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Intervenção interdisciplinar na composição corporal e em testes de aptidão física de crianças obesas

Resumos

A mudança no estilo de vida é um importante fator de tratamento e prevenção da obesidade infantil. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de um programa de exercício físico baseado em atividades lúdicas e orientação nutricional na composição corporal e no desempenho em testes de aptidão física de crianças obesas. Fizeram parte do estudo 44 crianças com idades entre 8 e 11 anos divididas em dois grupos: grupo intervenção (n=22) e grupo controle (n=22) pareados por sexo e idade. Mensuraram-se antes e após 12 semanas do programa: massa corporal, estatura, dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescapular, supra-ilíaca, abdominal e de panturrilha medial), perímetros (abdominal, de braço, de panturrilha e de quadril) e desempenho em testes de flexibilidade, flexão abdominal e preensão manual. O grupo controle não participou da intervenção. Trinta e duas crianças completaram o estudo (16 em cada grupo). O grupo intervenção apresentou redução significativa do índice de massa corporal, das dobras cutâneas do tríceps, subescapular, abdominal, do perímetro do braço e da soma das dobras do tronco. Houve aumento significativo da força de preensão manual direita e abdominal. O grupo controle apresentou aumento significativo da massa corporal, do perímetro abdominal, da dobra cutânea subescapular, da panturrilha, da soma das dobras do tronco, da soma das dobras dos membros e dos perímetros do braço e da panturrilha medial, e redução no desempenho de força de preensão manual direita. Pode-se concluir que o programa foi efetivo em reduzir a quantidade de gordura corporal e aumentar os níveis de aptidão física das crianças.

Aptidão física; Atividade física; Composição corporal; Criança; Obesidade


Lifestyle changes are an important factor in the management and prevention of childhood obesity. The objective of this study was to analyze the effects of an exercise program (based on recreational activities) and nutritional counseling on body composition and physical fitness test performance in obese children. Forty-four children aged 8 to 11 years were divided into two gender- and age-matched groups, intervention (n = 22) and control (n = 22). Several parameters were measured before and after 12 weeks of participation in the program: weight, height, skinfold thickness (biceps, triceps, subscapular, suprailiac, abdominal and medial calf), circumferences (abdominal, arm, hip and calf) and the abdominal flexion and handgrip flexibility tests. The control group did not take part in the intervention. Thirty-two patients completed the study (16 in each group). The intervention group showed significant reductions in body mass index, triceps, subscapular and abdominal skinfold thickness, arm girth and sum of trunk skinfolds. There was a significant increase in right grip strength and abdominal strength. The control group showed a significant increase in body mass, waist circumference, subscapular and calf skinfold thickness, sum of trunk skinfolds, sum of limb skinfolds and arm and calf perimeters, as well as reduction in right hand grip strength. We conclude that the program was effective in reducing body fat and increasing physical fitness in children.

Body composition; Child; Motor activity; Obesity; Physical fitness


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção interdisciplinar na composição corporal e em testes de aptidão física de crianças obesas

Lisiane Schilling PoetaI; Maria de Fátima da Silva DuarteI; Isabela de Carlos Back GiulianoII; José Cazuza de Farias JuniorIII

IUniversidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Florianópolis, SC. Brasil

IIUniversidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Florianópolis, SC. Brasil

IIIUniversidade Federal da Paraíba. Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Educação Física. João Pessoa, PB. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Lisiane Schilling Poeta Rua Dr. Percy Borba, 79. Barreiros CEP: 88117-035. São José, SC. Brasil E-mail: lisianepoeta@hotmail.com

