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Validade e fidedignidade de um instrumento para avaliar as barreiras para o uso de bicicleta em adultos

Resumos

O objetivo deste estudo foi analisar a validade e fidedignidade de um instrumento para avaliar a percepção de barreiras para o uso da bicicleta no lazer e no transporte em adultos. Os itens que compuseram o instrumento foram selecionados a partir da revisão da literatura sobre o tema. A validade de conteúdo foi analisada pelo parecer consensual de especialistas da área de atividade física. A fidedignidade foi verificada por meio da consistência interna (alfa de Cronbach) e concordância (correlação intraclasse-CCI, coeficiente de Kappa e concordância relativa), em uma amostra de 66 adultos (18-79 anos), selecionados em três setores censitários de Curitiba-PR. Os dados foram analisados pelo programa SPSS versão 17.0, com nível de significância de 5%. A maior parte da amostra foi composta por mulheres (59%), com idade >40 anos (47%) e nível socioeconômico médio (68%). A frequência de utilização de bicicleta no lazer foi maior do que no transporte (15,2 vs 7,6%). A consistência interna dos itens apresentou valor de alpha Cronbach (α) significativo, tanto no lazer (α=0,77) quanto no transporte (α=0,82) e os itens da escala apresentaram concordância elevada no lazer (80,3 a 93,9%) e no transporte (76,9 a 90,8%). Os valores de Kappa foram moderados a elevados para os dois domínios (lazer: 0,41-0,82 e transporte: 0,53-0,82). O CCI dos subescores foi de 0,93 (IC95%: 0,88-0,96) e 0,89 (IC95%: 0,82-0,94) para o lazer e transporte, respectivamente. Conclui-se que o instrumento apresenta qualidade psicométrica adequada para avaliar barreiras para o uso de bicicleta em adultos.

Atividades de lazer; Ciclismo; Deslocamento; Estruturas de acesso


The purpose of this study was to analyze the validity and reliability of an instrument to assess the perception of barriers related to bicycling for leisure and transportation in adults. The items composing the instrument were selected from the literature review on the subject. Content validity was analyzed by consulting experts in physical activity field. The reliability was assessed through internal consistency (Cronbach's alpha) and agreement (intraclass correlation coefficient (ICC), kappa coefficient and relative agreement in a sample of 66 adults (18-79 years old) selected from three census tracts in Curitiba-PR. Data were analyzed using SPSS 17.0, with a significance level of 5%. Most of the sample consisted of women (60%), aged> 40 years (47%) and intermediate socioeconomic level (68%). The frequency of bicycling in leisure time was higher than for transportation means (15.2 vs 7.6%). The internal consistency (Cronbach's alpha) was significant, both in leisure time (α=0.77) and transportation (α=0.82). The agreement was higher for leisure (80.3 to 93.9%) than compared to commuting (76.9 to 90.8%). Kappa values were moderate to high (leisure: 0.41 to 0.82: commuting: 0.53 to 0.82). The ICC sub-scores were 0.93 (CI95%: 0.88 to 0.96) and 0.89 (CI95%: 0.82 to 0.94) for leisure and transport, respectively. It follows that the instrument has psychometric quality suitable for measuring the barriers to bicycle use in adults.

Bicycling; Commuting; Facilities access; Leisure activity


ARTIGO ORIGINAL

Validade e fidedignidade de um instrumento para avaliar as barreiras para o uso de bicicleta em adultos

Marilson KientekaI, II; Cassiano Ricardo RechI, II, III; Rogério César FerminoI, II; Rodrigo Siqueira ReisI, II

IPontifícia Universidade Católica do Paraná. Escola de Saúde e Biociências. Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida. Curitiba, PR. Bras

IIUniversidade Federal do Paraná. Programa de Pós Graduação em Educação Física. Curitiba, PR. Brasil

IIIUniversidade Estadual de Ponta Grossa. Departamento de Educação Física. Ponta Grossa, PR. Brasil. Bolsista Fundação Araucária

