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Determinação dos metabolismos lático e alático da capacidade anaeróbia por meio do consumo de oxigênio

Determination of lactic and alactic metabolisms of the anaerobic capacity using oxygen uptake

Resumos

Tem sido sugerido que a participação do metabolismo anaeróbio alático (MAA) pode ser estimada a partir do cálculo da fase rápida do excesso do consumo de oxigênio após o exercício (EPOC RÁPIDO). Considerando que o Déficit Máximo Acumulado de Oxigênio (MAOD) representa a quantidade total de energia transferida pelos metabolismos anaeróbios, o objetivo desse estudo foi analisar se o método de subtrair o EPOC RÁPIDO do MAOD (MAOD LA-1) proporciona uma estimativa satisfatória do metabolismo anaeróbio lático (MAL). Para esse fim, o MAOD LA-1 foi comparado ao método capaz de expressar em equivalente de oxigênio a energia oriunda do acúmulo de lactato no sangue (MAOD LA-2). Nove homens adultos ativos foram submetidos a quatro sessões experimentais: 1) um teste progressivo até a exaustão em um cicloergômetro para a mensuração do consumo máximo de oxigênio (VO2max) e da potência externa correspondente ao VO2max (WVO2max); 2 e 3) seis testes de cargas constantes (3 testes por sessão) com intensidades abaixo da WVO2max; 4) um teste de carga constante com a intensidade equivalente a 110% da WVO2max. O principal achado foi que os dois métodos (MAOD LA-1 e MAOD LA-2) empregados na estimativa da contribuição do MAL no MAOD geraram valores estatisticamente similares (p > 0,05). Além disso, os valores percentuais do MAOD LA-1 (representando o MAL) e do EPOC RÁPIDO (representando o MAA) foram de aproximadamente 78% e 22%, respectivamente. Logo, os procedimentos propostos na presente investigação podem auxiliar futuros trabalhos que porventura objetivem fragmentar as contribuições dos componentes anaeróbio do MAOD.

Bioenergética; Lactato; Oxigênio


It has been suggested that the participation of alactic anaerobic metabolism (AAM) in physical activity can be estimated by calculating the fast component of excess post-exercise oxygen consumption (EPOC FAST). Considering that maximal accumulated oxygen deficit (MAOD) represents the total amount of energy transferred by anaerobic metabolisms, this study aimed to analyze whether subtracting EPOC FAST from MAOD (MAOD LA-1) provides a satisfactory estimate of lactic anaerobic metabolism (LAM). For this purpose, MAOD LA-1 was compared with the method by which the energy derived from blood lactate accumulation (MAOD LA-2) is expressed as oxygen equivalent. Nine active adult men were submitted to four experimental sessions: 1) a maximal incremental exercise test until exhaustion on a cycle ergometer to measure the maximal oxygen consumption (VO2max) and the external power corresponding to VO2max (WVO2max); 2) and 3) six constant-workload tests (3 per session) at intensities below WVO2max; 4) one constant-workload test at an intensity corresponding to 110% of WVO2max. The main finding was that both methods (MAOD LA-1 e MAOD LA-2) that were used to estimate the contribution of LAM in MAOD resulted in similar statistical values (p > 0.05). In addition, percentage values of MAOD LA-1 (representing MAL) and EPOC FAST (representing AAM) were approximately 78 and 22%, respectively. Thus, the procedure proposed in this paper may be of interest to future studies on the

Bioenergetics; Lactate; Oxygen


ARTIGO ORIGINAL

Determinação dos metabolismos lático e alático da capacidade anaeróbia por meio do consumo de oxigênio

Determination of lactic and alactic metabolisms of the anaerobic capacity using oxygen uptake

Rodrigo Poles UrsoI; Marcos David Silva-CavalcanteI,II; Carlos Rafaell Correia-OliveiraI,II; Salomão BuenoI; Mayara Vieira DamascenoI; Adriano Eduardo Lima-SilvaII; Rômulo BertuzziI

IUniversidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Grupo de Estudos em Desempenho Aeróbio. São Paulo, SP. Brasil

IIUniversidade Federal de Alagoas. Faculdade de Nutrição. Grupo de Pesquisa em Ciências do Esporte. Alagoas, AL. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rodrigo Poles Urso Universidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. Departamento de Esporte Av. Prof. Mello Moraes, 65. Cidade Universitária 05508-030 - São Paulo, SP. Brasil E-mail: rodrigo.urso@usp.br

RESUMO

Tem sido sugerido que a participação do metabolismo anaeróbio alático (MAA) pode ser estimada a partir do cálculo da fase rápida do excesso do consumo de oxigênio após o exercício (EPOCRÁPIDO). Considerando que o Déficit Máximo Acumulado de Oxigênio (MAOD) representa a quantidade total de energia transferida pelos metabolismos anaeróbios, o objetivo desse estudo foi analisar se o método de subtrair o EPOCRÁPIDO do MAOD (MAODLA-1) proporciona uma estimativa satisfatória do metabolismo anaeróbio lático (MAL). Para esse fim, o MAODLA-1 foi comparado ao método capaz de expressar em equivalente de oxigênio a energia oriunda do acúmulo de lactato no sangue (MAODLA-2). Nove homens adultos ativos foram submetidos a quatro sessões experimentais: 1) um teste progressivo até a exaustão em um cicloergômetro para a mensuração do consumo máximo de oxigênio (VO2max) e da potência externa correspondente ao VO2max (WVO2max); 2 e 3) seis testes de cargas constantes (3 testes por sessão) com intensidades abaixo da WVO2max; 4) um teste de carga constante com a intensidade equivalente a 110% da WVO2max. O principal achado foi que os dois métodos (MAODLA-1 e MAODLA-2) empregados na estimativa da contribuição do MAL no MAOD geraram valores estatisticamente similares (p > 0,05). Além disso, os valores percentuais do MAODLA-1 (representando o MAL) e do EPOCRÁPIDO (representando o MAA) foram de aproximadamente 78% e 22%, respectivamente. Logo, os procedimentos propostos na presente investigação podem auxiliar futuros trabalhos que porventura objetivem fragmentar as contribuições dos componentes anaeróbio do MAOD.

Palavras-chave: Bioenergética; Lactato; Oxigênio.

ABSTRACT

It has been suggested that the participation of alactic anaerobic metabolism (AAM) in physical activity can be estimated by calculating the fast component of excess post-exercise oxygen consumption (EPOCFAST). Considering that maximal accumulated oxygen deficit (MAOD) represents the total amount of energy transferred by anaerobic metabolisms, this study aimed to analyze whether subtracting EPOCFAST from MAOD (MAODLA-1) provides a satisfactory estimate of lactic anaerobic metabolism (LAM). For this purpose, MAODLA-1 was compared with the method by which the energy derived from blood lactate accumulation (MAODLA-2) is expressed as oxygen equivalent. Nine active adult men were submitted to four experimental sessions: 1) a maximal incremental exercise test until exhaustion on a cycle ergometer to measure the maximal oxygen consumption (VO2max) and the external power corresponding to VO2max (WVO2max); 2) and 3) six constant-workload tests (3 per session) at intensities below WVO2max; 4) one constant-workload test at an intensity corresponding to 110% of WVO2max. The main finding was that both methods (MAODLA-1 e MAODLA-2) that were used to estimate the contribution of LAM in MAOD resulted in similar statistical values (p > 0.05). In addition, percentage values of MAODLA-1 (representing MAL) and EPOCFAST (representing AAM) were approximately 78 and 22%, respectively. Thus, the procedure proposed in this paper may be of interest to future studies on the

Key words: Bioenergetics; Lactate; Oxygen.