RESUMO

A mudança no estilo de vida é um importante fator de tratamento e prevenção da obesidade infantil. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de um programa de exercício físico baseado em atividades lúdicas e orientação nutricional na composição corporal e no desempenho em testes de aptidão física de crianças obesas. Fizeram parte do estudo 44 crianças com idades entre 8 e 11 anos divididas em dois grupos: grupo intervenção (n=22) e grupo controle (n=22) pareados por sexo e idade. Mensuraram-se antes e após 12 semanas do programa: massa corporal, estatura, dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescapular, supra-ilíaca, abdominal e de panturrilha medial), perímetros (abdominal, de braço, de panturrilha e de quadril) e desempenho em testes de flexibilidade, flexão abdominal e preensão manual. O grupo controle não participou da intervenção. Trinta e duas crianças completaram o estudo (16 em cada grupo). O grupo intervenção apresentou redução significativa do índice de massa corporal, das dobras cutâneas do tríceps, subescapular, abdominal, do perímetro do braço e da soma das dobras do tronco. Houve aumento significativo da força de preensão manual direita e abdominal. O grupo controle apresentou aumento significativo da massa corporal, do perímetro abdominal, da dobra cutânea subescapular, da panturrilha, da soma das dobras do tronco, da soma das dobras dos membros e dos perímetros do braço e da panturrilha medial, e redução no desempenho de força de preensão manual direita. Pode-se concluir que o programa foi efetivo em reduzir a quantidade de gordura corporal e aumentar os níveis de aptidão física das crianças.

Palavras-chave: Aptidão física; Atividade física; Composição corporal; Criança; Obesidade.

INTRODUÇÃO

A obesidade é tema de crescente preocupação devido a sua alta prevalência e associação com diversas condições mórbidas1. Estudos mostram importante aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade em diferentes faixas etárias, inclusive na população infantil2. Em cidades brasileiras, como Florianópolis/SC, a prevalência de sobrepeso atingiu em torno de 20% das crianças e dos adolescentes3.

Predisposição genética, hábitos alimentares inadequados e estilo de vida sedentário são alguns dos fatores relacionados ao desenvolvimento da obesidade infantil, sendo que o sedentarismo aparece como uma das principais causas da epidemia mundial de obesidade nessa faixa etária4. Apesar da recomendação da prática regular de atividade física para prevenção de fatores de risco cardiovasculares5, estudos têm demonstrado que os escolares obesos apresentam níveis menores de atividade física de intensidade moderada a vigorosa6 e níveis menores de aptidão física, quando comparados aos não obesos7,8; isto evidencia a necessidade urgente de aumentar os níveis de atividade física dessas crianças.

Ser fisicamente ativo desde a infância apresenta muitos benefícios, não só na área física, mas também nos aspectos psicológicos, cognitivos e sociais, podendo resultar em melhor prevenção das doenças crônicas não transmissíveis. Além disso, a prática de atividade física na infância pode estimular a criança a atingir hábito de vida mais saudável na idade adulta9,10. Por outro lado, reduzida atividade pode conduzir ao menor desempenho físico e motor; também importante, o declínio na performance física pode produzir frustração e fuga das aulas de educação física ou das atividades de lazer10. Dentro desse contexto, exercício físico com atividades de caráter lúdico, por ser prazeroso, pode gerar maior participação e adesão das crianças às atividades propostas, justificando esse tipo de atividade como método de intervenção no presente estudo.

Estudos prévios encontraram efeitos positivos do exercício físico recreativo e orientação nutricional nos componentes da síndrome metabólica11, e redução do excesso de peso, massa gorda, perímetro abdominal e pressão arterial de crianças obesas12. Entretanto, ainda são necessários mais estudos que utilizem como método os exercícios físicos com atividades de caráter lúdico para crianças obesas.

Considerando o aumento da obesidade infantil2, o primeiro esforço deveria ser em estratégias de prevenção da obesidade. Porém, em se tratando de crianças já acometidas pela doença e, especialmente, suas comorbidades, o tratamento é indispensável. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos de um programa de exercício físico com atividades de caráter lúdico e orientação nutricional na composição corporal e no desempenho em testes de aptidão física de crianças obesas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de um ensaio clínico controlado. A população inicial envolveu crianças com idades entre oito e 11 anos e com Índice de Massa Corporal (IMC) acima do 95º percentil pelos critérios do NCHS13, recrutadas nos ambulatórios de cardiologia e de endocrinologia pediátricas do Hospital Infantil Joana de Gusmão - HIJG de Florianópolis, SC (Brasil) entre janeiro e julho de 2009.