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marilson Kienteka Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR Escola de Saúde e Biociências - ESB Curso de Educação Física Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida R. Imaculada Conceição, 1155 - Prado Velho 80215-901 Curitiba, PR, Brasil E-mail: marilson_kienteka@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar a validade e fidedignidade de um instrumento para avaliar a percepção de barreiras para o uso da bicicleta no lazer e no transporte em adultos. Os itens que compuseram o instrumento foram selecionados a partir da revisão da literatura sobre o tema. A validade de conteúdo foi analisada pelo parecer consensual de especialistas da área de atividade física. A fidedignidade foi verificada por meio da consistência interna (alfa de Cronbach) e concordância (correlação intraclasse-CCI, coeficiente de Kappa e concordância relativa), em uma amostra de 66 adultos (18-79 anos), selecionados em três setores censitários de Curitiba-PR. Os dados foram analisados pelo programa SPSS versão 17.0, com nível de significância de 5%. A maior parte da amostra foi composta por mulheres (59%), com idade >40 anos (47%) e nível socioeconômico médio (68%). A frequência de utilização de bicicleta no lazer foi maior do que no transporte (15,2 vs 7,6%). A consistência interna dos itens apresentou valor de alpha Cronbach (α) significativo, tanto no lazer (α=0,77) quanto no transporte (α=0,82) e os itens da escala apresentaram concordância elevada no lazer (80,3 a 93,9%) e no transporte (76,9 a 90,8%). Os valores de Kappa foram moderados a elevados para os dois domínios (lazer: 0,41-0,82 e transporte: 0,53-0,82). O CCI dos subescores foi de 0,93 (IC95%: 0,88-0,96) e 0,89 (IC95%: 0,82-0,94) para o lazer e transporte, respectivamente. Conclui-se que o instrumento apresenta qualidade psicométrica adequada para avaliar barreiras para o uso de bicicleta em adultos.

Palavras-chave: Atividades de lazer; Ciclismo; Deslocamento; Estruturas de acesso..

INTRODUÇÃO

Estima-se que o Brasil apresenta a sexta maior frota de bicicletas do mundo, com cerca de 75 milhões de unidades, ficando atrás de países como a China, Índia, Estados Unidos, Japão e Alemanha1. Evidências apontam que a utilização de bicicleta está associada ao menor risco de mortalidade por doença cardiovascular, além da redução na morbidade em geral2.

Apesar destas evidências, poucos estudos investigaram o uso da bicicleta no lazer e como meio de transporte no Brasil3,4. Estudos de base populacional, conduzidos em Pelotas-RS, verificaram que 17% dos trabalhadores utilizam a bicicleta para ir ao trabalho5 e 13% dos adultos a utilizam no lazer4. Em contraste, o uso de bicicleta em países de renda elevada é substancialmente maior, sendo entre 22 e 32% para ir ao trabalho6,7, 41% para ir à universidade8 e 26% no lazer. Esta aparente diferença em relação ao Brasil assume um especial significado se for considerado o potencial que o deslocamento ativo, como o uso de bicicleta, tem para o aumento do nível de atividade física (AF) global3.

São diversos os aspectos, pessoais e ambientais, associados ao uso da bicicleta no lazer e no transporte, tais como maior conectividade de ciclovias, satisfação pessoal, percepção de segurança e apoio social6-9. Identificar os fatores associados ao uso de bicicleta pode contribuir para a promoção de intervenções mais eficazes voltados ao ciclismo utilitário10. Contudo, identificar os aspectos que são percebidos como obstáculos para o uso da bicicleta é uma importante questão, uma vez que estes são passíveis de mudanças. Estudos apontam que entre as barreiras mais relatadas por adultos para o uso da bicicleta, encontram-se a falta de tempo e interesse, distância até o destino, desconforto físico e pouca praticidade como modo de transporte7-9. Estudos nacionais demonstram que aspectos individuais (sexo masculino, menor escolaridade e nível socioeconômico - NSE) estão associados com uso de bicicleta no deslocamento para o trabalho4,5. No lazer, o fato de morar com companheiro(a) está associado ao uso de bicicleta4.

