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Chave de identificação dendrológica das espécies mais comuns de uma área de Cerrado sensu stricto, Gurupi, Tocantins

Key of dendrological identification of the most common species of a Cerrado sensu stricto area, Gurupi, Tocantins state

Resumo

Estudos com chave de identificação dendrológica da flora arbustivo-arbórea do Cerrado no Estado do Tocantins ainda são escassos ou incipientes, promovendo, assim, uma lacuna de informações técnicas e científicas. Portanto, esta pesquisa visa respaldar o estabelecimento de prioridades para futuras estratégias de conservação e planos de manejo de espécies botânicas do Cerrado. Diante do contexto, objetivou-se elaborar uma chave dicotômica, baseada em caracteres vegetativos das espécies arbustivo-arbórea de uma área de cerrado sensu stricto em Gurupi - TO. Foram alocadas, sistematicamente, cinco parcelas permanentes de 20×50 m, ou seja, 1.000 m² cada, sendo as mesmas distanciadas 10 m entre si. Amostraram-se todos os indivíduos arbustivo-arbóreos com circunferência a 1,30 m do solo (CAP) maior ou igual a 10 cm. Os materiais botânicos das espécies foram herborizados seguindo as técnicas convencionais. Para a elaboração da chave de identificação, foi realizada uma seleção dentre as 106 espécies amostradas, considerando apenas as espécies que possuíam número de indivíduos maior ou igual a cinco, desta forma, foram selecionadas 54 espécies. Cabe ressaltar que essa seleção teve como objetivo incluir apenas as espécies de maior recorrência no cerrado sensu stricto, com a finalidade de viabilizar a funcionalidade da chave. A chave de identificação baseada em caracteres vegetativos foi composta por 54 espécies arbustivo-arbóreas de eudicotiledôneas e angiospermas basais, distribuídas em 47 gêneros, incluídos em 26 famílias botânicas. A confecção da chave de identificação dendrológica demonstrou-se uma ferramenta funcional, ou seja, permitiu uma rápida e fácil identificação das espécies vegetais amostradas.

Palavras-chave:
Chave dicotômica; Dendrologia; Levantamento florístico

Abstract

Studies with key dendrological identification are still scarce or incipient, thus promoting a lack of technical and scientific information. Establishment of priorities for future conservation strategies and management plans for Cerrado botanical species. In view of the context, the objective was to elaborate a dichotomous key, based on vegetative characteristics of the shrub-tree species of an area of ​​cerrado sensu stricto, Gurupi-TO state. Five permanent plots of 20×50 m, or 1000 m² each, were systematically allocated, 10 m apart. All shrub-arboreal individuals, with circumference at 1.30 m of soil (CAP) greater than or equal to 10 cm were sampled. The botanical materials of the species, were herbalised following conventional techniques. For the elaboration of the identification key, a selection was made among the 106 species sampled, considering only the species that had a number of individuals greater or equal to 5, in this way 54 species were selected. It should be emphasized that this selection had as objective to include only the species with the greatest recurrence in the cerrado sensu stricto, in order to make the key functionality viable. The identification key based on vegetative characters was composed of 54 shrub-tree species of eudicotiledonias and basal angiosperms, distributed in 47 genera included in 26 botanical families. The preparation of the dendrological identification key was shown to be a functional tool, that is, it allowed a quick and easy identification of the sampled vegetable species.

Keywords:
Dichotomous key; Dendrology; Floristic survey

Introdução

O Cerrado é uma região de savana tropical da América do Sul, incluindo grande parte do Brasil Central, parte do nordeste do Paraguai e leste da Bolívia, sendo o segundo domínio brasileiro em extensão. O Cerrado ocupa aproximadamente 22% do território brasileiro, em uma área total estimada de 2.036.448 km² (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. PPCerrado: Plano de Ação para prevenção e controle do desmatamento e das queimadas no Cerrado: 2ª fase (2014-2015). Brasília: MMA, 2014. 132 p.).

Em função de sua extensão territorial, o Cerrado compreende um mosaico de vários tipos vegetacionais. Em suas formações vegetais são encontradas desde vegetações campestres com predomínio de gramíneas, até as matas de galeria, formadas por três estratos arbóreos distintos, com complexidade estrutural típica das florestas tropicais (BUTTLER et al., 2012BUTTLER, A. et al. Annual variation in soil respiration and its component parts in two structurally contrasting woody savannas in Central Brazil. Plant Soil, n. 352, p. 129-142, 2012.).

