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ACtn3 e desempenho esportivo: um gene candidato ao sucesso em provas de curta e longa duração

ACTN3 gene and sports performance: a candidate gene to success in short and long duration events

Resumos

O presente estudo revisou evidências acerca da relação entre o polimorfismo R577X do gene ACTN3 e o desempenho esportivo. Foram acessados estudos na base Pubmed através das palavras-chave: ACTN3 gene e sports performance. O gene ACTN3 codifica para uma proteína presente nas fibras musculares esqueléticas tipo II, a α-actinina-3. A maioria dos estudos demonstra uma relação entre a presença da α-actinina-3 e a capacidade de geração de força muscular. Porém, estudos recentes apontam que a ausência da forma funcional dessa proteína pode regular a utilização de substratos durante o exercício, priorizando o metabolismo oxidativo, poupando glicogênio muscular e favorecendo o desempenho em atividades de longa duração. Porém, ainda são necessários mais estudos envolvendo humanos para elucidar melhor esse papel metabólico.

ACTN3; Desempenho esportivo; Genética; Metabolismo aeróbio


The aim of the present study was to review the evidence on the relationship between the R577X polymorphism of the ACTN3 gene and sports performance. The Pubmed database was searched using ACTN3 gene AND sports performance as keywords. The ACTN3 gene encodes a muscle-specific protein, called α-actinin-3, which is only present in type II fibers. Most studies have demonstrated a relationship between the presence of α-actinin-3 and the ability of muscle to generate force. However, recent studies suggest that the absence of the functional form of this protein may regulate substrate utilization during exercise, giving priority to oxidative metabolism, sparing muscle glycogen, and improving performance in long-duration events. Nevertheless, further studies involving humans are needed to better understand the metabolic role of this protein.

ACTN3; Aerobic metabolism; Genetics; Sports performance


ARTIGO DE REVISÃO

ACtn3 e desempenho esportivo: um gene candidato ao sucesso em provas de curta e longa duração

ACTN3 gene and sports performance: a candidate gene to success in short and long duration events

Leonardo Alves PasquaI; Guilherme Giannini ArtioliII; Flávio de Oliveira PiresIII,IV; Rômulo BertuzziI

IUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. São Paulo, SP. Brasil

IIUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Grupo de Estudos em Desempenho Aeróbio. São Paulo, SP. Brasil

IIIUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte.Laboratório de Adaptação ao Treinamento de Força. São Paulo, SP. Brasil

IVUniversidade Católica de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Taguatinga, DF. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leonardo Alves Pasqua Rua Maestro Carlos Cruz, 156. Vila Indiana CEP: 05585-020. São Paulo, SP. Brasil. Email: leonardo.pasqua@usp.br

RESUMO

O presente estudo revisou evidências acerca da relação entre o polimorfismo R577X do gene ACTN3 e o desempenho esportivo. Foram acessados estudos na base Pubmed através das palavras-chave: ACTN3 gene e sports performance. O gene ACTN3 codifica para uma proteína presente nas fibras musculares esqueléticas tipo II, a α-actinina-3. A maioria dos estudos demonstra uma relação entre a presença da α-actinina-3 e a capacidade de geração de força muscular. Porém, estudos recentes apontam que a ausência da forma funcional dessa proteína pode regular a utilização de substratos durante o exercício, priorizando o metabolismo oxidativo, poupando glicogênio muscular e favorecendo o desempenho em atividades de longa duração. Porém, ainda são necessários mais estudos envolvendo humanos para elucidar melhor esse papel metabólico.

Palavras-chave: ACTN3; Desempenho esportivo; Genética; Metabolismo aeróbio.

ABSTRACT

The aim of the present study was to review the evidence on the relationship between the R577X polymorphism of the ACTN3 gene and sports performance. The Pubmed database was searched using ACTN3 gene AND sports performance as keywords. The ACTN3 gene encodes a muscle-specific protein, called α-actinin-3, which is only present in type II fibers. Most studies have demonstrated a relationship between the presence of α-actinin-3 and the ability of muscle to generate force. However, recent studies suggest that the absence of the functional form of this protein may regulate substrate utilization during exercise, giving priority to oxidative metabolism, sparing muscle glycogen, and improving performance in long-duration events. Nevertheless, further studies involving humans are needed to better understand the metabolic role of this protein.

