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Líquido da casca da castanha-de-caju (LCC) como repelente do caruncho-do-bambu Bambusa vulgaris

Cashew nut shell líquid (LCC) as bamboo Bambusa vulgaris borer repellent

Resumo

Foi investigada a ação repelente do líquido da casca da castanha-de-caju (LCC) Anacardium occidentale L. sobre o caruncho Dinoderus minutus Fabricius, (1775), na Base de Pesquisa em Ciências Agrárias da Universidade Católica Dom Bosco, município de Campo Grande - MS. Colmos maduros de Bambusa vulgaris Schrad (1808), foram coletados de uma touceira local. Destes, foram obtidos doze toletes colocados para secar em estufa a 50±3ºC por 48h. Em seguida foram impregnados, por imersão, durante 24h em concentrações de 0,03; 0,05 e 0,09 mg/mL de LCC. Após as impregnações, os toletes foram desidratados em uma estufa durante 12h a 50±3ºC e distribuídos aleatoriamente em uma arena de acrílico instalada em uma sala de 27 m3. O experimento foi repetido durante cinco dias consecutivos durante 24h cada. Em cada repetição foram liberados no centro da arena 60 carunchos adultos para avaliar a atratividade ou repelência dos mesmos em relação aos toletes. A avaliação contabilizou os carunchos que não conseguiram penetrar nos toletes de bambu. Todas as concentrações repeliram o caruncho-do-bambu, porém, sem diferenças significativas.

Palavras-chave:
Anacardiaceae; Bambusa vulgaris; Dinoderus minutus

Abstract

The repellent action of Cashew Nut Shell Liquid (CNSL) Anacardium occidentale on the beetles Dinoderus minutus was investigated at the Agricultural Sciences Research Center of the Dom Bosco Catholic University, in the municipality of Campo Grande, MS state. Culms mature Bambusa vulgaris were collected from a local clump. Out of these, twelve stalks placed to dry in an oven at 50±3 °C for 48 hours were obtained. Then, they were impregnated by immersion for 24 hours at concentrations of 0.03; 0.05 and 0.09 mg / mL LCC. After the impregnation, the stalks were dried in an oven for 12h at 50±3°C and randomly distributed in an acrylic cage installed in a 27-m3 room. The experiment was repeated for five consecutive days every 24 hours. In each repetition, 60 adult beetles were released in the center of the arena to assess the attractiveness or repellency of the same in relation to oarlocks. The assessment counted the beetles that failed to penetrate the bamboo stalks. All concentrations repelled the bamboo beetle, but no differences were found.

Keywords:
Anacardiaceae; Bambusa vulgaris; Dinoderus minutus

Introdução

O bambu é classificado como uma gramínea pertencente à Família Poaceae (Gramineae), subfamília Bambusoideae. No continente americano estão descritas cerca de 360 espécies de bambu, distribuídas em 38 gêneros. O Brasil registra 234 espécies distribuídas em 34 gêneros, sendo considerado o país com a maior diversidade das Américas (FILGUEIRAS; SANTOS-GONÇALVES, 2004FILGUEIRAS, T. S.; SANTOS-GONÇALVES, A. P. A checklist of the basal grasses and bamboos in Brazil (Poaceae). Bamboo Science and Culture, Albania, v. 18, n. 1, p. 7-18, 2004. ). Segundo o International Netwok for Bamboo and Rattan (INTERNATIONAL NETWORK FOR BAMBOO AND RATTAN, 2013INTERNATIONAL NETWORK FOR BAMBOO AND RATTAN. INBAR. Beijing, [2013]. Disponível em: Disponível em: http://www.inbar.int . Acesso em: 05 maio 2014.
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), a área total de bambuzais no Brasil pode chegar a oito milhões de hectares sendo que apenas no Nordeste brasileiro encontram-se quarenta mil hectares cultivados da espécie Bambusa vulgaris Schrad (1808) para a produção de 72.000 toneladas/ano de pasta celulósica.

