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Resistência biológica da madeira tratada de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana a fungos apodrecedores em ensaios de laboratório

Biological resistance of Eucalyptus grandis and Eucalyptus cloeziana woods treated to the decay fungi under laboratory conditions

Resumos

A presente pesquisa teve por objetivo avaliar a resistência biológica da madeira tratada de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana sob a ação de organismos biodeterioradores em ensaios de laboratório. Para tanto, foram utilizadas árvores de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, ambas com 16 anos de idade, as quais foram desdobradas em tábuas e submetidas ao tratamento preservativo em autoclave com arseniato de cobre cromatado (CCA). Em seguida, confeccionaram-se os corpos de prova para condução do ensaio de apodrecimento acelerado com os fungos Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum, seguindo as recomendações da norma ASTM. A partir dos resultados obtidos, observou-se para o fungo Trametes versicolor que o tratamento preservativo foi eficiente na redução da degradação biológica da madeira das duas espécies, com redução da perda de massa em 35,17 e 82,31% para a madeira de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, respectivamente, já para o fungo Gloeophyllum trabeum, a perda de massa foi reduzida em 6,79 e 96,65%, em comparação à testemunha. Com base nas condições de realização do presente estudo observou-se que o tratamento preservativo com CCA é eficiente no aumento da resistência biológica da madeira a ação dos fungos apodrecedores Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum.

apodrecimento acelerado; fungos apodrecedores; tratamento preservativo


The present study aimed to evaluate the biological resistance of treated wood from Eucalyptus grandis and Eucalyptus cloeziana under the action of biodeteriorative organisms in laboratory testing. Thus, we used trees of Eucalyptus grandis and Eucalyptus cloeziana, both 16 years old, which was converted into planks and subjected to preservative treatment in an autoclave with chromate copper arsenate (CCA). Then, it was made the specimens for the conduct of accelerated decay test, as recommended by ASTM. From the results, it was observed for the fungus Trametes versicolor that the preservative treatment was effective in reducing the biological degradation of the wood of the two species, with reduced mass loss in 35.17 and 82.31% for wood Eucalyptus grandis and Eucalyptus cloeziana, respectively, as for the fungus Gloeophyllum trabeum mass loss was reduced by 6.79 and 96.65%, compared to the control. Based on the conditions of realization of the present study, it was observed that preservative treatment with CCA is effective in the increasing the biological resistance of the wood under the action of fungi Trametes versicolor and Gloeophyllum trabeum.

decay accelerating; decay fungi; preservative treatment


INTRODUÇÃO

Os agentes biológicos decompõem a madeira para utilizar os seus constituintes como fonte de energia, bem como para abrigo, já os agentes físicos e químicos atuam em conjunto com os primeiros, acelerando o processo de deterioração. Destes agentes, os biológicos são os de maior importância, principalmente os fungos, responsáveis pela maior proporção de danos causados à madeira (MORESCHI, 2013MORESCHI, J. C. Biodegradação e preservação da madeira - Biodegradação da madeira. Departamento de Engenharia e Tecnologia Florestal, v . 1, n. 4, abr., 2013.).

Entre os fungos responsáveis pelo apodrecimento da madeira, Oliveira et al. (2005)OLIVEIRA, J. T. S. et al. Influência dos extrativos na resistência ao apodrecimento de seis espécies de madeira. Revista Árvore, Viçosa, v. 29, n. 5, p. 819-826, 2005. destacam a classe dos basidiomicetos, na qual se encontram os fungos responsáveis pela podridões parda e branca, que possuem características enzimáticas próprias, quanto à decomposição dos constituintes primários da madeira. Os primeiros decompõem os polissacarídeos da parede celular, fazendo com que a madeira atacada apresente uma coloração residual pardacenta. Os últimos atacam, indistintamente, tanto os polissacarídeos quanto a lignina, neste caso, a madeira atacada adquire uma coloração mais clara.