Key words: ACTN3; Aerobic metabolism; Genetics; Sports performance.

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, tem se atribuído ao treinamento1 e à nutrição adequada2 papéis fundamentais no alcance de altos níveis de desempenho esportivo. Porém, além das condições de treinamento e dieta adequadas, os atletas de elite devem apresentar um perfil genético favorável às características associadas à sua modalidade1. Consequentemente, a análise de diversos fatores genéticos, principalmente através de polimorfismos de DNA, tem sido utilizada como uma abordagem relativamente nova para a compreensão do rendimento esportivo.

São denominadas polimorfismos de DNA sequências de bases que diferem das consideradas "normais", ou seja, que apresentam menor frequência em uma determinada população3. Essas sequências diferenciadas nos genes podem influenciar a expressão de proteínas e modificar características que alteram o desempenho esportivo4. Alguns estudos demonstraram que certos polimorfismos de DNA podem possuir relação com o rendimento esportivo, tanto em modalidades de curta duração e com elevada demanda da força muscular5, quanto em provas de longa duração, dependentes primordialmente do metabolismo aeróbio6,7. Dessa forma, a maioria dos estudos mais recentes que analisam fatores genéticos e sua influência no esporte tem verificado a expressão de proteínas estruturais do músculo-esquelético e de enzimas relacionadas ao metabolismo energético6,8,9.

Entre os diversos genes polimórficos que têm sido associados ao desempenho esportivo, destaca-se o ACTN3, o qual codifica a α-actinina-3, uma proteína pertencente ao componente estrutural do músculo esquelético. Um polimorfismo comum do ACTN3, presente em cerca de 18 a 25% da população em geral10 , resulta na síntese de uma forma truncada e não-funcional de α-actinina-3. Esse polimorfismo é denominado R577X, sendo que indivíduos heterozigotos e homozigotos para o alelo R expressam a forma funcional da α-actinina-3 e indivíduos homozigotos para o alelo X expressam uma forma truncada. A deficiência de α-actinina-3 não resulta em nenhum efeito fenotípico aparente, sugerindo que sua ausência é adequadamente compensada pela outra isoforma da α-actinina expressa no músculo esquelético (α-actinina-2). Porém, ainda que a deficiência da α-actinina-3 possa ser suprida pela isoforma -2 da α-actinina, é provável que estas proteínas não desempenhem papéis totalmente compatíveis, devido à conservação destas durante o processo evolutivo11.

Diversos estudos têm indicado que a presença ou ausência da α-actinina-3 pode ter importantes implicações para a função muscular e, por consequência, para o desempenho esportivo12,13. Em outras palavras, tem se demonstrado que a presença da α-actinina-3 beneficia o desempenho em tarefas que exigem maior utilização da força muscular14. Por outro lado, a ausência dessa proteína tem se mostrado favorável ao desempenho em provas de longa duração9,15. Nesse sentido, a presente revisão de literatura teve como objetivo apresentar e discutir as funções da α-actinina-3 no músculo-esquelético, analisando os possíveis mecanismos pelos quais essa proteína pode influenciar a função muscular, com ênfase no metabolismo energético durante provas de longa duração.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para levantamento dos dados apresentados na presente revisão de literatura, foi realizada uma pesquisa na base de dados Pubmed com os seguintes termos-chave: ACTN3 gene e Sports performance. Foram selecionados os estudos que apresentavam maior relevância ao tema e não foi utilizado critério de exclusão por data de publicação, dado que o tema é relativamente recente.

AS α-ACTININAS

O citoesqueleto tem como função majoritária a manutenção da forma e arquitetura celulares, além do transporte intracelular. Para tanto, é constituído por diferentes estruturas proteicas: microfilamentos, microtúbulos e filamentos intermediários, os quais são formados, principalmente, por polímeros de actina, tubulina e vimentina, respectivamente. No músculo esquelético, a actina é uma proteína pertencente ao componente contrátil, sendo através de sua interação com a miosina que ocorre o encurtamento dos sarcômeros. Diversas proteínas que possuem sítios de ligação com a actina são necessárias para a formação, organização e funcionamento do citoesqueleto16. Algumas características dessas proteínas, como tamanho, arquitetura molecular e flexibilidade, exercem um papel importante na formação de qualquer estrutura16. Dentre essas proteínas, algumas das mais importantes são as α-actininas17.

