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Perfil antropométrico e adiposidade abdominal de escolares entre 6 a 10 anos de idade do Sul do Brasil

Resumos

O estudo teve como objetivo avaliar a associação de medidas antropométricas com o Índice de Massa Corporal (IMC) e verificar a presença de adiposidade abdominal em escolares. Estudo transversal realizado entre 2007-2008, com 4.964 escolares de 6 a 10 anos de idade, matriculados em 345 escolas de oito municípios do Estado de Santa Catarina. As variáveis independentes utilizadas foram: dobras cutâneas subescapular (DCS) e tricipital (DCT), circunferências do braço (CBr), cintura (CC) e quadril (CQ) e relações cintura/quadril (RCQ) e cintura/estatura (RCEst). O IMC foi utilizado como variável dependente. Associações brutas e ajustadas foram estimadas mediante regressão linear e expressados como coeficiente de regressão (β). Para análise ajustada, todas as medidas antropométricas foram controladas entre si, mantendo-se no modelo aquelas com p<0,20. Classificou-se a adiposidade abdominal com a RCEst > 0.5. Os resultados mostram que o IMC médio dos meninos foi 17,4kg/m² (DP=2,8) e das meninas 17,2kg/m² (DP=2,8). As médias das medidas antropométricas para os sexos masculino e feminino foram, respectivamente: DCS=7,2 e 8,3mm; DCT=10,8 e 12,6mm; CBr=20,0 e 20,2cm; CC=60,1 e 58,5cm; CQ=71,3 e 71,9cm; RCQ=0,84 e 0,81; RCEst=0,45 e 0,44. Todas as medidas antropométricas se associaram positivamente com o IMC na análise bruta, para ambos os sexos. Na análise ajustada, nos meninos, mantiveram-se associadas: DCS (β=0,05), CBr (β=0,17), CC (β=0,19) e RCEst (β=30,5). Nas meninas, continuaram associadas a DCS (β=0,19), CBr (β=0,17), CC (β=0,13), RCQ (β=-6,2) e RCEst (β=32,1). Apresentaram adiposidade abdominal 11,9% (n=589) dos escolares, de acordo com a RCEst. Pode-se concluir que os indicadores DCS, CBr, CC e RCEst apresentaram boa relação com o IMC em escolares de ambos os sexos. Estas medidas poderiam ser utilizadas como complemento ao IMC para determinação da adiposidade corporal total e central.

Adiposidade; Antropometria; Composição corporal; Escolares; Índice de massa corporal


The aims of the present study were to assess the association of anthropometric measures with body mass index (BMI) and to verify the presence of abdominal adiposity in school children. This is a cross-sectional study conducted with 4,964 school children between 6 and 10 years of age registered in 345 schools from eight municipalities of the state of Santa Catarina (Brazil). The independent variables used were the following: subscapular (SSF) and triceps skinfold (TSF) thickness, arm circumference (AC), waist circumference (WC), hip circumference (HC), waist-to-hip ratio (WHR), and waist-to-height ratio (WHtR). BMI was used as the dependent variable. Unadjusted and adjusted associations were estimated using linear regression and expressed as a regression coefficient (β). All anthropometric measurements were controlled during adjusted analysis to remain within the p < 0.20 model. Abdominal adiposity was defined as WHtR > 0.5. The mean BMI was 17.4 kg/m² (SD = 2.8) in males and 17.2 kg/m² (SD = 2.8) in females. The mean anthropometric measurements for males and females respectively were as follows: SSF = 7.2 and 8.3mm; TSF = 10.8 and 12.6mm; AC = 20.0 and 20.2cm; WC = 60.1 and 58.5cm; HC = 71.3 and 71.9cm; WHR = 0.84 and 0.81; WHtR = 0.45 and 0.44. All anthropometric measurements were positively associated with BMI in the unadjusted analysis of both sexes. In the adjusted analysis, associations among males were as follows: SSF (β = 0.05), AC (β = 0.17), WC (β = 0.19), and WHtR (β = 30.5). Associations among females were as follows: SSF (β = 0.19), AC (β = 0.17), WC (β = 0.13), WHR (β = -6.2), and WHtR (β = 32.1). The prevalence of abdominal adiposity was 11.9%. It was concluded that the anthropometric indicators SSF, AC, WC, and WHtR had a satisfactory relationship with BMI in school children of both sexes. These measurements could be used, in addition to BMI, to determine total and central adiposity.