Essa diversidade de fitofisionomias é resultante da diversidade de solos, de topografia (altitudes variáveis de 200 até 1.600 m) e de climas que ocorrem nessa região do Brasil Central (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. PPCerrado: Plano de Ação para prevenção e controle do desmatamento e das queimadas no Cerrado: 2ª fase (2014-2015). Brasília: MMA, 2014. 132 p.). A alta diversidade de ambientes é refletida em uma elevada riqueza da flora, totalizando 12.356 espécies que ocorrem espontaneamente, sendo que aproximadamente 44% da sua flora é endêmica (MENDONÇA et al., 2008MENDONÇA, R. et al. Flora vascular do bioma Cerrado: checklist com 12.356 espécies. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P.; RIBEIRO, J. F. Cerrado: ecologia e flora. EMBRAPA Informações Tecnológicas, 2008. v. 2. p. 287-556.).

O Tocantins é um dos estados brasileiros com maior área coberta pelo bioma Cerrado (182.640 km²). Cerca de 72% de cobertura com vegetação nativa encontra-se preservada no estado, constituindo um dos maiores remanescentes desse bioma (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Mapeamento do uso e cobertura do cerrado: Projeto TerraClass Cerrado 2013. Brasília: MMA, 2015. ).

Entretanto, as formações savânicas, nas quais estão inseridas as áreas de cerrado sensu stricto geralmente ocupam, terrenos planos de solos profundos ideais à agricultura mecanizada que propicia a conversão de áreas naturais em lavouras e pastagens. Resultado disso, é que as formações savânicas perderam 64 milhões de hectares (SANO et al., 2007SANO, E. E.; ROSA, R.; BRITO, J. L. S.; FERREIRA, L. G. Mapeamento de cobertura vegetal do bioma Cerrado: estratégias e resultados. Embrapa Cerrado. Planaltina DF. 2007.). Isso representa 47,84% de sua cobertura vegetal original. Tal cenário é a maior taxa de desmatamento anual dentre todos os biomas brasileiros, liderados pelos estados do Maranhão, Bahia e Tocantins (SANO et al., 2007; FERREIRA et al., 2017FERREIRA, R. Q. S. et al. Diversidade florística do estrato arbustivo arbóreo de três áreas de cerrado sensu stricto, Tocantins. Desafios, Tocantins, v. 4, n. 2, p. 69-82, 2017.).

Diante disso, o conhecimento da diversidade florística do cerrado sensu stricto é de fundamental importância para compreender a estrutura dessas comunidades. Estes estudos auxiliam na detecção de padrões de dominância de certas espécies, bem como, a importância das relações ecológicas na manutenção das comunidades. Isso é base na elaboração de programas de monitoramento, controle e conservação dos remanescentes ainda preservados. Dessa forma, os sistematas dispõem de várias ferramentas, sendo as chaves dicotômicas as mais importantes dentre elas (JUDD et al., 2009JUDD, W. S. et al. Sistemática vegetal: um enfoque filogenético. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.). A elaboração de chaves para identificação, tendo como base características morfológicas vegetativas, é menos utilizada quando comparada com as chaves que utilizam os caracteres florais, porém, diversos autores passaram a utilizar parâmetros dendrológicos em seus trabalhos (SILVA JÚNIOR; PEREIRA, 2009SILVA-JÚNIOR, M. C.; PEREIRA, B. A. S. 100 árvores do cerrado: mata de galeria. 1. ed. Brasília: Rede de sementes do cerrado , 2009. ; URBANETZ; TAMASHIRO; KINOSHITA, 2010 URBANETZ, C.; TAMASHIRO, J. Y.; KINOSHITA, L.S. Chave de identificação de espécies lenhosas de um trecho de Floresta Ombrófila Densa Atlântica, no Sudeste do Brasil, baseada em caracteres vegetativos. Biota Neotropica, Campinas, v. 10, n. 2, p. 349-398, 2010.; PESTANA; ALVES; SARTORI, 2011 PESTANA, L. T. C.; ALVES, F. M.; SARTORI, A.L.B. Espécies arbóreas da arborização urbana do centro do município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. REVSBAU, Piracicaba, v. 6, n. 3, p. 1-21, 2011. ; SILVA-JÚNIOR, 2012SILVA JÚNIOR, M. C. 100 árvores do cerrado: sentido restrito. 1. ed. Brasília: Rede de sementes do cerrado, 2012. ; TEIXEIRA, 2015TEIXEIRA, C. Chave de identificação baseada em caracteres vegetativos para a arborização urbana de Foz do Iguaçu-PR. 2015. Monografia (Especialista na Pós-Graduação em Gestão Ambiental em Municípios) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2015.).