Segundo Calil Júnior et al. (2006)CALIL JÚNIOR, C. et al. Manual de projeto e construção de pontes de Madeira. São Carlos: Suprema, 2006. 252 p., a ideia equivocada de que a madeira tem vida útil curta, tem-na negligenciado como material de construção. Embora seja susceptível ao ataque de organismos deterioradores sob condições específicas, quando preparada com tecnologia e tratamento preservativo, torna-se um material muito durável, tendo em vista que se pode obter proteção efetiva por períodos de até 50 anos ou mais.

Quando a madeira é submetida a condições adversas ou ao contato com o solo, torna-se necessário o uso de espécies de alta durabilidade natural ou tratada com produtos químicos preservantes tornando-a mais resistente ao ataque de organismos biológicos e aumentando consideravelmente sua vida útil (BARILLARI e FREITAS, 2002BARILLARI, T. C.; FREITAS, V. P. Preservação. Revista da Madeira. n. 68. Dez. 2002. Disponível em: <http://www.remade.com.br/br/revistadamadeira_materia.php?num=264&subject=Preserva%E7%E3o&title=Preserva%E7%E3o>. Acesso em: 16 nov. 2010.
http://www.remade.com.br/br/revistadamad...
). Considerando que as espécies naturalmente mais duráveis são provenientes de florestas tropicais, a utilização de espécies de florestas plantadas e passíveis de tratamento preservante torna-se uma alternativa promissora. Nesse contexto, entram as espécies do gênero Eucalyptus que, devido à boa adaptação às condições edafoclimáticas do Brasil, apresentam altas taxas de crescimento e potencial para diversos usos, incluindo a produção madeireira (BERGER, 2000BERGER, R. Crescimento e qualidade da madeira de um clone de Eucalyptus saligna smith sob o efeito do espaçamento e da fertilização. 2000. 126 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2000.; GONÇALVES, 2006GONÇALVES, F. G. Efeito da taxa de crescimento na qualidade da madeira de híbrido clonal de Eucalyptus urophylla x grandis para produtos sólidos. 2006. 167 f. Dissertação (Mestrado em Produção vegetal) - Universidade Federal do Espírito Santo, 2006.).

Segundo Barillari (2002)BARILLARI, T. C. Durabilidade da madeira do gênero Pinus tratada com preservantes: avaliação em campo de apodrecimento. 2002 68 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba, 2002., a eficiência dos produtos preservativos aplicados à madeira pode ser avaliada por ensaios de campo em locais conhecidos como campos de apodrecimento, onde a madeira é exposta ao solo, às intempéries do ambiente, fungos e insetos xilófagos. Já Santini (1988)SANTINI, J. E. Biodeterioração e preservação da madeira. Santa Maria: UFSM/FATEC, 1988. 125 p. cita o ensaio de laboratório em condições controladas como o teste mais simples para se avaliar a toxidez do produto em diferentes concentrações, permitindo detectar o nível com maior grau de inibição ao desenvolvimento dos fungos.

Os ensaios em laboratório constituem o primeiro estágio da avaliação de um produto preservativo para a madeira (PAES et al., 2006PAES, J. B.; RAMOS, I. E. C.; FARIAS SOBRINHO, D. W. Eficiência do CCB na resistência da madeira de algaroba (Prosopis juliflora (Sw) D.C.) a cupins subterrâneos (Nasutiternes corniger Motsch.) em ensaio de preferência alimentar. Ambiência, Guarapuava, v. 2, n. 1, p. 51-64, 2006.). Segundo Ramos et al. (2006)RAMOS, I. E. C. et al. Eficiência do CCB na resistência da madeira de algaroba (Prosopis juliflora (Sw.) D.C.) em ensaio de apodrecimento acelerado. Revista Árvore, Viçosa, v. 30, n. 5, p. 811-820, 2006., este ensaio é considerado um dos melhores métodos acelerados para comparar a eficiência de produtos preservativos em condições de laboratório e para calcular as quantidades relativas necessárias de cada preservativo, com o objetivo de proteger a madeira dos diversos fungos. Para Costa (1999)COSTA, A. F. Utilização de interações entre produtos químicos preservantes no desenvolvimento de formulações para a prevenção de fungos manchadores e emboloradores na madeira. 1999. 103 f. Tese (Doutorado em Ciências Florestais) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1999., os ensaios em laboratório constituem-se numa das principais formas de avaliação de novos ingredientes ativos e/ou técnicas que apresentam resultados promissores no combate aos fungos e insetos xilófagos.

Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo avaliar a eficiência do tratamento preservativo em autoclave sobre a resistência biológica da madeira de Eucalyptus grandis W. Hill ex Maiden e Eucalyptus cloeziana F. Muell submetidas à ação de fungos de podridão-branca e podridão-parda, em condições controladas de laboratório.

MATERIAL E MÉTODOS

Obtenção do material

O material utilizado neste estudo foi coletado em um povoamento localizado na região metropolitana de Porto Alegre (30º08'42"S; 50º30'53"O). As árvores de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, ambas com 16 anos de idade, selecionadas no povoamento foram as de diâmetro médio (≈ 27 cm de DAP), as quais foram abatidas e transformadas em toras de 2,0 m de comprimento e transportadas para a serraria onde se procedeu ao seu desdobro em tábuas de dimensões de 2,2 x 9,0 x 200,0 cm.

Depois de serrada, a madeira foi submetida a uma secagem ao ar livre até atingir teor de umidade entre 12 e 15%, para viabilizar a realização do tratamento preservativo em autoclave. Uma parte das tábuas não foi submetida ao tratamento, sendo esta tomada como parâmetro de comparação (testemunha) para os ensaios biológicos.

Condução do tratamento preservativo

O tratamento preservativo da madeira foi executado em uma autoclave de dimensões 2,10 m de diâmetro e 24,0 m de comprimento. As tábuas foram empilhadas sobre vagonetas, introduzidas no cilindro de tratamento, e submetidas ao tratamento pelo processo Bethell de célula cheia, com uma pressão máxima de 12 kgf.cm-².

Como produto preservativo foi utilizado o Arseniato de Cobre Cromatado (CCA). Para cada uma das espécies de eucalipto utilizadas, realizou-se o tratamento de uma carga de madeira. Após o tratamento, foi estabelecido um período de repouso (30 dias) para ocorrer a fixação dos ingredientes ativos na madeira. Em seguida, foram selecionadas 20 tábuas as quais foram utilizadas na condução dos ensaios de apodrecimento acelerado em laboratório.

Ensaios de laboratório

O ensaio de apodrecimento acelerado foi conduzido no Setor de Biodegradação e Preservação da Madeira do Laboratório de Produtos Florestais (LPF), do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), em Brasília, DF, seguindo a metodologia proposta pela norma America Society for Testing and Materials - ASTM D 2017 (ASTM, 2005______. ASTM D 2017. Standard test method for accelerated laboratory test of natural decay resistance of wood. Philadelphia, 2005. 5p.) com alguns ajustes propostos pela ASTM D 1413 (ASTM, 1994AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. ASTM D 1413. Standard test method for wood preservatives by laboratory soil-block cultures. Philadelphia, p. 119-121. 1994.).

Preparação dos corpos de prova

Previamente à instalação dos ensaios de laboratório, o material foi acondicionado em estufa com circulação forçada de ar a 50°C, até atingir massa constante. Posteriormente foram pesados em balança analítica com precisão de 0,0001 g e o resultado registrado como massa inicial.

Para cada tratamento, foram ensaiados 36 corpos de prova, sendo 12 para podridão-branca, 12 para podridão-parda, e 12 blocos de correção (sem fungo).

Após a pesagem inicial, os corpos de prova foram esterilizados em autoclave, a 121°C durante 45 minutos.

Fungos xilófagos e condições de ensaio

Foram empregadas duas espécies de fungos xilófagos provenientes da coleção do LPF: Trametes versicolor (Linnaeus ex Fries) Pilat, espécie causadora de podridão-branca; e Gloeophyllum trabeum (Persoon. ex Fries.) Murr., espécie causadora de podridão-parda.