Durante o período de recrutamento, foram atendidas no ambulatório, aproximadamente, 120 crianças obesas com idades entre oito e 11 anos de idade. Destas, 90 se enquadravam nos critérios de inclusão (crianças de 8 a 11 anos de idade, IMC acima do 95º percentil, atendidas no serviço previamente descrito, residentes em Florianópolis/SC e não estar participando de outro programa para redução do peso além do acompanhamento no HIJG) e foram convidadas pelos médicos para participar do programa. Setenta e sete pais de crianças entraram em contato com o pesquisador responsável, demonstrando interesse na participação de seu(a) filho(a) no programa. Dentre estes, 32 crianças estudavam no período matutino e 45, no vespertino. Por questão de disponibilidade de infraestrutura no Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, o programa foi realizado no período vespertino. Desta forma, as crianças que estudavam no período matutino foram alocadas para o grupo da intervenção (n=32) e as que estudavam no vespertino, para o grupo controle (n=45).

As perdas entre o contato inicial e o início do programa totalizaram 10 no grupo intervenção (sete desistiram antes do início e três foram excluídas por iniciarem outro programa de atividade física) e 23 no grupo controle (sete se envolveram em outra atividade física, oito não compareceram na avaliação inicial e oito não tinham pares no grupo intervenção). Cada grupo foi composto, inicialmente, por 22 crianças obesas (11 meninos e 11 meninas), totalizando 44 crianças pareadas em sexo e idade. As crianças do grupo controle não participaram da intervenção. Todas as crianças (grupos caso e controle) foram instruídas a manter suas atividades usuais e receberam orientações da equipe médica do HIJG referentes à prática de atividade física e orientação nutricional no exame inicial, como habitualmente é feito no tratamento de obesidade em qualquer idade.

Este estudo faz parte de um estudo maior14, em que foi considerado para o cálculo da amostra uma diferença clinicamente significante de pressão arterial sistólica de 15 mmHg e desvio padrão de 15 mmHg da população de crianças obesas, com erro tipo I de 5% e erro tipo II de 20% (estudo piloto), por ser fator de risco importante e que precocemente determina repercussão cardiovascular na infância e adolescência15. Considerando esses parâmetros, o tamanho mínimo da amostra seria de 16 sujeitos em cada grupo. A esse valor foram acrescentados 25%, por possíveis perdas e recusas, o que coincide com o número de crianças que se propôs a participar até o final do estudo14.

Após o início do programa, foram excluídas as crianças que não frequentaram, pelo menos, 90% das sessões do programa de intervenção16, as que os seus cuidadores não participaram das orientações nutricionais e as crianças que seus pares do grupo caso desistiram da intervenção ou foram excluídos da análise.

Todas as avaliações foram realizadas no HIJG, das 7:30 às 12 horas até uma semana antes e até uma semana após o início e término do programa.

Para a caracterização da amostra, foi aplicado um questionário ao cuidador da criança. Também foram coletadas informações referentes à maturação sexual (pilosidade pubiana) determinada de acordo com o modelo proposto por Tanner17.

As técnicas utilizadas para a obtenção das medidas antropométricas foram realizadas conforme o Anthropometric Standardization Reference Manual18, com exceção do perímetro abdominal, que foi mensurado conforme Fernandez et al19. Realizaram-se três medidas, sendo que para fins de resultado final, foi utilizado o valor médio dessas três medidas. Cada um dos indicadores antropométricos foi mensurado por único avaliador, com grande experiência.

Para aferir a massa corporal, foi utilizada uma balança eletrônica com resolução de 100 gramas e carga máxima de 150 kg. As crianças foram pesadas em pé, descalças, e usando roupas leves. Para medir a estatura, foi utilizado estadiômetro portátil, fixado na parede onde não havia rodapé e com escala e resolução de 1 mm, tomando-se como pontos de referência o vértex e a região plantar. O IMC foi determinado pela relação entre a massa corporal (kg) e o quadrado da estatura (m). O perímetro abdominal foi aferido por meio de fita métrica com resolução de 1 mm, aplicada acima da crista ilíaca, paralela ao chão, com o indivíduo em pé, com o abdome relaxado, braços ao longo do corpo e pés unidos.

As dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescapular, suprailíaca, abdominal e da panturrilha medial) foram medidas utilizando-se adipômetro com resolução de 0,1 mm. As medidas foram feitas no lado direito do corpo. Na medida dos perímetros (abdominal, de braço, de panturrilha e de quadril), foi utilizada fita métrica de fibra de vidro, com resolução de 0,1 cm. Foram realizadas três medidas não consecutivas e realizada a média aritmética entre elas. Todas as medidas foram realizadas por um único avaliador, com vasta experiência.

Informações acerca dos indicadores de flexibilidade foram obtidas a partir da administração do teste de "sentar e alcançar", acompanhando padronizações descritas pela American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance20, utilizando caixa de madeira com escala de 0,5 cm. Para a avaliação da força abdominal, mediu-se o número de repetições corretas de flexão abdominal durante um minuto20. O desempenho na força de membros superiores foi verificado pela máxima preensão manual em kg, medida por meio de um dinamômetro manual Jamar, considerando-se o melhor resultado em três tentativas.

O programa de intervenção consistiu de exercício físico e orientação nutricional (aos pais e às crianças) durante 12 semanas consecutivas. Os exercícios físicos foram realizados num ginásio de esportes e/ou num campo de futebol (duas vezes por semana) e numa piscina (uma vez por semana), do Centro de Desportos da UFSC.

Os exercícios físicos foram realizados em três sessões semanais, com duração de 60 minutos cada, totalizando 36 sessões, consistindo de alongamento/aquecimento (5-10 minutos), parte principal - exercícios aeróbios (40-45 minutos) e volta à calma (5-10 minutos). Os exercícios eram previamente programados e desenvolvidos por dois profissionais e um acadêmico de educação física, e consistia de exercícios com características lúdicas (por exemplo: caminhadas, corridas, circuitos, jogos pré-desportivos adaptados, brincadeiras na cama elástica, pular corda, danças, atividades na piscina) de intensidade moderada a vigorosa11,16. Em todas as sessões, o objetivo era manter as crianças ativas durante todo o período.

Os exercícios foram realizados com o objetivo de alcançar intensidade de 65% a 85% da frequência cardíaca (FC) máxima16, determinada pela fórmula (FC máxima = 208 - 0,7 x idade)21. Acompanhou-se a FC individualmente por meio de monitor de FC da marca Polar (S610i), durante todas as atividades, para procurar assegurar sua manutenção dentro da faixa preconizada. As duas primeiras semanas do programa foram consideradas como período de adaptação, com atividades de menor intensidade. Ao final de cada sessão de exercícios, os dados dos frequencímetros eram analisados (programa do Polar S620i), para saber quais atividades mantiveram as crianças na zona-alvo. Ao final de todas as sessões, eram realizadas orientações sobre a importância de manter hábitos da prática regular de atividade física.

A orientação nutricional foi realizada por nutricionista e um grupo de estudantes do curso de nutrição da UFSC, e consistia de reuniões semanais com os pais e as crianças com propósito informativo e educativo, objetivando incentivá-los na mudança para hábitos alimentares mais saudáveis. Nestes encontros, foram realizadas palestras sobre alimentação adequada e equilibrada, utilizando-se da pirâmide alimentar brasileira adaptada22.

Na análise dos dados, foram utilizados o teste t pareado (comparação intragrupos) e o teste t não pareado (comparações intergrupos), tendo em vista que os dados apresentaram distribuição normal. Todas as análises foram realizadas no programa SPSS 17.0, adotando-se nível de significância p<0,05 para testes bicaudais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (protocolo nº 302/08). Após o encerramento do estudo, todas as crianças continuaram recebendo acompanhamento médico no serviço de origem.

RESULTADOS

Das 44 crianças que iniciaram o programa, houve perda de seis crianças no grupo intervenção, resultando na exclusão dos seus respectivos pares do grupo controle. Portanto, 16 crianças em cada grupo completaram o estudo (8 meninos e 8 meninas). Não houve diferença significativa para as variáveis analisadas no presente estudo entre os participantes que completaram e os que abandonaram o estudo (p>0,05).