Adiposity; Anthropometry; Body composition; Body mass index; School children


ARTIGO ORIGINAL

Perfil antropométrico e adiposidade abdominal de escolares entre 6 a 10 anos de idade do Sul do Brasil

Gabriela Dalsasso RicardoI; Cristine Garcia GabrielII; Arlete Catarina Tittoni CorsoIII

IPrefeitura Municipal de Florianópolis. Florianópolis, SC. Brasil

IIUniversidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC. Brasil

IIIUniversidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Nutrição. Florianópolis, SC. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gabriela Dalsasso Ricardo Arlete Catarina Tittoni Corso Departamento de Nutrição Campus Universitário Trindade CEP 88040-970 - Florianópolis, SC. Brasil E-mail: gabrieladalsasso@yahoo.com.br

RESUMO

O estudo teve como objetivo avaliar a associação de medidas antropométricas com o Índice de Massa Corporal (IMC) e verificar a presença de adiposidade abdominal em escolares. Estudo transversal realizado entre 2007-2008, com 4.964 escolares de 6 a 10 anos de idade, matriculados em 345 escolas de oito municípios do Estado de Santa Catarina. As variáveis independentes utilizadas foram: dobras cutâneas subescapular (DCS) e tricipital (DCT), circunferências do braço (CBr), cintura (CC) e quadril (CQ) e relações cintura/quadril (RCQ) e cintura/estatura (RCEst). O IMC foi utilizado como variável dependente. Associações brutas e ajustadas foram estimadas mediante regressão linear e expressados como coeficiente de regressão (β). Para análise ajustada, todas as medidas antropométricas foram controladas entre si, mantendo-se no modelo aquelas com p<0,20. Classificou-se a adiposidade abdominal com a RCEst > 0.5. Os resultados mostram que o IMC médio dos meninos foi 17,4kg/m2 (DP=2,8) e das meninas 17,2kg/m2 (DP=2,8). As médias das medidas antropométricas para os sexos masculino e feminino foram, respectivamente: DCS=7,2 e 8,3mm; DCT=10,8 e 12,6mm; CBr=20,0 e 20,2cm; CC=60,1 e 58,5cm; CQ=71,3 e 71,9cm; RCQ=0,84 e 0,81; RCEst=0,45 e 0,44. Todas as medidas antropométricas se associaram positivamente com o IMC na análise bruta, para ambos os sexos. Na análise ajustada, nos meninos, mantiveram-se associadas: DCS (β=0,05), CBr (β=0,17), CC (β=0,19) e RCEst (β=30,5). Nas meninas, continuaram associadas a DCS (β=0,19), CBr (β=0,17), CC (β=0,13), RCQ (β=-6,2) e RCEst (β=32,1). Apresentaram adiposidade abdominal 11,9% (n=589) dos escolares, de acordo com a RCEst. Pode-se concluir que os indicadores DCS, CBr, CC e RCEst apresentaram boa relação com o IMC em escolares de ambos os sexos. Estas medidas poderiam ser utilizadas como complemento ao IMC para determinação da adiposidade corporal total e central.

Palavras-chave: Adiposidade; Antropometria; Composição corporal; Escolares; Índice de massa corporal.

INTRODUÇÃO

O crescimento da criança e as dimensões do corpo em todas as idades podem refletir o estado de saúde de indivíduos e populações. Desta forma, a antropometria avalia tamanho, proporções e composição do corpo humano, sendo uma das ferramentas utilizadas para se analisar o estado nutricional1.

Há uma variedade de métodos disponíveis para estimar os padrões de gordura corporal1, como hidrodensitometria, espectrometria do K40, hidrometria, método de infravermelho, bioimpedância elétrica, ressonância nuclear magnética e dual-emission X-rayabsorptiometry. Entretanto, não são muito apropriados para estudos populacionais, constituindo-se, na maioria das vezes, em métodos com alto custo e restritos a centros especializados de pesquisa. Os métodos mais utilizados nas avaliações epidemiológicas são baseados em medidas antropométricas, como espessura das dobras cutâneas, medidas de circunferências, índices como relação cintura-quadril (RCQ) e índice de massa corporal (IMC), tendo em vista a facilidade de execução e baixo custo1.

