Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação específica no judô: uma revisão de métodos

Resumos

O objetivo deste estudo foi analisar os testes específicos para o judô presentes na literatura da área, destacando as variáveis obtidas a partir destes e a sua utilização como indicadores de desempenho nos combates. Para o desenvolvimento deste estudo, foram considerados artigos originais indexados no período de 1990 a 2011, utilizando as bases eletrônicas de dado Scopus®, SciELO®, ScienceDirect® (Elsevier) e PubMed®. Os unitermos empregados para a busca foram: judô, desempenho, testes de aptidão e suas combinações. Após a análise dos artigos considerados elegíveis, foram selecionados quatro testes (estudos) que atenderam a todos os critérios: a) Special Judo Fitness Test (SJFT); b) teste de endurance de Azevedo et al. (2007); c) Uchikomi Fitness Test - UFT e d) Santos Test. Todos os testes analisados apresentam a especificidade dos gestos motores do judô para a identificação das variáveis fisiológicas, entretanto, a sua utilização depende do objetivo do pesquisador. O SJFT pode ser utilizado para identificação da capacidade anaeróbia e aeróbia, além de ser capaz de induzir a uma demanda glicolítica e aeróbia semelhante às impostas pelo combate de judô. O teste de endurance de Azevedo et al. necessita de uma processo de validação com base no padrão-ouro para máxima fase estável de lactato, a fim de que possa ser uma ferramenta confiável na obtenção da capacidade aeróbia. O UFT e o Santos Test reproduzem algumas características presentes nos combates, no entanto, ainda precisam de mais estudos para serem considerados como marcadores de desempenho nos combates.

Judô; Desempenho; Testes de aptidão


The aim of this study was to analyze the judo specific tests present in the literature, including the variables obtained from these and their use as performance markers in judo matches. To develop of this study we considered original articles indexed from 1990 to 2011, using electronic data bases Scopus®, SciELO®, ScienceDirect® (Elsevier) and PubMed®. The keywords used for research were: judo, performance, aptitude tests and their combinations. After analyzing the articles deemed eligible, we elected four tests (studies) that considered all criteria: a) Special Judo Fitness Test (SJFT), b) endurance test of Azevedo et al. (2007), c) Uchikomi Fitness Test - UFT and d) Santos Test. All tests have the judo motor skills for the identification of physiological variables, however, its use depends of the researcher's purpose. The SJFT can be used for the identification of anaerobic and aerobic capacity as well as being able to induce glycolytic and aerobic demand similar in the judo match. The Azevedo et al. endurance test needs a validation process based in the gold-standard to maximal lactate steady state to be a reliable tool in the obtain the aerobic capacity. The UFT and the Santos Test reproduce some judo match characteristics, but still need more original studies to be considered as performance markers.

Aptitude tests; Judo; Performance


ARTIGO DE REVISÃO

Avaliação específica no judô: uma revisão de métodos

Daniele Detanico; Saray Giovana dos Santos

Universidade Federal de Santa Catarina. Laboratório de Biomecânica. Florianópolis, SC. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Daniele Detanico Laboratório de Biomecânica, Bloco V Centro de Desportos Universidade Federal de Santa Catarina CEP 88040-900, Florianópolis-SC, Brasil E-mail: danieledetanico@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar os testes específicos para o judô presentes na literatura da área, destacando as variáveis obtidas a partir destes e a sua utilização como indicadores de desempenho nos combates. Para o desenvolvimento deste estudo, foram considerados artigos originais indexados no período de 1990 a 2011, utilizando as bases eletrônicas de dado Scopus®, SciELO®, ScienceDirect® (Elsevier) e PubMed®. Os unitermos empregados para a busca foram: judô, desempenho, testes de aptidão e suas combinações. Após a análise dos artigos considerados elegíveis, foram selecionados quatro testes (estudos) que atenderam a todos os critérios: a) Special Judo Fitness Test (SJFT); b) teste de endurance de Azevedo et al. (2007); c) Uchikomi Fitness Test - UFT e d) Santos Test. Todos os testes analisados apresentam a especificidade dos gestos motores do judô para a identificação das variáveis fisiológicas, entretanto, a sua utilização depende do objetivo do pesquisador. O SJFT pode ser utilizado para identificação da capacidade anaeróbia e aeróbia, além de ser capaz de induzir a uma demanda glicolítica e aeróbia semelhante às impostas pelo combate de judô. O teste de endurance de Azevedo et al. necessita de uma processo de validação com base no padrão-ouro para máxima fase estável de lactato, a fim de que possa ser uma ferramenta confiável na obtenção da capacidade aeróbia. O UFT e o Santos Test reproduzem algumas características presentes nos combates, no entanto, ainda precisam de mais estudos para serem considerados como marcadores de desempenho nos combates.