INTRODUÇÃO

Acredita-se que, durante o exercício cíclico de alta intensidade, o metabolismo aeróbio exerce a sua predominância a partir do trigésimo segundo1. Por outro lado, nos instantes iniciais dos exercícios físicos de alta intensidade e com curta duração (< 30s), a sustentação dos processos que requerem energia durante a contração muscular ocorre, preferencialmente, por vias que não necessitam de oxigênio (O2), denominadas de metabolismo anaeróbio2. Esse metabolismo, por sua vez, é subdividido em metabolismo anaeróbio alático (MAA) e metabolismo anaeróbio lático (MAL). O MAA se refere à hidrólise dos estoques de adenosina trifosfato (ATP) e de fosfocreatina (CP), ao passo que o MAL se refere à degradação parcial da glicose, resultando na formação de ácido lático2,3.

A capacidade anaeróbia (CAN), definida como a quantidade total de energia transferida pelos metabolismos anaeróbios, durante a execução de um exercício de alta intensidade3, pode ser estabelecida com precisão pela análise direta dos substratos do metabolismo anaeróbio, os quais são obtidos por meio de biópsia muscular antes e após o exercício físico4. No entanto, em virtude da característica invasiva dessa técnica e da dificuldade em se estimar a massa muscular envolvida, alguns estudos têm empregado o Déficit Máximo Acumulado de Oxigênio (MAOD) na determinação da contribuição anaeróbia em diversas tarefas esportivas1,5.

Alguns estudos têm apresentado limitações acerca do MAOD6-7. Por exemplo, Buck e Mcnaughton7 demonstraram que a redução do número de testes submáximos para o cálculo do MAOD é capaz de interferir nos resultados, sugerindo que o MAOD é dependente do tipo de protocolo utilizado. Entretanto, a validade desse teste tem sido demonstrada a partir de diferentes perspectivas8-9. Do ponto de vista metodológico, o cálculo do MAOD é baseado na mensuração do consumo de oxigênio (VO2) em múltiplos testes de cargas constantes. Inicialmente, a relação linear entre VO2-carga dos testes submáximos é determinada para estimar a demanda metabólica do exercício supramáximo. Em seguida, o MAOD é calculado pela diferença entre a demanda metabólica estimada e o VO2 acumulado durante o exercício supramáximo, o qual deve ter a duração entre 2 e 6 minutos10.

A partir de dados obtidos por biópsia muscular, observou-se que as participações do MAL e do MAA no MAOD são em torno de 75% e 25%, respectivamente7. Contudo, ao passo que o valor do MAOD pode variar, por exemplo, a partir de efeitos de suplementação11,12, é plausível pressupor que essa variação pode ocorrer em razão da variação da contribuição do MAA e do MAL. Nesse sentido, parece ser importante a realização de estudos que proponham outros métodos mais simples do que a biópsia muscular e que também sejam capazes de estimarem a participação dos componentes anaeróbios no MAOD, com a finalidade de analisar uma possível variação na magnitude da participação em cada um deles após algum tipo de intervenção.

Acredita-se que durante a fase inicial do período de recuperação de um exercício o restabelecimento dos estoques da CP ocorre por processos metabólicos que dependem do VO213,14. Por sua vez, di Prampero e Ferretti14 apresentaram um método capaz de expressar em equivalente de O2 a energia oriunda do acúmulo de lactato no sangue (Δ[La-]). Logo, diversos trabalhos empregaram a fase rápida do excesso do consumo de oxigênio após o exercício (EPOCRÁPIDO) e a concentração sanguínea de lactato ([La-]) para estimarem as participações do MAA e MAL, respectivamente15,16.