Isso ocorre porque a dendrologia se baseia em características macromorfológicas, fáceis de serem observadas. Assim, as chaves de identificação dendrológica permitem uma rápida individualização desses caracteres, facilitando e agilizando o trabalho de reconhecimento em campo de determinada espécie.

Segundo Rejmanek e Brewer (2001REJMANEK, M.; BREWER, S.W. 2001. Vegetative identification of tropical woody plants: state of the art and annotated bibliography. Biotropica 33: 214-228.), chaves dicotômicas de identificação de espécies parecem ser a maneira mais eficiente para a determinação de espécies em pequenas áreas.

Estudos com chave de identificação dendrológica da flora arbustivo-arbórea no Estado do Tocantins são inexistentes ou incipientes, sendo conhecidos somente estudos fitossociológicos para a região (SANTOS; LÓLIS, 2007SANTOS, E. R.; LÓLIS, S. F. Análise florística em comunidades florestais nos Municípios de Caseara, Marianópolis, e Pium, no estado do Tocantins. Revista Carbono Social, Tocantins, v. 1, n. 2, p. 24-31, 2007.; PEDREIRA et al., 2011PEDREIRA, F. R. B. et al. Composição florística e fitossociologia de espécies arbóreas em uma área de cerrado stricto sensu no Município de Porto Nacional, TO. Revista Global Science and Technology, Rio Verde, v. 4, n. 1, p. 08-15, 2011.; HAIDAR et al., 2013HAIDAR, R. F. et al. Seasonal forests and ecotone areas in the state of Tocantins, Brazil: structure, classification and guidelines for conservation. Acta Amazonica, Manaus, v. 43, n. 3, p. 261-290, 2013., LEMOS, 2013LEMOS, H. L. et al. Structure and floristic relationships between Cerrado sensu stricto sites on two types of substrate in northern Cerrado, Brazil. Biota Neotropica, Campinas, v. 13, n. 4, p. 121-132, 2013.; MEDEIROS; WALTER, 2012MEDEIROS, M. B.; WALTER, M. L. Composição e estrutura de comunidades arbóreas de cerrado stricto sensu no norte do Tocantins e sul do Maranhão. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 36, n. 4, p. 673-683, 2012.; FERREIRA et al., 2015FERREIRA, Q. S. F. et al. Fitossociologia e estrutura diamétrica de um cerrado sensu stricto, Gurupi -TO. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, Pombal, v. 10, n. 1, p. 229-235, 2015.; 2017FERREIRA, R. Q. S. et al. Diversidade florística do estrato arbustivo arbóreo de três áreas de cerrado sensu stricto, Tocantins. Desafios, Tocantins, v. 4, n. 2, p. 69-82, 2017.), que suprem a lacuna de informações técnicas e científicas sobre o Cerrado no Estado. Portanto, o presente estudo visa contribuir com a identificação de algumas espécies recorrentes em uma área de Cerrado e respaldar futuras estratégias de conservação e planos de manejo de espécies botânicas do Domínio.

Perante a necessidade de ampliar informações sobre a vegetação arbustivo-arbórea independentemente do período de floração e/ou frutificação das espécies mais comuns de área de cerrado sensu stricto, Gurupi - TO, objetivou-se elaborar uma chave dicotômica, baseada em caracteres vegetativos das espécies com maior densidade de indivíduos.

Material e Métodos

Caracterização da área de estudo

O estudo foi desenvolvido numa área de cerrado sensu stricto em transição com uma área florestal cerradão inserida na Reserva Legal da Fazenda Experimental da UFT, campus de Gurupi - TO, sob as coordenadas UTM 11°46’21.5”S 49°03’27.7”W (Figura 1).

Figura 1
Mapa do fragmento de cerrado sensu stricto e a área de estudo inserido na Reserva Legal da Fazenda Experimental da UFT, campus de Gurupi - TO.
Figure 1
Map of the cerrado sensu stricto fragment and the study area inserted in the Legal Reserve of the Experimental Farm of UFT, campus of Gurupi - TO state.

