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Fatores associados à autoavaliação do peso corporal em mulheres praticantes de academia

Resumo

Analisar os fatores associados à autoavaliação do peso corporal (AAPC) em mulheres praticantes de exercícios físicos em academias. A coleta de dados foi realizada nas maiores academias da cidade de Presidente Prudente-SP, sendo a amostra constituída por 200 mulheres com idade média de 25,5±9,7 anos. A AAPC foi realizada mediante o preenchimento de questionário com opções de resposta em escala de Likert. As variáveis independentes analisadas foram: acompanhamento com nutricionista, idade cronológica, estado nutricional (avaliado pelo IMC), percepção da qualidade de vida e estado civil. O teste qui-quadrado e a regressão logística binária foram utilizados (p<5%). Encontrou-se elevada proporção de mulheres que autoavaliaram seu peso corporal em outras categorias diferentes da opção normal (59% [IC95%: 52,2-65,8]), sendo que as mulheres com excesso de peso apresentaram uma probabilidade maior dessa ocorrência (3,70 [IC95%: 1,83-7,49]), similarmente àquelas com menor percepção da qualidade de vida (p=0,001). Dentre as partes corporais avaliadas, a insatisfação com a região abdominal foi a única que apresentou associação com a autoavaliação do peso corporal. Existe elevada ocorrência de mulheres que autoavaliaram seu peso corporal em outras categorias diferentes da opção normal, as quais estão associadas às piores percepções de qualidade de vida e excesso de peso. Além disso, a região abdominal parece ser um foco central de preocupação nessas mulheres.

Palavras-chave:
Academias de ginástica; Imagem corporal; Mulheres; Qualidade de vida

Abstract

This study analyzed factors associated with self-assessment of body weight (SABW) among women who engage in physical exercises at fitness centers. Data collection was conducted at the largest fitness centers in the city of Presidente Prudente, SP, Brazil, with a sample of 200 women with a mean age of 25.5±9.7 years. A questionnaire with responses on a Likert scale was used to conduct SABW. Independent variables analyzed were: consulting with a nutritionist, chronological age, nutritional status (by BMI), perceived quality of life and marital status. The chi-square test and binary logistic regression were used for analysis (p<5%). A high proportion of women self-assessed their body weight in categories other than "normal" (59% [95%CI: 52.2-65.8]), and women with excess weight were more likely to do so (3.70 [95%CI: 1.83-7.49]), as were those with worse perceived quality of life (p=0.001). The women were asked which parts their bodies they wished to change and the abdominal region was the only part that had an association with self-assessment of body weight. There was a high rate of women who self-assessed their body weight in categories other than the option "normal" and this outcome was associated with worse perceived quality of life and having excess weight. Additionally, the major focus of concern for these women was the abdominal region.

Key words:
Body image; Fitness centers; Gyms; Quality of life; Women

INTRODUÇÃO

Atualmente, observa-se um crescimento exponencial nas taxas de obesidade da população mundial. Em vista disso, diversas estratégias têm sido adotadas para o controle do peso corporal1Tirico PP, Stefano SC, Blay SL. Qualidade de vida e transtornos alimentares: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2010;26(3):431-49., em praticantes ou não de exercícios físicos sistematizados2Pereira RF, Lajolo FM, Hirschbruch MD. Consumo de suplementos por alunos de academias de ginástica em São Paulo. Rev Nutr 2003;16(3):265-72..

Por outro lado, historicamente as mulheres têm sido mais influenciadas por questões estéticas que os homens3Camargos CN, Mendonça CA, Duarte SM. Da imagem visual do rosto humano: simetria, textura e padrão. Saúde Soc 2009;18(3):395-410.-5Gordia AP, Silva RCR, Quadros TMB, Campos W. Variáveis comportamentais e sociodemográficas estão associadas ao domínio psicológico da qualidade de vida de adolescentes. Rev Paul Pediatr 2010;28(1):29-35., provavelmente em decorrência de aspectos socioculturais. As três principais fontes de influências socioculturais são a família, colegas e os meios de comunicação, individualmente, ou com maior ênfase, quando combinados. Elas podem levar indivíduos a internalização de crenças e mensagens sociais sobre a importância da magreza para atender aos estereótipos de beleza contemporâneos6Stice E. Modeling of eating pathology and social reinforcement of the thin-ideal predict onset of bulimic symptoms. Behav Res Ther 1998;36(10):931-44..