Nesse sentido, ao considerarmos que o EPOCRÁPIDO reflete a participação do MAA, é possível suspeitar que a diferença dessa medida pelo MAOD possa representar a participação do MAL. Nesse caso, sugere-se que informações acerca dos MAA e MAL possam ser proporcionadas, utilizando-se apenas a mensuração do VO2, sem a medida de lactato. Portanto, o objetivo desse estudo foi analisar se a subtração do EPOCRÁPIDO do MAOD proporciona uma estimativa satisfatória do MAL. Com base nos referenciais teóricos e procedimentais empregados nos estudos supracitados, a nossa hipótese foi que a porção do MAL no MAOD pode ser determinada subtraindo-se o EPOCRÁPIDO do MAOD (MAODLA-1). Além disso, os valores do MAODLA-1 seriam similares aos cálculos propostos por di Prampero e Ferretti14 para a determinação do MAL mediante a análise das concentrações sanguíneas de lactato (MAODLA-2).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Amostra

Nove indivíduos fisicamente ativos do sexo masculino (idade: 23 ± 4 anos, estatura: 176,4 ± 6,8 cm, massa corporal: 72,4 ± 8,2 kg e percentual de gordura corporal: 12,0 ± 4,5 %), aparentemente saudáveis e já familiarizados com exercício exaustivo, participaram voluntariamente desse estudo após a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os sujeitos estavam isentos de tratamentos farmacológicos, não eram fumantes e estavam livres de qualquer tipo de distúrbio neuromuscular ou cardiovascular. Os procedimentos adotados no presente estudo foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Protocolo de Pesquisa n. 2006/06).

Desenho experimental

Todos os sujeitos foram submetidos a quatro sessões experimentais, as quais tiveram o intervalo mínimo de 72 horas e máximo de três semanas. Na primeira sessão, os sujeitos realizaram um teste progressivo até a exaustão em um cicloergômetro para a mensuração do consumo máximo de oxigênio (VO2max) e da potência externa correspondente ao VO2max (WVO2max). Na segunda e na terceira sessões, os sujeitos foram submetidos a seis testes de cargas constantes (3 testes por sessão) com intensidades abaixo da WVO2max. Na quarta sessão, foi realizado um teste de carga constante com a intensidade equivalente a 110% da WVO2max. A ordem das sessões 2-3, bem como a dos testes sub-VO2max foi estabelecida aleatoriamente. Os testes foram realizados com a temperatura ambiente semelhante (20-24oC) e duas horas após a última refeição. Os sujeitos foram solicitados a não praticarem exercícios físicos extenuantes e a não ingerirem álcool nas 48 horas que antecederam as coletas dos dados. No intuito de evitar possíveis influências ergogênicas e do ritmo circadiano, todos os testes foram realizados no mesmo período do dia e os sujeitos foram instruídos a não consumirem substâncias que possuíssem cafeína nas 48 horas que precediam os testes.

Medidas antropométricas

As medidas antropométricas foram realizadas por um único avaliador, conforme os procedimentos sugeridos por Norton e Olds17. A massa corporal foi medida por uma balança eletrônica com precisão de 0,1 kg (Filizola, modelo ID 1500, São Paulo, Brasil) e a estatura foi mensurada com um estadiômetro de madeira com precisão de 0,1 cm. As dobras cutâneas foram medidas em quatro pontos anatômicos (tríceps, suprailíaca, abdominal e coxa) por meio de um compasso da marca Harpenden (West Sussex, UK). A mediana dos valores dessas medidas, as quais foram realizadas três vezes e ao lado direito do corpo, foi empregada na estimativa da composição corporal. A densidade corporal foi estimada pela equação generalizada de Jackson e Pollock18, ao passo que o percentual de gordura foi estabelecido pela equação de Brozek et al.19.

