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CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE FRAGMENTOS FLORESTAIS EM COMPARTIMENTOS GEOMORFOLÓGICOS E PEDOLÓGICOS EM PEQUENOS TRIBUTÁRIOS NO BAIXO JACUÍ

ENVIRONMENTAL CONDITIONS OF FOREST FRAGMENTS IN GEOMORPHOLOGIC AND PEDOLOGIC COMPARTMENTS ON SMALL TRIBUTARIES LOWER BASIN OF JACUÍ RIVER, RS STATE

RESUMO

Fragmentos de Floresta Estacional Decidual Aluvial e Submontana encontram-se ao longo de um gradiente com uma grande variação geomorfológica e pedológica. Assim, para entender as condições nesses ambientes, foram estudadas de forma detalhada as condições de solos e as formas de relevo presentes em pequenos tributários de uma microbacia de geologia sedimentar, no município de Pantano Grande, Rio Grande do Sul. Para levantar essas variáveis foram instaladas 200 parcelas de 100 m² distribuídas em 40 pontos amostrais com 5 parcelas cada, desde as cabeceiras de drenagem até a planície de inundação do rio Jacuí. Em cada unidade amostral foram coletadas amostras superficiais de solos para análise de fertilidade e composição granulométrica. Foram determinadas 16 classes de solos até o quarto nível categórico e 12 compartimentos geomorfológico e pedológico. A análise de ordenação demonstrou diferenças entre os pontos amostrais da planície e vertentes. As variáveis, altimetria, declive, textura do solo, H + Al e CTC foram as mais importantes na análise da ordenação do ambiente.

Palavras-chave:
dinâmica florestal; ecologia da paisagem; solos florestais; processo de canalização

ABSTRACT

The connected fragments of lowland and alluvial deciduous forests present topography with the large pedological and geomorphological variations. Thus, to understand the conditions in these environments, it was studied in details the conditions of soils and landforms present in small tributaries of a watershed in sedimentary geology, in the town of Pantano Grande, Rio Grande do Sul state. In order to assess these variables, it was established 200 plots of 100 m² divided into 40 sampling points with five plots each, the headwaters to the floodplain of the River Jacuí. In each sampling unit, it was collected surface soil samples for the analysis of fertility and granulometric composition. It was determined 16 soil classes until the fourth categorical level by the Brazilian System of Soil Classification and 12 geomorphological and soil compartments. In the ordination analysis, it showed differences between the sampling points of the plain and slopes. The variables altimetry, slope, soil texture, H + Al and CEC were the most important ones in the analysis of environment ordination.

Keywords:
forest dynamics; landscape ecology; forest soils; process of channeling

INTRODUÇÃO

A ocorrência de florestas na região Depressão Central do Rio Grande do Sul é recente. As mudanças climáticas a partir da última idade do gelo na região, no Pleistoceno (Wisconsin ou Würm), fez com que o clima seco e frio fosse alterado para mais quente e úmido que prepondera na atualidade. Com isso, proporcionou o avanço de florestas tropicais e subtropicais de refúgios do norte da bacia do Paraná e das áreas litorâneas da região central do Brasil para o atual limite florestal meridional, abrangendo a região central do estado do Rio Grande do Sul. Essas avançam sobre as calhas dos rios e encostas e se encontram estruturadas em galerias e em fragmentos de diversos tamanhos, envoltas por áreas campestres relictas, que dominavam a paisagem da região no clima pretérito (LEITE e KLEIN, 1990LEITE, P.F.; KLEIN, R.M. Vegetação. In: Geografia do Brasil: Região Sul. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 1990. v. 2, p.113-150.; BEHLING et al., 2005BEHLING, H.; PILLAR, V.D.P.; BAUERMANN, S.G. Late Quaternary grassland (Campos), gallery forest, fire and climate dynamics, studied by pollen, charcoal and multivariate analysis of the São Francisco de Assis core in western Rio Grande do Sul. (Southern Brazil). Review of Palaeobotany and Palynology, v.133, p. 235-248, 2005.; BEHLING et al., 2009; JARENKOW e WAECHTER, 2001JARENKOW, J. A.; WAECHTER, J. Composição, estrutura e relações florísticas do componente arbóreo de uma floresta estacional no Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 24, n.3, p. 263-272, set. 2001.; MARCHIORI, 2004MARCHIORI, J.N.C. Fitogeografia do Rio Grande do Sul: Campos Sulinos. Porto Alegre: EST Edições, 2004. 110 p.; MARCHIORI, 2009; PILLAR e QUADROS, 1997PILLAR, V. de P.; QUADROS, F.L. Grassland-forest boundaries in Southern in Brazil. Coenoses, Gorizia v.12, n. 2-3, p. 119-126, 1997.).

As florestas da região da Depressão Central são classificadas como Floresta Estacional Decidual Aluvial e Submontana. A Floresta Estacional Decidual Aluvial reveste os terraços aluviais, ao longo do rio Jacuí e dos seus afluentes, apresenta pequenas variações estruturais e florísticas em função das condições locais de drenagem. A Floresta Estacional Decidual Submontana está limitada entre as cotas altimétricas de 30 e 400 m, ocupando relevos que variam de suave ondulado a dissecado (IBGE, 1986).