Em mulheres, essa busca incessante por um corpo magro pode contribuir para a adoção de comportamentos prejudiciais à saúde, tais como a bulimia e a anorexia1Tirico PP, Stefano SC, Blay SL. Qualidade de vida e transtornos alimentares: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2010;26(3):431-49.. Além disso, existe significativo comprometimento da qualidade de vida de indivíduos acometidos por transtornos alimentares7Latner JD, Vallance JK, Buckett G. Health-related quality of life in women with eating disorders: association with subjective and objective binge eating. J Clin Psychol Med Settings 2008;15(2):148-53.-8McHugh MD. Readiness for change and short-term outcomes of female adolescents in residential treatment for anorexia nervosa. Int J Eat Disord 2007;40(7):602-12.. Já entre os homens, prevalece a ideia de um corpo mais forte e volumoso, a qual tem motivado o uso indiscriminado de recursos ergogênicos para maximizar a performance2Pereira RF, Lajolo FM, Hirschbruch MD. Consumo de suplementos por alunos de academias de ginástica em São Paulo. Rev Nutr 2003;16(3):265-72.,9Silva PRP, Machado Júnior LC, Figueiredo VC, Cioffi AP, Prestes MC, Czepielewski MA. Prevalência do uso de agentes anabólicos em praticantes de musculação de Porto Alegre. Arq Bras Endocrinol Metabol 2007;51(1):104-10..

Em contrapartida, a prática do exercício físico tem sido amplamente empregada como uma ferramenta não farmacológica na redução da incidência de doença coronariana, do acidente vascular cerebral, da hipertensão arterial e do diabetes mellitus não insulino dependente10Garber CE, Blissmer B, Deschenes MR, Franklin BA, Lamonte MJ, Lee IM, et al. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Med Sci Sports Exerc 2011;43(7):1334-59.. Paralelamente a isto, nota-se em indivíduos fisicamente ativos o aprimoramento de diversos componentes da aptidão física que, por sua vez, trarão inúmeros benefícios à saúde, principalmente quando ocorre aumento da massa muscular e redução da gordura corporal10Garber CE, Blissmer B, Deschenes MR, Franklin BA, Lamonte MJ, Lee IM, et al. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Med Sci Sports Exerc 2011;43(7):1334-59.. Desse modo, seu efeito prolongado sobre o peso corporal parece ser mais eficiente do que apenas a incorporação da restrição alimentar11Alves JGB, Galé CR, Souza E, Batty GD. Efeito do exercício físico sobre peso corporal em crianças com excesso de peso: ensaio clínico comunitário randomizado em uma favela no Brasil. Cad Saúde Pública 2008;24 (suppl.2):353-9., muitas vezes motivada pelo consumo de literatura não científica12Lima KVG, Bion FM, Lima CR, Nascimento E, Albuquerque CG, Chagas MHC. Valor nutricional de dietas veiculadas em revistas não científicas. Rev Bras Promo Saúde 2010;23(4):349-357..

Muitas dessas atitudes são praticadas em decorrência da insatisfação com a imagem, sobretudo, nos aspectos relacionados ao peso corporal, presente predominantemente nas mulheres13Martins CR, Gordia AP, Silva DAS, Quadros TMB, Ferrari EP, Teixeira DM, et al. Insatisfação com a imagem corporal e fatores associados em universitários. Estud Psicol (Natal), 2012;17(3):241-46..

No caso das mulheres, elas procuram modificar seus corpos de modo a atingir determinados padrões, colocando-os como metas, e quando não o alcançam, demonstram, em consequência, maior rejeição de sua imagem corporal.

Desse modo, nota-se que apesar de todos os benefícios metabólicos, fisiológicos, musculares e psicológicos advindos da prática sistematizada do exercício físico, é comum encontrar relatos de insatisfação das pessoas com a própria aparência. Logo, parece inegável aceitar que pessoas que aderem à prática de atividade física também tenham como objetivo a melhora de padrões estéticos.

