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CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA DE PLÂNTULAS DURANTE A GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Psidium cattleianum E Acca sellowiana (MYRTACEAE)

MORPHOLOGICAL CHARACTERIZATION OF SEEDLINGS DURING THE GERMINATION SEEDS OF Psidium cattleianum AND Acca sellowiana (MYRTACEAE)

Resumos

Objetivou-se neste trabalho descrever as características morfológicas de plântulas durante a germinação de Psidium cattleianum Sabine e Acca sellowiana (O. Berg) Burret. Para a descrição da germinação e das características morfológicas das plântulas, 100 sementes foram colocadas para germinar em substrato papel tipo germitest à temperatura de 25ºC. Foram analisados: tipo, forma e coloração da raiz; pilosidade, forma e coloração do hipocótilo e do epicótilo; consistência, textura, forma, nervação, coloração, tipo de bordo, ápice e base dos cotilédones e protófilos. A germinação de ambas é epígea fanerocotiledonar, formando plântula com sistema radicial axial, raiz principal pivotante longa, com paracotilédones e eofilos simples e opostos. Foram registradas glândulas e células secretoras em todos os órgãos, exceto na raiz, para as duas espécies. A semente de Psidium cattleianum inicia germinação aproximadamente 10 dias após a semeadura quando ocorre a abertura do opérculo e a protrusão radicular. Acca sellowiana, após 28 dias, apresenta hipocótilo longo, cilíndrico, ereto, de coloração marrom-avermelhada, glabro. Na ocorrência de total exposição dos paracotilédones, estes já apresentam coloração verde intensa, demonstrando o potencial fotossintetizante pela plântula em crescimento. A descrição do processo germinativo juntamente com a morfologia de plântulas constitui importante elemento de reconhecimento de espécies.

Eofilos; paracotilédones; morfologia vegetal


This study describes the morphological characterization during seedling development of Psidium cattleianum Sabine e Acca sellowiana (O. Berg) Burret. To describe germination and seedling morphology, 100 seeds were allowed to germinate on germitest paper as substrate at a temperature of 25 °C. Were analyzed: type, shape and color of the root, hairiness, shape and coloration of hypocotyl and epicotyl, consistency, texture, shape, venation, color, type of board, apex and base of the cotyledons and protophilus. The germination is epigeous phanerocotyledonal for both species, forming seedlings with an axial root system, long pivoting main root with paracotyledons and simple eophylls, opposites. Glands and secreting cells were observed in all organs except in the root system for both species. The germination of the Psidium cattleianum seed begins approximately 10 days after sowing, when the operculum opens followed immediately by the root protrusion. Acca sellowiana shows a long, cylindrical, erect, brownish- red and glabrous hypocotyl after 28 days. When the paracotyledons are totally exposed, they immediately show an intense green color, demonstrating the photosynthetic potential of the seedling growth. The germination process description alongside the morphology of seedlings constitutes an important element for recognition of species.