Estas tipologias, segundo Leite e Klein (1990LEITE, P.F.; KLEIN, R.M. Vegetação. In: Geografia do Brasil: Região Sul. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 1990. v. 2, p.113-150.), estão localizadas em áreas que apresentam duas estações térmicas definidas, o verão com 4 a 5 meses com médias igual ou superior a 20°C, e o inverno, com temperatura de 2 a 3 meses de frio com temperatura média ≤ 15°C e presença de geadas. A temperatura média anual é 18,8ºC, variando de 18,1°C a 22C°. A temperatura média do mês mais frio é menor ou igual a 13,0°C e a do mês mais quente de 24,8°C. A precipitação é em torno de 1400 mm.ano-1, tendo um balanço hídrico excedente de zero a 200 mm e deficiência entre 1 a 150 mm, em curtos períodos de seca no verão (MALUF, 2000MALUF, J.R.T. Nova classificação climática do Estado do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 8, n. 1, p. 141-150, 2000.). O clima é classificado como subtemperado úmido por Maluf (2000MALUF, J.R.T. Nova classificação climática do Estado do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 8, n. 1, p. 141-150, 2000.), ou subtropical úmido por Köppen.

Mesmo que o clima atual favoreça a expansão das florestas, fatores diversos interagem para definir os sítios favoráveis para ocupação florestal (PILLAR e VELÉZ, 2010PILLAR, V. de P.; VÉLEZ, E. Extinção dos Campos Sulinos em Unidades de Conservação: um Fenômeno Natural ou um Problema Ético? Natureza & Conservação, Curitiba, v.8, n.1, p.84-86, Jul., 2010.). Entre estes fatores destacam-se as condições geomorfológicas e pedológicas, ainda pouco estudadas quando se referem à vegetação da região e às influências dos locais preferencias para a colonização e o estabelecimento florestal (MARCHIORI, 2004MARCHIORI, J.N.C. Fitogeografia do Rio Grande do Sul: Campos Sulinos. Porto Alegre: EST Edições, 2004. 110 p.).

Assim, estudos com viés em detalhamento de pedoambiente ou geoambiente possibilitam um melhor conhecimento ambiental para entendimento de ocorrência de comunidades vegetais e distribuição de espécies, bem como as fragilidades ambientais quanto aos usos dos solos e aos sítios preferências de colonização e estabelecimento da cobertura florestal (DIAS et al., 2002DIAS, H.C.T. et al. Geoambientes do parque estadual do Ibitipoca, município de Lima Duarte-MG. Revista Árvore, Viçosa-MG, v.26, n.6, p.777-786, 2002.; CURCIO, 2006CURCIO, G.R. Relações entre Geologia, Geomorfologia, Pedologia e Fitossociologia nas Planícies Fluviais do Rio Iguaçu, Paraná, Brasil. 2006. 488f. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; MARTINS et al., 2006MARTINS, A.K.E. et al. Relações solo-geoambiente em áreas de ocorrência de Ipucas na planície do médio Araguaia - estado de Tocantins. Revista Árvore, Viçosa, v.30, n.2, p.297-310, 2006.).

Desta forma, o presente trabalho foi concebido com o propósito de descrever em detalhes o ambiente de ocorrência de duas formações florestais estacionais deciduais, a aluvial e a submontana, ao longo de uma microbacia de geologia sedimentar, definindo variáveis geomorfológicas e pedológicas com significância no ordenamento ambiental e nos processos de influência no tamanho dos diferentes fragmentos florestais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

Este estudo foi realizado no Rio Grande do Sul, em uma microbacia localizada na margem direita do baixo rio Jacuí, na região da Depressão Central. A paisagem é formada por mosaicos de florestas, campos antrópicos e povoamentos florestais de eucaliptos. A área pertence à fazenda Boa Vista e encontra-se entre os municípios de Pantano Grande e Rio Pardo. O local é transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa, compreendido entre as coordenadas geográficas 30°04'55"S e 52°25'10"O a 30°07'16"S e 52°22'27"O, com altitudes entre 15 a 95 metros (Figura 1).

FIGURE 1
Location of the study area and the distribution of sample points with their respective soils classes, Fazenda Boa Vista, Pantano Grande, RS, Brazil.
FIGURA 1
Localização da área de estudo e distribuição dos pontos amostrais com suas respectivas classes de solos. Fazenda Boa Vista, Pantano Grande - RS, Brasil.

A geologia é formada por sedimentos paleozoicos que fazem parte do rebordo da bacia do Paraná, com predomínio de arenitos médios a finos, siltitos argilosos e lamitos de cores avermelhadas e brancas (IBGE, 2003; SOARES et al., 2008SOARES, A.P.; SOARES, P.C.; HOLZ, M. Correlações estratigráficas conflitantes no limite Permo-Triássico no Sul da Bacia do Paraná: O Contato entre duas sequências e implicações na configuração espacial do aquífero Guarani. Revista Pesquisas em Geociências, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p.115-133, 2008. ). Segundo Streck et al. (2008), os solos da região são classificados predominantemente como Planossolos e Gleissolos nas planícies de inundação ou várzeas e como Argissolos e Plintossolos nas encostas.