O bambu vem sendo alvo de estudos no mundo todo e em diversas áreas do conhecimento, como alternativa na aplicação de estruturas nas construções e na confecção de produtos, substituindo materiais convencionais como aço ou concreto que geram, na sua grande maioria, resíduos de difícil decomposição no meio ambiente natural. Na extensa lista de usos reconhecidos dos bambus, constam os setores de papel e celulose, construção civil e artesanato (PEREIRA NETO et al., 2009PEREIRA NETO, J. S. et al. Aplicação do bambu nas construções rurais. Revista Educação Agrícola Superior, Brasília, v. 24, n. 2, p. 67-77, 2009. ). Além de ser considerado um excelente sequestrador de carbono, o interesse nesta cultura tem crescido em nível mundial por ser um recurso perene, renovável, de rápido crescimento, grande produtividade por área, baixo custo e diversidade na utilização (CALEGARI et al., 2007CALEGARI, L. et al. Desempenho físico-mecânico de painéis fabricados com bambu (Bambusa vulgaris Schrad) em combinação com madeira. Cerne, Lavras, v. 13, n. 1, p. 57-63, 2007. ).

O maior impedimento para o uso de Bambusa sp, segundo Seddon e Faizool (1993SEDDON, D. A.; FAIZOOL, S. A new lease of life for bamboo in Trinidad. Trinidad and Tobago: Gott, 1993.), é sua elevada susceptibilidade ao ataque pelo caruncho Dinoderus minutus, Fabricius (1775) (Bostrichidae), conhecido vulgarmente como caruncho-do-bambu, podendo resultar em perdas irrecuperáveis dos materiais usados em artesanatos ou na construção civil. Em áreas de armazenamento de colmos cortados de bambu, o Dinoderus sp pode tornar-se abundante a ponto de causar sérios danos, reduzindo o bambu a pó ou fibras (SINGH; BHANDARI, 1988SINGH, P.; BHANDARI, R. S. Insect pest of bamboos and their control. Indian Forester, India, n. 14, p. 190-194, 1988. ). Azzini et al. (1998AZZINI, A. et al. Desfibramento de cavacos laminados de Bambusa vulgaris Schrad, visando à extração de amido. Bragantia, Campinas, v. 7, n. 1, p. 41-44, 1998. ), apontam para o alto teor de amido dos colmos maduros como responsável pela susceptibilidade do bambu ao ataque do caruncho. Os colmos jovens, colhidos antes de emitirem ramos e folhas, não seriam atacados pelo caruncho devido a sua baixa reserva de amido, mesmo apresentando as mesmas dimensões de colmos maduros.

Embora a literatura aponte o amido como principal atrativo para o caruncho, não foram encontradas informações que permitam elucidar definitivamente esta questão. Além disso, as variáveis climáticas também devem ser consideradas, pois o clima influencia o desenvolvimento deste inseto, com relatos de efeito da umidade relativa do ar na eclosão dos ovos. De acordo com Norhisham et al. (2013NORHISHAM, A. R. et al. Effect of humidity on egg hatchability and reproductive biology of the bamboo borer (Dinoderus minutus Fabricius). Springer Plus, Malásia, v. 2, n. 1, p. 1-6, 2013. ), quando em baixa umidade relativa, os ovos se desidratam, o que leva ao encolhimento tanto do embrião como do córion, impedindo a liberação larval. Por outro lado, a elevada umidade relativa do ar, próxima a 85%, resulta em mortalidade dos ovos. Para Willians e Singh (1951WILLIANS, C. B.; SINGH, B. P. Effect of moonlight on insect activity. Nature, London, v. 167, n. 4256, p. 853, 1951.), o fotoperíodo também exerce influência sobre o comportamento do Dinoderus sp, além da umidade relativa, pois este caruncho possui hábito crepuscular, sendo mais ativo na ausência de luz.

