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Alterações dos níveis séricos de creatinina, ácido úrico, creatina kinase e da taxa de filtração glomerular em corredores de "rua"

Resumos

As estratégias adotadas pelos corredores de "rua", durante as provas, sofrem interferência da distância da corrida e dos níveis técnico e físico dos competidores. Assim,o objetivo deste estudo foi de examinar os efeitos bioquímicos da Creatinina (C), Ácido Úrico (AU), Creatina Kinase (CK) e da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) provocados por uma prova de corrida de "rua" de 6 (seis) Km. Participaram n=(15) atletas masculinos (40,53±8,65 anos) separados em 3 grupos: Grupo 1 Melhores Tempos (G1MT) n=5; Grupo 2 Tempos Intermediários (G2TI) n =5; Grupo 3 Piores Tempos (G3PT) n=5. Foram coletadas amostras de sangue 30 min antes e imediatamente após a corrida. Os dados foram analisados através da ANOVA Two-Way, Wilcoxon e Mann Whitney. Consideraram-se os níveis significativos (p<0,05). Os resultados permitem concluir que ocorreram aumentos significativos intragrupos nas atividades séricas de (C) no G1MT pré: 1,18±0,04 mg.dL-¹ pós: 1,60±0,15 mg.dL-¹; G2TI pré: 1,04±0,15 mg.dL-¹ pós: 1,56 ±0,21 mg.dL-¹; G3PT pré 1,08±0,13 mg.dL-¹ pós 1,52±0,32 mg.dL-¹ e no (AU) G1MT pré: 3,80±0,75 mg.dL-¹ pós 4,56±0,94 mg.dL-¹; G2TI pré 4,36±1,62 mg.dL-¹ pós 5,0 ±1,69 mg.dL-¹; G3PT pré 4,62±1,08 mg.dL-¹ pós: 5,42±0,86 mg.dL-¹, enquanto a (CK) e a (TFG) não apresentaram diferença significativa.

Corrida; Bioquímica; Desempenho atlético


The strategies adopted by corridors "street" during the evidence from interference of the race distance and levels of technical and physical competition. The objective of this study was to examine the biochemical effects of Creatinine (C), Uric Acid (AU), Creatine Kinase (CK) and Glomerular Filtration Rate (GFR) caused by a test run of "street" of 6 (six) Km participated n=(15) male athletes (40.53 ± 8.65 years) divided into three groups: Group 1 Best Times (G1MT) n = 5, Group 2 Intermediate Times (G2TI) n = 5; Group 3 Times Worst (G3PT) n = 5. Blood samples were collected 30 min before and immediately after the race. Data were analyzed by Two-Way ANOVA, Wilcoxon and Mann Whitney test. It was considered significant levels (p<0.05). The results showed that there were significant increases in serum activities of intra-group (C) in G1MT before: 1,18±0,04 mg.dL-¹ after: 1.60±0.15 mg.dL-¹; G2TI before: 1,04±0,15 mg.dL-¹ after: 1,56±0,21 mg.dL-¹; G3PT before: 1,08±0,13 mg.dL-¹ after: 1,52±0,32 mg.dL-¹ and (AU) G1MT before: 3,80±0,75 mg.dL-¹ after: 4,56±0,94 mg.dL-¹; G2TI before: 4,36±1,62 mg.dL-¹ after: 5,0±1,69 mg.dL-¹; G3PT before: 4,62±1,08 mg.dL-¹ after: 5,42±0,86 mg.dL-¹, while (CK) and (GFR) showed no significant difference.

Athletic performance; Biochemistry; Running


ARTIGO ORIGINAL

Alterações dos níveis séricos de creatinina, ácido úrico, creatina kinase e da taxa de filtração glomerular em corredores de "rua"

Anderson Pontes MoralesI,III; Ronaldo Nascimento MacielII; Felipe Sampaio JorgeI; Nilo Terra Arêas NetoI; Daniela de Carvalho CordeiroI; Maria Auxiliadora Siqueira VianaI; Carlos Jorge Logullo de OliveiraIII

IInstitutos Superiores de Ensino do Censa. Laboratório de Química e Biomoléculas. Campos dos Goytacazes, RJ. Brasil

