Acessibilidade / Reportar erro

Carga interna, tolerância ao estresse e infecções do trato respiratório superior em atletas de basquetebol

Resumos

O objetivo do estudo foi avaliar o efeito da manipulação das cargas externas sobre a dinâmica da carga interna de treinamento (CIT), a tolerância ao estresse (TE) e a severidade de episódios de infecção do trato respiratório superior (ITRS) em atletas de basquetebol, durante um macrociclo de 19 semanas, dividido em uma etapa preparatória (E1) e duas etapas de competição (E2 e E3). Os instrumentos Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey (WURSS-21) para o monitoramento das ITRS e o Daily Analysis of Life Demands for Athletes' (DALDA; TE) foram preenchidos semanalmente. A CIT foi aferida a partir da percepção subjetiva de esforço da sessão (PSE da sessão). Foi detectada queda da CIT na E3, quando comparadas às etapas E1 e E2 (p < 0,05), e decréscimo no número de respostas "melhor que o normal" na parte A (fontes de estresse) e na parte B (sintomas de estresse) do DALDA, em E2 e E3, comparado com E1 (p < 0,05). Na última etapa (E3), houve incremento da severidade de ITRS (p < 0,05). Adicionalmente, correlações significantes entre TE e ITRS foram verificadas, sugerindo que a tolerância ao estresse pode modular a severidade de ITRS. Em conclusão, a manipulação da CET provocou alterações na CIT. Entretanto, ao contrário da hipótese inicial, a redução da CIT no período competitivo foi acompanhada por redução da tolerância ao estresse e aumento da severidade da ITRS. Além disso, a magnitude do estresse parece induzir o aumento da severidade de ITRS.

Esporte; Estresse; Imunidade; Monitoramento; Treinamento


The present study aimed to investigate the effect of external training load manipulation on internal training load (ITL), stress tolerance (ST) and upper respiratory tract infection (URTI) severity in basketball players during a 19-week macrocycle. The macrocycle was divided into three distinct phases: preparatory phase (P1) and two competitive phases (P2 and P3). The Daily Analysis of Life Demands for Athletes questionnaire (DALDA), for assessment of sources and symptoms of stress, and the Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey (WURSS-21), for evaluation of URTI severity, were used on a weekly basis. The ITL was assessed by Rating of Perceived Exertion (session RPE). There was a decrease in ITL at P3 when compared to P1 and P2 (p < 0.05). A decrease in "better than normal" responses in DALDA for both sources and symptoms of stress was observed at P2 and P3 when compared to P1 (p < 0.05). There was also a significant increase in URTI severity. In addition, significant relationships between ST and URTI were shown at P3, suggesting that stress tolerance may modulate URTI severity. In summary, ETL manipulation induced changes in ITL. However, unlike the initial hypothesis, a decrease in ITL during the competitive period was followed by a decrease in stress tolerance and an increase in URTI severity. Furthermore, the magnitude of stress seems to provoke an increase in URTI severity.

Immunity; Monitoring; Sport; Stress; Training


ARTIGO ORIGINAL

Carga interna, tolerância ao estresse e infecções do trato respiratório superior em atletas de basquetebol

Camila Gobo FreitasI; Marcelo Saldanha AokiII; Ademir Felipe Schultz ArrudaI; Fábio Yuzo NakamuraIII; Alexandre MoreiraI

IUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Grupo de Estudos e Pesquisa em Planejamento e Monitoramento do Treinamento Físico e Esportivo. São Paulo, SP. Brasil

IIUniversidade de São Paulo. Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Grupo de Pesquisa em Adaptações Biológicas ao Exercício Físico. São Paulo, SP. Brasil