Palavras-chave: Judô; Desempenho; Testes de aptidão.

INTRODUÇÃO

O judô é uma das modalidades esportivas acíclicas cuja explicação da performance é uma tarefa complexa, pois a mesma somente pode ser determinada por uma combinação de diversas capacidades físicas, além de aspectos técnicos, táticos e psicológicos1-3. Em relação à condição física, considerando que uma luta pode durar alguns segundos ou até oito minutos (5 min de luta + 3 min de golden score), torna-se difícil a descrição de um único modelo fisiológico que quantifique a demanda do esforço4. Em função disso, não existe um consenso na literatura em relação a um indicador que possa ser utilizado como preditor de performance e variável de controle do treinamento.

Analisando os aspectos temporais de um combate de judô, pode-se apontar algumas características comuns a maioria destes que podem contribuir para a explicação e utilização de algum marcador de performance. Hernádez-García et al.5 analisaram parâmetros temporais de acordo com as novas regras do judô e verificaram que o número e a duração das pausas diminuíram e a duração do trabalho total na luta aumentou em comparação às regras antigas. Essas características tornaram uma luta de judô ainda mais intensa, na qual algumas capacidades físicas passam a ser de extrema importância para o desempenho, como a aptidão aeróbia e anaeróbia.

Diversos estudos recentes5-9 têm mostrando que o metabolismo anaeróbio lático tem sido bastante solicitado durante as simulações de lutas, devido às altas concentrações de lactato sanguíneo encontradas após o combate (entre 8 e 14 mmol.L-1), embora nesses estudos não tenham sido computadas as contribuições dos demais sistemas energéticos. Em contrapartida, a capacidade e a potência aeróbia são consideradas importantes, visto que foram relacionadas à maior remoção de lactato sanguíneo pós-luta1,10 e ao aumento do número de arremessos (projeções) em teste específico1. Além disso, Gariod et al.11 verificaram que os judocas mais treinados aerobiamente apresentaram maior ressíntese de fosfocreatina, o que poderia gerar maior recuperação nos intervalos durante a luta. A capacidade aeróbia pode ser considerada determinante no desempenho em esportes intermitentes, devido a sua atuação na recuperação entre os estímulos de alta intensidade, como verificada também em estudos prévios12-14.

Além da solicitação energética, a performance no judô pode ser atribuída a fatores neuromusculares. Durante a luta, ocorrem constantes mudanças dinâmicas devido a movimentação dos atletas, na qual o judoca requer uma combinação de força e endurance durante a pegada para controlar a distância entre ele e o oponente15. Além disso, nas ações de ataque, são necessários elevados níveis de potência muscular de membros inferiores6,16, principalmente, na aplicação de algumas técnicas de projeção específicas.

Considerando esses aspectos, alguns testes específicos que analisam a demanda fisiológica e neuromuscular nos combates do judô têm sido desenvolvidos, com o intuito de identificar métodos eficientes de avaliação e, a partir disso, aperfeiçoar os métodos de treinamento físico. Apesar de amplamente difundido mundialmente, há uma carência de testes específicos para o judô e dentre os já desenvolvidos ainda existem muitas dúvidas em relação às variáveis mensuradas em cada teste e o que elas realmente representam na performance dos atletas. Ainda, as variáveis obtidas nesses testes podem ser consideradas indicadores de desempenho na luta? Será que estas podem ser utilizadas como controle dos efeitos de treinamento?

Tentando responder as estas questões, este estudo objetivou analisar os testes específicos para o judô presentes na literatura da área, destacando as variáveis obtidas a partir destes e a sua utilização como indicadores de desempenho nos combates.

Para o desenvolvimento do presente estudo, foram analisados artigos originais que tratassem de forma clara e objetiva o assunto. Realizou-se uma revisão a partir de artigos indexados no período de 1990 a 2011, utilizando quatro bases eletrônicas de dados: Scopus®, SciELO®, ScienceDirect® (Elsevier) e PubMed®. Os unitermos empregados para a busca dos artigos, de acordo com os descritores em ciências da saúde (DeCS), foram: judo, performance, aptitude tests. Recorreu-se ao operador "AND" para combinação dos descritores e termos utilizados para rastreamento das publicações.

A busca nas bases eletrônicas de dados foi realizada no mês de outubro de 2011. Após a primeira análise, com avaliação dos títulos, 36 artigos foram considerados elegíveis para a segunda fase desta revisão, que consistiu na leitura dos resumos. Após avaliação dos resumos quanto à relevância ao objetivo deste estudo, as referências que preenchiam os critérios de inclusão foram lidas na íntegra. Ao final, quatro estudos atenderam a todos os critérios para inclusão. Para definir quais desses fariam parte da revisão, adotaram-se alguns critérios: a) o estudo ser original; b) apresentar testes específicos para o judô que apresentem índices de validade; c) ter sido publicado no período de 1990 a 2011; d) citar em seu título ou em seu resumo algum dos descritores (unitermos). Foram excluídos os resumos em eventos científicos.