Na busca por controle dos insetos, têm-se avaliado extratos de plantas com potencial repelente e/ou inseticida. Segundo Oliveira e Vendramim (1999OLIVEIRA, J. V; VENDRAMIM, J. D. Repelência de óleos essenciais e pós vegetais sobre adultos de Zabrotes subfasciatus (Boh.) (Coleoptera: Bruchidae) em sementes de feijoeiro. Sociedade Entomológica Brasileira, Piracicaba, v. 28, n. 3, p. 549-555, 1999. ), o controle de insetos tem sido realizado principalmente com o uso de inseticidas em pó, extrato e óleo, provocando mortalidade, repelência, inibição de oviposição e alterações no desenvolvimento larval. Porém, esses tipos de controle podem ocasionar desastres ambientais e nem sempre são eficientes. Salles (1998SALLES, L. A. B. Principais pragas e seu controle. In: RASEIRA, M. C. B. R. (ed.). A cultura do pessegueiro. Brasília: EMBRAPA; SPI; Pelotas: EMBRAPA; CPACT, 1998. p. 205-242.) relata que os inseticidas podem apresentar elevada toxicidade ao ambiente natural e aumentar a resistência de insetos a estes produtos, com consequências à saúde humana. Devido a exigências do mercado consumidor, muitos produtores utilizam alternativas para reduzir a aplicação de produtos químicos (AZEVEDO, 2013AZEVEDO, F. R. Inseticidas vegetais no controle de Anastrepha spp. (Diptera: Tephritidae) em pomar de goiaba. Revista Holos, Natal, v. 4, n. 29, p. 77-86, 2013.).

Diversas plantas do Cerrado apresentam efeito repelente natural, com a vantagem de apresentar baixa toxicidade para o ambiente (WEINZIERL; HENN, 1991WEINZIERL, R.; HENN, T. Alternatives in insect management: biological and biorational approaches. North Central Regional Extension Publication, Illinois, n. 401, p. 73, 1991.; PINTO et al., 2002PINTO, A. C. et al. Produtos naturais: atualidade, desafios e perspectivas. Quimica Nova, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 45-61, 2002.). Entre essas, é citada a espécie Anacardium occidentale L., pertencente à família Anarcadiaceae, vulgarmente conhecida como cajueiro, que é o seu representante mais conhecido (CORREIA et al., 2006CORREIA, S. et al. Metabólitos secundários de espécies de Anacardiaceae. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 6, p. 1287-1300, 2006. ). O fruto do cajueiro, conhecido como castanha-de-caju, é um aquênio de comprimento e largura variáveis, casca coriácea lisa, mesocarpo alveolado, repleto de um óleo escuro, quase preto, cáustico e inflamável, chamado de LCC ou líquido da casca da castanha-de-caju (MAZZETTO; LOMONACO, 2009MAZZETTO, S. E.; LOMONACO, D. Óleo da castanha de caju: oportunidades e desafios no contexto do desenvolvimento e sustentabilidade industrial. Química Nova , São Paulo, v. 32, n. 3, p. 732-741, 2009. ). Ainda segundo o autor, o LCC é uma das fontes mais ricas de lipídeos fenólicos não isoprenoides de origem natural com ação inseticida e repelente. Estes lipídeos fenólicos apresentam o núcleo do ácido salicílico e uma cadeia lateral de 15 carbonos, que pode conter uma, duas ou três ligações insaturadas. Relatam ainda que, embora este líquido seja muito utilizado em indústrias químicas, é muito pouco explorado em áreas como ciências biológicas e farmacêuticas, como é o caso da produção de inseticidas, repelentes, agrotóxicos e/ou medicamentos. O LCC também pode ser utilizado em indústrias de produção de cimentos, tintas, vernizes, polímeros e resinas (MENON et al., 1985MENON, A. R. R. et al. Cashew nut shell liquid-its polymeric and other industrial products. Journal of scientific and industrial research, London, v. 44, n. 3, p. 324-338, 1985. ; PARAMSHIVAPPA et al., 2001PARAMSHIVAPPA, R. et al. Novel method for isolation of major phenolic constituents from cashew (Anacardium occidentale L.) nut shell liquid. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Bangalore, v. 49, n. 5, p. 2548-2551, 2001. ).

Segundo Correia et al. (2006CORREIA, S. et al. Metabólitos secundários de espécies de Anacardiaceae. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 6, p. 1287-1300, 2006. ), além da repelência, outras atividades são relacionadas com a ação do ácido anacárdico. Em experimentos com bactérias gram-positivas (Streptococcus mutans, Brevibacterium ammoniagenes, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis e Propionibacterium acnes) foi constatada considerável atividade inibitória no crescimento destes procariontes. Segundo Prates e Santos (2000PRATES, H. T.; SANTOS, P. Óleos essenciais no controle de pragas de grãos armazenados. In: LORINI, I.; MIIKE, L. H.; SENSSEL, V. M. (ed.). Armazenagem de grãos. Campinas: IBG, 2000. p. 443-461.), os repelentes com maior eficiência devem apresentar ação por ingestão e/ou contato físico e ação fumigante. Os lipídios fenólicos como o ácido anacárdico apresentam propriedades tóxicas e irritantes. Essas substâncias penetram no corpo dos insetos via sistema respiratório (efeito fumigante), pelo sistema digestório (efeito de ingestão) e através da cutícula quitinosa (efeito de contato).