A média de idade no grupo intervenção foi de 9,5 anos e no grupo controle foi 9,4 anos (p=0,89). Todas as crianças eram estudantes de escolas da rede pública de Florianópolis/SC, tinham aulas de educação física escolar três vezes semanais, estavam no estágio maturacional pré-púbere e púbere e a maioria pertencia a famílias com renda mensal entre dois e cinco salários mínimos.

A análise comparativa das variáveis relacionadas à composição corporal e desempenho nos testes de aptidão física iniciais demonstrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no pré-teste, com exceção da dobra cutânea do tríceps (p=0,024).

Na Tabela 1, são apresentados os resultados do impacto do programa sobre a composição corporal. Verificou-se que o grupo intervenção apresentou redução significativa no IMC, nas dobras cutâneas tricipital, subescapular, abdominal, no somatório das dobras do tronco, e no perímetro do braço e aumento na estatura. Por outro lado, o grupo controle apresentou aumento significativo da massa corporal, da estatura, do perímetro abdominal, da dobra cutânea subescapular, da panturrilha medial e do perímetro do braço, no somatório das dobras dos membros e no somatório das dobras do tronco.

Quatro crianças do grupo intervenção passaram da classificação de "obesidade" para "sobrepeso" ao final do programa.

Ao final do programa, no grupo intervenção, observou-se aumento na força de preensão manual direita e na força abdominal. No grupo controle, houve redução da força de preensão manual direita (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os resultados evidenciaram efeitos positivos do programa de intervenção nos indicadores de composição corporal e no desempenho em testes de aptidão física, mostrando os benefícios de um programa lúdico como método de intervenção.

Um dos pontos fortes deste estudo foi o fato da amostra ser pareada por sexo e idade, minimizando as possíveis influências dessas variáveis em indicadores de adiposidade e de aptidão física23. Além disso, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos no início da intervenção, com exceção da dobra cutânea do tríceps, bem como não houve diferenças significantes nas variáveis entre as crianças que concluíram ou não a intervenção.

Outro estudo que utilizou programa de intervenção semelhante à da presente pesquisa (12 semanas de atividade física e orientação nutricional) encontrou reduções significativas no IMC e em variáveis lipídicas de crianças obesas11. Reinehr et al.12 encontraram redução no IMC, na circunferência da cintura, nas dobras cutâneas do tríceps e subescapular, no percentual de gordura e na pressão arterial após intervenção de seis meses com atividade física, orientação nutricional e apoio comportamental.

Outros programas de intervenção com metodologias diferentes da realizada no presente estudo também encontraram efeitos similares na composição corporal, por meio de exercício físico combinado24,25 ou não a orientação nutricional26. Os resultados desses estudos são similares aos da presente pesquisa, que também demonstrou que programas de intervenção têm impacto positivo em indicadores de adiposidade de crianças obesas, representando ferramenta importante no combate à obesidade. Mesmo permanecendo na condição de obesos, os benefícios na composição corporal devem ser destacados, dados os problemas de saúde associados à obesidade1,27 bem como pelo fato das crianças obesas apresentarem maior chance de se tornarem adultos obesos28. Além disso, melhoras no desempenho de testes de aptidão física foram importantes para a saúde dessas crianças, uma vez que moderados níveis de aptidão cardiorrespiratória, flexibilidade, força/resistência muscular e nível adequado de gordura são muito importantes para saúde e para evitar o desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas29. Estudo anterior30 encontrou o sobrepeso e a obesidade como fatores de insucesso em provas de aptidão física relacionadas à saúde em crianças, alertando para as repercussões do excesso de peso para a saúde dessa população.

