Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre modificações cinemáticas da corrida e o tempo limite na vVO2máx

Resumos

A corrida realizada na velocidade do consumo máximo de oxigênio (vVO2máx) pode ocasionar modificações nos parâmetros cinemáticos e assim, aumentar o custo energético ao longo do tempo. O objetivo do presente estudo foi analisar características cinemáticas da articulação do tornozelo e joelho durante a corrida na vVO2máx e a relação entre modificações cinemáticas e o tempo limite na vVO2máx(Tlim). Onze voluntários ativos fisicamente foram submetidos a um teste incremental de corrida para determinar a vVO2máx e posteriormente, a um teste de velocidade constante na vVO2máx. As variáveis cinemáticas foram adquiridas através de filmagem bidimensional a 210Hz no plano sagital esquerdo, no estágio inicial e final da corrida. De todas as variáveis angulares analisadas, a máxima plantiflexão no balanço (p<0.01) foi a única que aumentou significativamente entre o início e o final da corrida. O aumento no ângulo do tornozelo no contato foi correlacionado ao Tlim (r=0,64; p=0,035) e explicou 34% do desempenho no teste. Esses achados sugerem que os sujeitos mantêm um estilo de corrida relativamente estável na vVO2máx e que o aumento da plantiflexão no contato foi capaz de explicar o desempenho neste teste entre sujeitos não corredores.

Cinemática; Corrida; Fadiga


Exhaustive running at maximal oxygen uptake velocity (vVO2max) can alter running kinematic parameters and increase energy cost along the time. The aims of the present study were to compare characteristics of ankle and knee kinematics during running at vVO2max and to verify the relationship between changes in kinematic variables and time limit (Tlim). Eleven male volunteers, recreational players of team sports, performed an incremental running test until volitional exhaustion to determine vVO2max and a constant velocity test at vVO2max. Subjects were filmed continuously from the left sagittal plane at 210 Hz for further kinematic analysis. The maximal plantar flexion during swing (p<0.01) was the only variable that increased significantly from beginning to end of the run. Increase in ankle angle at contact was the only variable related to Tlim (r=0.64; p=0.035) and explained 34% of the performance in the test. These findings suggest that the individuals under study maintained a stable running style at vVO2max and that increase in plantar flexion explained the performance in this test when it was applied in non-runners.

Kinematics; Running; Fatigue


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre modificações cinemáticas da corrida e o tempo limite na vVO2máx

Leonardo De Lucca; Sebastião Iberes Lopes Melo

Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde e do Esporte. Laboratório de Biomecânica. Florianópolis, SC. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Leonardo De Lucca R. Pascoal Simone, 358 Centro de Ciências da Saúde e do Esporte Universidade do Estado de Santa Catarina Laboratório de Biomecânica Email: leodelucca85@hotmail.com

RESUMO

A corrida realizada na velocidade do consumo máximo de oxigênio (vVO2máx) pode ocasionar modificações nos parâmetros cinemáticos e assim, aumentar o custo energético ao longo do tempo. O objetivo do presente estudo foi analisar características cinemáticas da articulação do tornozelo e joelho durante a corrida na vVO2máx e a relação entre modificações cinemáticas e o tempo limite na vVO2máx(Tlim). Onze voluntários ativos fisicamente foram submetidos a um teste incremental de corrida para determinar a vVO2máx e posteriormente, a um teste de velocidade constante na vVO2máx. As variáveis cinemáticas foram adquiridas através de filmagem bidimensional a 210Hz no plano sagital esquerdo, no estágio inicial e final da corrida.De todas as variáveis angulares analisadas, a máxima plantiflexão no balanço (p<0.01) foi a única que aumentou significativamente entre o início e o final da corrida. O aumento no ângulo do tornozelo no contato foi correlacionado ao Tlim (r=0,64; p=0,035) e explicou 34% do desempenho no teste. Esses achados sugerem que os sujeitos mantêm um estilo de corrida relativamente estável na vVO2máx e que o aumento da plantiflexão no contato foi capaz de explicar o desempenho neste teste entre sujeitos não corredores.

Palavras-chave: Cinemática; Corrida; Fadiga.