Na literatura, Hemshekhar et al. (2012HEMSHEKHAR, M. et al. Emerging roles of anacardic acid and its derivatives: a pharmacological overview. Basic & Clinical Pharmacology & Toxicology, Hungria, v. 110, n. 2, p. 122-132, 2012. ) relatam pesquisas sobre a ação repelente do LCC contra pulgões, ácaros, Trypanosoma cruzi e caruncho-da-batata (Leptinotarsa decemlineata).Schultz et al. (2006SCHULTZ, D. J. et al. Bioactivity of anacardic acid against colorado potato beetle (Leptinotarsa decemlineata) Larvae. Journal of Agricultural Food and Chermistry, Louisville, v. 54, n. 20, p. 7522-7529, 2006. ), em pesquisas com larvas deste mesmo caruncho, encontraram resultados significativos para a ação repelente do líquido da castanha-de-caju em dietas tratadas com 2,5 mg/mL de LCC. Ainda, nesta mesma concentração, ocorreu mortalidade de larvas após 12 dias do início de cada experimento, sendo que geralmente, o estágio larval completo leva entre 14 e 21 dias para esta espécie de inseto.

Objetivou-se nesta pesquisa, avaliar o potencial repelente do líquido da castanha-de-caju (LCC) Anacardium occidentale, sobre o caruncho Dinoderus minutus em Bambusa vulgaris.

Material e métodos

O experimento foi realizado de 05 a 09 de dezembro de 2013, na Fazenda Escola, Base de Pesquisa em Ciências Agrárias da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), no Centro de Tecnologia e Análise do Agronegócio (CeTeAgro), município de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul.

O líquido da castanha-de-caju (Anacardium occidentale) de lote A044-11 foi adquirido da Companhia Brasileira de Resinas, em que se encontra em avaliação como repelente de insetos. Este líquido era constituído de 99% de ácido anacárdico.

Para a preparação da massa que foi utilizada na elaboração das concentrações de LCC, foi diluído 12 g de amido de milho comercial em 80% de etanol, sendo posteriormente, adicionado a mais 108 g do mesmo amido comercial. Em seguida, o LCC foi diluído em água destilada, adsorvido na massa preparada de amido de milho comercial, na proporção 1:9 (10% em massa). A partir desta massa, foram elaboradas concentrações de 0,03; 0,05 e 0,09 mg/mL de LCC.

Foram coletados colmos maduros de Bambusa sp de uma touceira, com pelo menos 20 anos de plantio, com coordenadas geográficas 20°23’14’’ S e 54°36’29’’ W, a 532 metros de altitude. A escolha desta espécie de bambu deve-se à preferência pelo caruncho-do-bambu por essa espécie (HAOJIE et al., 1996HAOJIE, W. et al. Insect pests of bamboos in Asia- an illustrated manual. New Delhi: INBAR, 1996. p. 200. Disponível em: Disponível em: http://www.inbar.int/publication/txt/tr13/POSTright.htm . Acesso em: 25 maio 2014.
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; OKAHISA et al., 2006OKAHISA, Y. et al. Seasonal and height-dependent fluctuation of starch and free glucose contents in moso bamboo (Phyllostachys pubescens) and its relation to attack by termites and decay fungi. Journal of Wood Science, Kyoto, v. 52, n. 5, p. 445-451, 2006. ). Após a coleta, os bambus foram cortados em doze toletes (10 cm x 4 cm x 1 cm) e pesados. Os mesmos foram colocados em estufa com renovação e circulação de ar, a uma temperatura de secagem ajustada a 50±3°C, durante 48 horas. O peso médio de cada tolete antes da secagem era de 30,10 g. Após a secagem, 10,93 g, correspondendo a 36% de teor de umidade.