Durante o processo evolutivo, o splicing alternativo, que é a possibilidade de combinação de éxons diferente da combinação "usual" e que pode gerar diferentes produtos proteicos, levou a certa diversidade funcional na família das α-actininas18. Nos mamíferos, existem quatro genes responsáveis pela codificação dessas proteínas (ACTN1, 2, 3 e 4). Cada um desses genes possui um padrão específico de expressão em diferentes tecidos11. Dessa forma, pode-se classificar as α-actininas em duas categorias: as musculares (α-actinina-2 e α-actinina-3) e as não-musculares (α-actinina-1 e α-actinina-4)17.

As isoformas musculares da α-actinina são também denominadas α-actininas sarcoméricas. Elas são componentes estruturais fundamentais do aparato contrátil e estão situadas na linha Z sarcomérica19. Enquanto a α-actinina-2 é expressa em todos os tipos de fibra muscular esquelética e cardíaca, a α-actinina-3 tem sua expressão restrita às fibras musculares de contração rápida (tipo II) e, de forma menos importante, no cérebro10. Embora distintas, as α-actininas sarcoméricas apresentam 90% de semelhança na sequência de aminoácidos19.

Na linha Z, as α-actininas são componentes primordiais, pois se ligam aos filamentos de actina de sarcômeros adjacentes, cumprindo a função de ancoragem dos filamentos finos e formando uma estrutura estabilizadora do tecido muscular durante a contração20. Adicionalmente à sua função na organização estrutural do sarcômero, estudos recentes sugerem que as α-actininas sarcoméricas também atuam na regulação do processo contrátil, na regulação do metabolismo energético e possivelmente, na determinação do tipo de fibra muscular12,19,21. Tal diversidade de função tem sido atribuída à grande capacidade que as α-actininas, em especial a isoforma -3, têm de se ligar a outras proteínas e outros elementos regulatórios intracelulares22.

Especificamente, elas podem se ligar a proteínas pertencentes ao componente contrátil, como por exemplo, titina23, nebulina24, CapZ25 e a família das calsarcinas. Vale salientar que as calsarcinas localizam-se na linha Z e apresentam-se ligadas à calcineurina, uma proteína Ca2+ CaM-dependente, um importante sinalizador muscular que exerce relevante papel na determinação do tipo de fibra26 e na hipertrofia27. Devido a essa interação com a calcineurina, Vincent et al.21 investigaram a relação entre a porcentagem dos tipos de fibra muscular e a ausência de α-actinina-3. Os resultados mostraram que indivíduos com o genótipo RR (expressão da forma funcional da α-actinina-3) apresentaram maior porcentagem de fibras tipo IIx (14±2%) em relação a indivíduos XX (expressão da forma truncada) (9±1%). Isso sugere que a α-actinina-3 possa influenciar na ação de regulação da calcineurina sobre os tipos de fibra muscular.

As α-actininas também podem se ligar a alguns receptores de membrana e canais de íons, como por exemplo, o receptor de glutamato NMDA28 e os canais de potássio Kv 1.4 e Kv 1.529. De acordo com Wyszynski et al.28, a α-actinina-2 liga-se às subunidades NR1 e NR2B do receptor NMDA através de seu domínio central e pode interferir na localização dos receptores NMDA e na sua modulação pelo cálcio. Os receptores NMDA estão envolvidos em diversos processos relacionados ao sistema nervoso como, por exemplo, na excitabilidade neuronal do neocórtex30 e na diminuição de morte neuronal em ratos com atrofia muscular espinhal31. Isso sugere que, de alguma forma, a α-actinina-2 pode influenciar nessas funções.

