO DE REVISÃO

O estudo da demonstração em aprendizagem motora: estado da arte, desafios e perspectivas

The study of demonstration in motor learning: state of the art, challenges, and perspectives

Go TaniI; Alessandro Teodoro BruziI, II; Flavio Henrique BastosI; Suzete ChiviacowskyIII

IUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Laboratório de Comportamento Motor. São Paulo, SP. Brasil

IIUniversidade Federal de Lavras. Departamento de Educação Física. Lavras, MG. Brasil

IIIUniversidade Federal de Pelotas. Escola Superior de Educação Física. Pelotas, RS. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Go Tani Departamento de Pedagogia do Movimento Humano Escola de Educação Física e Esporte - USP Av. Prof. Melo de Morais, 65 - Cidade Universitária CEP: 05508-030 - São Paulo - SP E-mail: gotani@usp.br

RESUMO

O objetivo deste artigo é realizar uma revisão de literatura sobre a demonstração, uma importante fonte de informação no processo de aquisição de habilidades motoras, buscando apresentar o estado da arte, os principais desafios e algumas perspectivas de pesquisa. A demonstração tem sido investigada sob diferentes bases teóricas. A primeira delas é a teoria de aprendizagem social de Bandura, na qual foram apresentadas proposições acerca de como a informação observada é processada pelo aprendiz. As pesquisas mais recentes têm procurado elucidar a natureza da informação observada e se fundamentam em duas abordagens teóricas: a motora e a da ação. Os resultados de pesquisas com base na teoria de Bandura mostram que, no ato da aprendizagem por observação, as características do modelo, do aprendiz, da demonstração e da habilidade motora potencializam diferentemente os subprocessos relacionados à formação de referência da ação. Já os estudos que têm investigado a natureza da informação apresentam avanços em ambas as abordagens teóricas, porém em ritmo lento. Para que novos avanços ocorram, sugere-se um intercâmbio metodológico entre as abordagens e a realização de investigações em que o aprendiz tenha maior controle sobre a solicitação e o uso da demonstração.

Palavras-chave: Aprendizagem motora; Demonstração; Observação; Habilidade motora.

ABSTRACT

The aim of this study was to review the literature regarding demonstration as an important information source for the acquisition of motor skills. State of the art, main research challenges and some research perspectives are presented. Different theoretical bases have been used for the investigation of demonstration. The first is Bandura's social learning theory, in which proposals of how the observed information is processed by the learner are presented. Recent studies have tried to identify the nature of the observed information based on two theoretical models: motor and action approaches. Research findings based on Bandura's theory show that, during the process of observational learning, factors such as characteristics of the model, learner, demonstration, and motor skill differently affect the sub-processes related to the formation of the guide of action. On the other hand, studies investigating the nature of the information have shown advances in both theoretical approaches, but at a slower pace. For further developments to occur, we suggest a methodological exchange between the two theoretical approaches and investigations in which the learner has greater control over the request and use of demonstration.

Key words: Demonstration; Motor learning; Motor skill; Observation.

INTRODUÇÃO

O comportamento motor humano tem sido objeto de estudo de inúmeros pesquisadores há mais de um século. Um dos resultados desse empreendimento é o surgimento de uma área específica de estudos denominada internacionalmente de Comportamento Motor (Motor Behavior). Esta área abarca, atualmente, três campos de investigação: Aprendizagem Motora, Controle Motor e Desenvolvimento Motor1.

A Aprendizagem Motora busca a compreensão dos mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras e dos fatores que influenciam esse processo2. No estudo dos fatores, especificamente, destacam-se as pesquisas sobre a organização da prática e as instruções apresentadas prévia ou posteriormente à execução da habilidade motora.

A demonstração, uma das formas de fornecer instrução previamente à execução da habilidade motora, tem sido reconhecida como uma importante fonte de informação no processo de aquisição de habilidades motoras, por possibilitar ao aprendiz a obtenção de informações sobre a natureza da tarefa a ser realizada, focando na informação sobre o "como fazer"3.

Williams et al.4 sugerem que este fenômeno - aprendizagem a partir da demonstração - pode ocorrer no dia-a-dia, quando um aprendiz, orientado por um professor/instrutor ou de forma autocontrolada, observa um modelo executar uma ação motora, seja ela esportiva, de lazer ou de qualquer outra natureza, e tenta capturar as informações relevantes daquela ação, por meio de seu sistema sensorial. Essas informações são então utilizadas imediata ou posteriormente à execução da habilidade motora em que o aprendiz "copia" o padrão do modelo e faz ajustes em torno desse padrão, considerando a situação ambiental e as suas próprias restrições (constraints).

Apesar desse reconhecimento como um dos importantes fatores que influenciam a aquisição de habilidades motoras e, portanto, merecedor de estudos abrangentes e profundos, esse fenômeno tem recebido diferentes denominações ao longo dos tempos, como demonstração, modelação, aprendizagem observacional entre outras. De uma maneira geral, essas denominações foram definidas a partir de duas premissas: uma que enfatiza a ação do modelo (demonstração e modelação) e outra que, na interface modelo/aprendiz, enfatiza a ação do segundo (prática observacional e aprendizagem observacional). No presente texto, será utilizado o termo demonstração para facilitar a compreensão e evitar confusões conceituais.

Como é amplamente conhecido, os estudos em Comportamento Motor, ao longo dos últimos 30 anos, têm sido realizados, basicamente, sob duas abordagens teóricas - a motora e a da ação - e este fato, obviamente, tem afetado as pesquisas acerca da demonstração. Os textos de Newell et al.5 e de Williams et al.4 podem ser considerados clássicos no relato da história da construção do conhecimento sobre a demonstração na aprendizagem motora sob a influência de ambas as abordagens.