A vegetação florestal na planície, nas áreas de drenagem lenta com frequência de inundação, a floresta apresenta o estrato arbóreo aberto, com domínio de Erythrina crista-galli L., Salix humboldtiana Willd., Inga spp., Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman, Sebastiania commersoniana (Baill.) L.B.Sm. & Downs e outras. Nos locais mais bem drenados, esporadicamente inundáveis, a cobertura arbórea é densa, sendo formada principalmente por Luehea divaricata Mart. & Zucc., Cordia americana (L.) Gottschling & J.S.Mill., Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan, Ruprechtia laxiflora Meisn. e Cupania vernalis Cambess. No estrato inferior, destacam-se as arvoretas de Sebastiania brasiliensis Spreng., Phyllanthus sellowianus (Klotzsch) Müll. Arg., Pouteria salicifolia (Spreng.) Radlk., Casearia sylvestris Sw., entre outras. Na encosta, destacam-se no estrato emergente Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan, Myrocarpus frondosus Allemão e Cordia trichotoma (Vell.) Arráb. ex Steud. Já o estrato dominado é constituído por Cordia americana (L.) Gottschling & J.S.Mill., Luehea divaricata Mart. & Zucc., Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez, Eugenia rostrifolia D.Legrand e Ocotea puberula (Rich.) Nees. O estrato de arvoretas também está presente, com Actinostemon concolor (Spreng.) Müll.Arg., Sorocea bonplandii (Baill.) W.C.Burger, Lanj. & Boer e Trichilia claussenii C.DC., além de regeneração de outras espécies arbóreas (IBGE, 1986).

Análises dos solos

As coletas de solos foram realizadas em 40 pontos amostrais, sendo cada um dos pontos constituído por 5 parcelas permanentes de 10 x 10 m (100 m2), distribuídos ao longo da vertente e da planície, incluindo cabeceiras de drenagens e abrangendo outras diferentes situações geomorfológicas (Figura 1).

Os dados e informações sobre a cobertura pedológica foram obtidos em levantamento detalhado, identificados e amostrados conforme procedimentos de Santos et al. (2005SANTOS, R.D. et al. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 5.ed. Viçosa: SBCS, 2005. 100p.) e classificados segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2006). Os solos foram descritos em 19 perfis dentro das parcelas e apenas um perfil em um barranco aberto próximo do ponto amostral de número 11. As descrições serviram para definição das classes de solos nas demais parcelas, por meio de comparação por sondagem utilizando um trado holandês. Para esses solos consideraram-se três classes de drenagem: mal drenado, imperfeitamente drenado e bem drenado (EMBRAPA, 2006).

As amostras superficiais de solos (0 - 20 cm) com remoção da serapilheira em 200 parcelas e dos horizontes dos perfis foram coletadas para análise química (pH, Al, H+Al, Ca, Mg, Na, K, C, S, V%, MO%) e granulométrica pelo método da pipeta, seguindo os procedimentos propostos pela Embrapa (1997), processadas no Laboratório de Análise de Solos da Universidade Federal de Santa Maria. Os parâmetros das análises foram utilizados para classificação de solos e os superficiais por classe de solos e ponto amostral foram comparados por variância dos desvios padrões de suas médias (ANOVA) e complementado pelo teste de Tukey e Teste F.

Descrição dos compartimentos ambientais

A geomorfologia dentro e nos arredores das parcelas foi observada em relação à posição da paisagem, em conjunto com as formas dos canais presentes e relevos. A declividade e cota altimétrica foram medidas em todas as parcelas. Os canais próximos das parcelas foram medidos, a profundidade do nível do solo até a base do leito dos canais e suas larguras da base e do topo. Com todos esses dados e observações foram elaborados desenhos esquemáticos dos compartimentos geomorfológicos e pedológicos, com base em Curcio (2006CURCIO, G.R. Relações entre Geologia, Geomorfologia, Pedologia e Fitossociologia nas Planícies Fluviais do Rio Iguaçu, Paraná, Brasil. 2006. 488f. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba.), considerando a área do perfil transversal das florestas de forma perpendicular aos canais de drenagem, utilizando o software CorelDRAW versão Graphics Suite X5 (2010).

Assim, de forma geral, para melhor ilustrar as correlações de todos os pontos amostrais, com suas respectivas classes de solos e variáveis ambientais amostradas, foi realizado um gráfico de ordenação. Com os valores médios das variáveis pedológicas das amostras superficiais e topográficas em cada ponto amostral realizou-se uma análise de ordenação pelo método NMS (Nonmetric Multidimensional Scaling) para melhor visualização das correlações ambientais, solos e geomorfologia, por meio do programa computacional PC-ORD for Windows versão 6.0 (McCUNE e MEFFORD, 2011). Os pontos amostrais no gráfico de ordenação foram categorizados simbolicamente com suas respectivas classes de solos. A matriz de dados foi composta pelos 40 conglomerados e 16 variáveis ambientais. A padronização dos dados e processamento se deu respectivamente por transformação logarítmica (log (x+1)) e pela distância de Sorensen, com o teste do estresse em relação à dimensionalidade dos eixos, conforme descrito por Peck (2010PECK, J.E. Multivariate Analysis for Community Ecologist: Step-by-Step using PC-ORD. Gleneden Beach: MjM Solfware Design, 2010, 162p. ).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos solos

A área de estudo é ambientalmente muito diversa e nela foi constatada a ocorrência de 16 classes de solos até o quarto nível categórico nos 20 perfis estudados. As classes Gleissolo Háplico Ta Eutrófico típico e Planossolo Háplico Distrófico gleissólico, foram as únicas unidades de solos com mais de uma ocorrência nas trincheiras dos perfis de solos descritos, ambos presentes na planície aluvial. Os resultados das informações da descrição dos solos nos pontos amostrais na microbacia, com sua classificação até o quarto nível hierárquico, encontram-se na Figura 1.