Apesar de haver vasta literatura publicada sobre os efeitos agudos e crônicos do treinamento físico10Garber CE, Blissmer B, Deschenes MR, Franklin BA, Lamonte MJ, Lee IM, et al. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Med Sci Sports Exerc 2011;43(7):1334-59., pouco se conhece sobre a percepção que as mulheres têm com relação ao seu peso corporal, particularmente, aquelas que frequentam academias rotineiramente. Tais informações seriam relevantes para detectar possíveis fatores e/ou comportamentos que, aliados à prática de exercícios físicos, poderiam aprimorar a saúde e a qualidade de vida das mesmas.

Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar os fatores associados à autoavaliação do peso corporal (AAPC) em mulheres praticantes de exercícios físicos nas maiores academias da cidade de Presidente Prudente/SP.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Amostra

A presente investigação foi caracterizada como descritiva/analítica de corte transversal e foi realizada durante o ano de 2011, na cidade de Presidente Prudente, região oeste do Estado de São Paulo. Foi desconsiderada a região central (pela inexistência de academias), desse modo, a região metropolitana da cidade foi estratificada em quatro regiões geográficas (norte, sul, leste e oeste,) e dentro de cada uma das quatro regiões o número de clientes de todas as academias foi catalogado, sendo arbitrariamente escolhida apenas a maior em cada uma das regiões, uma vez que elas apresentavam características demográficas e econômicas bastante distintas. Assim, o estudo foi conduzido em quatro academias de Presidente Prudente.

Dentre as academias selecionadas, houve contato prévio com os proprietários e, somente após sua aprovação, os pesquisadores entraram em contato com as alunas. Cada academia forneceu uma lista contendo os nomes de todos os alunos do sexo feminino e, dessa maneira, todas as mulheres frequentadoras dos estabelecimentos foram informadas sobre a realização do estudo.

Na sequência, questionários foram distribuídos para aquelas que demonstraram interesse e cumpriram os seguintes critérios de inclusão: [i] sexo feminino, [ii] não ser o primeiro dia de atividades na academia, [iii] não treinar em outra academia daquelas incluídas no estudo, [iv] possuir idade ≥18 anos, [v] assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Ressalta-se que o questionário foi preenchido individualmente pelas alunas.

Estimou-se um tamanho amostral mínimo de 190 mulheres, utilizando a metodologia descrita por Thomas, Nelson e Silverman14Thomas JR, Nelson JK, Silverman SJ. Métodos de pesquisa em atividade física. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007., considerando uma prevalência esperada de insatisfação com o peso corporal de 55,9%15Araújo DSMS, Araújo CGS. Autopercepção e insatisfação com peso corporal independem da freqüência de atividade física. Arq Bras Cardiol 2003;80(3):235-42., erro amostral de 7% e z=1,96. Acresceu-se 10% ao número mínimo de mulheres, prevendo futuras perdas durante o processo de digitação dos dados, por exemplo: (deixar de responder alguma questão ou não participar da coleta antropométrica de peso corporal [realizada com uma balança digital da marca Plena com capacidade máxima de 150 kg] e estatura [e um estadiômetro de madeira fixado à parede]) de modo que, após as devidas exclusões, o número total de mulheres foi de n=200.

Cada participante recebeu uma carta de esclarecimento, contendo um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) mediante o processo 26/2009.

Variável dependente: autoavaliação do peso corporal

A autoavaliação do peso corporal (AAPC) foi realizada por meio da questão "Como você considera seu peso corporal?", a qual possuía as seguintes possibilidades de resposta (escala do tipo Likert): [i] muito abaixo do peso normal, [ii] um pouco abaixo do peso normal, [iii] normal, [iv] um pouco acima do peso normal e [v] muito acima do peso normal. Para as análises estatísticas do presente estudo, o desfecho "AAPC" foi tratado como qualquer resposta por parte da avaliada diferente da opção "normal". As mulheres preencheram os questionários individualmente e, duas avaliadoras previamente treinadas auxiliaram no esclarecimento de eventuais dúvidas, apenas quando solicitadas. Estas medidas foram adotadas para aprimorar a qualidade dos dados coletados.