De acordo com Abernethy e Sparrow6 essas abordagens se diferem no tocante a três fatores principais: a busca por evidências em função da aplicação prática, as ciências-mãe em que se fundamentam e, especialmente, a posição quanto à existência de estruturas centrais responsáveis pela execução do movimento.

A abordagem da ação adota princípios da Psicologia Ecológica, que pressupõe a necessidade de uma interface direta entre o ser humano e o meio ambiente e nega a necessidade de mecanismos centrais em forma de representações cognitivas para a produção do movimento. Summers7 corrobora e reforça as ideias de Abernethy e Sparrow6, sugerindo que em nenhuma das três linhas de pesquisa, atualmente desenvolvidas dentro dessa abordagem, ou seja, a percepção direta, a termodinâmica de não-equilíbrio e os sistemas dinâmicos, a possibilidade de representações centrais é considerada. Já a abordagem motora fundamenta-se nos princípios da Psicologia Cognitiva, que considera o ser humano um processador e armazenador de informações e que forma representações que servem como referências para o movimento.

Desse modo, partindo-se da premissa de que o estudo da demonstração em Aprendizagem Motora tem seguido seu curso sob influência dessas teorias, o objetivo deste texto é fazer uma revisão dos estudos desde aqueles pioneiros baseados nos pressupostos da aprendizagem social de Bandura8 , até os estudos na abordagem motora e da ação, para identificar principais desafios de pesquisa e apontar possíveis desdobramentos.

TEORIA SOCIAL-COGNITIVA DE BANDURA E AS PESQUISAS EM APRENDIZAGEM MOTORA

A maioria das pesquisas pioneiras que estudaram a demonstração como um fator que influencia a aquisição de habilidades motoras se fundamentou na teoria da Aprendizagem Social de Albert Bandura, um psicólogo social que propôs a possibilidade de ocorrer mudança de comportamento de um indivíduo, no seio de sua sociedade, mediante a observação do comportamento de outro indivíduo e de suas consequências8. De acordo com essa proposição, as informações, como por exemplo, as características cruciais de um determinado padrão de movimento, não necessariamente precisam ser experimentadas fisicamente para serem adquiridas, pois somente a observação de um modelo permite a formulação de uma representação mental da ação a ser realizada. Com isso, Bandura estabeleceu uma forma diferente de se pensar a capacidade de o ser humano imitar e de aprender por meio da observação do comportamento de outras pessoas, em relação aos modelos de Sheffield9 e de Piaget10, muito adotados até então.

No que se refere ao modelo de Piaget, que estudou o desenvolvimento da capacidade de imitação na infância e princípio da adolescência, como uma janela para a compreensão do desenvolvimento intelectual, Bandura propôs que o ser humano tem a capacidade para aprender comportamentos totalmente novos a partir, apenas, da aquisição dos elementos constituintes de uma ação observada. Essa proposição vai além daquela de Piaget de que um comportamento novo surge somente a partir da combinação de elementos constituintes de dois ou mais esquemas já memorizados, ou a partir da combinação de elementos constituintes de um esquema memorizado com elementos constituintes de uma ação observada. Já no que concerne ao modelo de Sheffield, que se preocupou em descrever o processo de formação da representação central do comportamento observado, Bandura foi além ao sugerir um novo subprocesso para a informação capturada, ou seja, que o aprendiz é capaz de ensaiar mentalmente a estrutura cognitiva, reforçando assim o mecanismo de retenção da informação observada em um sistema de memória de maior duração.

Além disso, o modelo de Bandura destaca outros dois pressupostos, um relacionado à funcionalidade da representação da ação e outro ao processamento da informação observada. No tocante à funcionalidade, Bandura sugeriu que a estrutura cognitiva ou representação mental possuía duas funções básicas: a primeira relacionada à produção da resposta, servindo como modelo interno da ação11; a segunda relacionada à formação de um padrão de referência para a detecção e correção de erros na execução da habilidade12.

Quanto ao processamento da informação observada, o autor sugere que a representação central é gerada por quatro processos que se remetem à cognição, predominantemente, e à emoção e execução motora8. Os dois primeiros processos, atenção seletiva e retenção, permitem a formulação do plano de ação, que conduz a ações futuras. O processo de atenção seletiva se responsabiliza por determinar o que está sendo observado e extrair as informações mais relevantes da ação modelada. O processo de retenção se responsabiliza por formular a representação mental da ação com base nas informações extraídas após o processo de atenção seletiva. A eficiência de algumas atividades mentais como a codificação simbólica e o ensaio cognitivo da representação formulada no processo de retenção tem sido verificada13.

O terceiro processo acontece em relação à produção do movimento, ou seja, a execução da habilidade motora. A representação mental, formulada anteriormente pelos processos de atenção seletiva e retenção, constitui a referência de informações que são enviadas aos músculos responsáveis pelo movimento. Além disso, a produção do movimento também está envolvida em um processo de comparação entre a representação interna e o feedback da ação realizada. Dessa forma, tentativas de prática são necessárias para possibilitar a detecção e correção de erros no processo de produção do movimento. O quarto processo é o motivacional que pode ocorrer por influência de fatores intrínsecos, inerentes ao aprendiz, e ou extrínsecos (ambientais), o qual permeia todos os outros processos no sentido de incentivar o observador no desencadeamento dos mecanismos de percepção, retenção e execução da habilidade motora.