A classe mais representativa da área de estudo é constituída por Planossolos Háplicos localizados na planície, representando 20% das unidades amostrais, em 40 parcelas (ou 8 pontos amostrais). Em segundo lugar estão os Cambissolos Háplicos Tb Distróficos latossólicos, representando 10% das parcelas (N=20), posicionados nas áreas mais altas da vertente. Em terceiro lugar estão os Neossolos Regolíticos em 8% das unidades amostrais (N=16). Na quarta posição estão os Gleissolos Háplicos Ta Eutróficos típicos e Gleissolos Háplicos Ta Distróficos típicos, na base das vertentes, com 15 parcelas cada (7,5%). O mesmo número ocorre com os Neossolos Quartzarênico na planície aluvial. As demais classes de solos apresentam menor representação na área de estudo.

Concordando com as classes de solos, as suas características químicas, pH, cálcio (Ca), alumínio (Al), potássio (K), H+Al, capacidade de troca de cátions efetiva (CTC efet.), saturação de bases (V%) (Tabela 1), matéria orgânica (MO) e granulométricas (areia, argila e silte) (Tabela 2) também se mostraram diversas nas análises das amostras de 0-20 cm de profundidade.

TABLE 1
Chemical variables of soil classes of surface samples (0-20 cm) on plots allocated within the fragments of Decidual Forest, Estância Boa Vista, Pantano Grande, RS state.
TABELA 1
Variáveis químicas das classes de solos das amostras superficiais (0 - 20 cm) em parcelas alocadas no interior dos fragmentos de Floresta Estacional Decidual. Estância Boa Vista, Pantano Grande - RS.
TABLE 2
Granulometric variables and organic matter of soil classes of surface samples (0-20 cm) on plots allocated within the fragments of Decidual Forest, Estância Boa Vista, Pantano Grande, RS state.
TABELA 2
Variáveis granulométricas e matéria orgânica das classes de solos das amostras superficiais (0 - 20 cm) em parcelas alocadas no interior dos fragmentos de Floresta Estacional Decidual. Estância Boa Vista, Pantano Grande - RS.

Os valores médios de pH das classes de solos variaram entre 4,35, nos Cambissolo Háplico Alumínico típico, em parcelas localizadas em terraço na planície próxima ao rio Jacuí, a 5,67, nos Neossolo Regolítico Eutrófico típico, localizados no topo da vertente, dentro de uma cabeceira de drenagem. Esses valores de pH indicam que as classes de solos são de forte a moderadamente ácidos, com base na Embrapa (2006).

Os valores de cálcio variaram de 0,72±0,81 cmolc/dm3, em Argissolos Vermelhos Amarelos, até valores máximos de 6,62±1,31 cmolc/dm3, em Argissolo Bruno-Acinzentado Alítico abrúptico. O teor de alumínio no solo apresentou grande variação entre as classes de solos, separando as médias, de forma significativa, em dois grupos. Os Cambissolos Háplicos Alumínicos típicos foram a classe que apresentou o maior teor de Al. O Argissolo Bruno-Acinzentado Alítico abrúptico foi a única classe de solos cujo valor médio da saturação de bases foi maior que 50% (Eutrófico). No entanto, existe uma grande variação no desvio padrão das amostras dentro das classes de solos, o que poderia remeter outras unidades ao status de eutrófico (Figura 1).

A matéria orgânica, a exemplo de outras características avaliadas, também apresentou grande variação nas amostras superficiais entre as classes de solos, com destaque para os baixos teores encontrados nos Neossolos Flúvicos (0,88%±0,53), em razão da remoção da serapilheira por enchentes periódicas. Os locais de convergência hídrica, com drenagem lenta em cabeceiras de drenagem, vales e base de vertentes, com fluxos superficiais de baixa magnitude, possibilitam o maior acúmulo de biomassa e o maior teor de umidade, o que reduz a decomposição da matéria orgânica. Assim, as classes de solos com maiores teores de matéria orgânica são os Argissolos Bruno-Acinzentados Alítico abrúptico e os Gleissolo Háplico Ta Distrófico cambissólico.

O agrupamento textural predominante na área de estudo pode ser considerado de textura média pela preponderância em 74% das amostras superficiais, com composição granulométrica com menos de 35% de argila e mais de 15% de areia, em conformidade com a Embrapa (2006). Essas amostras são compreendidas nas classes franco, franco-arenoso, arenoso, franco-siltoso e franco-argiloarenoso. Apenas uma amostra enquadrou-se na classe franco-argiloso, no grupo de textura argilosa. As restantes se enquadraram no grupo de textura arenosa, representando 25% das amostras analisadas, estando compreendida nas classes de areia e areia franca.

