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Treinamento funcional e classificação internacional de funcionalidade: uma aproximação

Resumo

A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) foi elaborada pela Organização Mundial de Saúde para unificar a linguagem entre profissionais de saúde dentro de um modelo biopsicossocial. A CIF contém domínios que se assemelham com aspectos conceituais e perspectivas práticas do treinamento funcional (TF). Existe limitação consensual de quais aspectos devem ser considerados sobre o termo “funcionalidade”, além de ser notório a pouca utilização da CIF em programas de atividade física. O objetivo dessa aproximação é defender a aplicação prática da CIF como forma de complementar uma avaliação funcional em métodos do tipo TF. Foram realizadas discussões sobre como o termo “funcionalidade” pode ser melhor compreendido em programas de atividades física, bem como algumas possibilidades de operacionalizar a CIF no TF. A escassez de evidências da utilização da CIF em relação às Ciências do Esporte elucida a necessidade dessa aproximação podendo contribuir na ampliação de informações da saúde funcional dos indivíduos.

Palavras-chave
Classificação Internacional de Funcionalidade; Incapacidade e Saúde; Educação Física e Treinamento; Atividade Motora

Abstract

The International Classification of Functioning (ICF) was elaborated by the World Health Organization (WHO) in order to unify the language among health professionals within the biopsychosocial model. ICF contains domains that resemble conceptual aspects and practical perspectives of functional training (FT). There is a consensus limitation of which aspects should be considered about the term “functionality”, in addition to being notorious the little use of ICF in physical activity programs. The aim of this approach study was to support the practical application of ICF as an easy way to complement functional evaluation in FT methods. Discussions were held on how the term “functionality” can be better understood in physical activity programs as well as some possibilities to make ICF in FT more operational. The absence of evidence about the use of ICF in relation to sports science elucidates the need of this approach, which may contribute to expand the knowledge about individuals’ functional health.

Key words
Physical Education and Training; Motor Activity; ICF

INTRODUÇÃO

O treinamento funcional (TF) é utilizado e apresenta grande aceitação mundial nos segmentos fitness. No entanto, a comunidade científica começou a refletir como esse método está sendo aplicado e se, realmente, a proposta do termo “treinamento funcional” estava empregada adequadamente11 Da Silva-Grigoletto ME, Brito CJ, Heredia JR. Treinamento funcional: funcional para que e para quem? Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2014;16(6):714-719.. Notou-se que a especificidade dessa proposta do TF se faz necessária, da mesma forma que quaisquer outros tipos de treinamento em Ciências do Esporte; recentemente o TF é recomendado para diversas populações, respeitando os princípios do treinamento físico e a individualidade do praticante22 Santana, JC. Funtional Training: Exercices and programming for training and performance. Estados Unidos: Human Kinetics; 2016.,33 Lohne-Seiler H, Torstveit MK, Anderssen SA. Traditional versus functional strength training: Effects on muscle strength and power in the elderly. J Aging Phys Act 2013;21(1):51–70..

As informações relativas à identificação e padronização da funcionalidade dos sujeitos praticantes de TF não são agrupadas em nenhum tipo de classificação. Até os dias atuais, não foi desenvolvida nenhuma proposta que tentasse unificar os termos relacionados à funcionalidade do sujeito que pratica algum tipo de treinamento físico, como por exemplo, o TF. Nesse sentido, acredita-se que tal identificação pode ter uma aproximação com a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que reúne fatores relativos a aspectos não apenas orgânicos/estruturais, mas também, do meio ambiente, da atividade e da participação social, indicando elementos que podem atuar como facilitadores ou barreiras para determinada ação do indivíduo44 Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa. 2004; Disponível em: <http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_ 2004> [2016 Jul 14].
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,55 Lundälv J, Törnbom M, Larsson P, Sunnerhagen KS. Awareness and the arguments for and against the international classification of functioning, disability and health among representatives of disability organisations. Int J Environ Res Public Health 2015;12(3):3293-3300..