IIUniversidade Salgado de Oliveira. Departamento de Educação Física e Desporto. Campos dos Goytacazes, RJ. Brasil

IIIUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Laboratório de Química e Função de Proteínas e Peptídeos. Campos dos Goytacazes, RJ. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Anderson Pontes Morales Machado de Assis, n. 12. Parque Rosário Cep: 28027040 -Campos dos Goytacazes, RJ. Brasil E-mail: andersonmrl@hotmail.com

RESUMO

As estratégias adotadas pelos corredores de "rua", durante as provas, sofrem interferência da distância da corrida e dos níveis técnico e físico dos competidores. Assim,o objetivo deste estudo foi de examinar os efeitos bioquímicos da Creatinina (C), Ácido Úrico (AU), Creatina Kinase (CK) e da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) provocados por uma prova de corrida de "rua" de 6 (seis) Km. Participaram n=(15) atletas masculinos (40,53±8,65 anos) separados em 3 grupos: Grupo 1 Melhores Tempos (G1MT) n=5; Grupo 2 Tempos Intermediários (G2TI) n =5; Grupo 3 Piores Tempos (G3PT) n=5. Foram coletadas amostras de sangue 30 min antes e imediatamente após a corrida. Os dados foram analisados através da ANOVA Two-Way, Wilcoxon e Mann Whitney. Consideraram-se os níveis significativos (p<0,05). Os resultados permitem concluir que ocorreram aumentos significativos intragrupos nas atividades séricas de (C) no G1MT pré: 1,18±0,04 mg.dL-1 pós: 1,60±0,15 mg.dL-1; G2TI pré: 1,04±0,15 mg.dL-1 pós: 1,56 ±0,21 mg.dL-1; G3PT pré 1,08±0,13 mg.dL-1 pós 1,52±0,32 mg.dL-1 e no (AU) G1MT pré: 3,80±0,75 mg.dL-1 pós 4,56±0,94 mg.dL-1; G2TI pré 4,36±1,62 mg.dL-1 pós 5,0 ±1,69 mg.dL-1; G3PT pré 4,62±1,08 mg.dL-1 pós: 5,42±0,86 mg.dL-1, enquanto a (CK) e a (TFG) não apresentaram diferença significativa.

Palavras-chave: Corrida; Bioquímica; Desempenho atlético.

INTRODUÇÃO

Atualmente, o número de pessoas que procuram a prática da atividade física vem crescendo exponencialmente. Dentre estas atividades, o Pedestrianismo ou Corrida de "Rua" é uma das mais requisitadas. Isto pode ser comprovado pelo aumento do número de competições e de praticantes1. A facilidade de acesso para toda a população, o baixo custo, a facilidade para treinamento e de recursos materiais (tênis, meia, short, camiseta) são fatores que contribuem para a popularização desse esporte e, consequentemente, para o aumento do nível competitivo entre os atletas2,3.

O acompanhamento de parâmetros que possibilitem visualizar adaptações fisiológicas decorrentes do treinamento permite que sejam monitoradas as modificações as quais o metabolismo é submetido, durante a atividade física, de forma que seja possível extrair o máximo rendimento dos praticantes e evitar situações deletérias como, por exemplo, o overtraining e, adicionalmente, as lesões musculares4,5. Para prevenir estas situações, existem indicadores fisiológicos considerados importantes parâmetros no monitoramento do volume e intensidade dos treinamentos, como as concentrações plasmáticas de Creatina Kinase (CK)6-8.

As estratégias adotadas pelos corredores, durante as provas, variam em função da distância destas e do nível técnico e objetivo dos praticantes. Devido ao tempo que se leva para concluir uma prova, a oferta de energia é realizada, prioritariamente, pelo sistema oxidativo. Porém, na maioria dos casos, os atletas utilizam-se de sprints, que podem ser definidos como o ato de aumentar o ritmo em determinados momentos da corrida. Caracterizado por contrações musculares intensas e de curta duração, essa estratégia de desempenho faz aumentar a demanda de ATP, excedendo a capacidade da célula muscular de fazer ressíntese9.