Essas variações de pH, Ca, saturação de bases, matéria orgânica e granolumetria dos solos estão correlacionados com a drenagem e o intemperismo, impostos pela dinâmica da paisagem em conjunto com a expansão e retração florestal sobre os diferentes terrenos (Figuras 2 e 3). Contudo, as variações geológicas das rochas sedimentares e ações antrópicas nas áreas agrícolas do entorno, como calagem e adubação também podem ser importantes responsáveis pelas variações nos solos das florestas remanescentes. Mas, para afirmações mais concretas sobre essas variáveis, seria necessária uma melhor investigação do histórico da área e análises das rochas da área e solos do entorno (SOLLINS, 1998SOLLINS, P. Factors influencing species composition in tropical lowland rain forest: does soil matter? Ecology, v.79, n. 1, p.23-30, 1998.). Os elementos químicos sódio (F = 1,925; p = 0,023) e magnésio (F = 2,256; p = 0,013) não foram significativos na comparação de média entre as classes de solos (p = 0,95), com valores médios respectivamente de 0,66 ± 1,13 cmolc/dm3 e 1,62±1,08 cmolc/dm3.

FIGURE 2
Transverse profile and location of geomorphological and soil compartments with forests on the slopes of the watershed (circles, figure on the left), with their respective sample points, soil classes, intervals of values ​​of steepness and altitude of terrain.
FIGURA 2
Perfil transversal e localização dos compartimentos geomorfológico e pedológicos com florestas nas encostas da microbacia (círculos, figura da esquerda), com seus respectivos pontos amostrais, classes de solos e intervalos de valores de declividade e altitude do terreno.

FIGURE 3
Transverse profile and location of geomorphological and soil compartments with forests in the plain of the watershed (circles, figure on the right), with their respective sample points, soil classes, intervals of values ​​of steepness and altitude terrain. (a) without Hortonian runoff (b) saturation areas, in times of rainfall, based on Bruijenzeel (1990); (c) Erythrina crista-galli; (d) Butia odorata e (e) Syagrus romanzoffiana.
FIGURA 3
Perfil transversal e localização dos compartimentos geomorfológico e pedológicos na planície da microbacia (círculos, figura da direita), com seus respectivos pontos amostrais, classes de solos, intervalos de valores de declividade e altitude do terreno. (a) sem escoamento hortoniano e (b) áreas de saturação, em período de precipitação, baseado em Bruijenzeel (1990); (c) Erythrina crista-galli; (d) Butia odorata e (e) Syagrus romanzoffiana.

Compartimentos geomorfológicos e pedológicos

A área da microbacia apresenta duas grandes feições geomorfológicas ao longo do gradiente ocupado pelas florestas, as vertentes e a planície aluvial. As vertentes estão entre as cotas altimétricas de 50 a 100 metros, e a planície interiorana, nas cotas inferiores a 50 m até próximo dos 16 m de altitude, sem forte influência do rio Jacuí. Ambas as situações são constituídas por diversas formas de relevos e canais, com classes solos de textura média a arenosa sobre geologia sedimentar.

A situação das vertentes é caracterizada pela Floresta Estacional Decidual Submontana e a planície pela Floresta Estacional Decidual Aluvial, conforme IBGE (1986). As classes de solos predominantes de ordem crescente de dominância na planície são: os Planossolos, Gleissolos, Neossolos Quartzarênicos e Neossolos Flúvicos. Enquanto, nas vertentes, os solos são: Cambissolos, Neossolos Regolíticos, Argissolos, Gleissolos e Plintossolos.

Contudo, para melhor caracterização dos ambientes e da sua composição florística, a compartimentação do ambiente com maior detalhamento dos solos e da geomorfologia, tanto onde a vegetação florestal está inserida e entorno (canais e rampas laterais), são conjuntos importantes. Pois, revelam muitas condições ecológicas (luz, água, substrato e nutrientes) e processos ambientais (pedogenéticos e hidrológicos) que influenciam na distribuição e composição das comunidades de plantas no espaço (CURCIO, 2006CURCIO, G.R. Relações entre Geologia, Geomorfologia, Pedologia e Fitossociologia nas Planícies Fluviais do Rio Iguaçu, Paraná, Brasil. 2006. 488f. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; BUDKE et al., 2007BUDKE, J.C.; JARENKOW, J.C.; OLIVEIRA-FILHO, A.T. Relationships between tree component structure, topography and soils of a riverine forest, Rio Botucaraí, southern Brazil. Plant Ecology, v. 189, p.187-200, 2007.; OSTERKAMP e HUPP, 2010OSTERKAMP, W. R.; HUPP, C.R. Fluvial processes and vegetation - Glimpses of the past, the present, and perhaps the future. Geomorphology, v. 116, p. 274-285, 2010.). Assim, nesse estudo, foram descritos 12 compartimentos geopedológicos e fitosionômicos. Esses foram subdivididos em duas situações, a planície e as vertentes, descritas de montante para jusante em cada situação, conforme os subitens a seguir.

Vertentes (Encostas)

As vertentes com florestas apresentam diversas situações ambientais do topo até a base, associadas em diversas classes de solos. Nas partes mais altas do relevo, nas quais estão as nascentes (cabeceira de drenagem), estruturadas em formato de anfiteatro ou ainda em formação, com ravinas profundas acompanhadas por rampas e patamares, integrados ou não, aos processos de erosão e canalização em torrentes, apresentam diferentes formas de terreno. Essas situações abrangem predominantemente por florestas em estreitos fragmentos, podendo ser ilustradas em dois compartimentos geomorfológicos e pedológicos, conforme a Figura 2, compartimento I e II, respectivamente.