Eophylls; paracotyledons; plant morphology


INTRODUÇÃO

O conhecimento das espécies nativas, especialmente sobre seus estádios iniciais de desenvolvimento, auxilia em diversas áreas voltadas para a pesquisa florestal, dando suporte para programas de restauração e recuperação e também para manejo sustentável de áreas naturais (CRESTANA, 1998CRESTANA, C.S.M. Recrutamento de plântulas de Genipa americana L. (Rubiaceae) em mata ripária. Revista do Instituto Florestal, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-15, 1998.). O estudo do componente regenerativo de uma floresta possibilita a realização de intervenções diretas sobre a estrutura florestal (KUNIYOSHI, 1983KUNIYOSHI, Y.S. Morfologia da semente e da germinação de 25 espécies arbóreas de uma floresta com Araucária. 1983. 233 p. Dissertação ( Mestrado em Engenharia Florestal), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1983.). No entanto, o conhecimento das espécies é difícil de ser realizado, principalmente porque algumas espécies apresentam heterofilia durante os estádios iniciais de desenvolvimento (SILVA et al., 1995SILVA, L.M. de M. et al. Morfologia de frutos, sementes e plântulas de Luetzelburgia auriculata Duck. (pau-serrote) e Pterogyne nitens Tul. (madeira nova do brejo) Leguminosaceae. Revista Brasileira de Sementes, Brasília, v. 17, n. 2, p. 154-159, 1995.). Um dos meios que possibilita o reconhecimento taxonômico é o estudo do padrão de venação (REIS et al., 2004REIS, C. et al. Vascularização foliar e anatomia do pecíolo de Melastomataceae do cerrado do Estado de São Paulo, Brasil. Acta Botanica Brasilica, Bahia, v. 18, n. 4, p. 987-999. 2004.; CARDOSO e SAJO, 2004CARDOSO, C.M.V.; SAJO, M.G. Vascularização foliar e a identificação de espécies de Eugenia L. (Myrtaceae) da bacia hidrográfica do Rio Tibagi, PR.Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 47-54, 2004.), pois fornece informações sobre alterações morfológico-evolutivas das folhas conforme variações ambientais (FREEMAN et al., 1993FREEMAN, D. C.; GRAHAM, J. H.; EMLEN, J.M. Developmental stability in plants: symmetries, stress and epigenesis. Genetica, Seattle-USA, v. 89, p. 97-119, 1993.; OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, D.M.T. Morfologia comparada de plântulas e plantas jovens de leguminosas arbóreas nativas: espécies de Phaseoleae, Sophoreae, Swartzieae e Tephrosieae. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 24, p. 85-97, 2001.; CUNHA e FERREIRA, 2003CUNHA, M. DO, C. L.; FERREIRA, R.A. Aspectos morfológicos da semente e do desenvolvimento da planta jovem de Amburana cearensis (Arr. Cam.) A.c. Smith - Cumaru - Leguminosae Papilionoideae. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 25, n. 2, p. 89-96, 2003.; MELO et al., 2004MELO, M.G.G. et al. Análise morfológica de sementes, germinação e plântulas de jatobá (Hymenaea intermedia Ducke var. adenotricha (Ducke) Lee e Lang.) Leguminosae - Caesalpinoideae. Acta Amazonica, Manaus, v. 34, n. 1, p. 9-14. 2004.).

Duke e Polhill (1981)DUKE, J.A.; POLHILL, R.M. Seedlings of leguminosae. In: POLHILL, R.M. ; RAVON, P.H. (Eds.). Advances in legume systematics. Londres: Kew Royal Botanical Gardens. 1981. p. 941-956. realizaram estudos em plântulas de leguminosas e destacaram que as fases iniciais de crescimento retratam um período crítico do ciclo de vida de muitas espécies. A descrição dos estádios juvenis de espécies florestais serve de suporte para o estabelecimento da dinâmica de populações e o manejo silvicultural de matas semelhantes (PAOLI et al., 1995PAOLI, A.A.S. et al. Caracterização morfológica dos frutos, sementes e plântulas de Croton floribundus Spreng. e de Croton urucurana Baill. (EUPHORBIACEAE) . Revista Brasileira de Sementes, Brasília, v. 17, n. 1, p. 57-68. 1995.).

Além da importância para o reconhecimento de espécies em campo, a utilização da morfologia descritiva da germinação e de plântulas facilita a interpretação de testes de germinação, que se baseiam em avaliações de plântulas normais e anormais, a realização de trabalhos científicos (OLIVEIRA, 1993; ARAÚJO e MATOS, 1991ARAÚJO, S.S.; MATOS, V.P. Morfologia da semente e das plântulas de Cassia fistula L. Revista Árvore, Viçosa, v. 15, n. 3, p. 217-223, 1991. ), o auxílio na compreensão da dinâmica de populações vegetais, bem como o reconhecimento do estádio sucessional florestal (OLIVEIRA, 1993; DONADIO e DEMATTÊ, 2000DONADIO, N.M.M.; DEMATTÊ, M.E.S.P. Morfologia de frutos, sementes, e plântulas de canafístula (Peltophorum dubium (Spreng.) Taub.) e jacarandá-da-Bahia (Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All. ex Benth.) - Fabaceae. Revista Brasileira de Sementes, Brasília, v. 22, n. 1, p. 64-73, 2000.).