Os fungos foram repicados em placas de Petri descartáveis, com 90 mm de diâmetro, contendo 20 mL de meio de cultura malte sólido. O meio sólido foi preparado na concentração de 30 g de extrato de malte e 17 g de ágar bacteriológico para 1 L de água deionizada. Imediatamente após o preparo, o meio foi esterilizado em autoclave a 121°C por 15 minutos. Após a esterilização, o meio ainda quente foi pipetado para as placas de Petri.

Para cada espécie de fungo foram inoculadas 10 placas de Petri. O inóculo consistia de um disco de 1 cm de diâmetro contendo o micélio do fungo, retirado de uma placa-mãe com idade inferior a 3 meses, mantida sob refrigeração a 5°C.

Após inoculação, as placas foram levadas à incubadora por duas semanas para o crescimento do micélio. Posteriormente, para cada espécie de fungo foram selecionadas quatro placas, com bom crescimento, para servirem como fonte de inóculo para as culturas em meio líquido.

Na cultura em meio líquido foram utilizados frascos erlenmeyer de 1000 mL de capacidade total, contendo 200 mL de meio malte líquido a 3%. Para cada espécie de fungo foram preparados quatro frascos. Cada frasco foi inoculado com dois discos de 1 cm de diâmetro, contendo o micélio retirado da borda de crescimento de uma das placas de Petri previamente selecionada. Após a inoculação, os frascos erlenmeyer permaneceram na incubadora até o micélio recobrir totalmente a superfície do meio de cultura (duas semanas).

No momento da inoculação dos frascos de ensaio, foi selecionado um erlenmeyer com meio líquido para cada espécie de fungo, para servir de fonte de inóculo. O meio de cultura foi drenado e o micélio transferido para a jarra de um liquidificador doméstico. Acrescentou-se 250 mL de meio malte líquido a 3% na jarra do liquidificador, e em seguida o micélio foi fragmentado por 20 segundos na velocidade máxima do aparelho. A jarra do liquidificador foi previamente esterilizada por dupla lavagem com álcool.

Frascos de ensaio

Para condução do ensaio foram utilizados frascos de vidro transparente, com boca larga, tampa rosqueável e capacidade de 250 mL, contendo 100 g de solo (horizonte B), livre de matéria orgânica. O solo recebeu adição prévia de calcário, para elevar o pH a 6,0. A umidade do solo foi ajustada para 130% da capacidade de campo, com adição de água deionizada.

No interior de cada frasco de ensaio, colocou-se sobre o solo uma placa de suporte (feeder strips) de 3,3 x 2,9 x 0,3 cm, para o desenvolvimento inicial do fungo. Foram utilizadas placas de suporte de pinus (Pinus sp.), para o cultivo de Gloeophyllum trabeum; e, placas de embaúba (Cecropia sp.) para o cultivo de Trametes versicolor. A esterilização foi feita em autoclave a 121°C por 45 minutos.

Cada frasco foi inoculado com 1 mL de meio de cultura, contendo o micélio fragmentado, depositado diretamente sobre a placa suporte, conforme a Figura 1. Após a inoculação, os frascos permaneceram na incubadora por duas semanas, para o crescimento do micélio sobre a placa suporte.

Figura 1.
Placa suporte após inoculação do micélio do fungo (Fonte: LPF, 2010).

Os frascos foram preparados uma semana antes da inoculação, durante o período de crescimento dos fungos em meio líquido. O número de frascos preparados e inoculados foi 30% superior à quantidade prevista para ser usada no ensaio. Assim, apenas os frascos que visualmente apresentavam o melhor crescimento do micélio e estavam livres de contaminações, foram selecionados para receberem os corpos de prova. Após a colonização das placas de suporte, introduziu-se um corpo de prova em cada frasco de ensaio (Figura 2), os quais permaneceram na incubadora e em contato com os fungos por 12 semanas.

Figura 2.
Corpos de prova recém-introduzidos nos frascos sobre a placa suporte (Fonte: LPF, 2010).