INTRODUÇÃO

A análise cinemática da corrida sob condições extenuantes (corrida submáxima prolongada e corrida de curta e média duração em alta intensidade) torna-se importante, pois o padrão da passada pode ser alterado1. Esse fato relaciona-se ao contínuo aumento do lactato sanguíneo [La] e acúmulo de metabólitos na fibra muscular em intensidades correspondentes aos domínios pesado e severo2, que acarretariam alterações cinemáticas no ciclo de passada3.

Os membros inferiores têm papel de absorção de energia por meio da dorsiflexão controlada excentricamente4 e flexão do joelho3na aterrissagem. Elliot e Ackland5destacam a importância da articulação do tornozelo, ao relatarem que parâmetros biomecânicos do pé podem ter a maior influência em características biomecânicas da corrida e desempenho na prova de 10 km. A fadiga poderia causar desequilíbrio dos músculos dorsiflexores e flexores plantares, aumentando a aceleração do impacto na perna e ser um fator de risco para lesões6. Outros autores relataram que a fadiga nos músculos do tornozelo diminui a dorsiflexão no contato do pé no solo7, e que modificações no ângulo do tornozelo explicaram 67% da variação no consumo de oxigênio (VO2) em uma corrida após ciclismo de longa duração8. Da mesma forma, a articulação do joelho teria um papel primordial tanto na absorção de choques3 quanto no custo energético da corrida9.

Sabe-se que o treinamento para aumentar o VO2máx deve ser realizado em velocidades próximas ou correspondentes (vVO2máx) a esse índice fisiológico10. Portanto, é de interesse de pesquisadores das ciências do esporte bem como treinadores de algumas provas do atletismo entender os mecanismos fisiológicos e biomecânicos que podem influenciar o tempo que avVO2máx pode ser sustentada. Exemplo disso, é que em provas do atletismo como 800 e 1500 metros o VO2 requerido é próximo ou acima do VO2máx11 e que o Tlime a vVO2máx foram relacionados ao rendimento de distâncias entre 1500 metros e Maratona12,13.

Com vistas a estudar a grande variabilidade do Tlim entre sujeitos, Ribeiro et al.14 analisaram variáveis cardiorrespiratórias (VO2máx, vVO2máx, economia de corrida, limiar ventilatório) e neuromusculares (força isotônica, velocidade no teste máximo de corrida anaeróbia e impulsão vertical) e evidenciaram que nenhuma dessas variáveis pôde explicá-la. Gazeau et al.15passaram a investigar variáveis biomecânicas e, a partir de seus resultados, postularam que os corredores que mantiveram os estilos de corrida mais estáveis foram capazes aumentar o Tlim. Hayes et al.16evidenciaram fortes correlações negativas entre resistência muscular local de flexores e extensores de quadril e joelho e mudanças cinemáticas (∆) que ocorrem entre o início e o fim da corrida na vVO2máx, sendo que os corredores com maior resistência muscular local apresentaram menores modificações nas variáveis cinemáticas ao longo da corrida.

Verifica-se, dessa maneira, uma lacuna na literatura, pois parâmetros cinemáticos da articulação do tornozelo não foram analisados nos poucos estudos que objetivaram investigar modificações cinemáticas e o Tlim, dando ênfase ao quadril e joelho. A partir do pressuposto que modificações cinemáticas em toda a extremidade inferior ocorrem em decorrência da fadiga muscular e que alterações cinemáticas podem influenciar o desempenho da corrida, o objetivo do presente estudo é comparar características cinemáticas da articulação do tornozelo e joelho, durante a corrida, na vVO2máx e investigar a relação entre modificações cinemáticas e oTlim.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Sujeitos

Onze voluntários ativos fisicamente, praticantes de esportes coletivos como futebol, futsal e handebol, em média, há 12 anos, sem experiência de corrida em esteira participaram do estudo. O valor médio e desvio-padrão para idade, massa corporal, estatura, e percentual de gordura corporal foram: 23,17 (3,17) anos; 71,7 (6,2) kg; 173,9 (5,5) cm; 9,4(2,9)% respectivamente. Antes do início dos procedimentos, todos os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual constaram as informações do estudo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina, protocolo nº 27/2010.