Os doze toletes de bambu foram impregnados totalmente, por imersão, nas concentrações preparadas à base do líquido da castanha-de-caju (LCC): 0,03; 0,05 e 0,09 mg/mL, durante 24 horas. Após, foram colocados em estufa a 50±3ºC durante 12 horas. As condições climáticas de 25±4°C e 75% de umidade foram selecionadas seguindo as indicações de Norhisham et al. (2013NORHISHAM, A. R. et al. Effect of humidity on egg hatchability and reproductive biology of the bamboo borer (Dinoderus minutus Fabricius). Springer Plus, Malásia, v. 2, n. 1, p. 1-6, 2013. ). A umidade relativa foi ajustada por um umidificador de ar e a temperatura por um condicionador térmico portátil, ambos ligados durante todo o experimento. A sala de experimento com 9 m2, continha uma arena de acrílico (Protocolo de patente nº BR 10 2014 027689 0 GRU 0000221406308972.) que media 1,20 m de diâmetro (Figura 1) e estava instalada sobre um tecido branco para destacar os carunchos.

Figura 1
Esquema da arena em acrílico utilizada no experimento (visão superior).
Figure 1
Acrylic arena scheme used in the experiment (top view).

Após a secagem, cada tolete de bambu impregnado com LCC, foi disposto aleatoriamente em cada extremidade da arena de acrílico transparente (“B”). Em seguida, sessenta carunchos foram liberados no centro da arena (“A”), a qual foi posteriormente vedada com uma tampa removível. Cada experimento foi conduzido com fotoperíodo de 12 horas, simulando um fotoperíodo completo de 24h. Após as 24 horas, os toletes foram retirados da arena para a contagem dos carunchos que foram repelidos. O experimento foi repetido durante cinco dias consecutivos. Ao todo foram utilizados 300 carunchos adultos obtidos de uma criação massal com o mesmo bambu desidratado como dieta. Estes foram coletados em campo no mês de outubro de 2013 e criados em cinco recipientes fechados de 500 mL de boca larga, constituídos de toletes da espécie de bambu Bambusa vulgaris Scrad (1808), desidratados (10 cm x 4 cm x 1 cm).

Foram analisados durante todo o experimento, o comportamento dos carunchos, possíveis alterações morfológicas e a repelência dos mesmos. Foram considerados repelidos os carunchos que não penetraram nos toletes de bambu. A repelência foi estabelecida pela subtração do total de carunchos liberados na arena (60) em cada experimento, do número de carunchos não repelidos, encontrados no interior dos toletes de bambu impregnados com uma mesma concentração à base de LCC.

O experimento constou de um grupo controle (sem presença de LCC) e três tratamentos (concentrações de LCC: 0,03; 0,05 e 0,09 mg/mL) com três repetições por experimento e cinco repetições no tempo. Para avaliação dos resultados, foi utilizado o Índice de Repelência (IR) proposto por Kogan e Goeden (1970KOGAN, M.; GOEDEN, R. D. The host plant range of Lema trilineata daturaphila (Coleoptera: Chrysomelidae) Ann. Entomological Society of America, Annapolis, v. 63, p. 1175-1180, 1970. ):

I R = 2 x G / G + P

Em que: G representa a quantidade de carunchos atraídos por cada concentração e P o número de carunchos atraídos pelo grupo-controle. De acordo com o IR proposto por Kogan e Goeden (1970KOGAN, M.; GOEDEN, R. D. The host plant range of Lema trilineata daturaphila (Coleoptera: Chrysomelidae) Ann. Entomological Society of America, Annapolis, v. 63, p. 1175-1180, 1970. ), se µ≤1-σ = repelente, se 1-σ<µ≤1+σ = indiferente e se µ>1+σ = atraente, em que µ é a média de IR para a concentração e σ o desvio padrão. Todas as análises foram realizadas no software estatístico SAS. Como foram testados somente três concentrações de LCC, não foram utilizados modelos de estimativas por Regressão Logística (Logit).