Durante todas as fases do ensaio, a incubadora permaneceu ajustada com temperatura de 26 ± 1°C e umidade relativa de 70 ± 5%.

Todas as operações de manipulação de fungos (repicagem, inoculação, fragmentação do micélio, introdução de corpos de prova nos frascos de ensaio) foram realizadas sob condições assépticas, no interior de capela de fluxo laminar.

Encerrado o período do ensaio (12 semanas), os corpos de prova foram retirados dos frascos e submetidos a uma limpeza cuidadosa para remoção do excesso de micélio aderido. Posteriormente, foram condicionados em estufa, sob a mesma condição pré-ensaio até atingirem massa constante, para determinação da massa final.

Blocos de correção

Para cada tratamento, 12 corpos de prova foram introduzidos em frascos de ensaio não inoculados (sem fungos), recebendo o mesmo tratamento e manipulação dos demais. Os blocos de correção têm o objetivo de determinar a perda de massa resultante da manipulação dos corpos de prova e oscilações no teor de umidade antes e após o ataque e, portanto, servem para determinar a perda de massa causada por outras ações, não atribuídas aos fungos.

Espécies de referência

Como espécies de referência foram utilizados 16 corpos de prova nas dimensões (2,5 x 2,5 x 0,9 cm) da madeira de pinus (Pinus sp.) para o fungo Gloeophyllum trabeum e 16 corpos de prova de embaúba (Cecropia sp.) para o fungo Trametes versicolor.

Os corpos de prova de referência são indicadores do vigor vegetativo da cultura fúngica utilizada no ensaio, e das condições de incubação. Segundo a norma ASTM D-2017:05, o teste é considerado válido somente quando o fungo provoca perda de massa superior a 50% sobre a espécie de referência, num período de até 16 semanas.

Determinação da perda de massa

Para avaliar a eficiência do tratamento químico utilizado, determinou-se a perda de massa individual (Pmi) com base nos valores de massa inicial (Mi) e massa final (Mf) de cada corpo de prova por meio da Equação 1. Em seguida, calculou-se a perda de massa média do tratamento (Pmt). A partir da diferença deste com a perda de massa dos blocos de correção (Pmbc), obteve-se a perda de massa final (Pm) de cada tratamento, conforme a Equação 2. Com base na Pmt, a madeira de ambas as espécies tratadas e testemunhas foram classificadas quanto à resistência ao ataque dos fungos, segundo os critérios estabelecidos da ASTM D-2017:05, apresentado na Tabela 1.

Tabela 1.
Classes de resistência ao ataque dos fungos apodrecedores (Fonte: ASTM D-2017:05).

Análise estatística

Para a análise do ensaio de apodrecimento acelerado foi empregado o delineamento estatístico inteiramente casualizado, com arranjo fatorial, em que foram analisados os seguintes fatores: espécies, com dois níveis (Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana); tratamentos, com dois níveis (amostras tratadas e testemunha); fungos xilófagos, com dois níveis (Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum); e a interação entre os fatores, empregando-se o teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro, para os fatores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 2 mostra as médias de perda de massa sofrida pelas madeiras de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, tratadas e não tratadas durante o ensaio de apodrecimento acelerado com os fungos Trametes versicolor (podridão-branca) e Gloeophyllum trabeum (podridão-parda).

Tabela 2.
Percentual de perda de massa e classificação da madeira de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana submetidas ao ensaio de apodrecimento acelerado.

A perda de massa observada nas madeiras de referência foi de 58,11% na madeira de embaúba, submetida ao apodrecimento pelo fungo Trametes versicolor e de 60,95% na madeira de pinus, pelo fungo Gloeophyllum trabeum. Estes valores foram observados após 12 semanas de ensaio e são superiores ao valor mínimo de 50% estabelecido pela norma ASTM D-2017:05 e, portanto, atestam que as condições gerais de ensaios foram favoráveis ao crescimento dos fungos e que as culturas empregadas estavam em pleno vigor vegetativo, confirmando a validade dos dados.