Determinação da vVO2máx

A vVO2máx foi determinada por meio de um protocolo incremental em esteira rolante, com velocidade inicial de 8,3 km.h-1 (1% de inclinação), com incrementos na velocidade a cada 3 minutos (9,3km.h-1; 10,4 km.h-1; 11,6 km.h-1; 12,6 km.h-1; 13,7 km.h-1; 14,7 km.h-1; 15,7 km.h-1;16,8 km.h-1; 17,8 km.h-1) até a exaustão voluntária. O VO2máx foi considerado o maior valor registrado a partir de médias calculadas a cada 15 segundos17. A vVO2máxfoi considerada a velocidade mínima na qual o VO2máx foi atingido e sustentado por, no mínimo, 1 minuto, caso o VO2máx não tenha sido mantido por 1 minuto a velocidade do estágio precedente foi considerada a vVO2máx17.

Determinação do Tlim

Após a realização do teste incremental, novas visitas foram feitas 48 horas após a primeira, para testes de corrida a 100% da vVO2máx. Os sujeitos realizaram um aquecimento com corrida de 5 minutos na esteira rolante a 60% da vVO2máx17. Ao final do aquecimento, os sujeitos apoiaram os pés fora da correia e foram orientados verbalmente sobre os procedimentos dos testes. Os sujeitos iniciaram a corrida em velocidades mais baixas até que a esteira atingisse a vVO2máx.Este tempo foi menor que 30 segundos em média. O Tlim foi considerado aquele entre o instante em que a esteira atingisse a vVO2máx e o instante em que o sujeito cessasse o teste voluntariamente. Tanto no teste progressivo quanto na determinação do Tlim, os sujeitos foram incentivados verbalmente pelos avaliadores até a exaustão voluntária.

Aquisição de dados cinemáticos

As variáveis cinemáticas foram adquiridas através de filmagem bidimensional desde o instante em que o sujeito atinge a vVO2máxaté a exaustão.Foi utilizada uma câmera filmadora (CASIO® High SpeedExlim Modelo EX-FH20) com frequência de aquisição de 210Hza 2,30m de distância da esteira e 1,0m de altura do solo. Oito marcadores reflexivos articulares (5ºmetatarso, borda lateral do calcâneo, maléolo lateral, epicôndilo lateral do joelho, trocânter maior do fêmur, tubérculo maior do úmero, epicôndilo lateral do úmero e processo estilóide da ulna) foram fixados no lado esquerdo do corpo, diretamente na pele após depilação e assepsia com álcool.

Para análise comparativa, foram extraídos os dados em dois instantes: a) início:primeiro contato do pé com o solo 20 segundos após o indivíduo atingir a vVO2máx; b) final: Instante em que as 5 passadas de interesse precedam 10 segundos antes do término do teste. Em cada um dos instantes, cinco ciclos completos de passadas foram analisados. Foi considerado um ciclo de passada como o intervalo entre dois contatos sucessivos do calcâneo de um mesmo pé com o solo.

Estudos com delineamento similar utilizaram ciclos de 1 passada18, 3 passadas16 e 5 passadas7. Autores demonstram que existe uma grande validade (r=0,96) de variáveis temporais e cinemáticas entre passadas para corredores homens19e que mesmo entre corredores não altamente treinados, a reprodutibilidade dos parâmetros cinemáticos (ângulos de quadril e joelho) foi alta20.

Para determinação do ângulo do tornozelo na posição neutra, foram obtidas imagens de vídeo do indivíduo na posição ortostática sem inclinação na esteira. Foi considerado o ângulo formado entre o segmento pé (definido a partir dos marcadores do 5º metatarso e no maléolo lateral) e o segmento perna (definido a partir dos marcadores no maléolo lateral e no epicôndilo lateral do fêmur. Como referência, o ângulo do tornozelo na posição neutra foi considerado como 0º (ângulos maiores que 0º indicam dorsiflexão e ângulos menores que 0º indicam flexão plantar)7. Para o joelho, foram adotados os valores do Ângulo Suplementar do Joelho: Subtração de 180º pelo ângulo interno do joelho7.

Para a área de filmagem, foi utilizado um calibrador em forma de quadrado com 4m2 fabricado com tubos e conexões de policloreto de vanila (PVC) da cor branca. Os vértices deste quadrado foram marcados com fitas isolantes da cor preta para contrastar com o material dos canos e conexões e servir como referência para medidas dos lados do calibrador.