O IMC tem sido utilizado para o diagnóstico de sobrepeso e obesidade em adultos e crianças, refletindo o excesso de gordura corporal total2. Todavia, tem-se observado uma crescente preocupação com o padrão de gordura, uma vez que o tipo de depósito de distribuição de gordura relaciona-se com o prognóstico de risco para a saúde3.

A distribuição de gordura corporal diz respeito aos depósitos de tecido adiposo em diferentes regiões do corpo, podendo ser descrita por uma variedade de medidas antropométricas3, como a circunferência de braço (CB), a circunferência de cintura (CC), a relação cintura-quadril (RCQ) e a razão cintura-estatura (RCEst). A CC e a RCEst têm sido propostas para avaliar a adiposidade central, pois estariam associadas aos fatores de risco cardiovascular, independentemente da condição do peso corporal4.

Outra forma de se verificar a quantidade de gordura localizada em determinadas regiões do corpo é a análise da espessura das dobras cutâneas, considerando-se que grande quantidade da gordura corporal total encontra-se no tecido subcutâneo. Enquanto a soma de dobras cutâneas pode estimar a gordura total, a dobra cutânea específica pode mapear a distribuição de gordura subcutânea5.

Nas últimas décadas, vêm ocorrendo um aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças na idade escolar6, sendo que as medidas antropométricas são muito utilizadas para o diagnóstico destes eventos em nível de coletividades. Desta forma, observar como essas medidas se relacionam entre si pode aprofundar os estudos nessa área, gerando resultados relevantes para a área de saúde pública. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a associação de distintas medidas antropométricas com o Índice de Massa Corporal (IMC) e verificar a presença de adiposidade abdominal em escolares entre 6 a 10 anos de idade, matriculados em escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os dados analisados neste estudo são provenientes de um projeto de pesquisa intitulado "Acompanhamento da implementação da Lei de Regulamentação das Cantinas Escolares sobre os hábitos alimentares e o estado nutricional de escolares de Santa Catarina". O Estado de Santa Catarina localiza-se no centro da Região Sul do Brasil.

A coleta dos dados foi realizada entre junho de 2007 a maio de 2008, com escolares matriculados em escolas públicas e particulares, localizadas em oito municípios do Estado de Santa Catarina.

O plano de amostragem comportou duas unidades de análise de interesse: a escola e o escolar. Para compor o universo de escolas de ensino fundamental existentes em Santa Catarina, as escolas foram distribuídas em três regiões: Oeste (Oeste e Meio-Oeste), Centro (Norte, Região Serrana e Alto Vale) e Litoral (Grande Florianópolis, Litoral Norte e Sul).

Nas três regiões geográficas, as escolas localizavam-se em oito municípios de referência, classificados como aqueles com o maior número de escolares matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental: Chapecó e Joaçaba no Oeste; Blumenau, Jaraguá do Sul e Lages no Centro; Criciúma, Florianópolis e Joinville no Litoral.

De acordo com dados do Censo Escolar do Ministério da Educação, em 2006, havia 4.007 escolas de ensino fundamental no Estado de Santa Catarina, sendo uma escola federal, 3.661 escolas públicas (municipais e estaduais) e 345 escolas particulares7. Para o cálculo da amostra, foi excluída a escola federal e as escolas que declararam não possuir escolares nas séries iniciais do ensino fundamental. Para a definição final das escolas a serem investigadas, foram introduzidos outros critérios fundamentados em questões financeiro-operacionais, como a dependência administrativa da escola (pública e particular) e o número de escolares matriculados.

Desta forma, o universo de estudo foi composto por 140.878 escolares, matriculados em 569 escolas públicas e particulares dos oito municípios selecionados anteriormente, separados em seis estratos, formados pela combinação das três regiões e de duas dependências administrativas.