Como pode ser observado, independentemente do tratamento aplicado e da espécie, as maiores perdas de massa foram causadas pelo fungo Trametes versicolor. Isto se deve ao fato de que fungos de podridão-branca se desenvolvem melhor em madeira de folhosas, enquanto fungos de podridão-parda causam maiores perdas de massa em madeiras de coníferas (MARTÍNEZ et al., 2005MARTÍNEZ, A. T. et al. Biodegradation of lignocellulosics: microbial, chimical, and enzymatic aspects of the fungal attack of lignin. International Microbiology, n. 8, p. 195-204. 2005.). Os fungos de podridão-branca atacam a celulose, hemicelulose e lignina, já os fungos de podridão-parda atacam apenas os dois primeiros, ficando a lignina praticamente intacta (MORESCHI, 2013MORESCHI, J. C. Biodegradação e preservação da madeira - Biodegradação da madeira. Departamento de Engenharia e Tecnologia Florestal, v . 1, n. 4, abr., 2013.).

O tratamento preservativo aumentou a resistência da madeira das duas espécies aos fungos apodrecedores testados, principalmente para a madeira de Eucalyptus cloeziana, tornando-a altamente resistente aos mesmos. Em comparação com a madeira testemunha, a perda de massa das madeiras de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana pelo fungo Trametes versicolor foi reduzida em 35,17 e 82,31%, respectivamente; já as mesmas espécies, utilizando o fungo Gloeophyllum trabeum sofreram uma redução da perda de massa da ordem de 6,79 e 96,65%, respectivamente.

De acordo com Castro Silva (2007)CASTRO SILVA, J. Madeira preservada e seus conceitos. Revista da Madeira. n. 103, mar. 2007., quando o CCA é aplicado à madeira, o cromo provoca a precipitação de grande quantidade de cobre e arsênio e reage com a madeira, tornando os produtos praticamente insolúveis. Ainda de acordo com o mesmo autor, a reação de fixação desencadeada pelo cromo deixa o arsênio, como agente inseticida, e o cobre, como agente fungicida, totalmente aderidos às estruturas celulares. Tal fato justifica o aumento da resistência da madeira ao ataque dos fungos apodrecedores.

Em estudo desenvolvido por Modes (2010)MODES, K. S. Efeito da retificação térmica nas propriedades físico-mecânicas e biológica das madeiras de Pinus taeda e Eucalyptus grandis. 2010. 101 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2010. com a madeira de Eucalyptus grandis foi observada uma perda de massa de 57,74 e 41,46% para os fungos Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum, respectivamente; valores semelhantes aos encontrados na presente pesquisa. Já Okino et al. (2002)OKINO, E. Y. A. et al. Durabilidade natural de madeira sólida, de chapas aglomeradas e de chapas de cimento-madeira de Hevea brasiliensis. Brasil Florestal, Brasília, n.73, p.39-46, 2002., trabalhando com a madeira de seringueira (Hevea brasiliensis) encontraram uma perda de massa de 38,84% para o fungo Trametes versicolor e 36,17% para o fungo Gloeophyllum trabeum.

Oliveira e Hellmeister (1998)OLIVEIRA, J. T. S.; HELLMEISTER, J. C. Caracterização da madeira de eucalipto para construção civil. Boletim técnico da Escola Politécnica da USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil. São Paulo, EPUSP. 1998. 45 p. em estudo realizado com a madeira de várias espécies de Eucalyptus, entre elas o Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, submetidas ao ensaio de apodrecimento acelerado pelo fungo Gloeophyllum trabeum, observaram uma perda de massa de 0,5 e 2,8%, respectivamente, após 16 semanas. Os autores salientam que tais valores estão abaixo dos geralmente observados para a madeira de eucalipto, em especial o Eucalyptus grandis, que normalmente apresenta baixa durabilidade natural. No mesmo estudo, a madeira de Pinus elliottii utilizada como espécie de referência, teve apenas 38,0% de perda de massa, enquanto no presente estudo foi de 60,95%.