Determinação do consumo máximo de oxigênio

O teste incremental até a exaustão foi realizado em um cicloergômetro eletromagnético de membros inferiores (Godart-Holland, LANNOY). A altura do selim foi individualmente ajustada, tendo como referência a extensão quase total dos joelhos em um ciclo completo do pedal. Antes do início do teste, os participantes permaneceram cinco minutos sentados no cicloergômetro para o estabelecimento da linha de base do VO2 (VO2LB), a qual foi determinada a partir da média aritmética do VO2 nos trinta segundos finais desse período. Após o aquecimento de 3 minutos com apenas a resistência inercial do equipamento, os sujeitos se exercitaram com o ritmo em 60 rpm e com o incremento da intensidade de 30 W•min-1. O teste foi interrompido quando a cadência do pedal era menor que 50 rpm. Durante todo o teste as trocas gasosas e a frequência cardíaca (FC) foram mensuradas respiração a respiração e a cada batimento, respectivamente. Amostras de sangue foram coletas imediatamente após o teste, no segundo e no terceiro minutos da recuperação para mensuração das concentrações sanguíneas de lactato de pico ([La-]pico), ao passo que a frequência cardíaca máxima (FCmax) foi estabelecida pelo maior valor medido ao final do teste. O VO2max foi determinado quando, pelo menos, três dos seguintes critérios foram obtidos: 1) exaustão voluntária do sujeito; 2) aumento do VO2 menor que 2,1 ml•kg-1•min-1 mediante o incremento da intensidade; 3) razão de trocas respiratórias maiores que 1,10; 4) concentração de lactato sanguíneo após o teste maior que 8,0 mmol•l-1; 5) FCmax predita pela idade (220-idade)20. A WVO2max foi estabelecida como a potência externa máxima em que o VO2max foi alcançado.

Testes submáximos com cargas constantes

O cicloergômetro, o ajuste da altura do selim, o ritmo do pedal, o aquecimento, o critério de interrupção e a mensuração do VO2 nos exercícios com cargas constantes foram idênticos aos empregados no teste progressivo até a exaustão. Os sujeitos se exercitaram por dez minutos, ou até a exaustão voluntária, em seis testes de intensidades abaixo da WVO2max (40-90% da WVO2max). O período de recuperação entre essas tarefas foi de aproximadamente dez minutos, ou até atingir o valor individual do VO2LB. A média do VO2, no último minuto dessas tarefas, foi utilizada para representar o valor de pico do VO2 nessas tarefas. O pico da FC foi medido ao final dos testes. Além disso, amostras contendo 25µl de sangue foram coletadas do lóbulo da orelha antes de cada teste ([La-]repouso), imediatamente após o término, no terceiro, no quinto e no sétimo minutos de recuperação para a mensuração das [La-]. O maior valor após o exercício foi utilizado para representar o lactato de pico.

Teste supramáximo com carga constante

No teste supramáximo, os sujeitos se exercitaram até a exaustão voluntária em uma intensidade acima da WVO2max (110% da WVO2max). Nesse caso, o cicloergômetro, o ajuste da altura do selim, o ritmo do pedal, o aquecimento, o critério de interrupção e a mensuração do VO2 foram idênticos aos empregados no teste progressivo até a exaustão. Além disso, o valor pico do VO2 e da FC, assim como as medidas das [La-] de repouso e pico, foram feitas da mesma forma que nos testes submáximos com cargas constantes.

Coleta dos dados fisiológicos

O VO2 foi mensurado continuamente por meio de um analisador de gases portátil (K4b2 Cosmed, Roma, Itália), ao passo que a FC foi medida por um cardiofrequencímetro (Polar, Kempele, Finlândia) acoplado a esse equipamento. Uma máscara de silicone com baixa resistência que mantém o nariz e a boca cobertos (Hans Rudolph, Kansas City, USA) foi empregada na coleta do ar utilizado nas análises da ventilação, das frações do oxigênio e do dióxido de carbono. Antecedendo cada sessão de coleta de dados, o analisador de gases foi calibrado, utilizando o ar ambiente e com um gás de composição conhecida (20,9% de O2 e 5% de CO2). A calibração do fluxo de ar foi realizada com uma seringa com volume de 3 litros (Quinton Instruments, Seattle, WH). A calibragem do tempo de atraso para a análise da amostra de ar expirada foi realizada de acordo com as especificações do fabricante (K4b2 instruction manual). Esse tempo de atraso é de, aproximadamente, 500 ms e automaticamente considerado nos cálculos das trocas gasosas. As concentrações sanguíneas de lactato foram determinadas por meio de um analisador automático de lactato (Yellow Springs 1500 Sport, Ohio, USA), o qual foi calibrado a cada dez análises, tendo como referência a concentração de lactato de 5 mmol•l-1.