IIIUniversidade Estadual de Londrina. Departamento de Educação Física. Grupo de Estudo das Adaptações Fisiológicas ao Treinamento. Londrina, PR. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alexandre Moreira Escola de Educação Física e Esporte - USP Av. Prof. Mello de Morais, 65 CEP 05508-030 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: alemoreira@usp.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi avaliar o efeito da manipulação das cargas externas sobre a dinâmica da carga interna de treinamento (CIT), a tolerância ao estresse (TE) e a severidade de episódios de infecção do trato respiratório superior (ITRS) em atletas de basquetebol, durante um macrociclo de 19 semanas, dividido em uma etapa preparatória (E1) e duas etapas de competição (E2 e E3). Os instrumentos Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey (WURSS-21) para o monitoramento das ITRS e o Daily Analysis of Life Demands for Athletes' (DALDA; TE) foram preenchidos semanalmente. A CIT foi aferida a partir da percepção subjetiva de esforço da sessão (PSE da sessão). Foi detectada queda da CIT na E3, quando comparadas às etapas E1 e E2 (p < 0,05), e decréscimo no número de respostas "melhor que o normal" na parte A (fontes de estresse) e na parte B (sintomas de estresse) do DALDA, em E2 e E3, comparado com E1 (p < 0,05). Na última etapa (E3), houve incremento da severidade de ITRS (p < 0,05). Adicionalmente, correlações significantes entre TE e ITRS foram verificadas, sugerindo que a tolerância ao estresse pode modular a severidade de ITRS. Em conclusão, a manipulação da CET provocou alterações na CIT. Entretanto, ao contrário da hipótese inicial, a redução da CIT no período competitivo foi acompanhada por redução da tolerância ao estresse e aumento da severidade da ITRS. Além disso, a magnitude do estresse parece induzir o aumento da severidade de ITRS.

Palavras-chave: Esporte; Estresse; Imunidade; Monitoramento; Treinamento.

INTRODUÇÃO

O treinamento esportivo é uma atividade sistemática que visa promover adaptações morfofuncionais responsáveis pelo aumento do desempenho atlético1,2. Nos últimos anos, diversos modelos teóricos foram propostos com o intuito de explicar o complexo processo do treinamento esportivo2-4. Dentre esses modelos, o proposto por Impellizzeri et al.5 tem norteado inúmeras abordagens de monitoramento do treinamento de atletas de esportes coletivos. Os autores sugerem que as adaptações induzidas pelo treinamento são decorrentes do nível de estresse imposto ao organismo (carga interna de treinamento - CIT) que, por sua vez, será determinado, em grande parte, pela carga externa de treinamento (CET) (conteúdo do treinamento prescrito). A carga externa está relacionada à qualidade (intensidade), à quantidade (volume) e à periodização (organização) do treinamento.

Adicionalmente, o modelo proposto por Impellizzeri et al.5 ressalta que características individuais (por exemplo: nível de condicionamento e potencial genético) e a capacidade do indivíduo para lidar com o estresse tem grande influência na carga interna de treinamento. Portanto, a interação entre a CET e as características individuais determina a magnitude da CIT que, em última instância, será o estímulo responsável pelas respostas de adaptação desejadas e o consequente aumento do desempenho.

Nesse contexto, é razoável admitir que o sucesso do processo de treinamento depende do monitoramento preciso da CIT. Diversos parâmetros podem ser utilizados para avaliar a magnitude da CIT e suas repercussões, como por exemplo, o perfil hormonal (razão testosterona para cortisol), a concentração de metabólitos (lactato e amônia), a resposta da frequência cardíaca e a percepção subjetiva do esforço6-10.

Nas modalidades esportivas coletivas (MEC), a interação entre a carga externa imposta e a carga interna é ainda mais complexa do que nas modalidades individuais. Nas MEC, o controle da carga de treinamento é comumente realizado por meio de indicadores externos como duração do treinamento técnico e tático, número de saltos realizados numa sessão, carga utilizada em exercícios com pesos, entre outros11. Entretanto, em uma equipe, a mesma CET utilizada durante uma sessão de treinamento pode gerar respostas (CIT) diferenciadas para cada um dos atletas. Considerando que as adaptações decorrentes do processo de treinamento esportivo dependem do estresse fisiológico imposto ao organismo (CIT) mediante aplicação da CET, é de extrema importância que, em uma perspectiva prática, a CIT seja controlada durante a temporada2, notadamente nas MEC, a fim de que possíveis ajustes no programa possam ser realizados de forma individualizada.