Os vídeos foram exportados para o software Ariel Performance Analysis System (APAS) para, então, iniciar o processo de digitalização semiautomática. Foi criado um modelo para digitalização dos 8 pontos, seguido pela elaboração do modelo de calibração bidimensional com coordenadas X e Y. Após a elaboração do modelo e digitalização, os pontos foram transformados pelo software APAS através do método DLT (Direct Linear Transformation) e filtrados com filtro tipo Butterworth4ª ordem com frequência de corte de 6 Hz com o intuito de tentar eliminar possíveis ruídos, falha de instrumento e erros de digitalização.

Os valores de deslocamentos angulares foram calculados pelo software APAS e para fins de análise foram utilizadas as médias dos valores cinemáticos de interesse das 5 passadas analisadas em cada estágio da corrida.As variáveis cinemáticas de interesse foram Ângulo do Tornozelo no Contato Inicial (ATC), Máxima Dorsiflexão no Suporte (MDS), Ângulo do Tornozelo na Retirada do Hálux (ATR), Máxima Plantiflexão no Balanço (MPB) e Amplitude de Movimento do Tornozelo (ADMT) e Joelho (ADMJ) - sendo a diferença entre o maior e menor ângulo registrado durante o ciclo de passada - Ângulo do Joelho no Contato Inicial (AJC), Ângulo de Flexão Máxima do Joelho no Suporte (MFJS), Ângulo de Flexão Máxima de Joelho no Balanço (MFJB), Ângulo de Extensão do Joelho na Retirada do Hálux (AJR). As modificações cinemáticas entre o início e o final da corrida foram calculadas pela diferença entre o valor do início e final e expressas em valores absolutos.

Tratamento Estatístico

Confirmada a normalidade dos dados (Shapiro-Wilk), o teste-t de Student foi aplicado para comparar as variáveis angulares entre o início e o final da corrida. A magnitude do efeito tipo d de Cohen foi utilizada para uma melhor descrição prática. Os valores da magnitude de efeito (d) foram classificados como: 0,0 a 0,19 = trivial; 0,20 a 0,59 = pequeno;0,60 a 1,19= moderado; 1,20 a 1,99 = grande; 2,00 a 4,00 = muito grande21. A relação entre as modificações cinemáticas e oTlim foi testada através do teste de correlação de Pearson.Uma análise de regressão (método enter) foi aplicada para verificar a contribuição de modificações cinemáticas no Tlim.Para tal, foram selecionadas as variáveis que apresentassem nível de significância menor que 0,25 quando analisada a correlação entre modificações cinemáticas e o Tlim, pois esta condição pode resultar em variáveis com alto poder de relação22. O nível de significância adotado foi p<0,05.

RESULTADOS

Os resultados médios para o grupo do teste progressivo e do contínuo encontram-se na tabela 1.

A comparação dos valores médios das variáveis cinemáticas entre os estágios iniciais (I) e finais (F) da corrida no Tlim encontra-se na tabela 2.

Através das comparações da tabela 2, foi possível observar que a máxima plantiflexão no balanço foi a única variável que aumentou significativamente (p<0.01)e que nenhum ângulo do joelho apresentou diferença significativa entre o início e final da corrida. Os valores angulares (média do grupo) do tornozelo e joelho ao longo do ciclo de passada estão expressos na figura 1A e 1B respectivamente.


É possível perceber uma sobreposição dos valores desde o contato inicial até o final da fase de suporte e retirada do hálux (entre 1 e 40% do ciclo) com maior plantiflexão no balanço no final da corrida (entre 40 e 100% do ciclo). Os valores do joelho apresentam sobreposição desde o contato inicial até perto da retirada do hálux (~28% do ciclo), mantendo-se na extensão do joelho - fase de propulsão (entre 28 e 35% do ciclo), na máxima flexão na fase de balanço (entre 64 e 71% do ciclo) e durante a preparação para o próximo contato com o solo (71 a 100% do ciclo).

Os resultados dos testes de correlação entre modificações cinemáticas e o Tlim encontram-se na tabela 3.

Através dos resultados do teste de correlação da tabela 3 percebe-se que a modificação no ângulo do tornozelo no contato foi a única variável que apresentou correlação positiva significativa com o Tlim.