Alguns estudos em morfologia de plântulas com outras espécies florestais da família Myrtaceae já foram desenvolvidos, tais como: Rego et al. (2010)REGO, S.S. et al. Caracterização morfológica do fruto, da semente e do desenvolvimento da plântula de Blepharocalyx salicifolius (H.B.K.) Berg. e Myrceugenia gertii Landrum - Myrtaceae. Revista Brasileira de Sementes, Brasília, v. 33, n. 2, p. 197 - 206, 2010. , que caracterizaram a morfologia do fruto, da semente e das plântulas de duas mirtáceas, Blepharocalyx salicifolius (Kunth) O.Berg e Myrceugenia gertii Landrum; Ferreira et al. (2013) que investigaram a morfologia de plântulas de Myrcia cuprea; e Gogosz et al. (2010)GOGOSZ, A,M. et al. Morfoanatomia da plântula de Campomanesia xanthocarpa O. Berg. (Myrtaceae). Acta Botanica Brasilica, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 613-623. 2010. descreveram a morfologia e anatomia da plântula de Campomanesia xanthocarpa. Entretanto, as espécies Acca sellowiana e Psidium cattleianum ainda não tiveram a germinação e morfologia de plântulas descritas.

Acca sellowiana, conhecida como goiabeira-serrana, é descrita por Ducroquet et al. (2000)DUCROQUET, J. P. J. et al. Goiaba serrana (Feijoa sellowiana) Jaboticabal: FUNEP, 2000. 66 p. (Frutas Nativas 5) como um arbusto de folhas persistentes que raramente ultrapassa seis metros de altura, com fuste ramificado, especialmente em campo aberto. Apresenta crescimento lento e potencial ornamental devido a sua folhagem discolor com vistosa floração. Suas flores são desprovidas de nectários e apresentam quatro pétalas vistosas, carnosas e adocicadas, que são os principais recursos florais para os polinizadores (MATTOS, 1986MATTOS, J.R. A goiabeira serrana. Porto Alegre: Instituto de Pesquisas de Recursos Naturais. Renováveis, 1986. 84p. (Publicação IPRNR, 19) ; DUCROQUET et al., 2000). A principal forma de propagação da Acca sellowiana é por semente, podendo ainda propagar-se por estaquia, enxertia e micropropagação. Um dos fatores limitantes à expansão da cultura de Acca sellowiana é a qualidade de suas mudas (ROCHA et al., 1994ROCHA, M. da S. et al. Obtenção de porta-enxerto de goiabeira serrana em diferentes épocas de transplante. Revista Brasileira de Fruticultura, Cruz das Almas, v. 16, n. 1, p. 248-252, 1994.). A espécie é cultivada comercialmente em vários países, tais como França, Israel, Itália, Rússia, Colômbia, Estados Unidos e Nova Zelândia (THORP e BIELESKI, 2002THORP, T.G.; BIELESKI, R. Feijoas: origins, cultivation and uses. Auckland: David Bateman, 2002. 87p.). A distribuição das populações da espécie ocorre em sub-bosques da Floresta Ombrófila Mista e em alguns pomares comerciais (QUADROS et al., 2008QUADROS, K.E. et al. Estudo anatômico do crescimento do fruto em Acca sellowiana (Berg.) . Revista Brasileira de Fruticultura, Cruz das Almas, v. 30, n. 2, p. 296-302, 2008.).

A espécie Psidium cattleianum Sabine, conhecida popularmente como araçá-vermelho ou araçá, é pertencente à família Myrtaceae, apresentando extensa área de ocorrência na costa atlântica brasileira (SOBRAL, 2014SOBRAL, M. et al. Myrtaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB171>. Acesso em: 14 Jan. 2014.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/f...
), desde a Bahia até o nordeste do Uruguai (MARCHIORI e SOBRAL, 1997MARCHIORI, J.N.C.; SOBRAL, M. Dendrologia das Angiospermas: Myrtales. Santa Maria: UFSM, 1997. p. 90-100.). Trata-se de uma espécie arbórea com tronco liso e casca descamante. Os frutos podem ser amarelos ou vermelhos (LORENZI, 1992LORENZI, H. Árvores brasileiras: Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Editora Plantarum, 1992. 268p.), sendo muito apreciados pela avifauna e pelo homem, entretanto, são perecíveis, dificultando sua comercialização in natura, assim, a elaboração de doces torna-se uma alternativa viável de aproveitamento dos frutos na época da safra (SANTOS et al., 2007SANTOS, M.S. et al. Propriedades reológicas de doce em massa de araçá vermelho (Psidium cattleianum Sabine). Revista Brasileira de Tecnologia Agroindustrial, Paraná, v. 1, n. 2, p. 104-116, 2010.). A produção de mudas de araçazeiro é comumente realizada por meio de sementes (SANCHOTENE, 1989SANCHOTENE, M.C.C. Frutíferas nativas úteis à arborização urbana. 2.ed. Porto Alegre: Sagra,1989. 306p.).