Ressalta-se que tanto a variável dependente quanto as independentes foram avaliadas em um único instrumento.

Variáveis independentes

As variáveis analisadas no estudo estão descritas noquadro 1abaixo:

Quadro 1
Variáveis independentes analisadas no estudo

Análise estatística

O teste qui-quadrado analisou as associações entre a variável dependente e as variáveis independentes (correção de Yates foi aplicada em tabelas de contingência com configuração 2x2). Foram inseridas no modelo de regressão apenas as variáveis independentes que apresentaram resultados significativos no teste qui-quadrado (p<0,05). A regressão logística binária (apresentada em valores de odds ratio [OR] e seus respectivos IC95% [ORIC95%]) foi elaborada para analisar a associação entre a variável dependente e todas as variáveis independentes, as quais foram inseridas no modelo simultaneamente. Aquelas variáveis significativas no modelo bruto foram inseridas posteriormente no modelo ajustado, gerando valores de OR ajustados. O software utilizado foi o BioEstat, versão 5.0 (Mamirauá - AM).

RESULTADOS

Dentre as 200 mulheres analisadas, a idade variou entre 18 e 77 anos com média de idade de 25,5±9,7 anos e o número de filhos foi de zero a quatro. Todas as mulheres estavam envolvidas em pelo menos um tipo de atividade física oferecida pela academia (variando de 1 a 3 atividades) e a mediana de tempo frequentando as atividades foi de 240 dias (IC95%: 47,6-741).

Verificou-se elevada ocorrência de mulheres que autoavaliaram seu peso corporal em outras categorias de resposta diferente da opção normal (59% [IC95%: 52,2-65,8]), sendo que 105 mulheres (52,5% [IC95%: 45,6-59,4]) reportaram estar acima do peso e apenas 13 (6,5% [IC95%: 3,1-9,9]) abaixo.

ATabela 1apresenta as variáveis associadas à AAPC.

Tabela 1
Fatores associados à Autoavaliação do Peso Corporal (AAPC) em mulheres frequentadoras das maiores academias de Presidente Prudente-SP (n= 200).

Quando comparadas às mulheres com peso normal, aquelas com sobrepeso apresentaram probabilidade aproximadamente quatro vezes maior de reportar estarem um pouco acima do peso normal OR=3,70 (IC95%: 1,83-7,49). Do mesmo modo, as mulheres que reportaram ter uma percepção de qualidade de vida regular mostraram-se mais insatisfeitas (OR=7,14 IC95%: 2,36-21,6) quando comparadas àquelas com percepção excelente.

ATabela 2apresenta a associação entre a AAPC e as partes corporais que as mulheres relataram o desejo de modificar.

Tabela 2
Partes do corpo associadas à Autoavaliação do Peso Corporal (AAPC) em mulheres frequentadoras das maiores academias de Presidente Prudente-SP (n= 200).

Mulheres que autoavaliaram seu peso nas categorias "um pouco acima do peso normal" e "muito acima do peso normal" relataram de forma mais proeminente o desejo de modificar a região abdominal (OR=3,76 [IC95%: 2,06-6,86]). Em contrapartida, aquelas que não demonstraram o desejo de modificar qualquer parte do corpo apresentaram uma probabilidade 82% menor de se autoavaliarem em categorias diferentes daquela do peso normal (OR= 0,18 [IC95%: 0,06-0,52]).

No momento em que as variáveis associadas significativamente com a AAPC foram levadas ao modelo multivariado, observou-se que mulheres que manifestaram o desejo de modificar a região abdominal, que apresentaram sobrepeso, e relataram uma percepção da qualidade de vida regular e/ou boa, continuaram com as maiores probabilidades de reportar AAPC em categorias diferentes daquela do peso normal. Tais associações são apresentadas naTabela 3.

Tabela 3
Modelo multivariado para a associação entre a Autoavaliação do Peso Corporal (AAPC) e fatores associados em mulheres frequentadoras das maiores academias de Presidente Prudente-SP (n= 200).