Ao analisar os estudos realizados com base no modelo teórico de Bandura8, McCullagh e Weiss14 ressaltaram que, dentre as proposições de funcionalidade da representação e de processamento da informação observada, a última foi alvo de grande interesse de experimentação na área de Aprendizagem Motora nas décadas de 1970, 1980, princípio da década de 1990 e, com menor frequência, na atualidade. As experimentações ocorreram, principalmente, no que diz respeito à manipulação de alguns fatores que podem interferir no processamento e na formação de representação da ação. Por exemplo, as características do modelo quanto ao nível de desempenho, ao status e ao sexo foram investigadas relativamente ao processo de atenção seletiva. Já as características da demonstração como tipo, número, frequência e distribuição temporal foram estudadas como um fator atuante no processo de retenção. Além disso, tanto as características do aprendiz - estágio de desenvolvimento e sexo - como das habilidades motoras envolvidas no processo de aprendizagem foram também foco de estudos nessa área.

ESTUDOS SOBRE DEMONSTRAÇÃO NA APRENDIZAGEM MOTORA

Características do modelo

Sobre as características do modelo, alguns estudos se preocuparam em investigá-las como um fator interveniente no processo motivacional e na atenção seletiva, assim como uma fonte de informação adequada aos aprendizes14. Nesse caso, o principal objetivo foi a verificação dos efeitos do nível de habilidade15 e, secundariamente, do nível de similaridade entre modelo e aprendiz, no que diz respeito ao gênero e ao status3.

Modelos de dois níveis distintos de habilidade foram especialmente estudados: o habilidoso e o aprendiz. O modelo habilidoso é caracterizado por executar o padrão de movimento correto e por alcançar a meta da tarefa com eficiência. Já o modelo aprendiz é caracterizado por estar no processo de aprendizagem da tarefa em questão. Além desses, foram utilizados modelos como o da auto-observação, no qual o aprendiz se observa após a execução de uma tarefa motora, e os modelos máster e cópia por apresentarem o nível emocional e de habilidade dos modelos habilidoso e aprendiz, respectivamente.

Desde o estudo pioneiro de Landers e Landers16, até aproximadamente o início da década de 1990, as pesquisas envolvendo as características do modelo foram realizadas utilizando, predominantemente, tarefas artificiais de laboratório, tendo como foco a produção do conhecimento de natureza básica. Alguns estudos utilizaram a tarefa de subir a escada de Bachman16; outros uma tarefa de manipulação como o rotor de perseguição (pursuit rotor task)17. Além dessas, tarefas de posicionamento linear e timing e jogos computacionais foram utilizadas em estudos que compararam os delineamentos relativos à característica do modelo em combinação com o conhecimento de resultados (CR)18.

No início da década de 1990, com a intenção de aproximar o conhecimento produzido à intervenção profissional, houve a preocupação de adotar uma variedade de tarefas mais próximas àquelas executadas no contexto da Educação Física e Esporte19. Um ponto a ser ressaltado foi a utilização de adultos como participantes nos estudos com tarefas artificiais20 e de crianças na maioria dos estudos com tarefas do contexto da Educação Física e Esporte3. Uma possível explicação para a participação de apenas adultos nos estudos com tarefas artificiais é que muitas dessas pesquisas foram realizadas em ambientes universitários. Além disso, o grau de complexidade funcional das tarefas exigia um nível de compreensão compatível com essa população, especialmente porque a maioria das tarefas envolvia o CR, geralmente disponibilizado na tela de um computador, cujo processamento exigia operações matemáticas para entender melhor a informação e determinar quais soluções tomar para a correção do movimento e o alcance da meta20. Já nos experimentos com tarefas esportivas, o conhecimento de performance (CP) foi mais explorado para corrigir o movimento do modelo, independente da faixa etária do aprendiz19.

De certa forma, pesquisas conduzidas com tarefas esportivas são importantes para testar os conhecimentos produzidos nos laboratórios e possibilitar uma maior transferência para o ensino de habilidades motoras. Além disso, as tarefas esportivas possuem maior demanda de padronização espaço-temporal do movimento, o que as torna mais susceptíveis às funções da demonstração11.

Os resultados das investigações com tarefas mais próximas àquelas do mundo real, manipulando o nível de habilidade do modelo em combinação com CR, confirmaram a superioridade dos modelos habilidoso e aprendiz sobre o modelo incorreto. Esses resultados sugerem que receber informações corretas para utilizar no processo de detecção e correção de erros pode acelerar a formação de uma estrutura cognitiva com características gerais do movimento que melhor conduz à meta da tarefa, o que não acontece com modelos incorretos.

A semelhança entre os efeitos do modelo habilidoso e do modelo aprendiz, por sua vez, sugere que as informações do modelo aprendiz podem ser tão eficazes quanto do modelo habilidoso, desde que haja informação adicional em forma de CR. Em tarefas do contexto da Educação Física e Esporte, a adição do CP conduz o modelo aprendiz à detecção e correção de erros no padrão de movimento para posteriormente alcançar o estágio habilidoso na tarefa12.

Em estudos com tarefas artificiais, na maioria das vezes, o modelo habilidoso teve efeito superior aos demais, resultado esse atribuído a dois aspectos: informacional e motivacional21. O aspecto informacional se relaciona às informações transmitidas por meio da execução correta da habilidade motora, enquanto que o aspecto motivacional diz respeito ao incentivo que os observadores têm ao estabelecerem como meta a execução de forma semelhante ao padrão de movimento do modelo.