Diante da importância das espécies e a falta de informações a respeito de seu processo germinativo, objetivou-se, neste trabalho, descrever as características morfológicas de plântulas durante a germinação de sementes de Acca sellowiana e Psidium cattleianum.

MATERIAL E MÉTODOS

Coleta e beneficiamento das sementes

Frutos maduros de cinco matrizes de Psidium cattleianum e de seis matrizes de Acca sellowiana foram colhidos, nos municípios de Lages e Bom Jardim da Serra, em Santa Catarina, respectivamente, durante o mês de março para Psidium cattleianum, e após a segunda quinzena de abril de 2011, para Acca sellowiana.

As sementes foram beneficiadas com auxílio de peneira e água corrente para retirada da mucilagem, sendo retirado o excesso de umidade com papel toalha.

As sementes foram submetidas ao teste de germinação utilizando substrato papel tipo germitest, umedecidos com água destilada, e temperatura de 25ºC, sob luz constante, em germinadores tipo BOD. O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado com quatro repetições de 25 sementes.

Avaliações

As avaliações foram realizadas em dias alternados durante o primeiro mês, e posteriormente a cada 15 dias. As plântulas normais retiradas do experimento foram acondicionadas em frascos de 30 mL contendo álcool 70% para conservação dos tecidos. A análise das estruturas morfológicas das plântulas foi realizada com auxílio de estereomicroscópio (lupa).

Na caracterização morfológica das plântulas foram analisados os seguintes caracteres: tipo, forma e coloração da raiz; pilosidade, forma e coloração do hipocótilo e do epicótilo; consistência, textura, forma, nervação, coloração, tipo de bordo, ápice e base dos cotilédones e protófilos.

As plântulas foram mensuradas e ilustradas com aumento relativo à fase de desenvolvimento das plantas, compreendendo as fases iniciais de desenvolvimento até a formação de eofilos desenvolvidos. Foi utilizando a técnica de grafite para facilitar a visualização do aspecto gráfico.

A terminologia utilizada foi baseada nos trabalhos de Barroso (1999)BARROSO, G. M. et al. Frutos e sementes: morfologia aplicada à sistemática de dicotiledôneas. Viçosa: UFV, 1999. 443 p., Kuniyoshi (1983) e Vidal e Vidal (2003)VIDAL, W. N.; VIDAL, M.R.R. Botânica - ornografia: Quadros sinóticos ilustrados de fanerógamos. Ed. UFV, Viçosa, Brasil, 2003, p. 91..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Psidium cattleianum Sabine

As plântulas de Psidium cattleianum apresentaram desenvolvimento epígeo e fanerocotiledonar, o que está de acordo com descrição de Duke e Polhill (1981). Os cotilédones são funcionais, foliáceos, fotossintetizantes e homólogos aos eofilos. Tal descrição está de acordo com o definido por Vogel (1980)VOGEL, E.F. Seedlings of dicotyledons: structure, development, types descriptions of 150 woody Malesian taxa. Wageningen: Centre for Publishing and Documentation, 1980. 471p., que considera este tipo de cotilédone como paracotilédones, por não apresentarem funções haustoriais ou de reserva como os cotilédones verdadeiros.

A germinação teve início aproximadamente 10 dias após a semeadura ocorrendo a abertura do opérculo e a protusão radicular (Figura 1A). A radícula é curta, espessa, glabra, de cor branca e de ápice arredondado, ao longo do desenvolvimento sofre um afinamento progressivo e formação da coifa amarelada e obtusa (Figura 1B). O resultado do teste de germinação do lote de sementes foi de 92%, caracterizando um lote de elevada qualidade.