A Tabela 4 apresenta as variáveis que apresentaram capacidade de predição com o Tlim. Pode-se observar que o aumento do ângulo do tornozelo no contato explica 34% do desempenho no teste. Já quando utilizado em conjunto com as alterações no ângulo do joelho no contato e máxima flexão do joelho no balanço o poder preditivo não foi significativo.

DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi comparar características cinemáticas entre o início e o final da corrida na vVO2máx e investigar a relação entre modificações cinemáticas e o Tlim. Evidenciou-se que a) apenas a máxima plantiflexão no balanço aumentou significativamente e; b) o aumento no ângulo do tornozelo no contato foi relacionado ao Tlim e explicou 34% do desempenho no teste.

O aumento da máxima plantiflexão no balanço corrobora os achados de Kellis e Liassou7. De fato, os músculos dorsiflexores e flexores plantares afetam não somente a posição do pé no contato, mas também durante a retirada do hálux e no balanço4,22. Por conseguinte, já foi observado aumento na atividade do gastrocnêmio na fase de balanço com a fadiga dos flexores plantares7 o que pode explicar a maior plantiflexão no balanço, também no presente estudo. No entanto, esses achados requerem cautela, pois a diferença percentual foi pequena (7%), assim como de todas as outras variáveis do estudo. Ademais, a magnitude do efeito, que mede a diferença entre as médias em termos de unidades do desvio padrão (d=0,24), também foi considerada pequena. O uso dessa métrica é uma tentativa de substituir o conceito de significância estatística com noções mais úteis de significância prática. Dessa forma, se atrelarmos os resultados do presente estudo aos de outros autores que consideram insignificante uma diferença menor que 2 graus em ângulos do tornozelo e joelho durante a corrida8, podemos inferir que essas alterações não são relevantes.

O ângulo do tornozelo no contato inicial, suporte e retirada do hálux não sofreu alteração entre o início e final da corrida. Já Christina et al.4e Kellis e Liassou7demonstraram que a dorsiflexão no contato diminuiu após um protocolo de fadiga dos músculos dorsiflexores e flexores plantares. Um aumento na dorsiflexão durante o contato reduz a conversão de energia translacional para rotacional, pois a maioria da energia é perdida na colisão como solo. Assim, aterrissar com menor dorsiflexão pode melhorar o armazenamento e conversão de energia elástica23.

A partir dessas premissas, tem-se um referencial explicativo para o fato de a modificação no ângulo do tornozelo no contato ter sido a única variável que apresentou correlação positiva e significativa com o Tlim (r=0,64; p<0,05) e ter explicado 34% do Tlim. Infere-se, assim, que aumentar a plantiflexão na batida do pé no solo pode melhorar o desempenho no teste. De maneira similar, Bonacci et al.8 demonstraram que modificações no ângulo do tornozelo no contato explicaram 67% da variação no VO2 quando triatletas realizaram uma corrida submáxima após 45 minutos de ciclismo. De fato, a posição de plantiflexão no contato inicial pode ser mais eficiente, diminuindo o tempo de suporte, pois a energia rotacional é transferida de maneira mais efetiva23 e assim melhora a economia de corrida8. Embora no presente estudo a diferença no ângulo do tornozelo no contato entre o inicio e final da corrida não tenha sido significativa, esta foi a que apresentou maior variação percentual (7%) e maior magnitude de efeito (d=0,32).

O ângulo do joelho não apresentou diferenças significativas em nenhuma fase do ciclo, corroborando com Heyes et al15 analisando corredores sub elite na vVO2máx, mas contrariando vários estudos que investigaram os efeitos da fadiga sobre o ângulo do joelho no contato e máxima flexão do joelho no suporte em corrida submáxima1,7,24 ,nos quais os sujeitos aumentaram a flexão. A maior flexão no contato inicial reduz a chance de lesões devido à menor força de reação do solo e melhor absorção de choque18,24. Ademais, o Ciclo Alongamento Encurtamento tem o papel de melhorar a capacidade de produzir força durante a fase final (ação concêntrica). Infere-se que a corrida menos econômica está relacionada com um estilo de corrida mais complacente (menor rigidez vertical), o que pode ser representado por maior flexão do joelho e atraso na transição do alongamento para o encurtamento subsequente25. No estado de fadiga, modificações na força de reação do solo estão associadas a dificuldades em manter deslocamentos angulares constantes e a diminuição na força após o impacto é provavelmente relacionada à maior flexão do joelho26. Uma consequência deste processo seria que para manter o mesmo rendimento do ciclo alongamento encurtamento em uma dada velocidade de corrida, o sujeito deve realizar maior trabalho muscular durante a fase de propulsão, levando a um maior progresso da fadiga26. Valiant9 estimou um aumento de 25% no VO2 para cada 5º de aumento na máxima flexão do joelho no suporte, o que leva a crer que esse ângulo determina o custo metabólico associado à atenuação do choque. Neste caso, assim como ocorrido com o ângulo do joelho no contato, os sujeitos do presente estudo podem ter mantido a máxima flexão do joelho no suporte, na tentativa de não aumentar o custo metabólico nos estágios finais, mesmo com uma atenuação de choques prejudicada.