Testes específicos para o judô

Os quatro testes selecionados para análise foram: a) Special Judo Fitness Test (SJFT) proposto por Sterkowicz17, b) teste de endurance de Azevedo et al.4; c) Uchikomi Fitness Test (UFT) desenvolvido por Almansba et al.18 e; d) Santos Test desenvolvido por Santos et al.3

Special Judo Fitness Test

O Special Judo Fitness Test (SJFT) foi desenvolvido por Sterkowicz17 e descrito por Franchini et al.19. Desde então, vem sendo utilizado em diversas investigações no judô1,20-25. O SJFT consiste em um teste no qual o judoca deve projetar (arremessar) os seus oponentes o mais rápido possível. É dividido em três períodos: 15, 30 e 30 s com intervalos de 10 s entre os mesmos. Durante cada um dos períodos, o executante arremessa dois parceiros (distantes seis metros) o maior número de vezes possível, utilizando a técnica de projeção Ipon-seoi-nage. Imediatamente e um minuto após o final do teste, é verificada a frequência cardíaca (FC) do atleta. O número de arremessos é computado e juntamente com os valores de FC é calculado um índice pela equação:

Quanto melhor o desempenho no teste, menor o valor do índice. O desempenho no teste pode ser melhorado por meio do aumento do número de arremessos durante os períodos, o que representa melhora da velocidade, capacidade anaeróbia e/ou eficiência na execução do golpe; menor FC ao final do teste, o que representa melhor eficiência cardiovascular para um mesmo esforço (igual número de arremessos); menor FC um minuto após o teste, ou seja, melhor recuperação, o que representa melhoria da capacidade aeróbia; ou combinação de dois ou mais itens supracitados25.

É importante destacar que o SJFT apresenta maior especificidade de movimentos, mas menor possibilidade de mensuração do desempenho físico em relação a outros testes menos específicos, porém mais precisos25. Mesmo assim, conforme o estudo de validação do SJFT26, o índice do teste obteve correlação com índices de aptidão aeróbia e anaeróbia. Foram observadas correlações do índice com o consumo máximo de oxigênio - VO2max (r = 0,73), com o tempo de corrida na esteira (r = 0,84) e com a velocidade do limiar anaeróbio - vLAn (r = 0,66). Na aptidão anaeróbia, o índice correlacionou-se com o trabalho relativo total no teste de Wingate (r = 0,71). O número de arremessos apresentou correlação significativa com o trabalho total relativo no teste de Wingate (r = 0,71), índice de fadiga (r = -0,52), tempo de corrida na esteira (r = 0,60) e com a vLAn (r = 0,67). A FC mensurada 1 min após o teste correlacionou-se com o tempo de corrida na esteira (r = -0,69), com a distância de corrida (r = -0,69) e com o VO2max (r = -0,63).

O SJFT possui normas de classificação quanto às variáveis mensuradas no teste (FC após o teste, FC 1 min após o teste, número de arremessos e índice), conforme descrito por Franchini et al.23 (Tabela 1). Os critérios de classificação são: muito baixo; baixo; regular; bom; excelente.

Teste de endurance de Azevedo et al.4

Azevedo et al.4 propuseram um teste de endurance específico para judocas, com base no movimento do uchi-komi (entrada de técnicas sem projeção) e em uma adaptação do teste de lactato mínimo proposto por Tegtbur et al.27. O teste consiste em um incremento de carga, no qual os atletas devem executar 8 séries de 1 minuto de uchi-komi da técnica de projeção Ipon-seoi-nage com intensidades correspondentes a 8 s, 7 s, 6 s, 5 s, 4 s, 3 s, 2 s e 1 s para cada entrada. A intensidade é controlada por estímulos sonoros. Entre cada estágio são coletados 25 µL de amostra sanguínea do lóbulo da orelha para a análise das concentrações de lactato sanguíneo. O objetivo do teste é avaliar a capacidade aeróbia dos judocas por meio da menor concentração de lactato sanguíneo (lactato mínimo).

Com base nos resultados do estudo de Azevedo et al.4, não foram encontradas diferenças significativas entre as concentrações de lactato no limiar de lactato mínimo (teste de Tegtbur et al.27) e no teste do uchi-komi e nem entre a FC nos limiares de lactato mínimo em ambos os testes.