DISCUSSÃO

As principais contribuições do presente estudo residem na autoavaliação do peso corporal de mulheres praticantes de exercícios físicos nas maiores academias da cidade de Presidente Prudente-SP. Ao avaliar os fatores relacionados às condições corporais, verificou-se que mais da metade das mulheres da amostra autoavaliaram seu peso corporal em categorias diferentes da opção normal, sendo que 52,5% consideram seu peso acima do normal e apenas 6,5% abaixo do normal, e que 71,3% dessas mulheres estavam insatisfeitas com a região abdominal.

Nesta amostra, 59% das mulheres reportaram não estar com o peso corporal dentro da normalidade, um percentual semelhante aos 55,9% observado entre as adultas cariocas15Araújo DSMS, Araújo CGS. Autopercepção e insatisfação com peso corporal independem da freqüência de atividade física. Arq Bras Cardiol 2003;80(3):235-42., todavia esta proporção foi menor do que os 67,8% verificado entre os 573 estudantes gaúchos16Triches RM, Giugliani ERJ. Insatisfação corporal em escolares de dois municípios da região Sul do Brasil. Rev Nutr 2007;20(2):119-128.com idades de 8 a 10 anos, nesse caso, sugerindo que a insatisfação têm início em idades mais jovens. Existem informações na literatura de que há maior ocorrência de insatisfação com o peso corporal entre as mulheres do que entre os homens15Araújo DSMS, Araújo CGS. Autopercepção e insatisfação com peso corporal independem da freqüência de atividade física. Arq Bras Cardiol 2003;80(3):235-42.. Uma possível explicação para esta maior taxa entre mulheres é o fato de que as mesmas são constantemente cobradas pela sociedade e pelos meios de comunicação para que tenham corpos magros17Ogden J, Evans C. The problem with weighting: effects on mood, self-esteem and body image. Int J Obes Relat Metab Disord 1996;20(3):272-7..

Por outro lado, recentes dados nacionais revelam que mais da metade da população adulta está acima do peso18Ministério da Saúde (BR). Portal da Saúde. Mais da metade da população brasileira tem excesso de peso [Internet]. Brasilia: MS; 2013. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/13145/893/mais-da-metade-da-populacaobrasileira-tem-excesso-de-peso.html. [2013 set 20].
http://portalsaude.saude.gov.br/portalsa...
, e esta também foi uma das causas associadas à percepção do peso na amostra investigada, embora alguns estudos sugiram que essa interação ocorra desde a adolescência16Triches RM, Giugliani ERJ. Insatisfação corporal em escolares de dois municípios da região Sul do Brasil. Rev Nutr 2007;20(2):119-128.,19Blowers LC, Loxton NJ, Grady-Flesser M, Occhipinti S, Dawe S. The relationship between sociocultural pressure to be thin and body dissatisfaction in preadolescent girls. Eat Behav 2003;4(3):229-44.. No presente estudo, mulheres com sobrepeso apresentaram uma probabilidade quase quatro vezes maior de relatar insatisfação com a autoavaliação de seu peso corporal quando comparadas àquelas com IMC normal, todavia estes resultados não são unânimes.

De acordo com a literatura, a imagem corporal é composta por dois componentes: a estima corporal e a insatisfação com o corpo. A primeira se refere ao quanto gostamos de nosso corpo de forma geral, a qual pode incluir outros aspectos além do peso e da forma do corpo, como, por exemplo, rosto, olhos, nariz, boca, pescoço, tronco etc. Já a insatisfação corporal focaliza especificamente preocupações com o peso corporal, forma do corpo e gordura corporal20Smolak L, Levine MP. Body image in children. In: Thompson JK, Smolak L, editors. Body image, eating disorders and obesity in youth: assessment, prevention and treatment. Whashington (DC): American Psychological Association; 2001. p.41-65.. Desse modo, o estado nutricional parece estar associado à insatisfação com a imagem corporal.