Apesar destas evidências, não existem estudos que tenham investigado a percepção de barreiras para o uso de bicicleta no Brasil. Embora instrumentos que pudessem identificar barreiras para a prática de AF em adultos11 e adolescentes tenham sido desenvolvidos, o mesmo não foi observado em relação ao uso de bicicleta12. A ausência de estudos sobre as barreiras para o uso de bicicleta no Brasil pode, em parte, ser explicada pela falta de instrumentos adaptados ao contexto nacional. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a validade e a fidedignidade de um instrumento para avaliar a percepção de barreiras para o uso de bicicleta em adultos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para elaboração e posterior análise da validade e fidedignidade do instrumento, foram empregadas as etapas desenvolvidas em estudo similar13, compreendendo: a) construção do instrumento (identificação de itens); b) validade de conteúdo (clareza e objetividade dos itens analisada por especialistas); c) fidedignidade por análise de consistência interna (contribuição dos itens para a composição do instrumento) e reprodutibilidade (análise da concordância em teste-reteste).

Construção do instrumento

Na área de AF, o termo "barreira" é conceitualmente definido como motivos que podem reduzir a chance ou dificultar o envolvimento de um indivíduo em alguma atividade específica14. Em relação ao uso de bicicleta, estas barreiras podem estar relacionadas com aspectos intrínsecos (características do indivíduo, motivação, etc.) e extrínsecos (falta de tempo, apoio da família, estruturas das ruas, etc.) os quais podem alterar a percepção do indivíduo sobre a sua motivação ou vontade para o uso da bicicleta15.

Para desenvolver o instrumento, foi realizada uma revisão da literatura nas bases de dados da área de saúde (PubMed, SciElo e Lilacs), sobre as barreiras para o uso da bicicleta em adultos. Foram utilizadas as combinações dos seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): "barriers", "bicycling", "commuting", "active transport", "transportation", "motor activity", "physical activity", "exercise" e "recreation" e seus correspondentes na língua portuguesa. Foram selecionados estudos que atenderam os seguintes critérios de inclusão a) serem empíricos, b) quantitativos, c) com desfechos de barreiras para o uso de bicicleta, d) com indivíduos entre 18 e 65 anos, e) indexados em periódicos publicados no idioma Português ou Inglês.

Foram identificados 11 estudos que atenderam aos critérios de busca. Em seguida, os autores categorizaram as barreiras relatadas nos estudos em três conjuntos de barreiras: individuais (demográfico-biológicos e psicológicos, cognitivos e emocionais), sociais e ambientais (ambiente físico e natural), conforme quadro 1. Os fatores do ambiente físico foram categorizados em três subgrupos: a) funcionalidade - representando itens de acesso ao uso de bicicleta e condições para deslocamento na cidade; b) segurança - representando as condições de segurança para uso da bicicleta e no trânsito; c) estética - ou aqueles elementos de atratividade para o uso da bicicleta. Em relação ao ambiente natural, a chuva e o frio foram também incluídos por representarem barreiras potenciais para o uso da bicicleta20.


Com base nos itens listados, e nos pressupostos da abordagem ecológica23, foram desenvolvidos os itens do instrumento, considerando um quadro conceitual. O quadro foi empregado para organização da base conceitual, de maneira a garantir a visualização do construto em questão (barreiras para o uso da bicicleta), e ainda, garantir que os itens do instrumento fossem representados adequadamente24.

Validade de conteúdo

Os itens foram discutidos por um grupo de especialistas compostos por dois docentes Doutores da área de AF e saúde e seis alunos de pós-graduação em Educação Física, todos pesquisadores da área de ambiente e AF. Esta etapa foi desenvolvida com o intuito de adaptar os aspectos relatados em estudos internacionais para o contexto brasileiro e auxiliou na concordância e definição entre os itens selecionados para compor o instrumento24. Por fim, os especialistas identificaram 13 barreiras para uso de bicicleta, sendo que 11 comuns ao uso no lazer e no transporte (figura 1) (anexo).