Na Tabela 3 consta a análise de variância fatorial para perda de massa da madeira de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, submetidas ao ensaio de apodrecimento acelerado. Percebe-se que todos os fatores foram altamente significativos em 1% de probabilidade de erro, exceto para a interação dos fatores espécie, tratamento e fungo.

Tabela 3.
Análise de variância fatorial para a perda de massa da madeira de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana submetidas ao apodrecimento acelerado.

Como se observa na Tabela 4, a madeira de Eucalyptus cloeziana apresentou resistência natural (não tratada) significativamente superior (51,95%) ao Eucalyptus grandis, mesma tendência que a madeira tratada de ambas as espécies apresentaram, em que o Eucalyptus cloeziana foi altamente resistente ao ataque dos organismos biodeterioradores. É possível analisar que o tratamento preservativo aumentou significativamente à resistência biológica de ambas as espécies, em 24,93 e 87,24% para a madeira de Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana, respectivamente.

Tabela 4.
Comparação múltipla de médias para percentual de perda de massa em função das espécies e tratamentos utilizados.

O fungo de podridão-branca foi o que causou maiores perdas de massa nas duas espécies, como pode ser observado na Tabela 5. A madeira de Eucalyptus grandis foi significativamente mais degradada com os dois fungos, 182,84 e 310,67% para o Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum, respectivamente, quando comparada à madeira de Eucalyptus cloeziana.

Tabela 5.
Comparação múltipla de médias para percentual de perda de massa em função das espécies e fungos utilizados no estudo.

O tratamento preservativo aumentou de forma significativa a resistência da madeira à ação dos fungos causadores da podridão-branca e podridão-parda (Tabela 6), em 50,77 e 34,92%, respectivamente, demonstrando que o tratamento foi eficaz neste quesito.

Tabela 6.
Comparação múltipla de médias para percentual de perda de massa em função dos tratamentos e fungos utilizados no estudo.

Oliveira et al. (2005)OLIVEIRA, J. T. S. et al. Influência dos extrativos na resistência ao apodrecimento de seis espécies de madeira. Revista Árvore, Viçosa, v. 29, n. 5, p. 819-826, 2005., em estudo conduzido em laboratório com seis espécies de madeira submetidas ao fungo Gloeophyllum trabeum, entre estas o Corymbia citriodora, observaram uma perda de massa em torno de 3% para madeira em seu estado natural, já para a mesma espécie, após a extração dos seus extrativos, os autores observaram uma perda de massa próxima a 40%. Isto justifica que a madeira com presença de algumas substâncias, entre elas os extrativos ou outras adicionadas através do tratamento preservativo, torna-se mais resistente à deterioração por organismos xilófagos.

Através da Figura 3 observa-se o aspecto dos corpos de prova após o ensaio de apodrecimento acelerado sob ação dos fungos de podridão-parda e branca. Como podem ser observadas, as amostras de Eucalyptus grandis apresentam-se visualmente mais deterioradas que as de Eucalyptus cloeziana, o que justifica a maior perda de massa destas nos ensaios. Além disto, ainda é possível perceber que as peças atacadas pelos fungos da podridão-branca apresentam coloração esbranquiçada, enquanto que os atacados pelos fungos de podridão-parda apresentam coloração mais escura e queimada, o que corrobora com o citado por Moreschi (2013)MORESCHI, J. C. Biodegradação e preservação da madeira - Biodegradação da madeira. Departamento de Engenharia e Tecnologia Florestal, v . 1, n. 4, abr., 2013..

Figura 3.
specto dos corpos de prova das espécies Eucalyptus grandis e Eucalyptus cloeziana após o ensaio de apodrecimento acelerado.

CONCLUSÕES

Com base nas condições de realização do presente estudo observou-se que o tratamento preservativo com CCA é eficiente no aumento da resistência biológica da madeira a ação dos fungos apodrecedores Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum.

AGRADECIMENTOS

Ao Laboratório de Produtos Florestais, do Serviço Florestal Brasileiro, de Brasília, pela condução do ensaio de apodrecimento acelerado em laboratório.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2011
  • Aceito
    10 Jul 2013
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