Uma ferramenta simples, válida e sensível, que vem sendo atualmente utilizada como indicador da carga interna de treinamento, é a percepção subjetiva de esforço da sessão (PSE da sessão)12-15. Associações relevantes entre a carga interna de treinamento e outras respostas ao processo de treinamento (episódios de infecções e a capacidade de tolerar o estresse16-18)têm sido observadas em estudos recentes com atletas de diferentes modalidades esportivas. Nesses estudos, os instrumentos Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA), desenvolvido por Rushall19 para a avaliação da tolerância ao estresse, e o Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey-21 (WURSS-21)20 para o monitoramento dos episódios e severidade de infecções do trato respiratório superior (ITRS) têm sido amplamente utilizados.

Apesar da relevância do controle do processo de treinamento, existem poucas informações disponíveis sobre abordagens que integrem respostas referentes à carga de treinamento, o nível de estresse e a imunidade. Diante da importância desse tema, o objetivo do presente estudo foi investigar o efeito da manipulação das cargas externas de treinamento sobre a dinâmica da carga interna de treinamento, a tolerância ao estresse e a severidade dos episódios de ITRS, em atletas basquetebol. O estudo levanta a hipótese de que a alteração da CET, durante o macrociclo, promoveria alteração na resposta da CIT que, por sua vez, poderia mediar a tolerância ao estresse e à severidade dos episódios de ITRS.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Participantes

Foram avaliados 20 atletas profissionais de basquetebol do sexo masculino, integrantes de uma equipe participante de um campeonato oficial da modalidade, classificatório para o campeonato paulista (média e desvio padrão para idade, massa corporal e estatura de 22 ± 5 anos, 94 ± 22 kg e 196 ± 10 cm, respectivamente). A equipe alcançou a fase decisiva (playoffs), classificando-se para o campeonato paulista da divisão principal (A1). Todos os atletas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, protocolo Nº 2008/21.

Delineamento Experimental

Os atletas foram monitorados durante uma temporada competitiva (primeiro macrociclo da temporada), de janeiro a junho, totalizando 186 sessões de treinamento. Em cada unidade de treinamento (dia), os atletas realizaram, em média, duas sessões. Para análise dos resultados, a temporada competitiva foi dividida em três partes: etapa 1 (E1 - período preparatório - semanas 1 a 7), etapa 2 (E2 - período competitivo 1 - semanas 8 a 13) e etapa 3 (E3 - período competitivo 2 - semanas 14 a 19). Dezessete partidas oficiais foram realizadas durante o macrociclo investigado (7 partidas em E2 [5 vitórias e 2 derrotas] e 10 partidas em E3 (4 vitórias e 3 derrotas no segundo turno e 2 vitórias e 1 derrota na primeira fase dos playoffs). No quadro 1, são apresentados exemplos de tarefas típicas realizadas em um microciclo para cada etapa investigada.


Os atletas moraram, durante todo o período de investigação, no alojamento da equipe, portanto, os mesmos foram submetidos a semelhantes fontes ambientais de estresse, o que minimizou alguns importantes fatores externos que pudessem interferir na investigação.

Carga Interna de Treinamento

Para a determinação da carga interna de treinamento, foi utilizado o método da PSE da sessão12,14. A carga interna, apresentada em unidades arbitrárias (UA), foi quantificada a partir do cálculo do produto da duração da sessão, em minutos, pelo escore de PSE da sessão (CR-10), registrada 30 minutos após o término da sessão de treinamento. Foram retidos para análise, os valores acumulados (semanais) da carga interna de treinamento.

Questionário de Fontes e Sintomas de Estresse

O DALDA foi utilizado em sua versão traduzida para a língua portuguesa21 e preenchido ao final de cada semana de investigação16. O questionário DALDA é dividido em duas partes, nomeadas A e B, que representam, respectivamente, as fontes e sintomas de estresse. Esse instrumento requer que o atleta assinale cada variável, nas duas partes do questionário (A e B), como sendo "pior que o normal" (PQN), "normal" (N) ou "melhor que o normal" (MQN), de acordo com sua percepção de cada fonte ou sintoma de estresse. Foram retidas para análise as respostas "pior que o normal" e "melhor que o normal" tanto para fontes quanto para sintomas de estresse.