Em geral, os resultados sugerem que o importante na demonstração é transmitir ao aprendiz/observador as características espaciais e temporais corretas do movimento, seja por meio de um modelo habilidoso, baseado na proposta de Bandura8, ou por meio de um modelo aprendiz com adição de CR, conforme a proposta de Adams12.

Características da demonstração

No que se refere à própria demonstração, a eficiência dessa informação deve ser analisada a partir de duas perspectivas: a capacidade do observador de captar e reproduzir as informações e a suficiência das informações transmitidas pelo modelo. Uma das formas de garantir que o aprendiz tenha informação suficiente por meio da demonstração se relaciona ao número de vezes em que ela é apresentada. Feltz22 sugere, como de fundamental importância na apresentação de demonstrações, fazer o observador perceber os aspectos cruciais da ação para a formação de uma referência para a produção do movimento. Dessa maneira, repetidas oportunidades de assistir a um modelo, tendo ele o status de professor ou aluno, ou sendo habilidoso ou aprendiz, podem favorecer o aumento da seletividade de informações relativas ao padrão de movimento e a retenção dessas informações para a produção do movimento e posterior detecção e correção de erros23.

Nessa perspectiva, alguns estudos foram realizados para investigar os efeitos de diferentes quantidades de demonstração na aprendizagem motora. Os resultados apontaram para a superioridade de um número maior (8, 10, 12 e 20 demonstrações) em comparação a quantidades menores de demonstração (0, 1, 2 e 5). Isto tem se evidenciado em estudos com tarefas artificiais11 e tendem a se repetir com tarefas esportivas24. Sidaway e Hand25 investigaram a quantidade de fornecimento de demonstração no que se refere a sua frequência relativa na aprendizagem da rebatida do golfe. Os efeitos dessa variável foram observados quanto à pontuação alcançada na fase de prática e em testes de aprendizagem. Os resultados corroboram os observados nos demais estudos que investigaram a frequência absoluta de fornecimento.

Apesar de as evidências serem favoráveis a uma maior quantidade de demonstração, tanto em termos absolutos como relativos de fornecimento, o tema ainda carece de estudos que foquem a aprendizagem de habilidades motoras do mundo real e que explorem medidas relacionadas ao padrão de movimento.

Em uma linha mais recente de pesquisa, em que o autocontrole na aprendizagem motora é estudado, o papel da demonstração tem sido abordado como um dos elementos-chave nesse processo26. Propõe-se que a aprendizagem motora por meio da demonstração autocontrolada pode envolver basicamente dois tipos de observação: a de si próprio e a do modelo. No entanto, as investigações ainda têm sido incipientes27, isto é, pouco se sabe sobre como o aprendiz controla esta importante variável e também sobre o seu efeito na aprendizagem de habilidades motoras.

Entre os poucos estudos realizados, o autocontrole sobre a frequência de apresentação da demonstração foi o tema mais investigado28,29. Esses estudos envolveram, respectivamente, a aprendizagem do saque do badminton e do arremesso do basquetebol, tendo como participantes jovens e adultos de ambos os sexos. Os resultados de ambos os estudos sugerem que, permitir aos aprendizes decidir quando e quantas vezes pedir a demonstração, é benéfico para alteração tanto da forma quanto da precisão do movimento. A hipótese de um maior engajamento cognitivo por parte dos aprendizes que estão controlando o uso da informação aumentada foi corroborada nas duas pesquisas. No estudo de Wrisberg e Pein28 isso se confirmou quando o grupo autocontrole superou tanto o grupo espelho como o que recebeu demonstração antes de cada tentativa na fase de prática. O mesmo aconteceu no estudo de Wulf et al.29 em que o grupo autocontrole, mesmo após ter apresentado desempenho inferior na fase de prática, suplantou o grupo espelho no teste de aprendizagem com uma maior qualidade e precisão no arremesso. Resultados semelhantes podem ser encontrados no estudo de Patterson e Lee30 que investigaram os efeitos do autocontrole sobre o uso da demonstração proativa ou retroativa na aprendizagem de habilidades motoras da linguagem de Grafite, isto é, num estudo em que um grupo recebeu a demonstração solicitada previamente e outro posteriormente à execução da tarefa. O grupo autocontrole com demonstração proativa superou os demais grupos no teste de aprendizagem, mesmo tendo desempenho inferior na fase de aquisição. O resultado sugere que a demonstração proativa serve como referência para a correção de supostos erros da tentativa anterior e informa sobre o comportamento na tentativa seguinte.

Esses resultados permitem inferir que ao tornar o aprendiz mais ativo no processo de aprendizagem motora, ele se envolve mais cognitivamente com a tarefa. Isto quer dizer que, na ausência do auxílio do professor/instrutor, é o aprendiz quem desenvolve as estratégias para ser informado no melhor momento e selecionar o aspecto a ser observado. Essa "dificuldade" imposta ao longo do processo é vantajosa para a formulação de uma memória motora para produção da ação e detecção e correção de erros2.

Apesar dessas evidências sobre a efetividade do controle do aprendiz sobre a solicitação da demonstração, os seus efeitos diante de possíveis variações no que se refere à quantidade e frequência dessas solicitações e também aos aspectos ou componentes da habilidade focados, merecem ser investigados com maior profundidade.