O compartimento I está em patamares acompanhando profundas drenagens, quase verticais, localizadas próximas aos divisores da bacia em cota alta (Figura 2). Os solos identificados são o Cambissolo Háplico Tb Distrófico latossólico e Argissolo Vermelho Amarelo Ta Distrófico abrúptico.

No compartimento II estão as cabeceiras de drenagem em anfiteatro (Figura 2). As classes de solos nesse compartimento são diversas, principalmente em decorrência de maior variação de relevo dentro das cabeceiras e posições que essas ocupam na paisagem. Assim, nesse compartimento as cabeceiras localizadas mais a montante apresentaram solos com menor influência hídrica nos horizontes superficiais e/ou subsuperficiais, como é o caso para os Neossolos Regolíticos e Argissolos Vermelhos. Diferente dos Argissolos Bruno-acinzentados, com localização em cota inferior no terreno de encosta com pequenas rampas convergentes para um terreno de menor declividade favorecendo a presença de umidade superficial. Assim como para os Plintossolo Argilúvico Distrófico gleissólico, com cabeceira em cota superior, mas com parcelas instaladas em posições inferiores dentro da cabeceira de drenagem, que possibilitou a presença do caráter gleissólico, mesmo sem a presença de umidade aflorante em superfície.

Conforme as cabeceiras avançam rompendo as vertentes à montante, abaixo, os pequenos vales são desenvolvidos, erodidos por torrentes que aprofundam as vertentes laterais e escavam o leito sedimentar formando pequenos canais encaixados e com leito rochoso. Nesses pequenos vales, o compartimentado ambiental foi dividido em duas situações. O topo em patamar em conjunto com as cotas intermediárias das rampas convexas, sendo nomeado de compartimento III, e a base, o compartimento IV, ambas com semelhante estrutura florestal e extensa margem florestada paralela aos canais (Figura 2). Nesses compartimentos predominou a floresta estacional decidual submontana em estágio secundário avançado.

O compartimento III foi considerado junto às cotas altas das rampas convexas, onde os solos são bem drenados, sendo identificados os seguintes solos: os Cambissolos Háplicos Tb Distróficos latossólicos, os Neossolos Regolíticos Eutróficos típicos, os Plintossolos Pétricos Concrecionários argilúvicos e os Argissolos Vermelhos Alíticos abrúpticos.

Abaixo dessas rampas, encontra-se o compartimento IV, em patamares no fundo de vale, próximos aos canais profundos. As classes de solos levantadas são os Cambissolos Háplicos Alíticos típicos e Gleissolos Háplicos Ta Eutróficos. A presença de Gleissolos Háplicos Ta Eutróficos nesse ponto da vertente, mesmo próximo ao canal profundo de drenagem, se deve pela proximidade de um pequeno olho d'água que aflora sobre o patamar, caracterizando uma drenagem hortoniana (superficial) e o terreno mal drenado (Figura 2). Apesar disso, a fisionomia e a composição florística não são distintas das formações submontanas próximas.

Os compartimentos V e VI estão dispostos logo abaixo das cabeceiras de drenagem, em fundo de vale, com relevo côncavo e plano. As faixas de florestas são estreitas e apresentam pequenos canais torrenciais. Os solos estão em terreno mal drenado, tendo a classe de Gleissolos como característica desses compartimentos, com distinta variação de fertilidade entre os compartimentos (Figura 2). O compartimento V apresentou Gleissolos Háplicos Eutróficos em um terreno com a concavidade do vale mais plana e ampla, caracterizando um terreno de deposição, conferindo maior fertilidade do solo nessa situação. Ao contrário dos Gleissolos Distróficos do compartimento VI, com a base de vale mais estreita, maior número de canais erosivos e com rampas laterais mais íngremes, caracterizando um ambiente mais perturbado pelo processo de canalização. Desta forma, essas variações na geomorfologia condicionaram variação na fertilidade dos solos e na largura dos fragmentos, sendo que, no compartimento V, a largura do fragmento é maior quanto mais avançado for o estágio sucessional da vegetação florestal.

Portanto, as vertentes, nos vales profundos apresentam os maiores fragmentos em solos predominantemente não hidromórficos, em razão do processo de canalização antigo, estruturando pequenos vales que proporcionam maior proteção aos componentes arbóreos contra distúrbios como incêndios florestais e circulação de animais domésticos, tendo nesses locais uma floresta menos perturbada e mais antiga (Compartimentos I, III e IV). De forma inversa, os processos de canalização mais recentes, nas cabeceiras de drenagem e áreas no sopé das vertentes, estão caracterizados por fragmentos florestais em estreitas faixas, expostos fortemente ao efeito de borda, sendo o primeiro associado aos distúrbios de circulação de gado e incêndios (Compartimento II) e o segundo aos processos erosivos de canalização (Compartimentos V e VI). Esses conjuntos de distúrbios destacam-se na limitação e retração da expansão espacial desses fragmentos.