Resultados e discussão

Após 40 minutos a partir do início de cada experimento foi possível avaliar o comportamento dos carunchos. Dos sessenta carunchos liberados em cada ensaio, 3% permaneceram praticamente imóveis e 97% se deslocaram na arena de maneira aleatória. Entretanto, após 120 minutos de observação, todos os carunchos se encontravam próximos das laterais dos toletes, iniciando o ataque pelo lado interno dos mesmos e realizando perfurações de aproximadamente 3 mm de diâmetro. Segundo Plank (1948PLANK, H. K. Biology of the bamboo powder-post beetle in Puerto Rico. Bulletin Porto Rico Agricultural Experiment Station, Porto Rico, v. 44, p. 29, 1948.), esta espécie de caruncho penetra no bambu através de feridas ou das extremidades cortadas, fazendo túneis perpendiculares às fibras parenquimáticas, em torno dos colmos, nos quais os ovos são depositados.

Em nenhum dos tratamentos foi observado, visualmente, qualquer tipo de alteração morfológica nos carunchos como, alteração na cor do exoesqueleto, inchaço, necrose do tecido externo ou, até mesmo, morte. Quanto à repelência, de acordo com Kogan e Goeden (1970KOGAN, M.; GOEDEN, R. D. The host plant range of Lema trilineata daturaphila (Coleoptera: Chrysomelidae) Ann. Entomological Society of America, Annapolis, v. 63, p. 1175-1180, 1970. ), os resultados observados estão apresentados na Tabela 1, indicando que nas condições do experimento, todos os tratamentos à base de LCC apresentaram efeito de repelência sobre os carunchos do bambu, independentemente da concentração utilizada.

Caso houvesse interesse em repelir 100% dos carunchos, a dose necessária seria pouco maior que 0,09 mg/mL, a maior dose avaliada. Para confirmar essa hipótese, foi ajustada uma curva de tendência com os dados obtidos, que permitia avaliar o aumento da repelência mesmo com doses que não foram ensaiadas (Figura 2). A curva exponencial foi a que proporcionou o melhor ajuste, avaliado pelo coeficiente de correlação (R² = 0,9902) e representada na equação y = 7,5515ln(x) + 31,579. A equação apresentou uma correlação positiva e demonstrou que aumento na concentração de LCC não levaria a um aumento de repelência significativo. Ou seja, a equação sugere que a maior dose avaliada já se encontrava no patamar máximo para efeito de repelência sobre o Dinoderus sp.

Tabela 1
Efeito dos tratamentos sobre a repelência de carunchos em toletes de bambu da espécie Bambusa vulgaris, impregnados por diferentes concentrações de LCC, de acordo com o Índice de Repelência proposto por Kogan and Goeden (1970)KOGAN, M.; GOEDEN, R. D. The host plant range of Lema trilineata daturaphila (Coleoptera: Chrysomelidae) Ann. Entomological Society of America, Annapolis, v. 63, p. 1175-1180, 1970. . Temp. 25±3 oC, 75% de umidade, fotofase de 12 horas
Table 1
Effect of treatments on repellency weevils in bamboo stalks of Bambusa vulgaris, impregnated by different concentrations of CNSL, according to the Index of Repellency and Goeden proposed by Kogan and Goeden (1970)KOGAN, M.; GOEDEN, R. D. The host plant range of Lema trilineata daturaphila (Coleoptera: Chrysomelidae) Ann. Entomological Society of America, Annapolis, v. 63, p. 1175-1180, 1970. . Temp. 25 ± 3 oC, 75% humidity, 12-photofase hours.

Figura 2
Equação ajustada para os valores obtidos nas dosagens avaliadas como forma de prever a repelência do Dinoderus minutus através de diferentes concentrações de LCC impregnado em toletes de Bambusa sp. Temp. 25 ± 3°C, 75% de umidade, fotofase de 12 horas.
Figure 2
Equation adjusted to the values obtained at the dosages evaluated in order to predict the Dinoderus minutus repellency using different concentrations of CNSL impregnated stalks of Bambusa sp. Temp. 25 ± 3° C, 75% humidity, 12-hour photoperiod.

A curva de dispersão ajustada demonstra que com doses de 0,1 mg/mL, quantidade muito próxima à maior dose avaliada (0,09 mg/mL), o número de carunchos repelidos chegaria em torno de 60 (100%), mas não aumentaria proporcionalmente com o aumento de concentração sendo, portanto, a dose limite.