Questionário de Sintomas de Infecção do Trato Respiratório Superior

O WURSS-2120 foi utilizado em sua versão traduzida para a língua portuguesa21 e preenchido ao final de cada semana de investigação. A severidade de cada sintoma relatado foi avaliada em uma escala do "tipo Likert" de 7 pontos: 1 (muito levemente), 3 (levemente), 5 (moderadamente) e 7 (severamente). Quando algum sintoma não estava presente, o respectivo item era preenchido como 0 (zero). Uma pontuação dos sintomas gerais foi calculada a partir da soma dos índices de severidade das 10 questões sobre sintomas e das 9 questões sobre limitações, conforme procedimento adotado por Spence et al.22. Essa pontuação foi retida para análise e denominada "severidade".

Análise estatística

Inicialmente, foram utilizados os testes de normalidade e homoscedasticidade a fim de se observar a distribuição e homogeneidade dos dados. Uma ANOVA com medidas repetidas foi utilizada para verificar as diferenças entre as três etapas investigadas (E1, E2 e E3) para: (a) carga interna de treinamento, (b) fontes de estresse (Parte A do questionário DALDA), (c) sintomas de estresse (Parte B do questionário DALDA) e (d) severidade dos sintomas de ITRS a partir das respostas no WURSS-21. No tocante às fontes e sintomas de estresse, foram analisadas separadamente as respostas MQN e PQN. A severidade dos sintomas foi calculada por meio da soma dos índices de severidade das 10 questões sobre sintomas e das 9 questões sobre limitações, a partir dos procedimentos propostos por Spence et al.22. O procedimento post hoc de Bonferroni foi utilizado quando necessário. A correlação entre as variáveis de interesse (CIT, respostas "melhor" e "pior" que o normal no questionário DALDA e severidade de ITRS) foram analisadas por meio da correlação de Spearman. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta a dinâmica da CIT. Foi detectada diminuição na CIT na terceira etapa (E3) em comparação aos outros momentos (E1 e E2). A severidade dos episódios de ITRS e a TE (PQN e MQN) para as três etapas são apresentadas nas Figuras 2 e 3, respectivamente. Na última etapa, foi observado aumento na severidade de ITRS em relação às outras etapas (E1 e E2). Os conceitos "melhor que o normal" para fontes e sintomas de estresse apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre as etapas (F = 5,6 e F = 7,6, respectivamente) (Figura 3). Foi observado decréscimo do número de respostas "melhor que o normal" para fontes e sintomas de estresse em E2 e E3 em comparação com E1.




As correlações significantes entre as variáveis analisadas no presente estudo estão presentes na Tabela 1.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo investigar as possíveis alterações e associações entre carga interna de treinamento, tolerância ao estresse e severidade dos episódios de infecção do trato respiratório superior, em atletas de basquetebol. Entre os principais achados do presente estudo, é possível destacar a diminuição da CIT na etapa 3 (E3), quando comparada às etapas 1 e 2 (E1 e E2), demonstrando, portanto, uma menor CIT para a etapa da investigação que incluiu os 7 jogos do returno e os 3 jogos da primeira fase de playoffs.

À medida que se aproximava a etapa mais importante do macrociclo (E3), os resultados da presente investigação sugerem que a equipe apresentou dificuldade em lidar com os fatores de estresse. Esse cenário pôde ser percebido a partir do aumento do número de respostas PQN para as fontes de estresse, da E2 para a E3, a despeito da diminuição da CIT. Foi possível observar, também, uma diminuição dos conceitos MQN para fontes e sintomas de estresse de E1 para E2 e E3, sugerindo um impacto importante do início da competição na tolerância ao estresse.

Em relação à severidade de ITRS, foi possível observar um aumento em E3. Esta etapa de maior severidade das ITRS incluiu o segundo turno da competição (4 vitórias e 3 derrotas) e a primeira fase dos playoffs (2 vitórias e 1 derrota; avançando para a fase seguinte).

Curiosamente, os conceitos PQN para fontes e sintomas de estresse do DALDA não foram influenciados diretamente pela CIT. Esse achado difere dos resultados apresentados por Robson-Ansley, Blannin e Gleeson16 e Achten et al.23, nos quais os conceitos PQN para sintomas de estresse aumentaram após intensificação deliberada da carga de treinamento; esses estudos tiveram duração de 4 semanas e 11 dias, respectivamente. Adicionalmente, estudos observacionais (sem manipulação deliberada [experimental] da carga de treinamento) realizados com o basquetebol, também revelaram congruência entre as respostas da CIT e o DALDA. Por exemplo, Moreira et al.11, investigando jogadores jovens de basquetebol, participantes de seleções nacionais, durante uma preparação para torneios internacionais (duração de 12 dias), verificaram que os conceitos PQN para sintomas de estresse sofreram queda com a diminuição da CIT da primeira para a segunda metade do período de treinamento. No mesmo sentido, os achados de Moreira et al.18, em outro estudo desenvolvido com atletas de basquetebol, investigados durante 4 semanas no período competitivo, também mostraram essa associação, revelando que a redução da CIT na quarta semana de investigação, induziu a uma diminuição dos conceitos PQN.