FIGURA 1:
Fases da germinação e formação de plântula de Psidium cattleianum Sabine A. Início do desenvolvimento, abertura do opérculo; B. Emissão da radícula; C. Diferenciação da raiz e do hipocótilo; D. Emergência dos paracotilédones; D. Plântula com paracotilédones expandidos; E. Plântula normal com eofilos desenvolvidos. (tg: tegumento; o: opérculo; r: radícula; hp: hipocótilo; cl: colo; rp: raiz primária; pc: paracotilédone; ga: gema apical; ef: eofilo; ep: epicótilo; rs: raiz secundária).
FIGURE 1:
Stages of Psidium cattleianum Sabine germination and seedling formation; A. Early development, opening the operculum, B. Radicle protrusion, C. Differentiation of root and hypocotyl, D. Emergence of paracotyledons, D. Seedling with expanded paracotyledons E. Eophylls with normal seedling development. (tg: integument, o: operculum; r, radicle; hp: hypocotyl; cl: collar; rp: primary root; pc: paracotyledon; ga: apical bud; ef: eophyll; ep: epicotyl, rs: secondary root).

A raiz primária apresenta rápido desenvolvimento, sendo cilíndrica, tenra e de cor creme. Ao longo do crescimento ocorre aparecimento de pelos (tricomas) radiculares densos, translúcidos e em forma de acícola (Figura 1C). Nesta fase, também é possível observar a emergência do hipocótilo, inicialmente de cor creme, glabro e cilíndrico. Em poucos dias, o hipocótilo torna-se verde-claro evoluindo a verde-escuro, com aspecto robusto, assim como observado por Ducke (1969)DUCKE, J.A. Seeds, seedlings, systems and systematic.Annals of the Missouri Botanical Garden, v. 55, p. 125-161, 1969., indicando ser esta a região de reserva, em detrimento dos paracotilédones que apresentam tamanho reduzido.

A liberação completa do tegumento, aderido aos paracotilédones ocorreu entre 23 e 27 dias após a semeadura, (Figura 1D), havendo abertura progressiva dos mesmos. A partir deste estádio, foi possível a visualização de glândulas oleíferas abundantes em praticamente todos os órgãos, exceto nas raízes, sendo menos visíveis a olho nu, no hipocótilo. Com a abertura total dos paracotilédones (Figura 1E), houve o início da emissão de raízes secundárias, as quais apresentaram pelos em abundância. O hipocótilo apresenta-se ereto, verde-escuro, subcilíndrico, consistência tenra a fibrosa e com estrias longitudinais, características também encontradas no desenvolvimento de Campomanesia xanthocarpa O. Berg. (GOGOSZ, 2010).

A visualização da gema apical é evidente, iniciando o desenvolvimento do primeiro par de eofilos. A total formação dos eofilos caracteriza o final da formação da plântula normal. O paracotilédone e o eofilo maduros são morfologicamente semelhantes, sendo elípticos a ovados, curto-peciolados, membranáceos com aspecto foliáceo, verde-escuros, glabros, com margem inteira e venação broquidódroma evidente.

Aproximadamente aos 23 dias de semeadura (Figura 1F), a plântula apresenta sistema radicial axial, raiz principal pivotante, longa, cilíndrica, flexível e branco-amarelada. O colo é bem definido pela redução de diâmetro do hipocótilo para a raiz primária, caracterizado por uma pequena constrição na base do hipocótilo e pela diferença de cor entre o hipocótilo e a raiz. Raízes secundárias são finas, longas, cilíndricas, da mesma cor da raiz primária e abundante em pelos. A raiz primária passa a ser sublenhosa e de coloração marrom.

O colo é bastante distinto, observado pela redução do diâmetro do hipocótilo e diferente coloração entre a raiz e o hipocótilo. O hipocótilo é longo, cilíndrico, levemente estriado longitudinalmente, verde-escuro, glabro, ereto, apresentando células secretoras subepidérmicas. Vogel (1980) mencionou a utilidade das características específicas do hipocótilo e cotilédones como tamanho, coloração, forma e ornamentação para a distinção entre espécies. Os metáfilos são simples, oposto-cruzados, concolores (com mesma cor em ambas as faces), variam de ovados a obovados, com base arredondada a obtusa e ápice agudo a acuminado, diferenças comuns uma vez que a plântula sofre influência dos fatores ambientais e genéticos, bordo inteiro; nervação broquidódroma evidente. Rego et al. (2010) encontraram características semelhantes em plântulas de Blepharocalyx salicifolius, entretanto, esta, distingue-se no formato das folhas (elípticas) e pela presença de pubescência na face abaxial.