Outro resultado importante observado no presente estudo foi o aumento significante de alguns indicadores de gordura corporal e redução no desempenho nos testes de aptidão física no grupo controle. Tais resultados podem apontar para os malefícios dos baixos níveis de prática de atividade física e dos hábitos alimentares inadequados. Devem-se considerar os benefícios que o programa de intervenção pode ter no controle do peso corporal, mostrando que um curto período de acompanhamento com exercício físico, com atividades recreativas e orientação nutricional também ajuda a prevenir o aumento da gordura corporal. O aumento significativo no perímetro abdominal observado no grupo controle, na reavaliação, pode apontar possível fator de risco cardiovascular nessa população, já que estudo revela associação positiva entre gordura corporal central e risco cardiovascular28.

Uma das limitações do presente estudo foi a falta de controle supervisionado dos hábitos alimentares das crianças no seu dia a dia. Isso pode ter contribuído para os efeitos não significativos em alguns indicadores de adiposidade após o programa de intervenção. Além disso, os efeitos sobre as diferentes variáveis investigadas podem requerer diferentes doses de exercício físico. Período maior de intervenção ou exercícios de maior intensidade poderiam ter provocado melhores efeitos no perímetro abdominal, nas dobras cutâneas bicipital, suprailíaca, panturrilha medial, nos perímetros da panturrilha e do quadril e nos testes de preensão manual e de flexibilidade. Questiona-se, também, a especificidade dos exercícios de flexibilidade e força, bem como a sensibilidade dos testes utilizados às mudanças promovidas pelos exercícios.

A perda amostral durante a intervenção foi superior a esperada, mesmo quando comparada a estudo similar com adolescentes realizado no Brasil24. Alguns fatores podem ter contribuído para essa perda amostral, como por exemplo, a dificuldade de deslocamento, já que muitas crianças necessitavam de transporte público; e a dificuldade da presença de um responsável para conduzir a criança até o local da intervenção devido a compromissos no trabalho. Em contrapartida, as perdas parecem não ter prejudicado os resultados da pesquisa, pois não houve diferenças significativas entre os sujeitos que completaram ou não o estudo. Reconhece-se que o tamanho inicial da amostra foi pequeno, entretanto, mesmo com uma amostra reduzida, o estudo teve resposta significativa em dobras cutâneas centrais, o que pode demonstrar impacto clinicamente significativo no controle de risco cardiovascular relacionado à obesidade central.

É importante destacar que as crianças se mostraram muito receptivas na maior parte das atividades propostas, principalmente, durante as atividades aquáticas. Os dados do polar indicam que elas se mantiveram dentro da zona alvo preconizada em média de 40 minutos por aula. Apesar de não se terem medidas dos hábitos alimentares, reforça-se a importância das reuniões nutricionais desenvolvidas ao longo do programa, com o intuito de favorecer mudanças nesses hábitos.

CONCLUSÕES

O programa de intervenção com atividade física e orientação nutricional, além do acompanhamento médico tradicional, foi efetivo na redução do IMC, nas dobras cutâneas (tricipital, subescapular, abdominal e somatório das dobras do tronco) e no perímetro do braço; foi efetivo, também, no aumento na força de preensão manual (lado direito) e na força abdominal.

Os resultados desse estudo podem sugerir que programas de intervenção sobre a obesidade infanto-juvenil baseados em exercícios físicos com características lúdicas e orientação nutricional devem fazer parte das ações de tratamento da obesidade nesse grupo populacional. Há grande possibilidade de desenvolver esse programa de intervenção em outros centros devido à utilização de espaços físicos que estão disponíveis em outras realidades (campo de futebol, ginásio de esportes/quadra) e à utilização de equipamentos de baixo custo para o desenvolvimento de atividades lúdicas, que normalmente estão disponíveis em escolas e universidades.

Os autores agradecem a participação de todas as crianças e seus familiares, dos médicos que encaminharam as crianças, e dos profissionais e estudantes de nutrição e educação física da UFSC que participaram do programa.

Recebido em 06/09/11

Revisado em 28/10/11

Aprovado em 24/11/11

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  • Endereço para correspondência

    Lisiane Schilling Poeta
    Rua Dr. Percy Borba, 79. Barreiros
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2011
    • Aceito
      24 Nov 2011
    • Revisado
      28 Out 2011
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