Características do observador

Diante da interface modelo/observador, há de se realçar que as características do segundo são essenciais para que as informações fornecidas pela demonstração possam produzir efeitos no processo de aquisição de uma habilidade motora. McCullagh e Weiss14 sugerem que o estágio de desenvolvimento cognitivo relacionado à memória, o nível de desenvolvimento das capacidades físicas e perceptivo-motoras e as características antropométricas são restrições inerentes ao aprendiz que devem ser levadas em consideração ao tentar influenciar o processo de aprendizagem motora por meio da demonstração. A preocupação com as características do aprendiz vêm à tona no momento da seleção de estratégias para o uso da demonstração, a fim de promover a aprendizagem respeitando os diferentes estágios de desenvolvimento31.

Conforme Weiss e Klint31, as capacidades de foco de atenção e de memória facilitam o processo de formação da representação cognitiva da habilidade motora, enquanto as capacidades físicas e perceptivo-motoras formam a base para a produção do movimento. Weiss e Klint31 e Weiss et al.32 centraram suas investigações nos efeitos da demonstração em indivíduos em diferentes estágios de desenvolvimento, fundamentados em um critério para escolha das faixas etárias de acordo com o estágio de desenvolvimento cognitivo. Essa estratégia metodológica deu outro viés às investigações desse tema e complementou o que já vinha sendo realizado por outros pesquisadores como Feltz22.

Após Weiss et al.32 e Meaney33 terem adotado um critério, com respaldo teórico, para a determinação amostral com real diferença entre os estágios de desenvolvimento motor e cognitivo, foi possível obter evidências com maior fidedignidade. Os estudos investigaram o efeito da demonstração em combinação com estratégias de ensaio verbal e/ou dicas verbais em participantes de diferentes estágios de desenvolvimento motor e cognitivo, na aquisição especialmente de rotinas de habilidades motoras fundamentais. Os achados mostraram que a adição de dicas verbais favorece o aspecto espacial do padrão de movimento, notadamente nos mais jovens, e que o ensaio verbal favorece o aspecto temporal do padrão de movimento, particularmente em sequências de habilidades fundamentais e de dança31.

Outro aspecto interessante quanto aos achados diz respeito à interação entre a faixa etária e a adição de estratégias à demonstração. Em geral, o grupo dos mais velhos mostrou semelhança na aprendizagem entre as dicas verbais e ensaios adicionados à demonstração32. Em contrapartida, os mais jovens mostraram maior susceptibilidade e dependência aos efeitos das estratégias de ensaio verbal, principalmente na aprendizagem de habilidades motoras seriadas nas quais a ordem a ser executada é fundamental para a tarefa33.

Em resumo, é possível afirmar que o estágio de desenvolvimento cognitivo e motor dos aprendizes condicionam os efeitos da demonstração. Esse fato sugere que, para sujeitos mais jovens, é mais interessante adicionar dicas verbais e ensaios verbais que facilitem a captação e retenção das informações da demonstração; já para os mais velhos, bastaria fornecer a demonstração correta, independente da adição ou não de estratégias.

Apesar do avanço experimental observado nos estudos de Weiss e colaboradores, pouco se explorou quanto aos efeitos da demonstração em indivíduos em diferentes estágios de desenvolvimento motor. A adoção de instrumentos que, com rigor, avaliavam os indivíduos no tocante ao estágio de desenvolvimento cognitivo não se transferiu para a identificação do nível de desenvolvimento da coordenação motora global e específica, tampouco para a detecção dos transtornos de desenvolvimento da coordenação. O aprofundamento nessa questão pode permitir a busca de respostas para o fato de um indivíduo estar num estágio de desenvolvimento cognitivo favorável às demandas de processamento e armazenamento da informação capturada, mas de não possuir, para o momento, condições motoras para a reprodução da ação que se deseja aprender.

Além do estágio de desenvolvimento, a fase de aprendizagem ou nível de habilidade em que se encontra o aprendiz em determinada ação ou conjunto de ações motoras tem também sido de interesse de pesquisadores que investigam o papel da demonstração na aprendizagem motora. McCullagh e Weiss14 propõem que essas características influenciam o desempenho motor e o comportamento do sistema perceptivo e cognitivo do aprendiz. No contexto do controle motor, Allard et al.34 investigaram o desempenho perceptivo de não atletas e atletas de basquetebol. O experimento mostrou que a alta capacidade perceptiva dos habilidosos é fruto de buscas visuais rápidas e seletivas tanto da bola como do alvo, em situações de prática.

Já no contexto da aprendizagem motora, Starkes et al.35 investigaram o papel da demonstração na aprendizagem de uma sequência de dança em grupo de habilidosos e de novatos. O grupo de habilidosos foi mais susceptível aos efeitos dessa informação aumentada, especialmente quando se tratava da aprendizagem de uma sequência com determinadas características já dominadas. Dessa forma, é possível inferir que indivíduos em fases mais avançadas de aprendizagem possuem recursos atencionais e de processamento de informação que favorecem um melhor controle de uma habilidade já dominada e a aprendizagem de novas habilidades por meio da demonstração.

Características da habilidade motora

Como um dos fatores envolvidos no processo de aprendizagem motora, o próprio objeto de aquisição também merece destaque, ou seja, a habilidade motora em si. É importante analisar as pesquisas sobre os efeitos da demonstração em habilidades motoras de diferentes características, como por exemplo, em relação ao nível de estabilidade ambiental no qual são executadas, além da complexidade, funcionalidade e extensão do movimento. Tonello e Pellegrini36 ressaltam que a aquisição de habilidades com diferentes níveis de estabilidade do ambiente (aberta e fechada) se dá de forma diferenciada. As habilidades motoras abertas, devido à imprevisibilidade, exigem, muitas vezes, que o executante se adapte ou até mesmo mude o plano motor previamente estabelecido. Portanto, o emprego da demonstração não seria tão eficiente porque um único modelo não forneceria informações suficientes para apontar os vários caminhos possíveis para alcançar a mesma meta. Já para as habilidades executadas em ambiente com maior nível de estabilidade, os efeitos da demonstração poderiam ser observados.