Acca sellowiana (O. Berg) Burret.

Assim como o Psidium cattleianum, Acca sellowiana apresentou germinação epígea, fanerocotiledonar e paracotilédones foliáceos e fotossintetizantes.

A função de órgão fotossintetizante ligada aos paracotilédones é característica essencial para a classificação quanto à estratégia de regeneração, estando diretamente ligada a espécies heliófitas ou colonizadoras de habitat efêmeros com maior disponibilidade de luz em clareiras naturais (VOGEL, 1980; FERREIRA e BORGHETTI, 2004), coincidindo com a frequente condição ecológica observada para a espécie. Segundo Ducroquet et al. (2000), o desaparecimento da Acca sellowiana em altitudes abaixo de 800 a 900 m deve-se, provavelmente, à redução de luz decorrente do aumento da densidade da mata, fator característico em Floresta Ombrófila Densa.

As primeiras manifestações do processo germinativo iniciaram-se pelo intumescimento da semente, que aumentou de volume. Em seguida ocorreu protrusão radicular, mediante rompimento do tegumento na base da semente, aproximadamente 10 dias após a instalação do teste de germinação (Figura 2A), o qual demonstrou a alta qualidade das sementes (96% de plântulas normais). A radícula se apresentou com uma estrutura curta, fina, glabra, de coloração esbranquiçada, ápice pontiagudo e coifa amarelada (Figura 2B).

FIGURA 2:
Fases da germinação e formação de plântula de Acca sellowiana (O. Berg) Burret. A. Início do desenvolvimento; B. Diferenciação da raiz e do hipocótilo com glândulas oleíferas; C. Emergência dos paracotilédones; D. Plântula com paracotilédones expandidos; E. Plântula normal com eofilos desenvolvidos. (tg: tegumento; r: radícula; hp: hipocótilo; cl: colo; rp: raiz primária; pc: paracotilédone; ga: gema apical; ef: eofilo; ep: epicótilo; rs: raiz secundária).
FIGURE 2:
Stages of Acca sellowiana (O. Berg) Burret. germination and seedling formation; A. Early development; B. Differentiation of root and hypocotyl with glans, C. Emergence of paracotyledons, D. Seedling with expanded paracotyledons E. Normal seedling with developed eophylls. (tg: integument, o: operculum; r, radicle; hp: hypocotyl; cl: collar; rp: primary root; pc: paracotyledon; ga: apical bud; ef: eophyll; ep: epicotyl, rs: secondary root).

O crescimento da raiz principal foi rápido, sendo que antes de completar um mês de germinação, o comprimento correspondeu a quase 5,0 mm (Figura 2C). No decorrer de seu desenvolvimento apresentou-se cilíndrica, fina, inicialmente esbranquiçada sofrendo alterações progressivas nas tonalidades de amarelo, além de tenra, esparsamente pilosa. Nesta fase, também se observou a emergência do hipocótilo, o qual apresentou glândulas oleíferas, estando presentes na maioria dos órgãos da plântula com exceção da raiz. O hipocótilo é cilíndrico, curvado na base, possui tricomas estrigulosas visíveis por meio de lupa com coloração creme que evolui à verde-clara até a verde-escura, quando o tegumento inicia seu desprendimento dos restos seminais.

Quando ocorre a total exposição dos paracotilédones (Figura 2D), estes apresentaram tamanho reduzido, no entanto, já com coloração verde-escura, demonstrando o potencial fotossintetizante da plântula em crescimento. Até este momento, a plântula representa um organismo essencialmente heterotrófico, nutrido pelas reservas presentes nos paracotilédones. A partir da abertura total dos paracotilédones (Figura 2E), assim como em Psidium cattleianum, as plântulas tornam-se autotróficas.