O estudo apresentou algumas limitações técnicas, como a utilização de indivíduos não corredores e sem experiência em corrida em esteira e a análise do movimento apenas no plano sagital. Neste caso, parece haver diferenças na economia de corrida em esteira rolante e pista, devido à inexperiência do corredor na esteira, o que pode ocasionar desequilíbrios e mudanças na técnica da corrida e uma possível variação na velocidade da esteira a partir do toque dos pés no tapete rolante27.

Ademais, o tornozelo possui movimentos nos três planos do movimento e sabe-se que o eixo de rotação desta articulação não é perpendicular ao plano sagital. Desta forma, é importante destacar que a medida bidimensional pode ter sido limitada, comparada a medida 3D. A pronação, dorsiflexão e abdução do pé ocorrem, respectivamente, nos planos frontal, sagital e transversal. Parece existir uma relação causal entre hiperpronação e lesões por uso excessivo, pois a pronação é necessária para atenuar as forças de impacto28. Assim, em situações de fadiga muscular, seria interessante analisar, também, o ângulo de pronação do pé para uma melhor discussão sobre os movimentos no plano sagital e relação com o desempenho no teste.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que durante a corrida na vVO2máx os sujeitos mantêm um estilo de corrida relativamente estável, pois nenhuma diferença com significância prática foi observada entre o início e final da corrida. Aumentar a plantiflexão do tornozelo no contato durante o teste pode ter algum efeito benéfico em prolongar o Tlim e assim explicar o desempenho do teste entre sujeitos não corredores.

Agradecimentos

Agradecemos a CAPES por fornecer as bolsas de estudos, primordiais para a realização da pesquisa.