Planície

Diferentemente das planícies aluviais dos grandes rios, a superfície da planície da área do estudo está atualmente mais influenciada pela ação hídrica de origem pluvial do que pelas águas fluviais dos seus córregos, em razão de esses estarem em sua maior parte com os seus leitos encaixados em canais profundos, em geologia sedimentar facilmente modelável pela água. Com isso, os transbordamentos fluviais proporcionados por enchentes periódicas são raros e pontuais nesses fluxos intermitentes.

Deste modo, os canais profundos nessa planície acabam exercendo forte drenagem lateral próximos de suas margens florestadas, de forma a manter o nível do lençol freático oscilante, não predomina o escoamento superficial da água (hortoniano) sob suas margens dos relevos laterais. As profundidades desses canais variam de 1,2 a 3,5 metros, com larguras entre 3 a 10 metros. Esse ambiente favorece a existência de um compartimento ambiental caracterizado por Planossolos e Gleissolos Háplicos Ta Distróficos cambissólicos, no meio das áreas florestais (Figura 3, Compartimento VII). Nesse compartimento, as florestas estão estruturadas em estreitos fragmentos.

Na borda das florestas de galerias sempre há cotas inferiores, próximas ou afastadas das rampas laterais, que fazem com que as águas das chuvas sejam drenadas e depositadas nos sopés das vertentes e junto da floresta, formando canais efêmeros na planície que apresentam grande influência para caracterização de um distinto compartimento ambiental, úmido e mal drenado. Esse ambiente, normalmente, está próximo do compartimento anterior, mas não tem influência direta da drenagem dos maiores canais na planície. Assim, os solos nesses locais tornam-se mal drenados e, consequentemente, em decorrência do alto volume e da distribuição regular da precipitação ao longo do ano, há favorecimento da pedogênese dos Gleissolo Háplico Ta Distrófico típico, caracterizando o Compartimento VIII (Figura 3). Nesses locais, os canais efêmeros acompanham paralelamente à margem da floresta. Esses em determinados locais entram alguns metros em determinados pontos da floresta por meio de pequenos canais, que permanecem cheios por vários dias após as precipitações intensas. Nessas áreas destacam-se a importância do Salix humboldtiana (salgueiro) e da Erythrina crista-galli (corticeira-do-banhando) na fisionomia florestal. Nessas áreas próximas à borda da floresta, junto da base côncava da vertente ocorrem alguns indivíduos de Erythrina crista-galli em campos úmidos, distribuídos de forma isolada ou em pequenos grupos. As águas desses locais são drenadas por ravinas de maiores dimensões, que se conectam aos córregos encaixados no interior da floresta, conforme ilustrado na Figura 3, por linhas representando as drenagens.

Conforme a planície interiorana se desenvolve em determinados pontos, se expandindo lateralmente com acúmulo de sedimentos provindos da erosão das vertentes, possibilita que as florestas de galeria acompanhem também em expansão lateral. A presença de formas de canais intermediários também ocorre nesse processo, com profundidades não superiores a 1,0 m, largura de 1,5 a 3 m e com leito não rochoso. Nesses canais, o processo de canalização está na fase de agradação do leito, ao mesmo tempo em que, as margens recebem sedimentos das enchentes. Os processos de inundação desses locais possibilitam a pedogênese dos Neossolos Flúvicos, permitindo a definição do compartimento IX, típico de floresta aluvial (Figura 3).

O compartimento X está na área de floresta em transição entre a planície e as vertentes, em patamar de um relevo suave ondulado, onde uma fitofisionomia de um pequeno fragmento florestal apresentou grandes indivíduos de butiazeiros (Butia odorata (Barb.Rodr.) Noblick & Lorenzi) e a superfície do solo está coberta por caraguatá-do-banhado (Eryngium pandanifolium Cham. & Schltdl.). Essa situação foi única na área de estudo, tendo os Neossolos Litólicos em patamar sobre relevo suave, dificultando a drenagem e dando condições para a ocorrência dos caraguatás-do-banhado, mesmo em relevo dissecado (Figura 3).

Além dos quatros compartimentos descritos até agora na planície, mais duas classes de solos foram constatadas à jusante do gradiente topográfico, na foz da microbacia, próximos do rio Jacuí, em estreitos corredores de floresta com altura média do dossel de 10 m e muitas palmeiras da espécie Syagrus romanzoffiana. O compartimento XI mais a montante do que o XII apresenta-se ainda em floresta de galeria. O compartimento XII inicia a estruturação para floresta ciliar, em razão da maior largura do leito do canal principal, conforme mostra a Figura 3. O compartimento XI encontra-se em situação de relevo plano, com canais anastomosados profundos de 3,5 metros e com larguras das margens entre 5,3 a 10,5 metros. Os solos nessa situação foram determinados como Neossolos Quartzarênicos. O compartimento XII está na margem do córrego principal da microbacia, a profundidade ao nível do solo até o leito é de 3,8 metros, a largura e a variação da declividade da margem é respectivamente 12 m e 15º a 17º graus (dique). A classe de solo determinada foi o Cambissolo Háplico Alumínico típico. Nas grandes cheias do rio Jacuí foi observado que o nível do canal é elevado, passando de poucos centímetros para mais de 1,0 m (Figura 3).