Cálculos

A média aritmética do VO2 nos trinta segundos finais dos exercícios sub-WVO2max foi plotada sobre as suas respectivas intensidades para desenvolver individualmente as equações de regressão linear. Os coeficientes angulares gerados a partir dessas equações foram empregados na estimativa da demanda de oxigênio (VO2DEM) do exercício supra-WVO2max (Equação 1). O método trapezoidal foi utilizado para calcular a área integral do VO2 durante a realização do exercício supra-WVO2max. Em seguida, o VO2 acumulado (VO2ACUM) foi determinado a partir da exclusão do VO2LB21. O MAOD foi estabelecido a partir da subtração do VO2DEM sobre o VO2ACUM.

Onde VO2DEM é a demanda de O2 estimada para o exercício supra-WVO2max; 110 é a intensidade do exercício supra-WVO2max; b é o coeficiente angular em l•min-1 gerado a partir da regressão linear estabelecida entre VO2-intensidade dos testes sub-WVO2max; t é o tempo de duração do exercício expresso em segundos.

Conforme descrito previamente22, na análise da resposta da cinética off do VO2 na intensidade supra-WVO2max foi aplicado um modelo biexponencial (Equação 2) (Origin, Microcal, USA). Assim, o EPOCRÁPIDO foi determinado pelos termos que denotam o componente rápido do excesso do consumo após o exercício (Equação 3).

Onde 1 e 2 denotam, respectivamente, o componente rápido e lento do excesso do consumo de oxigênio após o exercício; y0 = linha de base; A, e são referentes à amplitude em ml•min-1, à constante de tempo (s) e ao tempo de atraso (s), respectivamente.

O MAODLA-1 foi determinado pela área remanescente do MAOD após a subtração do EPOCRÁPIDO (MAODLA-1 = MAOD - EPOCRÁPIDO). O MAODLA-2 foi calculado assumindo que 1 mmol•l-1 dos Δ[La-] no exercício supra-WVO2max equivale ao valor fixo de 3 ml de O2•kg-1 da massa corporal14.

Análises estatísticas

Todas as análises foram feitas utilizando o programa computadorizado SPSS (versão 13.0, Chicago, USA). A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk e apresentaram distribuição normal. Os dados foram reportados como médias e desvios padrão. A comparação entre os dois métodos adotados para se estimar a participação do MAL (MAODLA-1 e MAODLA-2) no MAOD foi realizada por meio do teste t de Student para dados pareados. O nível de concordância entre os dois métodos foi testado por meio da plotagem de Bland-Altman23. Além disso, a correlação entre os métodos foi verificada através do teste de correlação de Pearson. O nível de significância adotado para todas as análises foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

As variáveis analisadas no teste progressivo até a exaustão estão presentes na tabela 1, ao passo que a tabela 2 apresenta os dados obtidos no exercício supra-WVO2max.

Os valores são expressos em médias ± desvios padrão. VO2LB = consumo de oxigênio em repouso; VO2max = consumo máximo de oxigênio; WVO2max = potência externa correspondente ao VO2max; R = razão de trocas respiratórias; FCmax = frequência cardíaca máxima; [La-]pico = concentrações sanguíneas de lactato de pico.

Os valores são expressos em médias ± desvios padrão. VO2pico = consumo de oxigênio de pico; FCpico = frequência cardíaca de pico; [La-]pico = concentrações sanguíneas de lactato de pico; [La-]repouso = concentrações sanguíneas de lactato em repouso; EPOCRÁPIDO = fase rápida do excesso do consumo de oxigênio após o exercício físico.