É importante destacar que, além das características supracitadas, algumas enzimas metabólicas também são parceiras de ligação das α-actininas sarcoméricas como, por exemplo, a glicogênio fosforilase32, a frutose 1,6-bifosfatase e a aldolase33. Em dois estudos recentes34,35, conduzidos com camundongos nocaute para o gene ACTN3, foi observado um aumento na atividade de enzimas relacionadas ao metabolismo oxidativo, como a glicogênio fosforilase, nos camundongos que não expressavam a α-actinina-3 em sua forma funcional. Isso sugere um papel de regulação metabólica para as α-actininas e, como elas mantêm essas enzimas próximas à linha Z, poderiam contribuir para a disponibilidade local de substratos energéticos13.

POLIMORFISMO R577X DO GENE ACTN3

Em 1999, North e colaboradores identificaram um polimorfismo do tipo nonsense no gene ACTN3 o qual consiste na troca de nucleotídeo C→T na posição 1.747 do éxon 16. Essa mutação resulta em uma conversão do códon para o aminoácido arginina para um stop codon no resíduo 577 (R577X), o que acarreta na forma não-funcional da α-actinina-336.

Indivíduos que possuem ambos os alelos polimórficos (genótipo XX) apresentam ausência total de α-actinina-3. Já indivíduos heterozigotos (genótipo RX), ou que possuem um alelo funcional (alelo R) e um alelo polimórfico (alelo X), apresentam uma redução na quantidade de α-actinina-3 sintetizada no músculo-esquelético. Estudos demonstram que aproximadamente 18% da população geral apresentam o genótipo XX10. Porém, essa ausência da proteína funcional não resulta em quadro patológico ou qualquer alteração fenotípica evidente, sugerindo que a α-actinina-2 pode suprir a falta da isoforma -3. Apesar disso, existem evidências de que os diferentes genótipos desse polimorfismo podem influenciar o desempenho de atletas de diferentes modalidades8.

Do ponto de vista evolutivo, o alelo 577X do gene ACTN3 foi um dos dois únicos alelos polimórficos que apresentaram uma recente seleção positiva, ou seja, tiveram suas frequências aumentadas em determinada população37. Uma explicação plausível é que o benefício em tarefas de força verificado pelo alelo 577R abrange somente uma pequena porção da enorme variedade de tarefas dos seres humanos15. Além disso, se o alelo 577X é favorável a tarefas de longa duração e o alelo 577R a tarefas com grande utilização da força muscular, é possível que ambos os alelos possam ter sido mantidos na população por conferirem vantagens sob condições ambientais distintas15.

Ao longo de todo o processo evolutivo da espécie humana, provavelmente diferentes características associadas ao desempenho físico foram selecionadas positivamente, fazendo com que um indivíduo apresente características de maior resistência ou maior força e potência musculares38. Isso sugere que um indivíduo pode possuir características inatas que o beneficiarão em modalidades com características específicas, o que pode ser resultado de uma variação genética mantida pela seleção natural como, por exemplo, o alelo 577X do gene ACTN315.

ASSOCIAÇÃO ENTRE A AUSÊNCIA DA α-ACTININA-3 E O DESEMPENHO ESPORTIVO

Interessantemente, a frequência do alelo X e, particularmente, do genótipo XX é consideravelmente menor em atletas de modalidades nas quais predomina o uso da força e da potência muscular, tanto em relação a atletas de resistência9 quanto em relação a indivíduos não-atletas15,39.

Considerando que a α-actinina-3 é encontrada apenas nas fibras musculares do tipo II, é plausível esperar diferenças no funcionamento do músculo esquelético entre indivíduos que apresentem diferentes padrões de expressão dessa proteína. Desta forma, assume-se que indivíduos que expressam a α-actinina-3 (genótipos RX ou RR) apresentem vantagem em tarefas que requerem força e potência muscular, quando comparados a indivíduos que não produzem essa proteína (genótipo XX). Para verificar tal suposição, estudos compararam a frequência do alelo X e dos genótipos XX e RR entre atletas de modalidades de diferentes demandas metabólicas e entre sujeitos não-atletas14,15.