O número de escolas a ser investigado foi calculado de modo a garantir um erro amostral de no máximo 6 pontos percentuais, para mais ou para menos, para cada um dos seis estratos. Assim, a amostra final foi composta por 347 escolas, sendo 266 públicas e 81 particulares, incluídas também, escolas situadas em áreas urbanas e rurais.

A amostra dos escolares foi aleatória com partilha proporcional à série e ficou na dependência do número de escolares matriculados na série sorteada em cada escola e também, do retorno do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos pais ou responsáveis, totalizando 5.686 escolares autorizados em participar da pesquisa.

A equipe responsável pela coleta dos dados foi composta por nutricionistas e acadêmicos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. A equipe foi treinada com base em um protocolo de padronização dos procedimentos de coleta de dados, previamente estabelecido no sentido de minimizar os possíveis erros intra e interavaliadores. Não foi determinado o erro técnico de medição entre a equipe de coleta, mas 10% da amostra dos escolares foi medida em duplicata para o controle da qualidade das medidas antropométricas.

Dados referentes à idade e sexo dos escolares foram obtidos na secretaria das escolas e repassados para uma ficha de identificação do escolar. Os dados antropométricos de peso, estatura, circunferências e dobras cutâneas foram coletados de acordo com procedimentos descritos no Anthropometric Standardization Reference Manual de Lohman et al.8. A medida de peso foi obtida em tomada única, com uso de balança digital, da marca Marte, modelo PP 180, com capacidade para 180kg e precisão de 100g. Para a obtenção da medida de estatura foi utilizado o estadiômetro de fabricação Alturaexata, com precisão de 1mm em tomada única. As medidas de peso e estatura foram utilizadas para o cálculo do IMC.

As medidas de circunferências e as dobras cutâneas foram coletadas três vezes cada uma, de forma não consecutiva, utilizando-se a média dos valores para análise. As medidas de circunferências de braço, cintura e quadril foram verificadas por meio de fita métrica não elástica com precisão de 0,1mm. A leitura da medida da circunferência da cintura foi realizada horizontalmente, na parte mais estreita do tronco, no nível da cintura natural. O quociente entre a circunferência da cintura e do quadril possibilitou a construção da relação cintura-quadril e o quociente entre circunferência de cintura e a estatura permitiu a construção da razão cintura-estatura. Para a obtenção das medidas de dobras cutâneas do tríceps e subescapular, foi utilizado o adipômetro científico da marca Lange com precisão de 0,1mm.

Considerou-se variável dependente o índice de massa corporal (IMC). Como variáveis independentes, utilizaram-se a dobra cutânea subescapular (DCS), dobra cutânea do tríceps (DCT), circunferência de braço (CBr), circunferência de cintura (CC), circunferência de quadril (CQ), relação cintura-quadril (RCQ) e razão cintura-estatura (RCEst). Foram calculadas médias e desvio padrão das medidas antropométricas, no total e estratificadas por sexo. Associações brutas e ajustadas foram estimadas mediante regressão linear e expressados como coeficiente de regressão (β), no geral e por sexo. Para análise ajustada, todas as medidas antropométricas foram controladas entre si, mantendo-se no modelo somente aquelas com p<0,20.

A adiposidade abdominal foi considerada como valor igual ou maior a 0,50 para a razão cintura-estatura9. Por fim, foram considerados os escolares com sobrepeso e obesidade segundo os pontos de corte de IMC propostos por Cole et al.4. Utilizou-se o Programa Stata, versão 10 (Stata statistical software release 10, CollegeStation, TX Stata Corporation) para análise dos dados.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (parecer n.031/06 de 24/04/06) e acompanha as normas das Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

O número de escolas que participaram deste estudo foi 345, sendo 269 públicas e 76 particulares. Participaram 4.964 escolares, com idade entre 6 a 10 anos, matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série). Foram excluídos da amostra final, 275 escolares ausentes no dia da coleta dos dados antropométricos, 358 com idade acima dos 10 anos e 89 por inconsistência nos dados. Dentre os escolares, 47,8% eram do sexo masculino.