Uchikomi Fitness Test (UFT)

Almansba et al.18 desenvolveram o UFT com o objetivo de avaliar o esforço dos atletas durante os combates de judô em termos qualitativos (conformidade com as várias fases observadas nos combate) e quantitativo (relação esforço-pausa), fornecendo informações sobre a aptidão específica do judoca.

Durante o teste, o judoca deve completar seis níveis de uchi-komi e tração no judogi preso a uma barra fixa. A duração do uchi-komi é fixa em 20 s e a tração varia de 6-18 aumentando 3 s com intervalos que variam de 4-12 s, aumentando 2 s por nível. Durante a sequência do esforço, o judoca deve realizá-lo na máxima intensidade possível mantendo a técnica correta do movimento. As sequências de trabalho são as seguintes (Figura 1): a) fase isométrica de membros superiores (pegada): o judoca atacante (tori) deve permanecer suspenso a um judogi (vestimenta utilizada no judô) preso em uma barra fixa com os cotovelos flexionados; b) fase dinâmica e de explosão: o judoca desce da barra fixa e começa a efetuar uchi-komi em dois judocas oponentes (uke) separados por 2 m de distância, utilizando duas técnicas de projeção Ipon-seoi-nage (técnica de braço) e Sode-tsuri-komi-goshi (técnica de quadril) durante 20 s. O controle da intensidade é feito por sinais sonoros. O total de uchi-komi é computado e a FC do atleta é monitorada durante o teste.


Com relação à validade do teste, foi encontrada correlação significativa entre a potência muscular obtida no teste de salto vertical (Sargent test) e o número de uchi-komi no teste do judô (r = 0,52). Outra correlação encontrada foi do número de uchi-komi com a potência e capacidade anaeróbia obtida no Australian shuttle test (r = 0,86; r = 0,88, respectivamente). A forte correlação entre a FC durante o teste do judô e a FCmax obtida em teste progressivo (r = 0,88) mostram que o teste proposto cumpre os critérios de teste máximo.

Em outro estudo28 foi realizada a reprodutibilidade do UFT, sendo comparadas as seguintes variáveis: número total de uchi-komi, o somatório do número de uchi-komi nas duas melhores séries do teste, a FCmax (absoluta e relativa) e a FC média. O teste foi realizado três vezes pelos mesmos atletas, com intervalos de 48 h entre os testes e não foi observada diferença significativa em nenhuma das variáveis. O índice de correlação intraclasse (ICC) ficou entre 0,88-0,99 nas variáveis investigadas, considerado com alta reprodutibilidade.

Santos Test

Santos et al.3 propuseram um teste que utiliza ações e condições específicas de um combate de judô a fim de determinar a zona de transição aeróbia-anaeróbia. Para iniciar o teste, dois judocas da mesma categoria de peso devem estar dispostos frente a frente. O teste é constituído de duas fases: uma ativa e uma passiva. A fase ativa é realizada com três séries, nas quais o atleta utiliza sua(s) técnica(s) de preferência (utilizadas em competição). Na primeira, o judoca levanta seu oponente do solo, na segunda, ele desequilibra o oponente completamente e na terceira, ele escolhe se prefere levantar o oponente do solo ou desequilibrá-lo totalmente. Cada série é realizada em 40 s, sendo que a primeira começa com sete repetições e vai aumentando uma repetição a cada série até a exaustão (aumento progressivo de esforço). Se o atleta não conseguir levantar seu oponente do solo, colocá-lo em desequilíbrio e/ou completar cada série em 40 s terá seu teste finalizado. Na fase passiva, os dois judocas realizam uma movimentação no tatame com a pegada no judogi durante 15 s, representando os movimentos que ocorrem durante o combate. A razão para o teste ser dividido em fase ativa e passiva ocorre em função da intermitência observada dos combates de judô. Neste teste, a proporção de esforço-pausa é dada em 40-15 s, respectivamente.

Para a validação do teste, foi utilizado como referência variáveis obtidas em teste incremental em esteira rolante. No Santos Test, foram mensurados o consumo de oxigênio (VO2) e a FC durante todo o teste, além de coletadas amostras sanguíneas antes do teste, na intensidade relativa ao limiar ventilatório (identificado em tempo real no analisador de gases) e 5 min após o final do teste, a fim de obter as concentrações de lactato sanguíneo. Não foram encontradas diferenças significativas nas variáveis FCmax, FC no limiar anaeróbio, VO2max e lactato máximo entre o Santos Test e o teste incremental em esteira rolante. Com relação à reprodutibilidade, não foram encontradas diferenças significativas em nenhuma das variáveis (FCmax, FC no limiar anaeróbio, VO2max e lactato máximo) entre as duas avaliações do teste separadas por 7 dias de intervalo.