Um dos estudos pioneiros na investigação da influência do gene ACTN3 foi conduzido por Yang et al.15. Naquela ocasião, foram genotipados indivíduos controle não-atletas e atletas de alto nível de diferentes modalidades. Os atletas de modalidades predominantemente aeróbias apresentaram maior frequência do genótipo XX (24%) quando comparados aos atletas de modalidades que exigiam grande utilização da força muscular (6%) e aos indivíduos controle (18%). Por outro lado, o genótipo RR foi observado com maior frequência nos atletas de modalidades de maior utilização da força muscular (53%) tanto em relação aos atletas de modalidaes predominantemente aeróbias (28%) quanto aos indivíduos controle (30%). Em conjunto, esses achados sugerem uma relação positiva entre o alelo X desse polimorfismo e o desempenho em tarefas de longa duração e entre o alelo R e um melhor desempenho em tarefas de curta duração e alta intensidade.

Corroborando os resultados de Yang et al.15, Eynon et al.14 analisaram a distribuição dos genótipos do polimorfismo R577X do gene ACTN3 em indivíduos sedentários e atletas israelenses, classificados como corredores fundistas ou velocistas. A frequência do genótipo XX foi maior entre os fundistas (34%) tanto em relação aos velocistas (13%) quanto em relação aos indivíduos sedentários (18%). Também a frequência dos alelos nos fundistas (R/X = 0.53/0.47) foi diferente em relação aos velocistas (R/X = 0.7/0.3), mas não em relação aos indivíduos sedentários (R/X = 0.55/0,45). Comparando-se fundistas de diferentes níveis, não houve diferenças significativas entre as frequências do alelo X e do genótipo XX. Esses resultados sugerem que a deficiência na expressão da α-actinina-3 parece estar relacionada ao desempenho de atletas fundistas, sem distinção quanto ao nível de desempenho.

Com resultados similares aos supracitados, Druzhevskaya et al.39 analisaram o polimorfismo R577X do gene ACTN3 em atletas russos de diferentes modalidades com predominância do uso da força e potência muscular, em comparação a sujeitos não-atletas. As frequências do alelo X e do genótipo XX foram maiores nos indivíduos não-atletas (38,7% e 14,2%, respectivamente) quando comparados aos atletas de força e potência (33,3% e 6,4%). Isso corrobora a maioria dos achados de que o alelo X apresenta menor frequência em atletas que utilizam grande força e potência em suas modalidades.

Por outro lado, Scott et al.40 não verificaram diferenças de frequência do genótipo XX entre atletas velocistas e indivíduos não-atletas. Foram analisados velocistas de elite jamaicanos (AJ) e norte-americanos (ANA) comparados a indivíduos controle também jamaicanos (CJ) e norte-americanos (CNA). Foram encontradas baixas frequências do genótipo XX em todos os grupos (AJ = 3%; CJ = 2%; ANA = 2%; CNA = 4%). Os autores observaram que os atletas não eram significativamente diferentes dos indivíduos controle na frequência desse genótipo. A baixa frequência do genótipo XX nos dois grupos controle desse estudo, muito diferente da média geral (~18%), indica que a etnia da população pode ser um fator importante em estudos com esse polimorfismo.

Coletivamente, esses achados sugerem que, geralmente, indivíduos que expressam α-actinina-3 possuem vantagem em tarefas que exigem predominante uso da força e potência muscular14. Consequentemente, indivíduos que apresentam deficiência na expressão dessa proteína parecem ter certa desvantagem em modalidades com essas características39. Porém, isso parece ser dependente da etnia da população analisada40.

Diferentemente de tarefas de predominante força ou potência muscular, a ausência da forma funcional da α-actinina-3 parece beneficiar atletas de provas de longa duração.

Niemi & Majamaa9 analisaram atletas finlandeses, entre fundistas e velocistas. Os atletas também foram separados quanto ao nível de desempenho. A frequência do genótipo XX foi maior nos atletas fundistas de nível internacional (15%), comparados aos fundistas de nível nacional (~10%), aos indivíduos controle (~9%), aos velocistas de nível nacional (~8%) e aos velocistas de nível internacional (0). Esses resultados provêem mais evidências de que o genótipo 577XX do gene ACTN3 pode estar diretamente associado ao desempenho em provas de longa duração, podendo ainda discriminar o nível de desempenho. Essa hipótese é ainda reforçada por outros estudos com resultados semelhantes15,39.