Para verificar a clareza, a adequação dos itens e a forma de aplicação do instrumento, uma versão preliminar foi aplicada em oito universitários (20-32 anos). Posteriormente, os pesquisadores reuniram-se para fazer as correções e adaptar os itens para melhor compreensão por parte dos avaliados. Para aplicação do instrumento, optou-se pela utilização de uma escala de resposta dicotômica que indica presença ("sim") ou ausência ("não") da barreira, com base em estudos anteriores25,26. O escore final do instrumento foi obtido pela soma dos itens de cada escala, gerando dois escores (lazer e transporte), que podem variar de zero (menor) a 11 (maior), indicando o número de barreiras percebidas para o uso da bicicleta.

Análise da fidedignidade

A fidedignidade foi investigada pela análise de consistência interna (Alpha de Cronbach) e estabilidade temporal (concordância entre dois testes). Com o intuito de testar o poder discriminatório do instrumento em avaliar diferentes indivíduos e garantir diferentes características de NSE (considerando a renda média dos responsáveis pelos domicílios em cada setor censitário de acordo com o IBGE) e condições ambientais para a prática de AF (utilizando-se da classificação de walkability, obtida pela presença de atributos do ambiente construído: intersecção de ruas, uso diversificado do solo e densidade comercial e populacional), foram selecionados três setores censitários da cidade de Curitiba, Paraná, de maneira intencional.

Após esta seleção, foi realizado o arrolamento de residências nos setores (n=1.043). A partir da lista de residências, com o auxílio do software Epi Info, foi gerada uma tabela de números aleatórios para o sorteio dos domicílios a serem visitados. O número de domicílios (n=120) foi estabelecido com base em um estudo similar25.

Em cada domicílio sorteado, com base no número de moradores elegíveis, foi selecionado um indivíduo de forma aleatória27. Foram considerados elegíveis indivíduos adultos (>18 anos), de ambos os sexos e residentes por, pelo menos, um ano no domicílio. Os indivíduos que não residiam no domicílio (ex: empregadas domésticas e visitantes), aqueles com alguma limitação física que impedisse a prática de AF ou aqueles com limitações cognitivas que impedissem a compreensão das questões foram excluídos do estudo. Caso o indivíduo sorteado não estivesse na residência no momento da visita ou não pudesse responder ao inquérito naquele momento, os entrevistadores foram instruídos a agendar um segundo encontro com o morador. Em caso de recusa, a residência à direita foi automaticamente selecionada. Antes de considerar uma recusa, foram realizadas três tentativas de contato com o indivíduo sorteado.

Para a coleta de dados, foi aplicada uma entrevista face-a-face, contendo questões relacionadas com barreiras para o uso de bicicleta no lazer e no transporte. Além destas questões, foram obtidas informações sociodemográficas (sexo, idade, NSE) e sobre uso da bicicleta no lazer e no transporte. O NSE foi avaliado com base no Critério de Classificação Econômica do Brasil e categorizado em três estratos: alto (A1+A2), médio (B1+B2) e baixo (C1+C2+D+E)28. A frequência de uso de bicicleta foi verificada por meio da resposta dicotômica ("sim", "não") para as seguintes questões: a) Você utiliza bicicleta no seu tempo livre? b) Você utiliza bicicleta para ir de um lugar para outro, como meio de transporte?

A coleta de dados foi conduzida em duas etapas: a) aplicação da entrevista face-a-face (n=84) para análise da consistência interna; e b) aplicação da reentrevista (n=66), entre sete e 10 dias, para análise da reprodutibilidade. Na aplicação da reentrevista, 18 indivíduos se recusaram a participar. Assim, optou-se para análise do instrumento utilizar apenas os casos com dados completos (n=66). A amostra final apresentou um poder >0,80 para as análises realizadas.