Segundo Maughan et al.10, a diminuição da carga energética no início da contração (declínio momentâneo das moléculas de ATP e aumentos do ADP e do AMP) acelera tanto a ressíntese anaeróbia, quanto oxidativa do ATP, bem como a degradação dos nucleotídeos. A queda na razão ATP/ ADP em atividade contrátil intensa leva à inibição do processo contrátil11, instalando a fadiga muscular12. Estes mecanismos são atenuados por vias bioquímicas (fosfocreatina, síntese das purinas, via de salvação das purinas e via de degradação de adenina nucleotídeo), mediadas por enzimas com atividade quinase, deaminase e transferase (creatina quinase, ribose fosfato pirofosfoquinase, hipoxantina fosforribosil transferase, adenilato quinase e AMP deaminase).

A hidrólise da fosfocreatina, no início do exercício submáximo e durante o exercício de alta intensidade (sprints), ocorre pelo maior potencial de transferência (-43 kJ/mol-1) do grupo fosfato para ressíntese do ATP. Desta maneira, a célula muscular com uma carga energética baixa não consegue refosforilá-la, produzindo a Creatinina (C) como resultado pela desidratação não enzimática e sendo difundida do tecido muscular para o plasma, de onde é removida quase inteiramente em velocidade relativamente constante por filtração glomerular. A Taxa de Filtração Glomerular (TFG) tem sua importância a partir do momento que constatamos que quanto menor for a filtração, maior será a desidratação do atleta. Estes dados vão ao encontro dos resultados encontrados por autores como Hellsten et al.13 que, através de estudo de biópsia muscular e coletas sanguíneas, mostraram que a fosfocreatina é reduzida com execuções de exercícios de extensões de joelhos (50-70W) até a exaustão, e que o AMP é deaminado a IMP (inosina monofosfato) até a formação de Ácido Úrico (AU), representando a perda dos nucleotídeos.

Acredita-se que os atletas que intensificam os treinamentos através dos sprints tenham uma tolerância maior à fadiga muscular em esforço máximo de corrida, quantificada pelos menores níveis séricos de C e AU. Estes dados também são suportados pela inibição da enzima AMP-deaminase, pelas elevações das ressínteses nas moléculas de ATP, diminuindo o fluxo da via de perda de adenina nucleotídeo e o aumento da via de salvação para as purinas14.

Esses apontamentos devem ser vistos com cautela, já que os níveis de AU, por exemplo, tendem a estar elevados imediatamente após o término da atividade, sendo considerado um efeito agudo do esforço. Já o pico de CK pós-atividade é dependente da intensidade e do tipo do esforço, podendo ser detectado aumento considerável de sua concentração logo após a corrida, embora outros estudos demonstrem maiores níveis dessa enzima entre 24 e 72 horas após a atividade15,16. Outra preocupação é com a TFG, pois comumente os níveis estão reduzidos em corredores de longa distância17, caracterizando uma diminuição da função renal.

Diante deste panorama, o objetivo principal do presente estudo foi examinar os efeitos agudos bioquímicos do esforço provocado por uma prova de corrida de "rua" de 6 Km, mais especificamente, nos níveis de C, AU, CK e TFG.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Amostra

Participaram do estudo 15 corredores de "rua" do sexo masculino com idade média de 40,5 ± 8,6 anos. A amostra foi selecionada pelo ranking resultante da primeira etapa do Circuito de Corridas de "Rua" da cidade de Campos dos Goytacazes, RJ, de 2011, onde os 15 tempos dos atletas foram testados dentro dos procedimentos descritos a seguir.

Coleta de dados

Foi realizada uma anamnese constituída de uma entrevista padrão a respeito do uso de medicamentos, tempo de treinamento, lesões osteomioarticulares e distância percorrida por semana. Utilizou-se o critério de que todos os selecionados para a amostra tivessem mais de dois anos de treinamento prévio ao início do estudo.

Os atletas foram orientados durante o congresso técnico (um dia antes da corrida) a não alterarem seus hábitos alimentares previamente às coletas de sangue. Foram realizadas duas coletas sanguíneas. A primeira aconteceu 30 minutos antes da realização da prova e a segunda, imediatamente após a conclusão da prova pelo atleta. A corrida consistiu em 6 Km na uma etapa oficial do Circuito de Corridas de "Rua" de Campos dos Goytacazes-RJ de 2011.