Uma das possíveis explicações para a diferença entre os resultados da presente investigação com os estudos citados, no que concerne à dinâmica dos conceitos PQN do DALDA, poderia ser a duração da investigação. O presente estudo foi o primeiro a investigar um macrociclo completo de 19 semanas em atletas profissionais de basquetebol. É possível especular que com a duração prolongada da investigação, contemplando inclusive o período competitivo, outros fatores, além da CIT, podem influenciar as respostas da tolerância ao estresse. Como exemplo, podemos mencionar o acúmulo de fadiga e carga emocional por períodos prolongados, a despeito da redução das CIT.

Isso pôde ser verificado no estudo de Nicholls et al.24, que mostraram que, no período competitivo, jogadores de rugby union apresentaram, concomitantemente a um grande número de resposta PQN, um estado não prazeroso e de baixa ativação a partir da aplicação de um modelo circumplexo de respostas afetivas. Em outras palavras, os atletas apresentavam um estado de letargia e fadiga, que os predispunha a apresentarem respostas PQN em itens como "cansaço" e "necessidade de descansar" no DALDA. Esses resultados mostram claramente que as respostas PQN no DALDA não refletem apenas as cargas de trabalho, mas são também diretamente influenciadas pelo estado afetivo, mostrando interação entre diferentes constructos psicofisiológicos na determinação da tolerância ao estresse em diferentes momentos de uma temporada competitiva.

Adicionalmente, é importante destacar que uma das limitações dos estudos citados foi reter para a análise da tolerância ao estresse somente as respostas PQN para o DALDA, não apresentando os resultados referentes aos conceitos MQN. No presente estudo, os conceitos MQN se mostraram mais sensíveis às alterações de CIT, já que com o aumento da CIT da primeira para a segunda etapa, os conceitos MQN, tanto para fontes como para sintomas de estresse, apresentaram redução significante. Houve, também, uma correlação negativa entre a CIT e os conceitos MQN em todas as etapas investigadas, demonstrando que quanto maior a CIT, menor o número de respostas MQN. Esses achados sugerem que os conceitos MQN também sejam utilizados para análise da dinâmica da tolerância ao estresse nas diferentes etapas de preparação.

No que se refere à resposta dos conceitos MQN em E3, seria desejável, em uma perspectiva prática, que houvesse aumento do número destes conceitos neste momento, refletindo o alcance do pico de performance, conforme propõe Rushall19. Diferentemente do esperado, verificou-se diminuição no número de respostas MQN, tanto para fontes como para sintomas de estresse, além do aumento na severidade dos episódios de ITRS, sugerindo um cenário desfavorável para o alcance do máximo desempenho19,25.

O incremento da severidade dos episódios de ITRS da E2 para a E3 poderia ser explicado, ao menos em parte, pelo aumento do estresse durante o mesmo período (etapa decisiva da competição). Esse achado reforça a hipótese de associação entre a diminuição da capacidade de tolerar diferentes fatores estressantes e o incremento na ocorrência de episódios de ITRS, independentemente do estresse proveniente do treinamento26. Esse resultado sugere que a crença difundida no meio esportivo de que ITRS estão diretamente associadas às CIT não necessariamente se confirma em uma situação real de competição, na qual outras fontes de estresse (pressão por resultados, perturbação da rotina, etc), podem ter um efeito substancial sobre as defesas do organismo contra o desenvolvimento de doenças.

Esta possível associação foi considerada em outros estudos longitudinais, em diferentes modalidades esportivas. Cunniffe et al.27, investigando atletas de rugby durante 11 meses, e Neville et al.28, monitorando iatistas ao longo de 50 semanas, concluíram que o estresse psicológico poderia aumentar a incidência de infecções nos atletas. Adicionalmente, Bishop e Gleeson29 e Nakamura et al.30 confirmaram que os episódios de ITRS tendem a aumentar em momentos competitivos, corroborando os achados do presente estudo.