Esse sistema de classificação apresenta algumas características que o fazem ser útil para o TF, principalmente quando o intuito é identificar a funcionalidade do sujeito. Dentro de programas de TF aplicam-se testes que avaliam determinadas variáveis funcionais. Todos os testes são passíveis de codificação pela CIF tornando a comunicação universal e capaz de ser alimentada num sistema de informação66 Rikli RE, Jones JC. Teste de aptidão física para idosos. São Paulo: Manole; 2008.,77 Araújo, ES, Neves, SFP. Relato de experiência classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde, esus e tabwin: as experiências de barueri e santo andré, são paulo. Rev Baiana Saúde Públ 2015;39(2):470-7.. Além disso, com uma linguagem universal, a comunicação cientifica e aplicada torna-se mais acessível para os profissionais de TF88 Sampaio RF, Mancini MC, Gonçalves GGO, Bittencourt NFN, Miranda AD, Fonseca ST. Aplicação da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) na prática clínica do fisioterapeuta. Braz J Phys Ther 2005;9(2):129-36.. Ademais, aproximar a CIF ao TF pode facilitar a interação de outros profissionais da saúde com educadores físicos e acompanhar o mesmo indivíduo sob uma perspectiva mais abrangente, sobretudo, com ênfase na funcionalidade.

O estudo teve como objetivo defender a aplicação prática da CIF como forma de complementar uma avaliação funcional relacionada ao método TF.

CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE INCAPACIDADE E SAÚDE

Como membro da Família Internacional de Classificações da OMS, a CIF é considerada uma classificação de referência assim como a Classificação Internacional de Doenças (CID) e ambas podem ser utilizadas em conjunto ou separadamente, não tendo patente, marca ou cunho comercial. A CID fornece dados de mortalidade e morbidade e a CIF proporciona informações da saúde e dos estados relacionados a ela que interferem na funcionalidade44 Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa. 2004; Disponível em: <http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_ 2004> [2016 Jul 14].
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. Assim, a CIF é fundamentada no modelo biopsicossocial, funcional e de incapacidades, os quais integram as perspectivas biológicas, individuais e sociais em compreensão de saúde44 Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa. 2004; Disponível em: <http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_ 2004> [2016 Jul 14].
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,1010 World Health Organization. The International Classification of Functioning, Disability and Health: Geneva; 2001.. Abaixo segue uma representação sucinta dos componentes que constituem o modelo da CIF:

Quadro 1
Representação dos componentes da CIF.

USO DA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE COMO FORMA DE CARACTERIZACÃO DE PRATICANTES DE TREINAMENTO FUNCIONAL

Do ponto de vista metodológico pode-se utilizar a CIF com a proposta de caracterizar e qualificar o estado funcional dos sujeitos praticantes do TF. Para isso é necessário escolher as categorias que representarão determinada função e, posteriormente, aplicar a essa categoria um qualificador. Esse qualificador vai depender do desempenho do sujeito dentro de um teste funcional específico. No teste de força muscular de membros inferiores medida pelo teste de sentar e levantar66 Rikli RE, Jones JC. Teste de aptidão física para idosos. São Paulo: Manole; 2008., esse qualificador poderá apresentar situações variadas como: dificuldade completa, grave, moderada, leve ou ausente44 Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa. 2004; Disponível em: <http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_ 2004> [2016 Jul 14].
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. O qualificador aplicado sempre irá variar entre 0 e 4, respectivamente. Algumas situações poderão ser inespecíficas e por isso é permitido, mesmo sob estas condições, a designação de um qualificador (neste caso, o qualificador 8) e, para aqueles que não forem aplicáveis será designada a pontuação 9. Dessa forma, esses qualificadores poderão ser mutáveis ao longo do tempo em função dos efeitos oriundos do programa de TF44 Organização Mundial da Saúde. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa. 2004; Disponível em: <http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_ 2004> [2016 Jul 14].
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Considerando essa possibilidade de classificação, é possível que alguns questionários específicos de avaliação do desempenho funcional sejam associados às categorias e aos qualificadores propostos pela CIF resultando, assim, em informações mais completas e unificadas sobre os aspectos funcionais do indivíduo. Na comunidade científica já existe estudo publicado com a intenção de associar instrumentos de avaliação validados (questionários, escalas, medidas e testes) ao sistema de codificação de funcionalidade da CIF em diferentes situações, sejam de funções e estruturas, ou contextuais, sociais e ambientais99 Pinheiro IM, Ribeiro NMS, Pinto ACS, Sousa DBS, Fonseca EP, Ferraz DD. Correlação do índice de barthel modificado com a classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. Cad de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenv 2013;13(1):39-46.. Essa associação trata-se de uma interpretação e classificação dos resultados (scores) de avaliações feitas por escalas e/ou testes específicos, com intuito de transformar aquela informação para uma linguagem que atenda aos profissionais da saúde dentro de um modelo multidisciplinar. Outro exemplo pode ser o questionário de qualidade de vida (QV) que apresenta graduação que varia entre 1 e 5, em que a pontuação 5 é a melhor. A CIF apresenta graduação que varia de 0 a 4, em que o 4 é o pior nível. Dessa forma, a associação entre esses dois instrumentos se daria de forma inversa, em que o 4 da CIF que indica dificuldade completa, seria o mesmo 1 do questionário de QV.