A figura 1 mostra a comparação entre a estimativa do MAODLA-1 e do MAODLA-2. Nesse caso, não foi observada diferença significante entre os dois valores (p > 0,05).


A concordância entre os dois métodos através da plotagem de Bland-Altman está apresentada na figura 2. Nesse caso, o valor do viés foi próximo de zero. Além disso, a correlação entre os dois métodos foi alta (r = 0,91, p < 0,01).


A participação em termos percentuais do MAODLA-1 (representando a participação do MAL) e do EPOCRÁPIDO (representando a participação do MAA) no MAOD foi de 78% e 22%, respectivamente. A tabela 3 demonstra os resultados dos termos da equação utilizada para ajustar a resposta da cinética off do VO2.

Os valores são expressos em médias ± desvios padrão. A = amplitude; t = constante de tempo; 1 e 2 denotam a fase rápida e lenta da reposta cinética off, respectivamente; d = tempo de atraso.

DISCUSSÃO

Pelo nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo que se propôs analisar a possibilidade de se estimar o componente lático do MAOD mediante a subtração do EPOCRÁPIDO do MAOD. O principal achado foi que os dois métodos (MAODLA-1 e MAODLA-2) empregados na estimativa da contribuição do MAL no MAOD geraram valores estatisticamente similares. Além disso, os valores percentuais do MAODLA-1 (representando o MAL) e do EPOCRÁPIDO (representando o MAA) foram de, aproximadamente, 78% e 22%, respectivamente.

Entre as limitações dos métodos utilizados para quantificar a contribuição do metabolismo anaeróbio no presente estudo, pode-se destacar o surgimento do componente lento do VO2max nos testes submáximos que poderia influenciar na estimativa da demanda de oxigênio do exercício supra-WVO2max24. Adicionalmente, a contribuição do metabolismo anaeróbio lático pode ser subestimada quando determinada pela concentração de lactato sanguíneo, visto que o lactato muscular pode ser removido por fibras oxidativas antes de entrar na circulação25. Independentemente das vantagens e das limitações6-7, o MAOD tem sido considerado o procedimento mais aceitável para avaliação indireta da CAN desde o início da década de 19908. Sua validade tem sido estabelecida a partir de diferentes perspectivas, tais como, a capacidade de acompanhar as mudanças proporcionadas pelo treinamento predominantemente anaeróbio9, nas correlações significativas constatadas com outros testes anaeróbios26 e em virtude de se manter inalterado mediante a situação de hipóxia10.

Já foi apresentado na literatura que a participação do MAL no MAOD pode ser estimada a partir da biópsia muscular8. Outra possível maneira de se estimar esse componente seria através da mensuração da concentração de lactato, utilizando-se o método sugerido por di Prampero e Ferretti14. No entanto, o presente estudo demonstrou que o método MAODLA-1 foi capaz de estimar a participação do MAL, utilizando apenas a medida do VO2, à medida que não foi detectada diferença significante entre os métodos MAODLA-1 e MAODLA-2. Além disso, a alta correlação entre os dois métodos (r = 0,91, p < 0,01) e o valor do viés próximo de zero apresentado pela plotagem de Bland-Altman indicam uma elevada concordância entre os dois métodos propostos. Assim, a mensuração de uma única variável (VO2) parece ser o suficiente para se estimar a participação do MAL no MAOD, não sendo necessária a utilização de técnicas mais invasivas, como a biópsia muscular e a coleta de sangue para a mensuração da concentração de lactato. Adicionalmente, nessa circunstância, a medida do VO2 não só permite estimar a participação do MAL como também a do MAA, através do cálculo do EPOCRÁPIDO.