Os atletas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, dos Institutos Superiores de Ensino do CENSA (ISECENSA-RJ), sob o nº de protocolo (0017.0.413.000-11/2011).

Por se tratar de uma competição oficial, com as aferições sendo feitas imediatamente antes e após a mesma, algumas variáveis não puderam ser controladas. Assim, entendemos e admitimos que a intensidade da corrida, assim como o pace dos corredores foram máximas para a distância. Também a perda hídrica não pôde ser controlada, pois havia postos de hidratação durante a prova e não foi possível controlar o que cada atleta ingeriu durante a corrida.

Coleta e análise do sangue

A coleta de dados foi realizada em uma sala específica para as finalidades do estudo, que foi montada no local de largada e chegada da corrida. Um atleta de cada vez teve o seu material coletado. O sangue foi coletado (±5 mL) na fossa antecubital dos indivíduos, que estavam sentados no momento da coleta. Foram utilizados materiais descartáveis (agulhas e seringas). Após a coleta, o sangue foi depositado em recipientes fechados de vidro, sendo imediatamente levado para o Laboratório de Química e Biomoléculas dos Institutos Superiores de Ensino do Censa (ISECENSA-RJ), onde foi centrifugado (Centrífuga Basic® / Sislab Tecnologia Laboratorial Ltda - Brasil) para separar o soro. Para se determinar os níveis de creatinina, ácido úrico e creatina kinase, foram adotados os métodos colorimétrico picrato alcalino - Jaffé, enzimático - Trinder e enzimático respectivamente, em todas as análises das amostras de sangue. Foram utilizados os kits de reagentes Creatinina K, Ácido Úrico Liquiform e CK-NAC (Labtest Diagnóstica SA - Brasil), e um analisador automático Labmax Plenno® (Labtest Diagnóstica SA - Brasil).

Determinação da Taxa de Filtração Glomerular (TFG).

A TFG foi determinada através da fórmula Modification of Diet in Renal Disease (MDRD), usando a creatinina sérica e a idade. Um multiplicador é usado para ajustar a estimativa de acordo com a raça e gênero. A equação foi validada pelo método de depuração de inulina e coletas de urina de 12 ou 24 horas da creatinina.

TFG = 186 * (creatinina sérica)-1.154*(idade em anos)-0.203*multiplicador

O multiplicador: 1,21 para negros, 0,742 para mulheres não-negras

Análise Estatística

Os atletas foram separados em 3 grupos baseados nos tempos de prova de corrida de "rua" pela ferramenta estatística Tercil Escore: Grupo 1 - Melhores Tempos (G1MT) n=5; Grupo 2 - Tempos Intermediários (G2TI) n=5; Grupo 3 -Piores Tempos (G3PT) n=5. Para a homogeneidade dos dados, utilizou-se o teste de Levene (C p=0,31, AU p=0,19, CK p=0,04 e TFG p=0,07). A comparação dos níveis séricos de C, AU e da TFG foram analisadas pela ANOVA two-way para medidas repetidas, usando o teste de Post hoc de Bonferroni. Já para a CK foram usados os testes não paramétricos Wilcoxon signed rank test (intragrupos) e Mann Whitney test (intergrupos). Consideraram-se significativas as diferenças com p<0,05. Os dados oriundos dos procedimentos descritos acima foram analisados pelo programa 5.0 GraphPad Prism® versão 5.0 (GraphPad, Estados Unidos).

RESULTADOS

Na Tabela 1, são apresentadas as características gerais em valores médios com seus desvios padrão dos grupos dos atletas.

A Figura 1 representa os níveis da creatinina, tendo o G1MT, na Pré Corrida, 1,18±0,04 mg.dL-1 e no Pós Corrida, 1,60±0,15 mg.dL-1 nos níveis séricos, o G2TI, na Pré Corrida, 1,04±0,15 mg.dL-1 e no Pós Corrida, 1,56 ±0,21 mg.dL-1 e o G3PT, na Pré Corrida, 1,08±0,13 mg.dL-1 e no Pós Corrida, 1,52±0,32 mg.dL-1, havendo diferenças significativas intragrupos em G1MT, G2TI e G3PT (p=0,00, p=0,02 e p=0,01), respectivamente.