Uma explicação plausível para essa associação pode ser obtida através dos resultados de Macarthur et al.34 e Quinlan et al.35. Esses dois estudos compararam camundongos completamente deficientes na expressão da α-actinina-3 – denominados camundongos KO (knockout) – a camundongos com padrões normais de expressão dessa proteína – denominados WT (wild type). Em conjunto, os principais resultados obtidos nesses dois estudos sugeriram que os camundongos KO apresentavam características favoráveis ao desempenho aeróbio quando comparados aos camundongos WT. As diferenças apresentadas pelos camundongos KO estão apresentadas no Quadro 1.


Coletivamente, esses resultados sugerem que a deficiência na expressão da α-actinina-3 pode ser favorável à oxidação de lipídios durante o exercício (aumento da atividade de enzimas mitocondriais), levando a um efeito poupador do glicogênio muscular (menor atividade da GF e maior conteúdo de glicogênio muscular) e menor acúmulo de lactato (diminuição da LDH). Em última análise, todas estas alterações possivelmente reduziriam a fadiga e melhorariam o desempenho, evidenciado pelo aumento de 33% na máxima distância de corrida apresentado pelos camundongos KO34.

Resultados semelhantes foram obtidos em humanos no estudo de Quinlan et al.35, com os indivíduos com o genótipo XX semelhantes aos camundongos KO. Os indivíduos XX apresentaram maior conteúdo de glicogênio muscular e tendência à diminuição da atividade da enzima glicogênio-fosforilase. Porém, os próprios autores não atribuíram poder conclusivo a esses resultados, devido ao tamanho reduzido da amostra (n = 26).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As α-actininas sarcoméricas apresentam uma grande diversidade de parceiros de ligação12,35. Portanto, uma alteração na expressão dessas proteínas pode afetar uma ampla diversidade de proteínas estruturais e vias de sinalização. Isso sugere que as α-actininas sarcoméricas, particularmente a isoforma -3, devem ser focos de atenção em pesquisas em

ACTN3 e desempenho esportivode curta e longa duração diversos campos que envolvam o funcionamento do músculo esquelético.

Além de sua função estrutural, descobertas recentes vêm apresentando evidências de um importante papel da α-actinina-3 no metabolismo do glicogênio muscular34,35.

Em relação ao desempenho esportivo, a maioria dos estudos sugere que a expressão normal da α-actinina-3 (RR e RX) é favorável ao desempenho em tarefas que exigem grande utilização da força muscular14,39. Por outro lado, sua deficiência parece beneficiar o desempenho em provas de longa duração9,15. Além disso, a etnia da população analisada deve ser levada em conta em estudos de associação do gene ACTN3 com o desempenho esportivo40.

Contudo, a influência da α-actinina-3 no desempenho em provas de longa duração ainda necessita de mais investigações. Até o presente momento, apenas dois estudos chegaram a resultados conclusivos acerca da atuação da a-actinina-3 no metabolismo do glicogênio muscular em camundongos34,35. Sugere-se que futuros estudos investiguem a atuação dessa proteína na regulação das vias metabólicas durante o exercício, pois ela pode se tornar um importante fator para o desempenho esportivo.

Adicionalmente, a técnica mais comumente utilizada em estudos de associação é a genotipagem, ou seja, análise do polimorfismo-alvo diretamente no DNA. Essa técnica tornou-se bastante utilizada por possuir caráter não invasivo, como a coleta de saliva, ou pouco invasivo, como a coleta de sangue venoso. A alternativa a essa técnica seria a biópsia muscular, capaz de detectar diretamente a presença das isoformas da proteína no músculo-esquelético. Portanto, sugere-se, também, que sejam realizados estudos com a utilização de amostras de tamanho reduzido e biópsia muscular, para a investigação da ação direta da ação da α-actinina-3 nos processos que ocorrem na célula muscular.

Recebido em 13/04/11

Revisado em 03/05/11

Aprovado em 12/05/11

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  • Endereço para correspondência:
    Leonardo Alves Pasqua
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Revisado
      03 Maio 2011
    • Recebido
      13 Abr 2011
    • Aceito
      12 Maio 2011
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