Assim, na planície, logo após os sopés das vertentes, os compartimentos VII, VIII e IX, há o predomínio de um canal principal profundo de leito rochoso e pequenos canais laterais com predomínio de leitos sedimentares. Nesses locais, os fragmentos florestais são maiores lateralmente, em razão do maior número de canais paralelos acompanhando o processo de expansão da planície aluvial, favorecidos pela condição ambiental de maior umidade associado à barreira dos canais intermitentes paralelos que servem de pequenos aceiros diminuindo os efeitos de distúrbios por incêndios, e favorecendo a dinâmica de expansão florestal. Em outra situação mais à jusante na planície, nos compartimentos XI e XII, existe a presença de canais profundos, com forte drenagem lateral e menor número ou ausência de canais paralelos ao principal, caracterizando assim, em estreitos fragmentos fortemente influenciados por distúrbios que suprimem e restringem a vegetação florestal.

Correlação ambiental dos compartimentos geomorfológico e pedológico

Conforme foi constatado, existe uma grande diversidade ambiental no gradiente, com diferentes classes de solos e condições geomorfológicas. A análise de ordenação das condições ambientais apresentou a melhor solução gráfica por meio de apenas dois eixos de ordenação, conforme o teste de Stress na relação da dimensionalidade, com um baixo valor de p (0,0020) frente à randomização e um valor mínimo Stress (5,957), os quais apresentaram uma boa solução (Tabela 3).

TABLE 3
Stress test in relation to the dimensionality (axes).
TABELA 3
Teste de Stress em relação à dimensionalidade (número de eixos).

As variáveis geomorfológicas, cota altimétrica e declividade, foram as que apresentaram maior correlação com o eixo 1. No eixo 2, as variáveis do solo, argila, areia, silte, CTC e H+Al, foram as que tiveram maior peso de contribuição, conforme Tabela 4.

TABLE 4
Pearson and Kendall Correlations sorting between the axes and environmental variables of the NMS. Kendall's rank correlation values (tau) ± ≥ 0.50 are highlighted in bold.
TABELA 4
Correlações de Pearson e Kendall entre os eixos de ordenação e as variáveis ambientais da NMS. Os valores de correlação de Kendall (tau) ±≥0,50 estão em destaque em negrito.

Esse resultado demonstra a forte presença de um gradiente ambiental, vinculado principalmente à cota altimétrica (eixo 1) e porcentagem de areia do solo (eixo 2). Assim, pode-se observar que os solos das vertentes, Argissolos, Neossolos Regolíticos e Cambissolos, todos não hidromórficos e com certa profundidade efetiva, tendem a se agrupar nas cotas superiores do terreno e onde se encontra a Floresta Estacional Decidual Submontana. Em oposição, a planície aluvial apresentada por Planossolos, Neossolos Flúvicos que apresentam maior teor de areia entre 0 - 20 cm de profundidade nos solos, e os Neossolos Quartzarênicos e Cambissolos alumínico e Gleissolos, que apresentam na superfície maior teor de silte. Em ambas as situações está a Floresta Estacional Decidual Aluvial (Figura 4).

FIGURE 4
Spatial representation of the sampling points in their respective classes of soils in environmental gradient.
FIGURA 4
Ordenamento dos pontos amostrais com representação das suas respectivas classes de solos no gradiente ambiental.

As unidades de amostras que estão espacialmente próximas umas das outras ou afastadas, representam respectivamente padrões de semelhança ou diferença (PECK, 2010PECK, J.E. Multivariate Analysis for Community Ecologist: Step-by-Step using PC-ORD. Gleneden Beach: MjM Solfware Design, 2010, 162p. ). Assim, outro grupo nítido é observado, dos pontos amostrais dos Gleissolos, de natureza hidromórfica que ocupam os sopés das vertentes e representam uma situação de transição na paisagem entre a planície e as vertentes.

Esses padrões de ordenação, no gráfico acima (Figura 4), apresentaram forte separação entre os ambientes das vertentes e planície. Mas, não é possível identificar outros padrões, como os observados nos doze compartimentos geopedológicos e fisionômicos descritos anteriormente, devido à diversidade ambiental encontrada, caracterizando o gradiente como muito complexo, com poucos padrões de repetição. Desta forma, a análise de ordenação não responde completamente as variações fisionômicas e ambientais, sendo necessário a complementação por descrição detalhada dos locais de estudo em perfis de relevo e vegetação, complementada com a classificação e análises de solos possibilitou uma melhor compreensão dos processos de distúrbios naturais e antrópicos frente às variações fisionômicas e sucessionais das formações florestais.

CONCLUSÕES

Dentre as variáveis estudadas, as de relevo, cota altimétrica e declividade foram as mais significativas na separação entre as condições ambientais dos relevos de planície e vertentes, e as edáficas, granulométricas, CTC e H+Al, no ordenamento das condições superficiais dos solos. Mas, somente com a descrição dos compartimentos geomorfológicos e pedológicos com suas respectivas classes de solos, foi possível observar os diferentes processos de canalização e erosão em escala espacial, associando-os nas condicionantes dos diferentes níveis de saturação hídrica, topográficas, fertilidade e pedogênese dos solos e intensidade de distúrbios, responsáveis por influenciar nos estágios sucessionais e nos tamanhos dos fragmentos florestais aluviais e submontano em pequenos tributários.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2013
  • Aceito
    10 Out 2014
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