O objetivo do Santos Test é identificar a zona de transição aeróbia-anaeróbia, considerado parâmetro chave para a melhoria da capacidade aeróbia3. No teste, a fase inicial dessa zona pode ser obtida por meio da medida da FC no momento em que a curva "FC x intensidade" perde a linearidade, seguindo os critérios de Conconi et al.29. Nessa fase, ocorre um aumento acelerado nas concentrações de lactato sanguíneo, indicando um limite superior entre a produção e a remoção de lactato sanguíneo30. Outros parâmetros também podem ser identificados no teste, como a FC no final do teste (correspondente a potência aeróbia) e o número de repetições realizado pelos atletas na fase ativa.

DISCUSSÃO

A partir da análise dos testes, verificou-se que os mesmos utilizam a especificidade dos movimentos do judô na identificação das variáveis intervenientes no desempenho, como uchi-komi, arremessos, deslocamentos, pegada no judogi, entre outros. No entanto, alguns testes reproduzem apenas ações de treinamento enquanto outros também utilizam ações e características envolvidas nos combates.

O SJFT, por ser um dos testes mais utilizados para avaliações no judô, apresenta maiores informações a respeito de suas variáveis mensuradas. Com relação ao custo energético envolvido no teste, Franchini et al.31 observaram maior participação anaeróbia alática (42,3%), seguida pela contribuição anaeróbia lática (29,5%) e oxidativa (28,2%), sendo estes dois últimos sem diferença estatística. A maior participação alática, de acordo com os autores, parece ser uma consequência dos esforços de alta intensidade realizados durante o teste e de sua natureza intermitente, características estas também relatadas em estudos prévios envolvendo exercícios intermitentes11-14. Ao analisar as concentrações de lactato sanguíneo pós-SJFT e o consumo de oxigênio durante o teste, foi verificado similaridade destas variáveis com as obtidas durante os combates31. Isso aponta que o SJFT é capaz de induzir demanda glicolítica e oxidativa semelhante às impostas pelo combate de judô.

Quando analisadas as varáveis obtidas no SJFT, reportaram-se correlações significativas da variável número de arremessos com índices de capacidade anaeróbia26, potência e capacidade aeróbia1,16,26 e potência muscular1. Essa variável também tem sido associada a situações específicas da modalidade, como com o número de ataques durante uma luta21, além de ser capaz de diferenciar judocas de diferentes níveis competitivos22. A FC obtida 1 minuto após o SJFT apresenta correlação significativa com indicadores de potência aeróbia26, porém parece não relacionar-se com índices de capacidade aeróbia (vLAn e remoção de lactato sanguíneo pós-luta)1. Contudo, devem ser tomados cuidados especiais ao utilizar a FC de recuperação como indicador de capacidade aeróbia. Segundo Achten e Jeukendrup32, a diminuição da FC na fase rápida de recuperação (1 min) parece não ser determinada pela aptidão aeróbia, mas, sobretudo, por mecanismos neurais relacionados à atividade do córtex motor.

Ainda, é importante ressaltar que o SJFT apresenta algumas limitações quanto à solicitação neuromuscular que ocorre durante um combate. Na luta o judoca solicita predominantemente os membros superiores em comparação aos inferiores31, por depender da "pegada" no judogi para aplicar qualquer técnica de projeção, além das imobilizações no solo. Por sua vez, no SJFT há predominância neuromuscular nos membros inferiores, tendo em vista que o judoca deve se deslocar o mais rapidamente possível até o outro oponente para projetá-lo (distância de 6 m entre os oponentes). Assim, em alguns casos, o atleta pode finalizar o teste com acentuada fadiga periférica nos membros inferiores, diferentemente do que acontece nos combates, no qual os músculos dos membros superiores são os mais solicitados.

O teste de endurance de Azevedo et al.4, adaptado do teste lactato mínimo de Tegtbur et al.27, utiliza incrementos de carga que são as entradas de técnica (uchi-komi) para a obtenção da capacidade aeróbia. A utilização das respostas do lactato sanguíneo ao exercício em protocolos incrementais é amplamente utilizada por ser sensível ao treinamento e servir como preditor da performance aeróbia1,10,12,26. No entanto, algumas limitações devem ser apontadas neste teste, como o fato do mesmo não ser validado com o padrão-ouro para determinação da máxima fase estável de lactato. Outros métodos como o do lactato mínimo e o limiar anaeróbio apresentam maior variabilidade dos valores individuais de lactato, os quais podem não representar com precisão a maior intensidade entre a produção e remoção de lactato sanguíneo33. Outro fator que deve ser considerado na validação do teste de Azevedo et al.4 é o número amostral reduzido (seis judocas), pois segundo Hopkins et al.34, amostras pequenas diminuem o poder dos testes estatísticos, pois aumentam os erros típicos. Nesse sentido, há necessidade de estudos futuros para que o teste seja utilizado como uma ferramenta confiável na obtenção da capacidade aeróbia por meio de ações específicas da modalidade.