Recebido em 08/02/11

Revisado em 17/01/12

Aprovado em 12/02/12

  • 1. Mizrahi J, Verbitsky O, Isakov E, Daily D. Effect of fatigue on leg kinematics and impact acceleration in long distance running. Human MovSci 2000;19(2):139-51
  • 2. Smith, CGM, Jones AM. The relationship between critical velocity, maximal lactate steady-velocity and lactate turnpoint velocity in runners. Eur J Appl Physiol 2001;85(1-2):19-26.
  • 3. Derrick TR, Dereu D, Mclean SP. Impacts and kinematic adjustments during an exhaustive run. Med Sci Sports Exerc 2002;34(6):998-1002.
  • 4. Christina KA, White SC, Gilchrist LA. Effect of localized muscle fatigue on vertical ground reaction forces and ankle joint motion during running. Hum Mov Sci 2001;20(3):257-76.
  • 5. Elliot B, Ackland T. Biomechanical effects of fatigue on 10.000 meter running technique. Res Q Exerc Sport 1981;52(2):160-6.
  • 6. Mizrahi J, Verbitsky O, Isakov E. Shock accelerations and attenuation in downhill and level running. Clin Biomech 2000;15(1)15-20.
  • 7. Kellis E, Liassou C. The effects of selective muscle fatigue on Sagittal Lower Limb Kinematics and Muscle Activity during Level Running. J Orth Sports Phys Ther 2009;39(3):210-20.
  • 8. Bonacci J, Green D, Saunders PU, Blanch P, Franettovich M, Chapman AR, et al. Change in running kinematics after cycling are related to alterations in running economy in triathletes. J Sci Med Sport 2010;13(4):460-4.
  • 9. Valiant GA. Transmission and attenuation of heelstrike accelerations. In: Biomechanics of Distance Running, P. R. Cavanagh PR, editor. Champaign, IL: Human Kinetics;1990.p.225-247,
  • 10. Bassett DRJ, Howley ET. Limiting factors for maximum oxygen uptake and determinants of endurance performance. Med Sci Sports Exerc 2000;32(1):70-84.
  • 11. Hill DW. Energy systems contributions in middle-distance running events. J Sports Sci 1999;17(6):477-83.
  • 12. Billat VL, Hill DW, Pinoteau J, Petit B, Koralsztein J. Effect of protocol on determination of velocity at VO2max and on its time to Exhaustion. Arch Physiol Biochem 1996;104(3):313-21.
  • 13. Di Prampero PE, Atchou G, Bruckner JC, Moia C. The energetics of endurance running. Eur J Appl Physiol1986;55(1):259-66.
  • 14. Ribeiro LG, Santos TM, Lima JRP, Novaes JS. Determinantes do Tempo Limite na velocidade correspondente ao VO2máx em indivíduos fisicamente ativos.vRev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2008;10(1):69-75.
  • 15. Gazeau F, Koralsztein JP, Billat V. Biomechanical Events in the Time to Exhaustion at Maximum Aerobic Speed. Arch Physiol Biochem 1997;105(6):583-90.
  • 16. Hayes PR, Bowen SJ, Davies EJ. The relationships between local muscular endurance and kinematic changes during a run to exhaustion at vVO2max. J Strength Cond Res 2004;18(4):898-903.
  • 17. Billat VL, Blondel AN, Berthoin AS. Determination of the velocity associated with the longest time to exhaustion at maximal oxygen uptake. Eur J Appl Physiol 1999;80(2):159-61.
  • 18. Tartaruga LAP, Coertjens M, Black GB, Tartaruga MP, Ribas LR, Kruel LFM. Efeitos da fadiga na cinemática de corredores.vRev Bras Biomec 2003;4(6):39-44.
  • 19. Morgan DW, Martin PE, Krahenbuhl GS, Baldini FD. Variability in running economy and mechanics among trained male runners. Med Sci Sports Exerc 1991;23(3):378-83.
  • 20. Hershler C, Milner M. Angle-angle diagrams in the assessment of locomotion. Am J Phys Med 1980;59(3):109-125.
  • 21. Hopkins WG, Marshall SW, Batterham AM, Hanin J. Progressive statistics for studies in sports medicine and exercise science. Med Sci Sports Exerc 2009;41(1):3-13.
  • 22. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. New York: Wiley, 1989.
  • 23. Lieberman DE, Venkadesan M, Werbel WA, Daoud AI, D'Andrea S, Davis IS, et al. Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. Nature 2010;463(7280):531-535.
  • 24. Derrick TR, Dereu D, Mclean, S. P. Impacts and kinematic adjustments during an exhaustive run. Med Sci Sports Exerc 2002;34(6):998-1002.
  • 25. Morin JB, Jeannin T, Chevallier B, Belli A. Spring-mass model characteristics during sprint running: correlation with performance and fatigue-induced changes. Int J Sports Med 2006;27(2):158-65.
  • 26. Horita T, Komi PV, Nicol C, Kyrolainen H. Effect of exhausting stretch-shortening cycle exercise on the time course of mechanical behaviour in the drop jump: possible role of muscle damage. Eur J Appl Physiol 1999;79(2):160-7.
  • 27. Davies CT. Effects of wind assistance and resistance of the forward motion of a runner. J Appl Physiol 1980;48(4):702-9.
  • 28. Tartaruga LAP, Tartaruga MP, Black GL, Coertjens M, Ribas LR, Kruel LF. Comparação do ângulo da articulação subtalar durante velocidades submáximas de corrida. Acta Ortop Bras 2005;13(2):57-60.
  • Endereço para correspondência
    Leonardo De Lucca
    R. Pascoal Simone, 358
    Centro de Ciências da Saúde e do Esporte
    Universidade do Estado de Santa Catarina
    Laboratório de Biomecânica
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2011
    • Aceito
      12 Fev 2012
    • Revisado
      17 Jan 2012
    Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Centro de Desportos - RBCDH, Zip postal: 88040-900 - Florianópolis, SC. Brasil, Fone/fax : (55 48) 3721-8562/(55 48) 3721-6348 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: rbcdh@contato.ufsc.br