Além do número de carunchos repelidos, haveria necessidade de estabelecer a dose eficiente de menor custo, uma vez que a maior concentração significa também maior custo no uso do produto comercial. Os resultados obtidos indicam que novos experimentos serão necessários para determinar qual a concentração com maior custo/benefício, pois doses mais baixas reduzirão a possibilidade de seleção de carunchos resistentes ao produto, além de reduzir custos e minimizar possíveis danos ao meio ambiente natural. Essa hipótese de que seriam possíveis níveis mais baixos de princípio ativo com bom efeito inibidor do caruncho encontra apoio na literatura, embora sejam exemplos com outros insetos, outras espécies de caju e outras situações de aplicação.

Concentrações de 0,001 a 0,000025 mg/mL à base de ácido anacárdico extraído de caju-do-cerrado (Anacardium humile) provocaram eficiência tóxica sobre larvas do Aedes aegypti, como relatado por Porto et al. (2008PORTO, K. R. A. et al. Atividade larvicida do óleo de Anacardium humile Saint Hill sobre Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) (Diptera, Culicidae). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, v. 41, n. 6, p. 586-589, 2008. ). Concentração mínima encontrada capaz de produzir mortalidade foi de 4,15 ppm e a toxicidade máxima, com 39,8 ppm. Os autores também descrevem que o ácido anacárdico, extraído de folhas de Anacardium humile, provocou 100% de mortalidade em larvas de 4° estádio nas concentrações até 0,000025 mg/mL.

O extrato aquoso de folhas de Anacardium humile (ANDRADE FILHO et al., 2010ANDRADE FILHO, N. N. et al. Toxicidade do extrato aquoso das folhas de Anacardium humile para Bemisia tuberculata. Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, n. 8, p. 1689-1694, 2010.) nas dosagens de 20; 8; 4; e 0,5 mg/mL provocaram o alongamento do ciclo da fase jovem da mosca-branca (Bemisia tuberculata) em comparação com o controle (13,58 dias). A aplicação foi feita por pulverização do extrato aquoso em plantas de mandioca e as ninfas atingidas se tornaram pupas após 20,76; 21,02; 21,81 e 23,43 dias, respectivamente, nas concentrações de 0,5; 4; 8 e 20 mg/mL.

Ainda com líquido da castanha-de-caju (Anacardium occidentale), Brito et al. (2004BRITO, C. H. Bioatividade de extratos vegetais aquosos sobre Spodoptera frugiperda em condições de laboratório. Manejo Integrado de Plagas y Agroecología, Costa Rica, n. 71, p. 41-45, 2004.), confirmaram alteração no ciclo biológico da lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda (J. E. Smith)) também com efeito de alongamento do período larval, com resultados significativos. No presente estudo, mesmo tomando por base a dose que potencialmente poderia repelir 100% dos carunchos, o custo do tratamento seria muito baixo, se considerada a informação da Companhia Brasileira de Resinas, de que o preço por Kg do líquido da casca da castanha-de-caju (LCC) é vendido direto para o consumidor em torno de R$ 2,04.

Além de avaliação de doses menores, será primordial verificar a durabilidade do efeito de repelência, pois parte do princípio ativo poderá ser volatilizado no ambiente, reduzindo o efeito repelente, uma vez que, segundo Barroso et al. (1999BARROSO, G. M. et al. Frutos e sementes: morfologia aplicada à sistemática de dicotiledôneas. Viçosa, MG: Editora UFV, 1999. p. 433.), o ácido anacárdico, que é o componente ativo do líquido da castanha-de-caju (Anacardium occidentale), é corrosivo e volátil.

Conclusões

Com base nos resultados obtidos, com exceção do grupo-controle, todas as concentrações testadas do líquido da castanha-de-caju (LCC) repeliram o caruncho Dinoderus sp em Bambusa vulgaris. Ao projetar em curva de tendência o aumento da carga, foi possível estabelecer que a dose de 0,1 mg/mL de LCC seria o limite para repelir todos os carunchos utilizados no experimento. Essa dosagem está próxima da maior dose avaliada (0,09 mg/mL).

Referências

  • ANDRADE FILHO, N. N. et al Toxicidade do extrato aquoso das folhas de Anacardium humile para Bemisia tuberculata Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, n. 8, p. 1689-1694, 2010.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2016
  • Aceito
    07 Jan 2019
  • Publicado
    30 Set 2019
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