A Tabela 01 apresenta média e desvio padrão das dobras cutâneas, circunferências, RCQ, RCEst e IMC no total e estratificado pelo sexo dos escolares. O IMC médio dos meninos foi 17,4kg/m2 (DP=2,8) e das meninas 17,2kg/m2 (DP=2,8). Foram observados valores semelhantes dessas medidas entre os escolares.

Na Tabela 2, observou-se associação estatisticamente significante com todas as variáveis antropométricas na análise bivariada, para ambos os sexos e separada por sexo masculino e feminino. Na análise multivariada, quando considerada para ambos os sexos e por sexo, verificou-se associação estatisticamente significante entre IMC e DCS, CBr, CC, RCEst. As variáveis antropométricas que não permaneceram associadas com o IMC para ambos os sexos foram DCT, CQ, RCQ. Isso demonstra a relação que tem o IMC com a DCS, CBr, CC e RCEst nesta população.

De acordo com a RCEst, apresentaram adiposidade abdominal 11,9% (n=589) dos escolares, sendo 13,9% (n=330) do sexo masculino e 10,0% (n=259) do sexo feminino. A prevalência de sobrepeso foi de 15,4% (n=766) e de obesidade 6,0% (n=300), totalizando 21,4% (n=1066) dos escolares com excesso de peso. Considerando os sexos masculino e feminino, as prevalências de sobrepeso foram, respectivamente, 14,9% (n=354) e 15,9 % (n=412) e, de obesidade, 6,7% (n=158) e 5,5% (n=142).

DISCUSSÃO

Dentre as limitações deste estudo, coloca-se que a amostra final dos escolares dependeu do número de crianças matriculadas na turma selecio­nada na escola e do retorno do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Não foi determinado o erro técnico de medição da equipe de coleta dos dados que, embora fosse experiente, teve suas variações na execução da técnica desconhecidas. Entretanto, 10% da amos­tra dos escolares foi medida em duplicata para o controle da qualidade das medidas antropométricas, fato que minimizou esta limitação. Ressalta-se que este estudo foi realizado em oito municípios do Estado de Santa Catarina e seus dados podem ser utilizados para traçar um panorama das medidas antropométricas dos escolares, dentro do universo de crianças matriculadas nas escolas públicas e privadas deste Estado.

Em 2008, o excesso de peso (sobrepeso e obesidade) atingia 33,5% das crianças brasileiras, entre cinco a nove anos de idade, sendo que 16,6% do total de meninos eram obesos; entre as meninas, a obesidade apareceu em 11,8%. O excesso de peso foi maior na área urbana do que na rural: 37,5% e 23,9% para meninos e 33,9% e 24,6% para meninas, respectivamente6. Na infância e na adolescência, a obesidade tem sido identificada como importante fator preditivo de obesidade na idade adulta, acarretando um aumento dos riscos à saúde e das taxas de morbimortalidade10.

Vários métodos têm sido utilizados para avaliar o sobrepeso e a obesidade em crianças. Dentre eles, o IMC tem sido o método antropométrico mais utilizado por ser uma medida simples e de baixo custo, que tem apresentado concordância com indicadores de adiposidade11. A realização de estudos com o intuito de conhecer as associações de diferentes medidas e índices antropométricos com o IMC está centrada, principalmente no fato de que níveis elevados de gordura corporal associam-se com o desenvolvimento precoce de doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT), como as cardiovasculares, hipertensão, obesidade e diabetes12,13. Desta forma, a quantificação da gordura corporal com o menor erro possível torna-se essencial14, principalmente, na idade escolar com a finalidade de desenvolver programas de promoção da saúde para evitar que estas crianças tornem-se adultos com excesso de peso.

A avaliação dos índices antropométricos também pode ser utilizada para a detecção precoce e prevenção da síndrome metabólica entre crianças e adolescentes15,16. Estudo realizado com 1.194 escolares de nove anos de idade da Turquia associou índices antropométricos e a presença de alterações metabólicas. Tal estudo destacou que 20% dos escolares possuíam hipertrigliceridemia e/ou baixo HDL - colesterol; 30% eram hipertensos e 21% apresentavam excesso de peso. Dentre as variáveis DCT, IMC, CC, RCQ e RCEst, somente o IMC mostrou associação positiva com uma maior chance dos escolares terem dois ou mais fatores de risco para síndrome metabólica (OR=3,5; intervalo de confiança=1,69-7,41 para meninos e OR=4,7; IC=1,61-13,55 para as meninas)15.