Estudos prévios detectaram o aumento de, aproximadamente, 10% no MAOD após a suplementação com a creatina monohidratada11 ou com a cafeína12, sugerindo-se que os principais efeitos ergogênios dessas substâncias estão no acréscimo da contribuição do MAA e do MAL, respectivamente. No entanto, essas inferências foram realizadas sem a devida obtenção de dados experimentais, haja vista que a versão tradicional do MAOD não permite estimar os seus componentes anaeróbios. Na presente investigação, os dados obtidos acerca das contribuições percentuais do MAL (78%) e do MAA (22%) no MAOD são similares aos resultados obtidos por meio de biópsia muscular7 ou por estimativas feitas com base em dados das mudanças metabólicas no músculo esquelético descritos na literatura científica10. Nesse sentido, parece que a adição do EPOCRÁPIDO nos cálculos do MAOD pode auxiliar futuros estudos, à medida que eles viabilizam valores percentuais satisfatórios das contribuições dos componentes anaeróbios durante o exercício de alta intensidade.

Alterações no valor do MAOD também são observadas após períodos de treinamento físico9,27. Por exemplo, no estudo de Ravier et al.27, um grupo de atletas de Karatê realizou o treinamento normal da modalidade e mais duas sessões semanais de treinamento intermitente, composto por 7-9 séries de sprints de 20 segundos (intensidade aproximada de 140% do VO2max), intercalados por 15 segundos de pausa, enquanto que um outro grupo de atletas da mesma modalidade realizou apenas o treinamento normal de Karatê. Nessa ocasião, verificou-se um aumento de 10,3% do MAOD no grupo que realizou as duas sessões adicionais de treinamento intermitente após um período de 7 semanas, enquanto que o outro grupo não obteve alterações significantes. Dessa maneira, a investigação da participação do MAA e do MAL no MAOD poderia ser uma estratégia interessante a fim de avaliar qual desses dois sistemas contribuiu mais para a alteração desse índice. Adicionalmente, essa estratégia pode ser interessante, também, nos casos em que se comparam dois tipos diferentes de treinamento28, de modo que, mesmo não havendo alterações no valor do MAOD, não exclui a possibilidade de ocorrer alterações significantes na participação relativa dos componentes anaeróbios.

Os valores do MAOD obtidos no presente estudo são similares aos descritos para sujeitos saudáveis em cicloergômetro9. Além disso, o MAOD, o tempo de permanência e a potência externa utilizada no teste supramáximo foram substancialmente menores que os reportados para ciclistas profissionais26. De certa forma, esses dados corroboram outros achados que demonstraram a capacidade do MAOD em diferenciar sujeitos com diferentes níveis de aptidão anaeróbia29.

Em relação à resposta da cinética off do VO2, os resultados obtidos na presente investigação corroboram parcialmente os dados apresentados na literatura científica. Interessantemente, o d foi diferente de zero na intensidade de 110% WVO2max. Esse achado confirma os resultados de outro estudo que detectou o d de aproximadamente 25s na resposta cinética off do VO2 na corrida intensa (18km/h com 20% de inclinação)30. Isso poderia indicar a existência de uma fase cardiodinâmica ao término do exercício físico exaustivo de curta duração. Em outras palavras, talvez o elevado débito cardíaco induzido pela atividade física intensa prévia seja um dos responsáveis pelo VO2 elevado durante os segundos iniciais da recuperação.

CONCLUSÕES

Os achados do presente estudo sugerem que o componente anaeróbio lático do MAOD pode ser estimado satisfatoriamente subtraindo-se o EPOCRÁPIDO do MAOD. Além disso, o método proposto é capaz de indicar a participação percentual dos metabolismos anaeróbio lático e alático.

Recebido em 25/06/12

Revisado em 12/01/13

Aprovado em 17/03/13

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  • Endereço para correspondência
    Rodrigo Poles Urso
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    Departamento de Esporte
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Jun 2012
    • Aceito
      17 Mar 2013
    • Revisado
      12 Jan 2013
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