A Fazenda Experimental localiza-se próximo ao campus universitário de Gurupi e possui 138 ha de área total, sendo 38 ha de Reserva Legal com vegetação remanescente do domínio Cerrado, fisionomia caracterizada por cerrado sensu stricto, com presença de árvores baixas, inclinadas, tortuosas, com ramificações irregulares e retorcidas, geralmente apresentando evidências de queimadas. Os arbustos e subarbustos encontram-se espalhados, com algumas espécies apresentando órgãos subterrâneos perenes (xilopódeos), que permite a rebrota após a queima ou corte (RIBEIRO; WALTER, 2008RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. As Principais Fitofisionomias do Bioma Cerrado. In: SANO, S. M. et al. (Eds.). Cerrado: ecologia e flora . 1. ed. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, p. 151-212, 2008.).

O clima no Estado segundo Köppen é do tipo AW, definido como tropical úmido possuindo uma estação chuvosa no período de verão e uma seca no inverno. A precipitação varia entre 1.500 mm a 1.600 mm, enquanto a temperatura média anual encontra-se entre 22ºC e 28ºC (TOCANTINS, 2012TOCANTINS. Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão. Atlas do Tocantins: subsídios ao planejamento da gestão territorial. Palmas: SEPLAN, 2012. (Palmas - Atual, 6).). A altitude registrada na área de estudo está situada entre as cotas de 250 a 300 m. A topografia foi caracterizada por superfícies planas ou ligeiramente onduladas e os solos da área de estudo foram classificados em Latossolo Amarelo, Latossolo Amarelo, Plintossolo Pétrico, Latossolo Vermelho, Plintossolo, Plintossolo + Cambissolo e Gleissolo (EMBRAPA, 2013EMBRAPA. Sistema brasileiro de classificação de solos. 3. ed. Rio de Janeiro: Centro Nacional de Pesquisas de Solos, 2013. 353 p.).

Tratamento botânico

O levantamento florístico foi realizado entre agosto de 2015 e setembro de 2016 com coletas quinzenais. Utilizou-se o método de parcela (MUELLER-DOMBOIS; ELLENBERG, 1974MUELLER-DOMBOIS, D.; ELLENBERG, H. Aims and methods of vegetation ecology. New York: J. Wiley, 547 p, 1974.), em que foram alocadas, sistematicamente, cinco parcelas permanentes de 20×50 m, ou seja, 1.000 m² cada, sendo que as mesmas foram distanciadas 10 m entre si. No interior das parcelas, foram amostrados todos os indivíduos arbustivo-arbóreos, com circunferência a 1,30 m do solo (CAP) maior ou igual a 10 cm.

Os materiais botânicos das espécies amostradas foram herborizados seguindo as técnicas convencionais propostas por Fidalgo e Bononi (1984FIDALGO, O.; BONONI, V. L. R. Técnicas de coleta, preservação e herborização do material botânico. Instituto de Botânica. São Paulo, 1984. 61 p. (Manual 4).) e Mori et al. (1985MORI, S. A. et al. Manual de manejo de Herbário fanerogâmico. Ilhéus: CEPLAC, 1985. 97 p.). Posteriormente, foram identificados com o auxílio de lupa binocular, bibliografia especializada, consulta a especialistas e comparações com materiais depositados no Herbário do Tocantins (HTO), localizado na Universidade Federal do Tocantins - campus Porto Nacional.

As espécies foram classificadas com base no sistema de classificação APG IV (ANGIOSPERM PHYLOGENY GROUP, 2016ANGIOSPERM PHYLOGENY GROUP. An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG IV. Botanical Journal of the Linnean Society, London, v. 181, p. 1-20, 2016.). A grafia e autoria dos binômios específicos e sinonímias foram confirmadas nas bases de dados “Lista de Espécies da Flora do Brasil” (JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO, 2016JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. REFLORA: Herbário virtual. Flora do Brasil 2020 em construção. Rio de Janeiro: Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: Disponível em: http://reflora.jbrj.gov.br/reflora/herbarioVirtual /. Acesso em: 23 out. 2016.
http://reflora.jbrj.gov.br/reflora/herba...
) e IPNI - “International Plant Names Index” (INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 2016INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (Brasil). The international plant names index. Search the data: plant names. Disponível em: Disponível em: http://www.ipni.org/ipni/plantnamesearchpage.do . Acesso em: 23 out. 2016.
http://www.ipni.org/ipni/plantnamesearch...
).