O UFT reproduz a intermitência, a elevada intensidade e a sequência das ações que são realizadas nos combates (fase de pegada e entrada de técnica de projeção). Desse modo, o UFT parece ser uma boa alternativa para a obtenção de um marcador de desempenho no judô, pois está associado tanto com o esforço neuromuscular quanto a adaptações cardiorrespiratórias28. Contudo, faz-se necessário investigar se o custo energético do UFT é semelhante a dos combates de judô e, ainda, se há relação do desempenho no teste com o número de entradas nas lutas em competições ou com o percentual de vitórias nas mesmas. Convém ressaltar que o UFT não tem a intenção de mensurar capacidades físicas intervenientes, mas, sobretudo, de mensurar a condição física dos atletas em condições semelhantes àquelas de um combate real. Um aspecto que deve ser destacado é o pequeno número amostral (sete judocas) utilizado no estudo da reprodutibilidade do UFT28, o que diminui o poder dos testes inferenciais34. Assim, novo estudo com amostra superior seria importante para testar a reprodutibilidade do UFT.

Em relação ao Santos Test, o mesmo utiliza uma sequência progressiva de cargas a fim de identificar o início da zona de transição aeróbia-anaeróbia. As ações realizadas no teste consistem em tirar o oponente do solo e/ou desequilibrá-lo utilizando uma técnica de sua preferência (a mesma utilizada em competição). Esta etapa é chamada fase ativa, no entanto, o teste também tem uma fase passiva que consiste em movimentação no tatame com a pegada no judogi. Essa característica de esforço-pausa tem sido observada nos combates de judô. Nas lutas masculinas, alguns estudos5,35,36 encontraram períodos de 22-24 s de esforço considerando a luta em pé e 5-7 s de pausa. Castarlenas e Planas37 observaram valores maiores de 35 s de esforço e 12 s de pausa. No Santos Test é utilizada uma relação de 40-15 s, um pouco superior aos estudos citados.

A partir de tarefas específicas, como o número de repetições no teste obtidas no Santos Test, é possível prescrever exercícios na intensidade do limiar anaeróbio ou na potência aeróbia, utilizando variáveis simples como a FC e concentrações de lactato sanguíneo. Inicialmente, o teste foi designado para avaliação de atletas de alto nível3, porém tem sido verificado que este pode ser utilizado em qualquer nível competitivo38.

Apesar do Santos Test apresentar características presentes nos combates de judô, como a intermitência e a relação esforço-pausa, são necessários estudos que verifiquem se o custo energético do envolvido no mesmo é semelhante ao do combate de judô. Além disso, é importante identificar se existe relação do número de repetições no teste com o número de entradas nas lutas em competições ou com o percentual de vitórias nas mesmas. Um ponto negativo do Santos Test é que os autores não apresentam procedimentos totalmente claros, o que pode dificultar a reprodução do teste por outros pesquisadores, como por exemplo, a dificuldade de compreensão quanto ao que é realizado durante a fase passiva (movimentação pelo tatame). Além disso, os índices apresentados nos dois artigos de validação3,38 geram certas dúvidas em relação às capacidades que se deseja avaliar.

Por fim, apesar dos pesquisadores e treinadores buscarem testes específicos de cada modalidade a fim de aumentar a validade ecológica, é importante ressaltar que quanto maior a especificidade do teste, maior a dificuldade em quantificar o esforço realizado ou determinar a capacidade física envolvida. No judô, por exemplo, a maior especificidade está relacionada com situações semelhantes a da luta, mas neste caso, menor é a possibilidade de mensuração do desempenho físico, ou seja, este é inferido por meio de tarefas específicas da modalidade, como número de arremessos, número de uchi-komi, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os testes analisados apresentam a especificidade dos gestos motores do judô para a identificação das variáveis fisiológicas, entretanto, a sua utilização depende do objetivo do pesquisador. O SJFT pode ser utilizado para identificação da capacidade anaeróbia e aeróbia, porém é preciso ter alguns cuidados na utilização da FC de recuperação para inferir a capacidade aeróbia. Além disso, o SJFT parece capaz de induzir demanda glicolítica e aeróbia semelhante às impostas pelo combate de judô, sendo uma ferramenta importante na avaliação do desempenho específico do atleta. Em relação ao teste de endurance de Azevedo et al., para que seja uma ferramenta confiável na obtenção da capacidade aeróbia, é necessário que o mesmo seja validado com base no padrão-ouro para máxima fase estável de lactato. O UFT e o Santos Test reproduzem algumas características presentes nos combates como a intermitência, a elevada intensidade e as ações realizadas nos combates, no entanto ainda precisam de mais estudos para serem considerados como marcadores de desempenho específico.