A complexidade da tarefa também exerce influência na demonstração. McCullagh e Weiss14 sugerem que a eficiência da demonstração na aprendizagem motora se dá em função da complexidade estrutural da habilidade a ser adquirida. Por exemplo, a tarefa de rotor de perseguição pode ser considerada menos complexa quando comparada à tarefa de subir a escada de Bachman. Essas habilidades se diferenciam, principalmente, quanto à quantidade de graus de liberdade que devem ser controlados na sua execução. Nesse caso, a demonstração seria importante apenas na tarefa de subir a escada de Bachman, pois ela ofereceria informações relevantes e susceptíveis à percepção visual.

Em suma, a literatura destaca o efeito da demonstração na aprendizagem motora em relação ao nível de estabilidade ambiental e complexidade da tarefa, mas se observa, ainda, uma lacuna de pesquisas no que diz respeito, por exemplo, à efetividade da demonstração em ações motoras com diferenças na funcionalidade e extensão do movimento.

Contribuições da abordagem motora e da ação

A partir de meados da década de 1980, um novo significado foi atribuído às pesquisas sobre demonstração na aprendizagem motora, especialmente, após as críticas de Newell et al.5 às proposições de Bandura8, tradicionalmente aceitas nesse campo. Newell et al.5 e, mais recentemente, Williams et al.4 criticaram essas proposições destacando que elas explicam apenas os processos pelos quais as informações são adquiridas e armazenadas pelo aprendiz e não se preocupam em explicar qual a natureza da informação transmitida pelo modelo. Em outras palavras, críticas de que Bandura se preocupou em explicar o "como" ocorre o processamento de informação, mas não "o que" se captura da demonstração. Newell e colaboradores justificam essa crítica adicionando que é imprescindível ter conhecimento sobre a natureza da informação, pois o uso da mesma deve convergir com o estágio de aprendizagem em que se encontra o aprendiz. Esses autores sugerem uma hierarquia na aprendizagem de uma habilidade motora em que a coordenação (estrutura) é adquirida, inicialmente, seguida dos aspectos que remetem ao controle e refinamento (parâmetros). Diante dessas críticas, tanto pesquisadores da abordagem motora como da ação têm procurado uma melhor compreensão sobre a natureza da informação transmitida pela demonstração.

Na abordagem da ação, vários pesquisadores23,37,38 têm estruturado suas investigações a partir da perspectiva da percepção visual em que o ponto-chave é estudar a integração visuomotora, sem a necessidade de mediação da informação capturada. Uma das questões de investigação diz respeito à efetividade da demonstração com pontos de luz comparada à demonstração em vídeo. A hipótese testada é a de que a demonstração com pontos de luz é mais efetiva em informar sobre os aspectos espaciais invariantes relacionados à organização dos membros, e sobre os aspectos temporais relacionados à cadência em que os membros se movem, por ser livre de informações contextuais que distraem o aprendiz. A utilização desse modelo de estudo foi iniciada por Williams39 quando examinou os efeitos da demonstração em vídeo e por pontos de luz no reconhecimento de padrões. De uma forma geral, o modelo com pontos de luz foi suficiente ao possibilitar a identificação tanto do tipo de padrão bem como da pessoa que executava a ação.

Recentemente esse modelo tem sido usado em outras investigações. Por exemplo, Horn et al.23 estudaram os efeitos da demonstração em vídeo comparada à demonstração com pontos de luz na aprendizagem motora em adultos. Os efeitos foram avaliados tanto no desempenho como na comparação de perfis cinemáticos de aprendizes e modelo. Os resultados mostraram semelhança intergrupos, tanto para as medidas de desempenho como para as medidas cinemáticas. Isto sugere que os grupos experimentais adquiriram, dentro de um mesmo nível, informações invariantes do movimento e as replicaram para alcançar a meta da tarefa. Horn et al.23, num estudo envolvendo a aprendizagem do chute no futebol, avançaram ao analisar, também, o comportamento do sistema visual dos participantes. Os experimentadores constataram que a taxa de busca visual foi semelhante entre os grupos, porém, no que se refere ao tempo relativo por localização, o grupo demonstração em vídeo mostrou superioridade na orientação visual aos membros inferiores em relação ao grupo demonstração com pontos de luz. Em contrapartida, o grupo modelo com pontos de luz se mostrou melhor quanto à distribuição da busca visual aos membros inferiores. Além disso, foi identificada a redução do tempo total e da variabilidade da busca visual ao longo da prática observacional. Isto significa uma associação entre a seletividade na busca da informação e a quantidade de observações do modelo. Breslin et al.40, ao investigarem os efeitos da carga informacional disponibilizada pela demonstração na aprendizagem de uma tarefa do criket, encontraram resultados que corroboram os achados de Horn et al.23.

Já Hayes et al.41 observaram um fenômeno diferente ao investigar o papel do movimento dos olhos como pré-requisito para a aprendizagem de uma tarefa artificial e sequencial de timing com três elementos. Eles constataram que, tanto o grupo olhar fixo como o grupo que acompanhou o deslocamento do membro efetor com olhar suave, melhoraram o desempenho nas três condições de timing. Esses estudos permitem inferir que o comportamento do sistema visual se associa ao tipo de tarefa, especialmente, à quantidade de segmentos corporais que devem ser observados.