Para a elaboração da chave de identificação, foi realizada uma seleção dentre as espécies amostradas, considerando-se apenas as espécies que possuíam número de indivíduos maior ou igual a 5. Desta forma, foram selecionadas 54 espécies dentre as 106 amostradas. Cabe ressaltar que essa seleção das espécies teve como objetivo incluir apenas as espécies de maior recorrência no cerrado sensu stricto estudado com finalidade de viabilizar a funcionalidade da chave.

Para cada espécie selecionada, foram feitas descrições de 43 características dendrológicas importantes para a confecção da chave de identificação, sendo que essas descrições se basearam em anotações e observações do material botânico, realizadas em campo e em laboratório, com auxílio de um microscópio estereoscópico. Tais descrições foram utilizadas somente para elaboração da chave dendrológica e não constam no presente estudo.

Para as descrições das características vegetativas de cada espécie, consideraram-se as variações morfológicas dos exemplares coletados. As terminologias utilizadas para os caracteres vegetativos foram baseadas nas seguintes bibliografias: Marchiori (2004MARCHIORI, J. N. C. Elementos de dendrologia. 2. ed., Santa Maria: UFSM, 2004.); Gonçalves e Lorenzi (2007GONÇALVES, E. G.; LORENZI, H. J. Morfologia vegetal: organografia e dicionário ilustrado de morfologia das plantas vasculares. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2007.); Silva Júnior et al. (2014SILVA JÚNIOR, M. C. et al. Guia do observador de árvores: tronco, copa e folha. 1. ed. Brasília: Rede de sementes do cerrado , 2014. ).

A confecção da chave de identificação em nível específico foi baseada nas características morfológicas vegetativas que melhor distinguem os táxons. Por fim, ilustrações das características utilizadas na chave dendrológica foram realizadas com o auxílio de uma câmara clara acoplada ao microscópio estereoscópico.

Resultados e Discussão

Foram amostradas 106 espécies, entretanto, foram incluídas na chave apenas os táxons que possuíam número de indivíduos maior ou igual a cinco, desta forma, foram selecionados 54 espécies. Ressaltando-se que essa seleção teve como objetivo incluir apenas as espécies de maior recorrência no cerrado sensu stricto estudado com a finalidade de viabilizar a funcionalidade da chave.

A chave de identificação baseada em caracteres vegetativos foi composta por 54 espécies arbustivo-arbóreas de eudicotiledôneas e angiospermas basais, distribuídas em 47 gêneros, incluídos em 26 famílias botânicas. A confecção da chave de identificação dendrológica demonstrou-se uma ferramenta funcional, ou seja, permitiu uma rápida e fácil identificação das espécies vegetais amostradas (Tabela 1).

Tabela 1
Famílias e espécies amostradas na área de cerrado sensu stricto, Gurupi - TO, incluídas na chave de identificação sendo as mesmas ordenadas alfabeticamente por família.
Table 1
Families and species sampled in the cerrado sensu stricto area, Gurupi -TO state, included in the identification key and ranked alphabetically by family.

Chave de identificação para as espécies arbustiva-arbóreas com base em caracteres vegetativos

A chave confeccionada pode auxiliar na identificação de algumas espécies com maior ocorrência no cerrado sensu stricto do sul-tocantinense ou de outras regiões com vegetação similar, dessa forma os pesquisadores e discentes da engenharia florestal e áreas afins, terão uma ferramenta para a realização de futuros trabalhos que exijam o conhecimento das espécies botânicas mais recorrentes nesse tipo vegetacional, como por exemplos trabalhos de: desenvolvimento de tecnologias de restauração florestal adaptadas à região; incentivo da produção de espécies botânicas nativas em viveiro, recuperação e manejo da área de estudo, assim como de áreas similares ou mesmo para conhecimento taxonômico das principais espécies ocorrentes.