No presente estudo, cinco das seis medidas/índices antropométricos investigados se mantiveram positivamente associados ao IMC nas meninas, sendo que, nos meninos mantiveram-se associados quatro dos seis medidas/índices (a relação cintura-quadril mostrou associação somente no sexo feminino). Embora o IMC permita uma avaliação bastante rápida e prática do sobrepeso e da obesidade, esse índice possui algumas limitações. Ele expressa as alterações globais que podem ocorrer no conjunto dos constituintes corporais, não identificando quais componentes orgânicos são mais afetados17 e não verifica o padrão de distribuição de gordura corporal3.

Existe uma preocupação com o padrão de gordura, uma vez que o tipo de depósito de gordura relaciona-se com o prognóstico de risco para a saúde3. A distribuição de gordura corporal pode ser descrita por uma variedade de medidas antropométricas18. Atenção especial deve ser dada à gordura localizada na região do abdômen, a qual caracteriza a obesidade central.

Medidas regionais de obesidade, dentre as quais a CC ou a RCQ, são capazes de fornecer estimativas de gordura centralizada que, por sua vez, está relacionada à quantidade de tecido adiposo visceral19. Ressalta-se que estas medidas vêm sendo muito utilizadas em estudos de base populacional como indicadores da gordura abdominal, seja pela sua associação com a ocorrência de doenças cardiovasculares ou pela alta correlação que possuem com métodos laboratoriais de avaliação da composição corporal20.

No presente estudo, a RCQ se manteve associada somente no sexo feminino, na análise ajustada. A RCQ é utilizada como indicador da quantidade de tecido adiposo depositado na região da cintura em relação à estrutura do quadril. Uma RCQ aumentada pode resultar de uma circunferência da cintura elevada e/ou de uma circunferência do quadril reduzida. Estes dois componentes da RCQ podem ser afetados por distintos fatores e em diferentes períodos do crescimento21.

Estudo realizado em Zaragoza, na Espanha, com crianças entre 6 a 14 anos de idade, apontou uma RCQ significativamente mais elevada nos obesos do que nos não obesos, indicando que o aumento da adiposidade estava acompanhando o aumento da RCQ22. Entretanto, em pesquisa realizada por Soar et al.23 foi observada correlação positiva fraca entre a RCQ e IMC em crianças entre 7 a 10 anos de idade de uma escola pública de Florianópolis/SC.

Alguns autores sugerem que crianças com alto risco cardiovascular podem ser identificadas segundo a CC18,24. Em Santa Catarina as medidas de CC e RCEst mantiveram-se associadas com IMC em ambos os sexos, na análise ajustada. Pesquisas realizadas em outros locais corroboram os resultados deste estudo.

Soar et al.23 verificaram uma correlação positiva entre IMC e CC em crianças entre 7 a 10 anos de idade, de uma escola pública de Florianópolis/SC. Em Recife, Pernambuco, foi realizado estudo transversal, incluindo 1.405 escolares de 10-14 anos de idade no qual os autores observaram que o IMC, a CC e a RCEst apresentaram uma forte correlação positiva (p<0,001)4. Sung et al.24 observaram que a CC se correlacionou mais com o IMC do que a RCEst em crianças e adolescentes chineses (r = 0,93; 0,91; r = 0,65; 0,50, para meninos e meninas, respectivamente).

Os dados deste estudo em Santa Catarina indicam que, dentre as duas dobras cutâneas investigadas, apenas a subescapular manteve associação positiva com o IMC na análise ajustada, tanto nos meninos como nas meninas. Embora tenha apresentado associação na análise bruta, a DCT não manteve o mesmo comportamento na análise ajustada.

Alguns estudos têm examinado a relação entre dobras cutâneas e o IMC11, 25, 26. Zambon et al.25 estudaram a correlação existente entre o IMC e a DCT de 4.236 crianças, em quatro pesquisas realizadas em Paulínia/SP e verificaram que a correlação entre o IMC e a DCT foi mais elevada no grupo de crianças com risco de obesidade.