Ainda em relação às ITRS, uma correlação positiva pôde ser observada na E3 com os conceitos PQN para fontes e sintomas de estresse (r =0,69 e 0,60, respectivamente). Estes resultados corroboram os achados de Moreira et al.18, em uma investigação conduzida também com atletas de basquetebol. Os autores reportaram correlações entre o número de ocorrências de ITRS e os conceitos PQN, tanto para fontes (r = 0,79) como para sintomas de estresse (r = 0,65), na segunda semana da investigação. Estes resultados reforçam a existência de associação entre o estresse e a incidência de ITRS, indicando a necessidade do monitoramento constante dessas respostas no decorrer da temporada esportiva.

CONCLUSÃO

A distribuição da CET provocou alterações na CIT. Entretanto, ao contrário da hipótese inicial, a redução da CIT no período competitivo foi acompanhada por redução da tolerância ao estresse e aumento da severidade da ITRS. Além disso, a magnitude do estresse parece induzir o aumento da severidade de ITRS. Os resultados do presente estudo indicam que os instrumentos utilizados podem auxiliar o monitoramento do processo de treinamento. O uso destes instrumentos associado a outros indicadores, como testes de desempenho e marcadores fisiológicos, poderia auxiliar substancialmente os treinadores e atletas neste sentido.