Outra questão explorada por meio desse modelo tem sido o estudo da quantidade de informação disponibilizada pela demonstração. Hayes et al.37 vêm investigando sobre a possibilidade de se adquirir informações visuais que restrinjam o sistema motor somente a partir de informações sobre partes da ação. As comparações têm ocorrido entre as demonstrações com pontos de luz de toda a ação e da coordenação espaço- temporal de parte da ação. Em geral, os resultados têm mostrado que a demonstração com informação somente sobre a coordenação espaço-temporal da parte distal da ação tem o mesmo efeito que prover o aprendiz com informações sobre os aspectos invariantes do movimento.

Apesar de toda a eficiência apresentada pela demonstração com pontos de luz na aquisição de habilidades motoras esportivas em adultos e adolescentes, esses efeitos não foram observados em crianças. Hayes et al.38 afirmaram que a efetividade da demonstração com pontos de luz depende do estágio de desenvolvimento cognitivo do observador, pois, em estudo comparando crianças e adultos, os efeitos desse tipo de demonstração só se fez valer nas crianças quando adicionada de um treinamento complementar que favorecia a abstração desse tipo de informação em uma ação contextualizada. Outro ponto a se destacar diz respeito à efetividade da demonstração com pontos de luz em informar tanto os aspectos invariantes como os ajustes em torno desse padrão. Buchanan et al.42 observaram que a demonstração é efetiva em informar sobre os aspectos invariantes, como o perfil cinemático angular de tarefas artificiais e esportivas, porém, quanto aos ajustes em torno do padrão, os participantes tiveram maior êxito quando combinaram a prática física e a demonstração com pontos de luz referentes aos aspectos absolutos da ação motora. Ao discutir essa questão à luz do pressuposto da hierarquia para a aquisição de habilidades motoras5, concluiu-se que a demonstração com pontos de luz beneficia o desempenho inicial dos aprendizes ao fornecer informações sobre o padrão de movimento. Isto quer dizer que a aquisição de informações visuais, por meio da demonstração com pontos de luz, é suficiente para restringir o sistema motor em termos de coordenação e controle, via alta interface sujeito/ambiente.

Finalmente, a investigação do papel da demonstração, a partir da abordagem da ação, permite inferir que os estudos dentro do modelo dos pontos de luz enfatizaram o uso de tarefas esportivas para investigar o processo de aquisição de habilidades motoras em adultos. Isto sugere o questionamento sobre o grau de novidade imposto pela tarefa, levando-se em consideração o nível de experiência dos aprendizes e o fato de que os mecanismos adotados pelo sistema visual se associam ao tipo de tarefa e ao estágio de desenvolvimento do observador. Dessa forma, ao se pensar em investigações futuras a partir desse modelo, é preciso reconhecer a necessidade da utilização de tarefas novas do mundo real e de um maior investimento em estudos envolvendo participantes em diferentes estágios de desenvolvimento motor.

Simultaneamente ao estudo da demonstração na abordagem da ação, vários estudos43-45 têm investigado esse mesmo tipo de instrução na abordagem motora. Eles têm pesquisado sobre a natureza da informação e sobre a aquisição dos mecanismos de detecção e correção de erros por meio da observação do modelo. A abordagem motora mais recente se diferencia à de Bandura9 em que o foco do estudo era sobre os fatores que influenciam os subprocessos de formação da representação da ação. A abordagem atual tem como foco investigar os efeitos da demonstração com modelo aprendiz versus modelo habilidoso e da prática observacional versus prática física para o esclarecimento sobre a natureza da informação. Em síntese, a principal intenção da abordagem motora atual é a de compreender se o nível de engajamento cognitivo do observador se assemelha ao engajamento promovido pela prática motora em si.

Nessa linha, Badets e Blandin43 investigaram os efeitos da demonstração com modelo aprendiz recebendo CR de diferentes formas, no desenvolvimento dos mecanismos de detecção e correção de erros. A utilização de CR nesses estudos envolveu as manipulações da sua frequência e amplitude de faixa na aprendizagem de uma tarefa seriada de posicionamento manual e de timing, em adultos. Os delineamentos experimentais adotados compararam grupos que praticaram fisicamente a tarefa e que recebiam CR conforme tratamento proposto, com grupos de observadores pareados aos grupos de prática física. Os resultados sugerem que os mecanismos de detecção e correção de erros foram desenvolvidos de forma semelhante, em ambos os grupos, quando se avaliou o desempenho no teste de retenção. Esses resultados reforçam a possibilidade de os observadores terem adquirido aspectos variantes da ação por meio da demonstração e ampliado a aprendizagem via prática física mais CR em um segundo momento da fase de aquisição. Já os resultados quanto aos aspectos invariantes sugerem que os grupos demonstração com modelo aprendiz adquiriram somente o timing relativo do primeiro componente da tarefa, evidenciando que a demonstração, por si só, foi menos efetiva nesse tipo de tarefa comparada ao poder da prática física com CR, tanto na formação das proporcionalidades de tempo como nos ajustes em torno do padrão.