Todos os testes analisados podem ser utilizados para avaliar atletas de judô e verificar efeitos de treinamento, no entanto, certa cautela deve ser adotada na interpretação dos resultados, visto que os mesmos são marcadores indiretos do esforço físico, o que pode dificultar a identificação das capacidades físicas envolvidas e sua planificação no treinamento. Enfim, mais estudos originais precisam ser realizados para testar as metodologias já existentes, verificando possíveis associações com índices fisiológicos e/ou com situações de luta competitiva, além de desenvolver novos protocolos de avaliação para o judô.

Recebido em: 28/11/11

Revisado em: 09/01/12

Aprovado em: 27/03/12

  • 1. Detanico D, Dal Pupo J, Franchini E, Santos SG. Relationship of aerobic and neuromuscular indexes with specific actions in judo. Sci Sports 2012;27(1):16-22.
  • 2. Little NG. Physical performance attributes of Junior and Senior women, Juvenile, Junior and Senior men judokas. J Sports Med Phys Fitness 1991;31(4):510-20.
  • 3. Santos L, González V, Iscar M, Brime JI, Fernandez-Rio J, Egocheaga J et al. A new individual and specific test to determine the aerobic-anaerobic transition zone (Santos Test) in competitive judokas. J Strenght Cond Res 2010;24(9):2419-28.
  • 4. Azevedo PHSM, Drigo AJ, Carvalho MCGA, Oliveira JC, Nunes JED, Baldissera V, et al. Determination of judo endurance performance using the uchi-komi technique and an adapted lactate minimum test. J Sports Sci Med 2007;6(2):10-14.
  • 5. Hernández-García R, Torres-Luque G, Villaverde-Gutierrez C. Physiological requirements of judo combat. Int Sport Med J 2009;10(3):145-51.
  • 6. Bonitch-Domínguez J, Bonitch-Góngora J, Padial P, Feriche B. Changes in peak leg power induced by successive judo bouts and their relationship to lactate production. J Sports Sci 2010; 28(14):1527-34.
  • 7. Franchini E, Bertuzzi RCM, Takito MY, Kiss MAPDM. Effects of recovery type after a judo match on blood lactate and performance in specific and non-specific judo tasks. Eur J Appl Physiol 2009;107(4):377-83.
  • 8. Lech G, Palka T, Sterkowicz S, Tyka A, Krawczyk R. Effect of physical capacity on the course of fight and level of sports performance in cadet judokas. Arch Budo 2010;6(3):123-8.
  • 9. Lech G, Tyka A, Palka T, Krawczyk R. Effect of physical endurance on fighting and the level of sports performance in junior judokas. Arch Budo 2010;6(1):1-6.
  • 10. Franchini E, Takito MY, Nakamura FY, Matsushigue KA, Kiss MAPDM. Effects of recovery type after a judo combat on blood lactate removal and on performance in an intermittent anaerobic task. J Sports Med Phys Fitness 2003;43(4):424-31.
  • 11. Gariod L, Favre-Juvin A, Novel V, Reutenaueti H, Majeans H, Rossi A. Évaluation du profil énergétique des judokas par spectroscopie RMN du P31. Sci Sports 1995;10(4):201-207.
  • 12. Bishop D, Edge J, Goodman C. Muscle buffer capacity and aerobic fitness are associated with repeated-sprint ability in women. Eur J Appl Physiol 2004;92(4):540-7.
  • 13. Bogdanis GC, Nevill ME, Boobis LH. Contribution of phosphocreatine and aerobic metabolism to energy supply during repeated sprint exercise. J Appl Physiol 1996;80(3):876-84.
  • 14. Gaitanos GC, Williams C, Boobis LH, Brooks S. Human muscle metabolism during intermittent maximal exercise. J Appl Physiol 1993;75(2):712-9.
  • 15. Franchini E, Miarka B, Matheus L, Del Vecchio FB. Endurance in judogi grip strength tests: comparison between elite and non-elite judo players. Arch Budo 2011;7(1):1-4.
  • 16. Franchini E, Del Vecchio FB, Matsushigue KA, Artioli GG. Physiological profiles of elite judo athletes. Sports Med 2011; 41(2):147-166.
  • 17. Sterkowicz S. Test specjalnej sprawnoci ruchowej w judo. Antropomotoryka 1995;12(13):29-44.
  • 18. Almansba A, Franchini E, Sterkowicz S. Uchi-komi avec charge, une approche physiologique d'un nouveau test spécifique au judô. Sci Sports 2007;22(5):216-23.