A Figura 2 representa os níveis de ácido úrico, tendo o G1MT, na Pré Corrida, 3,80±0,75 mg.dL-1 e na Pós Corrida, 4,56±0,94 mg.dL-1 nos níveis séricos, o G2TI, na Pré Corrida, 4,36±1,62 mg.dL-1 e na Pós Corrida, 5,0 ±1,69 mg.dL-1 e o G3PT, na Pré Corrida, 4,62±1,08 mg.dL-1 e na Pós Corrida, 5,42±0,86 mg.dL-1, havendo diferenças significativas intragrupos em G1MT, G2TI e G3PT (p=0,00, p=0,00 e p=0,01), respectivamente.


A Tabela 2 apresenta os níveis pré e pós-corrida de CK, não havendo diferenças significativas intra e intergrupos (p=0,06, p=0,06 e p=0,06 / p=0,69, p=1,00 e p=1,00), respectivamente.

A Figura 3 mostra os índices das alterações funcionais do sistema renal através da fórmula de estimativa (MDRD), tendo o G1MT, na Pré Corrida, 73,97±5,44 mL.min.1,73m2 e na Pós Corrida, 70,20±6,22 mL.min.1,73m2, o G2TI, na Pré Corrida, 86,08±16,67 mL.min.1,73m2 e na Pós Corrida, 62,60 ±8,62 mL.min.1,73m2 e o G3PT, na Pré Corrida, 81,25±12,69 mL.min.1,73m2 e na Pós Corrida, 69,00±24,15 mL.min.1,73m2, não havendo diferenças significativas intra e intergrupos G1MT, G2TI e G3PT (p=1,00, p=0,67 e p=0,89 / p=0,07, p=0,10 e p=0,08), respectivamente.


DISCUSSÃO

Ao final da prova de Corrida de Rua, no percurso de 6 Km, os três grupos estudados apresentaram um aumento significativo nos níveis de C em relação à condição pré-corrida (p<0,05). Acredita-se que um dos fatores que influenciou na elevação dos níveis de C, na pós-corrida dos grupos, tenha sido a diminuição da capacidade destes atletas em ressintetizarem as moléculas de Creatina Fosfato (PCr). Este fato pode estar relacionado com a alta intensidade do percurso (6 Km), alterando, assim, a produção de creatina livre no músculo e consequentemente, levando aos altos níveis de C sérica pós-corrida. Estas mudanças agudas dos níveis de C sérica em atletas foram relatadas por Banfi, Del Fabbro & Lippi18, que estudaram as concentrações de C em atletas de elite do sexo masculino de rugby, esqui alpino e ciclismo, caracterizadas a partir de diferentes Índices de Massa Corporal (IMC), encontrando diferenças significativas no rugby (p=0,00) e no esqui (p=0,02), mas não observando diferenças para o ciclismo (p=0,25), concluindo que as alterações das concentrações de C em atletas não devem só levar em conta o esporte praticado e o IMC, mas também as possíveis variações na intensidade e volume no treinamento e nas competições.

Forbes et al.19 relatam que a ressíntese da PCr pode ser dividida em duas fases; fase inicial (produção glicolítica de ATPs) e a fase final (produção oxidativa de ATPs), indicando um importante preditor na avaliação das vias de geração de energia (ATPs) pós-atividade. Assim, Duteil et al.20 , utilizando a ressonância magnética nuclear simultaneamente com a quantificação da saturação da mioglobina, encontraram em atletas de resistência uma alta correlação (r=0,75) entre a ressaturação das moléculas de mioglobinas e a refosforilação da PCr, indicando uma maior capacidade oxidativa do que em atletas de sprints. Yoshida21 encontrou em cinco corredores de longa distância uma diminuição significativa nas moléculas de PCr e menores níveis de acidificação em exercícios de flexão de joelho de alta intensidade, em comparação com os seis indivíduos sedentários.

Entende-se, então, que as alterações da C sérica em atletas apresen-tadas no nosso estudo, no momento pós-corrida, estão relacionadas com uma menor eficiência das vias geradores de moléculas ATPs, pois estes ATPs gerados pelas vias (glicolítica e oxidativa) favorecem a ressíntese das moléculas de PCr, onde serão utilizadas como meio de síntese de ATPs e tamponamento dos H+ livres.