Recebido em 21/03/12

Revisado em 29/07/12

Aprovado em 06/08/12

  • 1. Viru A. Adaptations in sports training. London: Informa Health Care; 1995.
  • 2. Viru A, Viru M. Nature of training effects. In: Garret WE, Kirkendall DT, organizadores. Exercise and Sport Science. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 2000. p.67-95.
  • 3. Banister EW. Modeling elite athletic performance. In: Green H, McDougal J, Wenger H, organizadores. Physiological Testing of Elite Athletes. Champaign: Human Kinetics; 1991. p. 403-424.
  • 4. Smith DJ. A framework for understanding the training process leading to elite performance. Sports Med 33(15):1103-26.
  • 5. Impellizzeri FM, Rampinini E, Marcora SM. Physiological assessment of aerobic training in soccer. J Sports Sci 2005;23(6):583-92.
  • 6. Impellizzeri FM, Rampinini E, Coutts AJ, Sassi A, Marcora SM. Use of RPE-based training load in soccer. Med Sci Sports Exerc 2004;36(6):1042-7.
  • 7. Coutts AJ, Reaburn P, Piva TJ, Murphy A. Changes in selected biochemical, muscular strength, power, and endurance measures during deliberate overreaching and tapering in rugby league players. Int J Sports Med 2007;28(2):116-24.
  • 8. Borresen J, Lambert MI. Quantifying training load: a comparison of subjective and objective methods. Int J Sports Physiol Perform 2008;3(1):16-30.
  • 9. Coutts AJ, Gomes RV, Viveiros L, Aoki MS. Monitoring training loads in elite tennis. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010;12(3):217-20.
  • 10. Moreira A, McGuigan MR, Arruda AF, Freitas CG, Aoki MS. Monitoring internal load parameters during simulated and official basketball matches. J Strength Cond Res 2012;26(3):861-6.
  • 11. Moreira A, Nakamura FY, Cavazzoni PB, Gomes JH, Martignago P. O efeito da intensificação do treinamento na percepção de esforço da sessão e nas fontes e sintomas de estresse em jogadores jovens de basquetebol. Rev Educ Fis 2010;21(2):287-96.
  • 12. Foster C. Monitoring training in athletes with reference to overtraining syndrome. Med Sci Sports Exerc 1998;30(7):1164-8.
  • 13. Foster C, Florhaug JA, Franklin J, Gottschall L, Hrovatin LA, Parker S, et al. A new approach to monitoring exercise training. J Strength Cond Res 2001;15(1):109-15.
  • 14. Nakamura F, Moreira A, Aoki M. Monitoramento da carga de treinamento: a percepção subjetiva do esforço da sessão é um método confiável? Rev Educ Fis 2010;21(1):1-11.
  • 15. Milanez VF, Pedro RE, Moreira A, Boullosa DA, Salle-Neto F, Nakamura FY. The role of aerobic fitness on session rating of perceived exertion in futsal players. Int J Sports Physiol Perform 2011;6(3):358-66.
  • 16. Robson-Ansley, P.; Blannin, A.; Gleeson, M. Elevated plasma interleukin-6 levels in trained male triathletes following an acute period of intense interval training. Eur J Appl Physiol 2007;99(4):353-60.
  • 17. Moreira A, Freitas CG, Nakamura FY, Aoki MS. Percepção de esforço da sessão e a tolerância ao estresse em jovens atletas de voleibol e basquetebol. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010;12(5):345-51.
  • 18. Moreira A, Arsati F, Lima-Arsati YBO, Simões AC, De Araújo VC. Monitoring stress tolerance and occurrences of upper respiratory illness in basketball players by means of psychometric tools and salivary biomarkers. Stress Health 2011;27(3):e166-e172.
  • 19. Rushall BS. A Tool for Measuring Stress Tolerance in Elite Athletes. J Appl Sports Psychol 1990;2(5):51-66.
  • 20. Barrett B, Brown R, Mundt M, Safdar N, Dye L, Maberry R, et al. The Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey is responsive, reliable, and valid. J Clin Epidemiol 2005;58(6):609-17.
  • 21. Moreira A, Cavazzoni P. Monitorando o treinamento através do Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey - 21 e Daily Analysis of Life Demands in Athletes nas versões em língua portuguesa. Rev Educ Fis 2009;20(1):109-19.
  • 22. Spence L, Brown WJ, Pyne DB, Nissen MD, Sloots TP, McCormack JG, et al. Incidence, etiology, and symptomatology of upper respiratory illness in elite athletes. Med Sci Sports Exerc 2007;39(4):577-86.
  • 23. Achten J, Halson SL, Moseley L, Rayson MP, Casey A, Jeukendrup AE. Higher dietary carbohydrate content during intensified running training results in better maintenance of performance and mood state. J Appl Physiol 2004;96(4):1331-40.
  • 24. Nicholls AR, Backhouse SH, Polman RC, McKenna J. Stressors and affective states among professional rugby union players. Scand J Med Sci Sports 2009;19(1):121-8.
  • 25. Pyne DB, Hopkins WG, Batterham AM, Gleeson M, Fricker PA. Characterising the individual performance responses to mild illness in international swimmers. Br J Sport Med 2005;39(10):752-6.
  • 26. Moreira A, Borges TO, Koslowski AA, Simões AC, Barbanti V. O comportamento do esforço percebido, fontes e sintomas de estresse e inflamação do trato respiratório superior em atletas de elite de canoagem de velocidade durante 7 semanas de treinamento. Rev Bras Educ Fis Esporte 2009;23(4):355-63.
  • 27. Cunniffe B, Griffiths H, Proctor W, Davies B, Baker JS, Jones KP. Mucosal immunity and illness incidence in elite rugby players across a season. Med Sci Sports Exerc 2011;43(3):388-97.
  • 28. Neville V, Gleeson M, Folland JP. Salivary IgA as a risk factor for upper respiratory infections in elite professional athletes. Med Sci Sports Exerc 2008;40(7):1228-36.
  • 29. Bishop NC, Gleeson M. Acute and chronic effects of exercise on markers of mucosal immunity. Front Biosci 2009;14(1):4444-56.
  • 30. Nakamura D, Akimoto T, Suzuki S, Kono I. Daily changes of salivary secretory immunoglobulin A and appearance of upper respiratory symptoms during physical training. J Sports Med Phys Fitness 2006;46(1):152-7.
  • Endereço para correspondência:

    Alexandre Moreira
    Escola de Educação Física e Esporte - USP
    Av. Prof. Mello de Morais, 65
    CEP 05508-030 - São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2012
    • Aceito
      06 Ago 2012
    • Revisado
      29 Jul 2012
    Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Universitário Trindade, Centro de Desportos - RBCDH, Zip postal: 88040-900 - Florianópolis, SC. Brasil, Fone/fax : (55 48) 3721-8562/(55 48) 3721-6348 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: rbcdh@contato.ufsc.br