Um estudo realizado com 844 adultos, sendo 489 mulheres, no Estado do Rio de Janeiro, verificou que tanto os homens quanto as mulheres gostariam de estar pesando bem menos, com valores médios de -1,85 e de -3,30kg, respectivamente, quando o peso relatado era subtraído do desejado. Nesse estudo, em indivíduos onde foram coletadas informações quanto à percepção da relação peso/altura, observou-se diferenças significativas entre os dois sexos, com as mulheres classificando-se mais frequentemente na categoria de excesso de peso (43%) do que os homens (25%)15Araújo DSMS, Araújo CGS. Autopercepção e insatisfação com peso corporal independem da freqüência de atividade física. Arq Bras Cardiol 2003;80(3):235-42..

Esses achados parecem corroborar, em parte, os verificados em 60 sujeitos do sexo feminino residentes no Estado de São Paulo, onde, por meio da avaliação individual utilizando-se o desenho da figura humana (DFH) e entrevista, identificou-se que as mulheres obesas (n=30) fizeram desenhos mais desproporcionais do que as não obesas, e isto pode estar associado a uma dificuldade em perceber o seu corpo como de fato ele é, o que pode ser considerado um indicador sugestivo de distorção da imagem corporal. Ressalta-se, ainda, que os autores observaram maior sentimento de inferioridade e insatisfação nessas mulheres21Almeida GAN, Loureiro SR, Santos JE. A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do desenho da figura humana. Psicol Reflex Crit 2002;15(2):283-92..

Ao analisar a insatisfação com a imagem corporal, por sexo, em uma amostra composta por 865 universitários de uma instituição pública de Florianópolis/SC, verificou-se que, entre os homens, houve maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal em relação à magreza (43,8%) do que pelo excesso de peso (34,1%). Entretanto, no sexo feminino ocorreu o inverso, com maior prevalência de insatisfação em relação ao excesso de peso (62,4%) do que pela magreza (15,5%)13Martins CR, Gordia AP, Silva DAS, Quadros TMB, Ferrari EP, Teixeira DM, et al. Insatisfação com a imagem corporal e fatores associados em universitários. Estud Psicol (Natal), 2012;17(3):241-46..

Um dos possíveis motivos para maior probabilidade de mulheres com excesso de peso estarem mais insatisfeitas do que os homens, parece residir na influência que a mídia e aspectos culturais exercem sobre essa população na sociedade atual22Guðnadóttir U, Garðarsdóttir RB. The influence of materialism and ideal body internalization on body-dissatisfaction and body-shaping behaviors of young men and women: support for the Consumer Culture Impact Model. Scand J Psychol 2014;55(2):151-59..

Apesar da publicação de alguns resultados bastante contundentes a favor da associação entre a satisfação ou insatisfação com a imagem corporal e aspectos relacionados ao peso, ainda não há consenso sobre esta informação, haja vista que mesmo naquelas pessoas com índice de massa corporal (IMC) classificado dentro da normalidade, é comum ouvir-se relatos de pessoas que se sentem gordas21Almeida GAN, Loureiro SR, Santos JE. A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do desenho da figura humana. Psicol Reflex Crit 2002;15(2):283-92.,23Silva TR, Saenger G, Pereira EF. Fatores associados à imagem corporal em estudantes de Educação Física. Motriz: rev educ fis 2011;17(4): 630-9.. Esses achados sugerem que a percepção subjetiva que uma pessoa tem sobre seu corpo, pode, para ela, ser mais importante do que seu perfil antropométrico.

O excesso de peso também pode estar ligado a transtornos psicológicos, que, por sua vez, poderia influenciar na autoavaliação do indivíduo em relação ao seu corpo, proporcionando maior estado de insatisfação24Jagielski AC, Brown A, Hosseini-Araghi M, Thomas GN, Taheri S. The association between adiposity, mental well-being, and quality of life in extreme obesity. PLoS One 2014; 9(3):e92859.-25Wardle J, Cooke L. The impact of obesity on psychological well-being. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab 2005;19(3):421-40.. Existem relatos que problemas envolvendo mulheres com excesso de peso corporal e insatisfação com o próprio corpo, podem estar relacionados a doenças psicológicas como a depressão26Gavin AR, Simon GE, Ludman EJ. The association between obesity, depression, and educational attainment in women: the mediating role of body image dissatisfaction. J Psychosom Res 2010;69(6):573-81.-28Heo M, Pietrobelli A, Fontaine KR, Sirey JA, Faith MS. Depressive mood and obesity in US adults: comparison and moderation by sex, age, and race. Int J Obes (Lond) 2006;30(3):513-9..