Os resultados apresentados nos níveis elevados de AU pelos grupos de corredores (G1MT, G2TI e G3PT), em comparação à condição pré-corrida (p<0,05), são relacionados à tentativa de manter as necessidades energéticas da célula em exercícios de alta intensidade. A reação catalisada pela AMP deaminase (AMP →IMP + NH3) minimiza indiretamente o acúmulo de ADP por remover o AMP até AU, ativando alostericamente a enzima Adenilato Kinase (AK), deslocando a reação para a direita (2ADP→ ATP + AMP), aumentando, desta forma, a carga energética (ATP)11.

Por essas razões, sugere-se que a perda de adenina nucleotídeo é importante para a função muscular durante condições de crises metabólicas, nos exercícios máximos (sprints) e nos exercícios submáximos prolongados, aumentando os níveis séricos de AU. Por outro lado, foram encontrados níveis séricos menores de AU, atividades reduzidas das enzimas AMP-deaminase (AMPD) e atividades elevadas das enzimas Hipoxantina Fosforribosil Transferase (HPRT) em atletas que realizaram um treinamento no cicloergômetro, três vezes por semana, durante seis semanas22. A via de salvação dos nucleotídeos utiliza a 5-fosforribosil-1-pirofosfato (PRPP) pela enzima HPRT, concomitantemente à diminuição da atividade da enzima AMPD, diminuindo, desta forma, os níveis de AU e o aumento dos níveis de Inosina Monofosfato (IMP), nos quais as moléculas de AMP e ADP sofrem refosforilação até ATP23.

O exercício físico extenuante pode causar uma sobrecarga nos músculos. Dessa forma, o aumento da atividade plasmática de enzimas musculares, como a CK, pode ser uma resposta fisiológica típica diante de exercícios físicos intensos, sendo geralmente usados como marcadores de lesão muscular. Quando o exercício é extenuante, resulta em dano muscular excessivo, uma condição conhecida como rabdomiólise por esforço, no qual os níveis de CK pós-exercício podem chegar a ser 5 ou 10 vezes mais elevados que o limite normal para homens e mulheres24,25. No presente estudo, um atleta do G3PT pós-corrida apresentou níveis altos de (CK) (11,688 U.L-1), caracterizando uma condição clínica de rabdomiólise por esforço.

Os resultados apresentados pelos grupos não demonstraram níveis elevados significativos em relação à condição pré-corrida (p>0,05), levando a acreditar que estas alterações nas concentrações em valores absolutos de CK tenham uma especificidade individual, já que normalmente estes níveis são encontrados elevados em atletas26. Entretanto, estes valores podem ser mais conclusivos quando as diferenças Delta (Δ= valor de CK pós-teste - valor de CK pré-teste) são correlacionadas com os níveis de performance dos atletas. Ehlers; Ball & Liston8 confirmaram estas informações quando estudaram a diferença Delta dos valores de CK, reportando um coeficiente de correlação (r=-0,64, p=0,02) significativo entre os altos níveis de potência de pico com as menores diferenças Delta de CK, em doze (12) atletas de futebol universitário, tendo encontrado nestes atletas valores absolutos de CK (11,634 U.L-1, 18,823 U.L-1) próximos aos níveis achados em nosso estudo.