Estudo realizado em Brasília, Distrito Federal, com 528 escolares na faixa etária de 6 a 10 anos, apontou correlações significativas entre o IMC e a gordura corporal (estimada pela somatória das medidas das dobras cutâneas tricipital e subescapular, tricipital e da panturrilha medial)11.

Januário et al.26 compararam a concordância entre dois indicadores de obesidade, demonstrando que o IMC, quando comparado ao percentual de gordura calculado pelas dobras cutâneas, apresentou concordância moderada para classificar crianças de ambos os sexos, em relação à obesidade, acima e dentro do critério de referência para saúde. Desta forma, observa-se que existe uma variedade de medidas antropométricas que indicam a distribuição de gordura corporal, apresentando diferentes relações entre esses indicadores.

Observando-se as prevalências de sobrepeso e obesidade em escolares de Santa Catarina, podem-se constatar valores próximos em estudos realizados na França27(14,3 e 3,8%) e Alemanha28 (15,5 e 4,3%). Pesquisa realizada, anteriormente na capital do estado, Florianópolis, indicou 15,5% de sobrepeso e 5,5% de obesidade em escolas públicas e particulares29. Esses dados ratificam que o sobrepeso e a obesidade tornaram-se um dos maiores desafios para a saúde pública.

Embora o IMC permita uma avaliação bastante rápida e prática do sobrepeso e da obesidade, esse índice possui algumas limitações, visto que expressa as alterações globais que podem ocorrer no conjunto dos constituintes corporais17, não verificando o padrão de distribuição de gordura corporal3.

Especificamente, com relação à adiposidade abdominal, um parâmetro que pode ser utilizado para sua avaliação é RCEst. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos30 e na Inglaterra9 com crianças e adolescentes sugerem que a RCEst seria o melhor preditor para risco cardiovascular, em relação a utilização do IMC isoladamente. Neste estudo, a prevalência de adiposidade abdominal foi de 11,9% (n=589). Pesquisa realizada em Recife, Pernambuco, com escolares de 10-14 anos, identificou uma prevalência de obesidade abdominal utilizando a RCEst de 12,6% (IC95%: 10,9-14,4) e de excesso de peso pelo IMC de 20,4% (IC95%: 18,3-22,6)4. Apesar dos estudos serem realizados em diferentes locais do Brasil, as prevalências foram semelhantes. Desta forma, é interessante que se utilize diferentes índices antropométricos para avaliar o estado nutricional dos escolares.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo demonstraram associação estatisticamente significante entre as medidas antropométricas de DCS, CBr, CC, RCEst com o IMC, sendo que estas medidas poderiam ser usadas como complemento do IMC para determinação da adiposidade corporal total e central. Entretanto, ressalta-se a necessidade de estudos de base populacional no Brasil que determinem pontos de corte para a utilização dessas medidas.

A prevalência de adiposidade abdominal classificada pela RCEst foi maior quando comparada com a de obesidade, utilizando-se IMC. Portanto, utilizar mais de um indicador antropométrico para avaliação do estado nutricional pode auxiliar num diagnóstico populacional mais preciso, visando futuras e adequadas intervenções.

Estes resultados apontam para a necessidade de ampliação de pesquisas para conhecer as associações de diferentes medidas e índices antropométricos com o IMC, uma vez que níveis elevados de gordura corporal associam-se com o desenvolvimento precoce de doenças crônicas não transmissíveis.

Agradecimentos

Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo nº 402334/2005-1, e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a partir da parceria estabelecida com o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar Sul (CECANE Sul) e Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar do Estado de Santa Catarina (CECANE SC).

Recebido em:15/01/12

Revisado em: 27/03/12

Aprovado em: 23/05/12

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  • Endereço para correspondência

    Gabriela Dalsasso Ricardo
    Arlete Catarina Tittoni Corso
    Departamento de Nutrição
    Campus Universitário Trindade
    CEP 88040-970 - Florianópolis, SC. Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2012
    • Aceito
      23 Maio 2012
    • Revisado
      27 Mar 2012
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