Análise dos dados

Os dados foram analisados com distribuição de frequência absoluta e relativa. A consistência interna foi analisada por meio dos escores do α Cronbach. A estabilidade temporal foi verificada pelo método do teste-reteste (intervalo entre sete e 10 dias), e testada através do coeficiente de correlação intraclasse (CCI), concordância relativa e do índice de Kappa. Foram considerados adequados os valores de α e CCI >0,70, concordância relativa >70,0% e índice de Kappa com p<0,05, como valores adequados de fidedignidade13. As análises foram realizadas no software SPSS 17.0 e o nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (protocolo nº 3034/2009) e os indivíduos participaram de maneira voluntária assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram visitados 120 domicílios, no entanto, 30% (n=36) não apresentaram indivíduos elegíveis ou se recusaram a participar do estudo. O número de participantes na primeira entrevista foi de 84 indivíduos nos três setores censitários (teste). Na aplicação da segunda entrevista (reteste), 18 indivíduos (21,4%) recusaram-se em participar. Assim, o número de participantes, na segunda etapa, foi de 66 indivíduos (78% dos elegíveis da primeira fase).

A maioria dos participantes foram mulheres (59,1%), com idade >40 anos (47%) e NSE médio (67,7%), conforme tabela 1. Aproximadamente, 15% dos participantes (IC95%: 6,5-24,0) utilizavam a bicicleta no lazer e 7% (IC95%: 1,2-14,0) na forma de transporte. O uso de bicicleta no transporte foi maior entre os homens (11,1 vs. 5,1%; p<0,05).

A análise de consistência interna (α Cronbach) demonstrou valores significativos (>0,70) para todos os itens do instrumento, tanto para o lazer (α=0,77) quanto para o transporte (α=0,82). Os itens demonstraram importância equivalente para compor o valor total da escala e foram mantidos na estrutura final (tabela 2).

Os itens da escala apresentaram concordância elevada tanto no lazer (80,3 a 93,9%) como no transporte (76,9 a 90,8%) (tabela 2). De maneira similar, os valores de concordância de Kappa foram de moderados a elevados para os dois domínios (lazer: 0,41-0,82; transporte: 0,53-0,82). Os valores de CCI dos subescores foram 0,93 (IC95%: 0,88-0,96) e 0,89 (IC95%: 0,82-0,94) para lazer e transporte, respectivamente.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo analisar a validade e a fidedignidade de um instrumento para avaliar barreiras para o uso de bicicleta no lazer e no transporte em adultos. Foram incluídos itens relacionados com fatores individuais, sociais e ambientais. Isso reforça a premissa de que o estudo de barreiras para o uso da bicicleta necessita incluir uma abordagem contextual mais ampla como, por exemplo, a abordagem socioecológica23. A revisão da literatura também apontou que aspectos individuais e ambientais estão associados com o uso da bicicleta em diferentes regiões do mundo6,16-18,20, assim, foram incluídos no instrumento itens que contemplassem esta diversidade.

Em relação à validade de conteúdo, observou-se o consenso entre os especialistas de que as barreiras devem ser analisadas de modo específico em relação ao tipo de uso da bicicleta (lazer vs. transporte). Deste modo, optou-se pela utilização de duas subescalas, compostas de 11 itens cada. Os resultados da consistência interna demonstram valores adequados. Todos os itens contribuíram de maneira significativa para explicar a variância total do instrumento. De modo geral, valores de α >0,70 são satisfatórios para análise da consistência interna13. Um estudo realizado com grupos focais, para analisar as barreiras para a prática de AF em adolescentes, verificou valores semelhantes de consistência interna (>0,85)12. Todavia, a inexistência de medidas similares em adultos dificulta a comparação com os achados no presente estudo.