Os níveis da TFG estimada pela equação Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) nos grupos G1MT, G2TI e G3PT não sofreram reduções significativas (p>0,05) em relação à pré-corrida. Autores como Tian et al.17 encontraram resultados diferentes ao investigarem as alterações nos biomarcadores da função renal e da TFG estimada em 10 corredores do sexo masculino (16,2 ± 0,6 anos), durante os períodos de recuperação de 2 h, 4 h, 24 h, após a corrida de 21 km, concluindo que o declínio da função renal não retorna aos níveis pré-corrida durante o período de recuperação de 24 horas. Acredita-se que a duração da prova (6 Km) no nosso estudo foi um importante fator a não influenciar nestas alterações da TFG, onde o tempo de exposição destes atletas aos fatores de desidratação (temperatura elevada e umidade alta) foram minimizados. Os efeitos da desidratação na menor TFG são explicados pela maior redução do fluxo sanguineo renal produzida pela produção das catecolaminas como a adrenalina, causando constrição intensa das arteríolas aferentes, com grande redução da pressão nos capilares glomerulares que podem reduzir drasticamente a filtração do plasma e consequentemente o aumento da pressão coloidosmótica glomerular (aumento das proteínas plasmáticas). Estudo como dos autores Machado et al.7 demonstrou uma redução da TFG, aumentos da C sérica e uma alta correlação entre os níveis elevados de CK em mulheres, realizando um treinamento de força em circuito com 3 séries de 12 repetições, com intervalos menores que 15 segundos, com uma menor TFG calculada pelas equações de estimativas Modification of Diet in Renal Disease MDRD (r = -0.924; p= 0,01), Cockcroft-Gault CG (r = -0.884; p= 0,01) e Mayo Clinic Quadratic Equation MCQE (r = -0.644; p= 0,05). Outro fator provocado pela desidratação, durante e após o exercício físico, é uma maior secreção de Aldosterona ou Vasopressina7, pois este hormônio esteróide, regula a diurese através da reabsorção de água nos ductos coletores.

As equações de estimativas dos níveis da TFG são fortes preditoras de risco de complicações da função renal. Após a corrida, apenas dois atletas no nosso estudo apresentaram uma TFG de 51 mL.min.1,73 m2, classificado no estágio 3 com uma moderada redução na TFG26. Dentro do contexto, Lippi et al.27 estudaram as variações das equações de estimativa da TFG pelas equações de CG, MDRD e MCQE no repouso, em 60 ciclistas profissionais, comparados aos 60 sujeitos sedentários saudáveis. Os resultados apontaram os seguintes resultados; MDRD (119 versus 104 ml.min.1,73m2, p<0,001), MCQE (137 versus 135 ml.min.1,73m2, p=0,128) e CG (127 versus 127 ml.min.1,73m2, p=0,490), respectivamente, concluindo que as equações CG e MCQE são mais adequadas que a equação MDRD, uma vez que parece apresentar mais robustez contra variações no regime de treinamento de atletas de resistência. Assim, os valores da TFG dos dois atletas podem ter sido subestimados pela equação MDRD utilizada no nosso estudo, pois para estimar a TFG através das equações CG e MCQE, o volume urinário de 24h e a massa corporal (kg) são necessários e estas variáveis não foram contempladas na metodologia deste estudo por se tratar de um evento esportivo oficial.

CONCLUSÃO

De acordo com os dados encontrados na presente pesquisa, pode-se inferir que houve um aumento significativo nos valores pós-corrida nos níveis de Creatinina (C) em todos os grupos (G1MT, G2TI e G3PT), fato este que pode ser atribuído à alta intensidade da atividade, visto que o percurso era relativamente curto (6 Km). O Ácido Úrico (AU) também mostrou-se elevado em todos os grupos em relação aos valores pré-corrida, enquanto os níveis da Taxa de Filtração Glomerular (TFG), estimada pela equação Modification of Diet in Renal Disease (MDRD), apesar de sofrerem redução em relação aos valores pré-corrida, não apresentaram diferenças estatisticamente significativas, provavelmente, devido à redução do tempo de exposição dos atletas aos fatores climáticos. Já a CK não demonstrou alterações significativas, embora tenha aumentado a sua concentração, provavelmente, devido ao dano ocasionado nas fibras musculares ter sido relativamente brando para a população testada.

Ressalta-se que, apesar dos resultados permitirem o monitoramento de lesões silenciosas e de serem de boa confiabilidade, novos estudos devem ser feitos em relação às variáveis pesquisadas, principalmente, mensurando as alterações que ocorrerão com um maior tempo de recuperação (24, 48, 72 horas) após a prova, além de tentar controlar variáveis que não foram contempladas nesta pesquisa, como o pace dos atletas, níveis de hidratação, entre outras.

Recebido em 07/06/11

Revisado em 01/12/11

Aprovado em 03/08/12

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  • Endereço para correspondência:

    Anderson Pontes
    Morales Machado de Assis, n. 12. Parque Rosário
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Jun 2011
    • Aceito
      03 Ago 2012
    • Revisado
      01 Dez 2011
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