Entretanto, caso a população a ser treinada faça parte de grupos específicos existem outras possibilidades de implementar essas associações. Na população da terceira idade (≥ 60 anos) é recomendável fazer avaliação funcional antes de qualquer conduta. Essa pode ser realizada por protocolos padronizados na comunidade científica, a exemplo da bateria sênior fitness66 Rikli RE, Jones JC. Teste de aptidão física para idosos. São Paulo: Manole; 2008. que, ao final, fornece informações importantes sobre variáveis das AVD’s. Essa bateria poderia ser associada à codificação da CIF e, dessa forma, os resultados da avaliação poderiam informar a saúde funcional do idoso de maneira reprodutível e com linguagem universal para todos os profissionais de saúde.

Pensando-se ainda na especificidade do público-alvo a ser treinado, também existe a possibilidade da implementação da CIF através da construção de listas resumidas (Check Lists/Core set) que são elaboradas com o propósito de simplificar a aplicação, bem como direcionar adequadamente o sistema de classificação funcional1111 Cieza A, Ewert T, Ustün B, Chatterji S, Kostanjsek N, Stucki G. Development of ICF core sets for patients with chronic conditions. J Rehabil Med 2004;36(Suppl 44):9–11.. Essas listas resumidas são normalmente estruturadas em um modelo de questionário que contém informações a respeito da funcionalidade de um grupo de sujeitos com perfil de funcionalidade similar (Check list) ou com a mesma doença (core sets)1111 Cieza A, Ewert T, Ustün B, Chatterji S, Kostanjsek N, Stucki G. Development of ICF core sets for patients with chronic conditions. J Rehabil Med 2004;36(Suppl 44):9–11.. As listas resumidas podem ser estruturadas da seguinte forma: identificação e descrição das categorias da CIF que se correlacionam com o teste ou questionário utilizado, assim como uma coluna de qualificadores (variação de 0– 4) que indicará a magnitude de saúde funcional. Tais listas em alguns momentos, poderão ser substituídas e/ou complementadas por perguntas, em que o indivíduo irá relatar informações referentes a sua funcionalidade, possibilitando ao pesquisador a identificar o grau de severidade em relação aos aspectos funcionais1212 Dalaqua GB. Avaliação das necessidades de fala e linguagem em sujeitos pós AVC: instrumento clínico baseado na CIF. [Dissertação de mestrado - Programa de Pós-Graduação: Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2014..

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escassez de evidências no que concerne à utilização da CIF em relação às Ciências do Esporte pode justificar a necessidade de aproximação, uma vez que o Brasil, deve seguir as diretrizes da OMS e, adequar as políticas públicas (incluindo os métodos de atividades físicas, a exemplo do TF), dentro do contexto do modelo biopsicossocial. Para isso, é importante que estudos possam operacionalizar o uso da CIF de forma a reduzir o tempo de aplicação, como alguns já propostos a exemplo de aplicativos de alimentação para smartphone e computadores77 Araújo, ES, Neves, SFP. Relato de experiência classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde, esus e tabwin: as experiências de barueri e santo andré, são paulo. Rev Baiana Saúde Públ 2015;39(2):470-7..

Essa interação pode contribuir na ampliação de informações referentes as incapacidades, funcionalidade e saúde dos indivíduos, servindo como instrumento codificador e ampliando informações em diferentes modalidades de treinamentos. Portanto, o termo “funcional” presente na nomenclatura do método TF deve estar em consonância com o conceito de funcionalidade proposto pela OMS e abordado na CIF, facilitando uma comunicação unificada entre os profissionais da saúde dentro de um contexto biopsicossocial.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2016
  • Aceito
    30 Jun 2016
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