Os itens incluídos como barreiras para o uso da bicicleta são sustentados por estudos que indicam que estes fatores também estão associados ao uso da bicicleta. Estudos realizados em três países da Europa6,7,9, onde existe uma maior frequência do uso da bicicleta, apontaram que os aspectos socioculturais estão relacionados a este comportamento e isso influencia diretamente as políticas públicas que estimulam sua utilização29. Por outro lado, itens que indicam comodidade (como acesso a vestiários), também são relatados como importantes facilitadores para o uso da bicicleta, especialmente, para o transporte17. Fatores climáticos também são relatados como barreiras para o uso da bicicleta, pois em países com invernos rigorosos, observa-se uma diminuição no uso da bicicleta em dias chuvosos20. A distância para o destino tem sido associado ao uso da bicicleta no Brasil21 e na Europa6. Portanto, em alguma medida é possível que os aspectos associados possam ser comuns em diferentes países e compor instrumentos aplicados ao contexto brasileiro.

De fato, esta possibilidade foi reforçada com os resultados da análise de consistência temporal (reprodutibilidade). Por exemplo, foi encontrada elevada concordância, tanto para o lazer (80%-94%) quanto para o transporte (77%-91%). Apesar desta elevada concordância, o índice Kappa foi de moderado a elevado entre os itens de lazer (k=0,41 a k=0,82) e transporte (k=0,53 a k=0,81), porém significativos (p<0,05). Mesmo considerados adequados, os valores de Kappa são similares ao relatado em outro estudo que testaram instrumentos de barreiras para a prática de AF (k=0,55 a k=0,88)11.

Este estudo apresenta uma importante contribuição para pesquisas com foco no uso da bicicleta no lazer e no transporte. Até o momento, ainda não havia na literatura um instrumento que permitisse avaliar as barreiras para o uso da bicicleta no contexto brasileiro. Ainda, o emprego de diversas estratégias e análises, garantiu que a validade e a fidedignidade fossem adequadamente avaliadas. Finalmente, o emprego de métodos rigorosos para a obtenção de dados permitiu que os vieses de resposta fossem amenizados, o que contribui para melhor qualidade do instrumento.

Apesar disso, algumas limitações devem ser consideradas para extrapolação dos resultados. A análise de clareza do instrumento em um grupo de elevado nível educacional pode ter facilitado a compreensão inicial do instrumento, resultado este que poderia ter sido distinto se o procedimento fosse conduzido em indivíduos com nível educacional inferior. O número de participantes foi reduzido o que impede estimativas precisas para o uso de bicicleta. Todavia, a amostra foi suficiente para garantir o adequado poder de análise nos testes de fidedignidade (>0,80). Os participantes são oriundos de uma única cidade, a qual apresenta características sociais distintas de outras localidades, não sendo representativa da população brasileira. Ainda, a cidade apresenta importantes características urbanas que podem afetar a percepção das barreiras para o uso de bicicleta (áreas verdes, parques, ciclovias e vias exclusivas para o transporte público). A limitada evidência sobre fatores associados ao uso de bicicleta na população brasileira, especialmente, barreiras percebidas, limita a comparação dos achados com a literatura. Por fim, a aplicação da clareza do instrumento foi realizada com uma amostra de universitários, assim sugere-se que o mesmo seja testado em outros grupos populacionais.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o instrumento apresenta adequada qualidade psicométrica e pode ser utilizado em pesquisas sobre a percepção de barreiras para o uso de bicicleta em adultos brasileiros. A aplicação deste instrumento em pesquisas para identificar fatores associados ao uso de bicicletas na população poderá auxiliar para o aumento das evidências. Essas informações são importantes para que esta forma de AF seja implementada de maneira efetiva no país o que assume grande importância na promoção de saúde e transporte sustentável. Estudos adicionais devem testar os atributos psicométricos do instrumento em diferentes grupos populacionais.

Recebido em 28/09/11

Revisado em 18/04/12

Aprovado em 14/06/12

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  • Endereço para correspondência

    Marilson Kienteka
    Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR
    Escola de Saúde e Biociências - ESB
    Curso de Educação Física
    Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida
    R. Imaculada Conceição, 1155 - Prado Velho
    80215-901 Curitiba, PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2011
    • Aceito
      14 Jun 2012
    • Revisado
      18 Abr 2012
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