Blandin et al.44 e Shea et al.45 se preocuparam em estudar os efeitos da prática observacional versus prática física e da combinação de ambas na formação do programa motor numa tarefa seriada de posicionamento manual e de timing e também na tarefa de organização de peças. Os resultados sugerem uma superioridade da prática combinada em comparação aos demais tipos de prática, ao se avaliar o desempenho no teste de retenção. No que concerne às medidas de processo, que dizem respeito aos aspectos invariantes e variantes, os resultados foram inconsistentes. O estudo de Blandin et al.44 não conseguiu elucidar se a natureza da informação transmitida pela demonstração se remete ao tempo relativo ou absoluto da tarefa. Concretamente, esses estudos sugerem que a prática observacional permitiu apenas a aprendizagem do timing relativo de um dos componentes e do tempo total da tarefa de posicionamento. Dessa forma, especula-se que a prática observacional engaja o aprendiz cognitivamente na estruturação do programa motor, mas é necessária a combinação das práticas para possibilitar mais informação para complementar o programa. Fica clara a necessidade de um engajamento cognitivo, possibilitado pela prática física, para complementar as informações invariantes e variantes, pois a prática observacional, por si só, permitiu o desenvolvimento de uma representação, porém sem funcionalidade.

Apesar de terem pesquisado com a utilização de tarefas cujo próprio instrumento, em certa medida, desprezava o potencial da demonstração em informar o "como fazer", esses autores discutem a ideia de que esse tipo de instrução pode servir como possibilidade de explicação para o problema da novidade atribuído à teoria de esquema46. A especulação diz respeito à possibilidade de a demonstração informar e influenciar a aquisição de aspectos invariantes e variantes de habilidades motoras relativamente novas.

Por mais que ambas as abordagens - motora e da ação - tenham mostrado avanços significativos, ainda restam dúvidas sobre a natureza da informação transmitida pela demonstração. Ao se comparar as contribuições das duas abordagens, percebem-se fragilidades metodológicas. Se, por um lado, a abordagem da ação "peca" ao escolher tarefas em certo grau conhecidas de seu público alvo, por outro, a abordagem motora se fragiliza ao trabalhar com proporcionalidades de timing relativo difíceis de serem percebidas, ao combinar os fornecimentos de demonstração e CR e ao utilizar tipos de modelo que não favorecem a aquisição dessa informação. Assim, é possível que novos avanços sobre a natureza da informação demonstrada sejam obtidos à medida que, metodologicamente, ambas as abordagens interajam no sentido de intercambiar as tarefas e medidas que dizem respeito aos aspectos invariantes e variantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste texto foi apresentar uma revisão das pesquisas sobre demonstração no contexto da Aprendizagem Motora. Dessa forma, abordou-se, inicialmente, o modelo teórico de Bandura8 e a sua influência nas investigações acerca dos subprocessos cognitivos que possibilitam a formação de representação da ação motora observada. Em seguida, buscou-se discutir a novas abordagens em que pesquisadores que adotam a teoria motora e da ação migraram do estudo dos subprocessos para o estudo da natureza da informação. É possível perceber que ambas as abordagens se complementam e têm apresentado à comunidade acadêmica questões instigantes. A abordagem da ação tem investigado a capacidade do sistema visual em capturar informações acerca da coordenação do movimento, pressupondo ser esta uma função da demonstração, principalmente em estágios iniciais de aprendizagem. Já a abordagem motora tem investigado a questão da natureza da informação com a preocupação de sugerir explicações para a aquisição de ações motoras habilidosas relativamente novas, o que poderia oferecer subsídios para a solução do problema da novidade originalmente apresentado pela teoria de esquema de Schmidt46.

O estado da arte mostra avanços em ambas as abordagens, mas ainda em ritmo lento. Como foi mencionado, um intercâmbio metodológico entre as abordagens parece ser oportuno para que avanços mais robustos sejam observados. Por exemplo, a abordagem motora poderia importar o modelo com pontos de luz para investigar sobre a aquisição do timing relativo em tarefas de posicionamento manual e coincidente. Este seria um tipo de intercâmbio sem deixar de lado as próprias bases conceituais e teóricas. Além disso, o estudo da natureza da informação observada na abordagem motora também poderia ser explorado mediante um maior controle sobre a solicitação da demonstração por parte do aprendiz. Questões de estudo interessantes têm surgido nessa linha de pesquisa devido à consideração de que o aprendiz, ao ter controle sobre o seu processo de aprendizagem, gera um esforço cognitivo maior à medida que ele se engaja em processos relacionados à aquisição de uma memória motora2.

Outra possibilidade de se investigar o papel da demonstração seria um diálogo mais frequente e próximo entre a área de Comportamento Motor e a Neurociência Cognitiva em que os mecanismos de controle e aprendizagem motora têm sido estudados num nível mais microscópico mediante a utilização de alta tecnologia. Um exemplo disso é o estudo do sistema de neurônios espelho, um dos achados mais relevantes da Neurociência para a aprendizagem observacional47. O sistema de neurônios espelho significa que um mesmo conjunto cortical se ativa tanto para a execução de uma ação motora como para a observação daquela mesma ação. Esse pressuposto tem sido alvo de uma série de investigações por meio de ressonância magnética funcional. Alguns dos interessantes resultados obtidos por esta linha de pesquisa sugerem que o sistema neuronal se ativa de forma mais organizada à medida que o indivíduo se torna habilidoso numa determinada ação, e que as ativações se tornam mais intensas tanto em áreas motoras como em áreas emocionais, quando se observa uma ação já presente no repertório motor48.

Pelo exposto, observa-se que a demonstração teve e continua a ter um papel fundamental na aprendizagem motora e que se constitui um tema de pesquisa promissor quando se considera recentes avanços teóricos e metodológicos com a utilização de novas tecnologias que permitem analisar com mais detalhe os processos envolvidos na observação do modelo e a sua utilização para a aquisição de habilidades motoras.

Recebido em 13/02/11

Aprovado em 14/04/11

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Fev 2011
    • Aceito
      14 Abr 2011
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