Os paracotilédones são opostos, de consistência carnosa e nervura central saliente. Foi possível visualizar o desenvolvimento da gema apical antes da completa expansão dos paracotilédones e, após esta, o princípio da emergência das raízes secundárias. Estas apresentaram consistência tenra a fibrosa, forma cilíndrica, coloração amarelada e presença de tricomas. O hipocótilo tornou-se reto, de coloração verde-escura e consistência tenra a fibrosa. A emissão dos eofilos evidenciou o término do processo germinativo.

Aos 90 dias de semeadura (Figura 2E), a plântula apresentou sistema radicial axial, raiz principal pivotante, longa, cilíndrica, fibroso-sublenhosa e castanha. Nesta fase observou-se maior presença de pelos, desenvolvimento de raízes secundárias finas, longas, cilíndricas, da mesma cor da raiz primária e abundante em pêlos.

O colo é bem definido pela redução de diâmetro do hipocótilo para a raiz primária, caracterizado por uma pequena constrição na base do hipocótilo e pela diferença de cor entre o hipocótilo e a raiz. O hipocótilo é longo, cilíndrico, ereto, marrom-avermelhado, glabro e com abundância em glândulas oleíferas.

Os paracotilédones apresentaram atrofiamento com o progressivo desenvolvimento dos metáfilos, os quais são simples, oposto-cruzados, verde-escuros em ambas as faces, oblongos, elípticos ou obovados, bordo inteiro e venação broquidódroma impressa. A presença de paracotilédones provavelmente esteja relacionada com a necessidade de rápido desenvolvimento das plântulas, desvinculando a dependência por períodos prolongados das reservas contidas no embrião.

Segundo Koslowiski (1971), Duke e Polhill (1981) e Ye (1983)YE, N. 1983. Studies on the seedling type of dicotyledoneus plants (Magnoliophyta-Magnoliopsida). Phytologia, Hunstsville, v. 54, n. 5, p. 161-189, 1983., o período inicial do ciclo de vida da maioria das espécies vegetais é considerado o mais crítico. Esse estádio é caracterizado por apresentar acentuada vulnerabilidade às condições ambientais. O reconhecimento das plântulas e dos estádios iniciais em determinados ecossistemas influenciam diretamente sobre os estudos da dinâmica de populações, e também podem auxiliar como um índice para caracterizar o estádio sucessional em que o ecossistema se encontra (AMO-RODRIGUEZ, 1979).

A descrição do processo germinativo, juntamente com a morfologia de plântulas constitui importante elemento de reconhecimento de espécies. Há necessidade de contínuos estudos voltados ao processo germinativo e estádios iniciais de espécies da família Myrtaceae, pois se trata de uma importante família no âmbito florestal, mas de difícil identificação.

CONCLUSÃO

A germinação das sementes de Psidium cattleianum e Acca sellowiana é do tipo epígea, fanerocotiledonar, com presença de paracotilédones fotossintetizantes.

A presença de paracotilédones em plântulas de Psidium cattleianum e Acca sellowiana sugere que ambas as espécies apresentam necessidade de rápido crescimento, como forma de se estabelecerem no ambiente no qual foram dispersas, possibilitando maior eficiência na concorrência por fatores determinantes ao desenvolvimento.

  • ARAÚJO, S.S.; MATOS, V.P. Morfologia da semente e das plântulas de Cassia fistula L. Revista Árvore, Viçosa, v. 15, n. 3, p. 217-223, 1991.
  • BARROSO, G. M. et al. Frutos e sementes: morfologia aplicada à sistemática de dicotiledôneas. Viçosa: UFV, 1999. 443 p.
  • CARDOSO, C.M.V.; SAJO, M.G. Vascularização foliar e a identificação de espécies de Eugenia L. (Myrtaceae) da bacia hidrográfica do Rio Tibagi, PR.Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 47-54, 2004.
  • CRESTANA, C.S.M. Recrutamento de plântulas de Genipa americana L. (Rubiaceae) em mata ripária. Revista do Instituto Florestal, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-15, 1998.
  • CUNHA, M. DO, C. L.; FERREIRA, R.A. Aspectos morfológicos da semente e do desenvolvimento da planta jovem de Amburana cearensis (Arr. Cam.) A.c. Smith - Cumaru - Leguminosae Papilionoideae. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 25, n. 2, p. 89-96, 2003.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2011
  • Aceito
    07 Mar 2014
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