É importante, porém, fazer algumas ressalvas com relação ao uso da chave elaborada. Os caracteres vegetativos podem variar muito de acordo com as características edafoclimáticas do local no qual a chave é utilizada. Além disso, deve-se ter atenção ao escolher o material a ser analisado, pois rebrotas, galhas, herbívora e doenças podem alterar as características morfológicas vegetativas do indivíduo, sendo preferível analisar ramos adultos e de plantas pouco avariadas para uma maior eficiência na sua utilização. Outro fator importante a se considerar são os caracteres morfológicos sazonais, como folhas e estípulas. Mesmo assim, para um melhor resultado na identificação, os caracteres utilizados são, na grande maioria, de fácil observação e que apresentam menos variação (como venação, filotaxia, glândulas e exsudações). Assim, esta chave dendrológica demonstrou ser uma ferramenta útil ao ser testada em campo, obtendo-se bons resultados na identificação (Figuras 2, 3 e 4).

Figura 2
Características vegetativas utilizadas na chave: A: Luehea grandiflora - venação actinódroma. B: Eriotheca pentaphylla - venação broquidódroma. C: Dilodendron bipinnatum - venação camptódroma. D: Copaifera langsdorffii - venação cladódroma. E: Curatella americana - venação craspedódroma. F: Antonia ovata - venação eucamptódroma. G: Anadenanthera peregrina - venação hifódroma.
Figure 2
Vegetative characteristics on the keys: A: Luehea grandiflora - venation actinodromous. B: Eriotheca pentaphylla - venation brochidodromous. C: Dilodendron bipinnatum - venation camptodromous. D: Copaifera langsdorffii - venation cladodromous. E. Curatella americana - venation crapedodromous. F: Antonia ovata - venation eucamptodromous. G: Anadenanthera peregrina - venation hyphodromous.

Figura 3
Características vegetativas utilizadas na chave: H: Astronium fraxinifolium - gemas axilares arredondadas. I: Myracrodruon urundeuva - gemas axilares deltoides. J: Tapirira guianensis - gemas axilares lanceoladas, adnatas aos ramos. K: Callisthene major - glândulas axilares, triangulares, pubescente. L: Qualea parviflora - glândulas interpeciolares, circulares, glabras, sempre em par. M: Zanthoxylum rhoifolium - pontuações translúcidas na lâmina foliar e nas margens entre as crenas. N: Virola sebifera - face abaxial das folhas com tricomas estrelados.
Figure 3
Vegetative characteristics on the keys: H: Astronium fraxinifolium - rounded axillary bud. I: Myracrodruon urundeuva - deltoid axillary bud. J: Tapirira guianensis - lanceolate axillary bud adnate to the twigs. K: Callisthene major - axillary, triangular, pubescente gland. L: Qualea parviflora - interpetiolar, round, glabrous gland, always in pairs. M: Zanthoxylum rhoifolium - translucent dots in leaf blade and crenate. N: Virola sebifera - stellate trichomes on the abaxial side of the leaf.

Figura 4
Características vegetativas utilizadas na chave: O: Magonia pubescens - folíolo terminal rudimentar. P: Amaioua guianensis - ramos foliares tricotômicos. Q: Protium heptaphyllum - peciólulo halteriforme. R: Byrsonima basiloba - ramos de crescimento modular. S: Hirtella glandulosa - folhas de ápice acuminado. T: Coccoloba mollis - estípulas modificadas em ócrea.
Figure 4
Vegetative characteristics on the keys: O: Magonia pubescens - rudimentary terminal leaflet. P: Amaioua guianensis - leaf twigs trichotomy. Q: Protium heptaphyllum - halteriform petiolule. R: Byrsonima basiloba - modular growing twigs. S: Hirtella glandulosa - acuminate apex leaves. T: Coccoloba mollis - stipule fused into ochrea.

A chave pode ser usada como suporte para a identificação de uma área de cerrado sensu stricto, com características vegetacionais semelhantes, todavia, devido à metodologia abordada utilizando apenas as espécies que possuíam número de indivíduos maior ou igual a cinco, ela não contribuirá de maneira efetiva na identificação das espécies raras, sendo interessante a realização de futuros trabalhos com as espécies raras da região.

Conclusões

A elaboração dessa chave dendrológica buscou contribuir para o conhecimento da flora do Cerrado tocantinense e subsidiar futuros estudos no desenvolvimento de tecnologias de restauração florestal no domínio, colaborando com ações de manejo e recuperação de áreas com características similares.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2017
  • Aceito
    16 Fev 2018
  • Publicado
    29 Mar 2019
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