A insatisfação com a imagem corporal pode propiciar a adoção de estratégias maléficas ao organismo com o intuito de atingir o peso desejado, como uso de diuréticos, laxantes, a autoindução de vômitos, realização de atividade física extenuante, dentre outras29Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(3):503-12..

Com o objetivo de identificar as prevalências de sintomas de anorexia nervosa e de insatisfação com a imagem corporal, um estudo foi realizado em 1.148 meninas de 10-19 anos do município de Florianópolis (SC). Como resultado, encontrou-se prevalências de 15,6% e 18,8% respectivamente, e também que a insatisfação com a imagem corporal é o maior fator de risco para a manifestação dos sintomas de anorexia nervosa29Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(3):503-12..

No presente estudo a insatisfação com a autoavaliação do peso corporal foi associada à pior percepção de qualidade de vida. Este resultado também foi previamente observado entre jovens paranaenses5Gordia AP, Silva RCR, Quadros TMB, Campos W. Variáveis comportamentais e sociodemográficas estão associadas ao domínio psicológico da qualidade de vida de adolescentes. Rev Paul Pediatr 2010;28(1):29-35., sendo que aqueles com excesso de peso apresentaram quase duas vezes mais probabilidades de reportar pior qualidade de vida (OR= 1.78 [1.06-3.04]). Uma das explicações para esse achado pode estar na própria limitação que o excesso de peso pode ocasionar em toda estrutura orgânica, além das questões socioculturais e emocionais, que estão fortemente associados à satisfação com o peso corporal4Santos EMC, Tassitano RM, Nascimento WMF, Petribú MMV, Cabral PC. Satisfação com o peso corporal e fatores associados em estudantes do ensino médio. Rev Paul Pediatr 2011;29(2):214-23..

A região abdominal foi a parte do corpo mais associada a AAPC, porém, não foram detectados estudos prévios relacionados ao tema. Um estudo realizado com pessoas que procuraram os serviços de uma clínica de cirurgia plástica na cidade de São Paulo - SP evidenciou que o procedimento cirúrgico mais procurado foi a lipoaspiração (14% dos casos) e que a maior parcela dessa amostra era composta por mulheres30Auricchio AM, Massarollo MCKB. Procedimentos estéticos: percepção do cliente quanto ao esclarecimento para a tomada de decisão. Rev Esc Enferm USP 2007; 41(1):13-20..

A principal limitação deste estudo reside em seu delineamento transversal, o qual não permite o estabelecimento de relações de causalidade entre as variáveis analisadas. Dessa maneira, parece aceitável indicar que futuros estudos analisem essas associações em delineamentos prospectivos e com populações mais jovens.

O erro amostral de 7% considerado no presente estudo tem impacto sobre a precisão do mesmo, desse modo, deve haver cautela na extrapolação destes resultados para populações com características distintas.

Outro aspecto refere-se à ausência de medidas de reprodutibilidade dos dados. Contudo, vale ressaltar que em nenhuma das academias envolvidas foi permitido mais de um encontro com as mulheres (medidas de reprodutibilidade), visto que os responsáveis pelos estabelecimentos acreditavam que tal procedimento poderia incomodar suas clientes, uma vez que o preenchimento do questionário ocorreu apenas naqueles locais.

Por fim, a ausência de informações das mulheres que não desejaram participar do estudo, bem como daquelas matriculadas em outras academias deve ser considerada, pois as mesmas podem apresentar características demográficas, culturais e econômicas diferentes das participantes desta investigação.

CONCLUSÃO

Identificou-se elevada ocorrência de mulheres que autoavaliaram seu peso corporal em categorias diferentes da opção normal, e as que encontravam-se nessa situação apresentaram pior percepção de qualidade de vida e excesso de peso, sendo a região abdominal o foco central de preocupação nessas mulheres.

REFERENCES

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem especialmente ao pessoal da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP, pelo valioso auxílio na condução deste estudo, bem como todas as participantes por sua cooperação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2014
  • Revisado
    24 Ago 2014
  • Aceito
    14 Jan 2015
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