  • 19. Franchini E, Nakamura FY, Takito MY, Kiss MAPDM, Sterkowicz S. Specific fitness test developed in Brazilian judoists. Biol Sport 1998;5(3):165-70.
  • 20. Franchini E, Nunes AV, Moraes JM, Del Vecchio FB. Physical fitness and anthropometrical profile of the Brazilian male judo team. J Physiol Anthrop 2007;26(2):59-67.
  • 21. Franchini E, Takito MY, Bertuzzi RCM. Morphological, physiological and technical variables in high-level college judoists. Arch Budo 2005;1(2):1-7.
  • 22. Franchini E, Takito MY, Kiss MAPDM, Sterkowicz S. Physical fitness and anthropometrical differences between elite and non-elite judo players. Biol Sport 2005;22(4):315-328.
  • 23. Franchini E, Del Vecchio FB, Sterkowicz S. A special judo fitness test classificatory table. Arch Budo 2009;5(1):127-9.
  • 24. Miarka B, Del Vecchio FB, Franchini E. Acute effects and postactivation potentiation in the special judo fitness test. J Strenght Cond Res 2011;25(2):427-31.
  • 25. Franchini E, Matsushigue KA, Kiss MAPDM, Sterkowicz S. Estudo de caso das mudanças fisiológicas e de desempenho de judocas do sexo feminino em preparação para os Jogos Pan-Americanos. Rev Bras Ciên Mov 2001;9(2):21-27.
  • 26. Sterkowicz S, Zuchowicz A, Kubica R. Levels of anaerobic and aerobic capacity indices and results for the special fitness test in judo competitors. Journal of Human Kinetics 1999;2(1):115-135.
  • 27. Tegtbur U, Busse MW, Braumann KM. Estimation of an individual equilibrium between lactate production and catabolism during exercise. Med Sci Sports Exerc 1993;25(5):620-7.
  • 28. Almansba A, Sterkowicz S, Sterkowicz-Przybycien K, Comtois AS. Reliability of the Uchikomi Fitness Test: a pilot study. Sci Sports 2012;27(2):115-8.
  • 29. Conconi F, Grazzi G, Casona I, Guglielmini C, Borsetto C, Ballarin E et al. The Conconi Test: Methodology after 12 years of application. Int J Sports Med 1996;17(7):509-19.
  • 30. Heck H, Mader A, Hess G, Müller R, Hollmann W. Justification of the 4. mmol/l Lactate Threshold. J Sports Med 1985;6(3):117-30.
  • 31. Franchini E, Sterkowicz S, Szmatlan-Gabrys U, Gabrys T, Garnys M. Energy system contributions to the Special Judo Fitness Test. Int J Sports Phys Perform 2011;6(3):334-343.
  • 32. Achten J, Jeukendrup AE. Heart rate monitoring: applications and limitations. Sports Med 2003;33(7):517-38.
  • 33. Beneke R, Hütler M, Leithäuser RM, Maximal lactate steady state independent of performance. Med Sci Sports Exerc 2009;32(6):1135-9.
  • 34. Hopkins WG, Marshall SW, Batterham AM, Hanin J. Progressive Statistics for Studies in Sports Medicine and Exercise Science. Med Sci Sports Exerc 2009;41(1):3-12.
  • 35. Hernández-García R, Torres-Luque G. Análisis temporal del combate de judo en competición. Rev Int Med Cienc Act Fís Deporte 2007;25(1):52-60.
  • 36. Marcon G, Franchini E, Jardim JR, Barros Leite TL. Structural analysis of action and time in sports: judo. J Quant Anal Sports 2010;6(4):1-13.
  • 37. Castarlenas JL, Planas A. Estudio de la estructura temporal del combate de judo. Apunts Educ Fís Deportes 1997;47(1):32-9.
  • 38. Santos L, González V, Iscar M, Brime JI, Fernandez-Rio J, Egocheaga J, et al. Retesting the validity of a specific field test for judo training. Journal of Human Kinetics 2011;29(3):141-150.
  • Endereço para correspondência

    Daniele Detanico
    Laboratório de Biomecânica, Bloco V
    Centro de Desportos
    Universidade Federal de Santa Catarina
    CEP 88040-900, Florianópolis-SC, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Nov 2011
    • Aceito
      27 Mar 2012
    • Revisado
      09 Jan 2012
    Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Centro de Desportos - RBCDH, Zip postal: 88040-900 - Florianópolis, SC. Brasil, Fone/fax : (55 48) 3721-8562/(55 48) 3721-6348 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: rbcdh@contato.ufsc.br