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Processos hidrológicos na bacia hidrográfica do Córrego Zerede em Timóteo - MG

Hydrological processes in the Zerede Creek watershed in Timóteo - MG state

Resumo

A crescente demanda de água e as modificações no uso do solo que vêm ocorrendo na bacia hidrográfica do Córrego Zerede ensejaram a realização de análises hidrológicas a fim de um melhor entendimento da dinâmica do ciclo hidrológico local, focando na relação com as florestas e suas consequências para a qualidade da água. Para isso, foi realizado o monitoramento hidrológico através de medições de precipitação, vazão e estimativa de evapotranspiração, utilizando-se um pluviômetro digital sem fio, um atmômetro modificado e pelo conjunto calha Parshall e ITS-2000. Para as análises da qualidade da água, foram coletadas amostras em 5 pontos distintos do curso d’água e analisadas quanto à cor, turbidez, pH, sólidos suspensos totais (SST), condutividade elétrica (CE), demanda química de oxigênio, demanda bioquímica de oxigênio e coliformes termotolerantes. Os resultados mostraram que a evapotranspiração apresentou maior contribuição para saída de água da bacia que o deflúvio, com exceção dos meses de novembro a janeiro (2006/2007). No balanço final, verificou-se o saldo hídrico negativo de 247,7 mm, refletindo precipitações abaixo do esperado para o período e reforçando a importância de utilizar técnicas que permitam uma maior retenção de água na bacia hidrográfica. Os parâmetros CE e SST apresentaram diferenças estatísticas entre as médias dos pontos analisados pelo teste F a 5% de probabilidade, sendo que os demais parâmetros revelaram a inexistência de diferença estatística entre as médias. As análises microbiológicas apresentaram resultados negativos, com a água livre de coliformes termotolerantes. Conclui-se que a água se encontra nos padrões da Classe 1, da Resolução no 357 do Conama (2005) nos parâmetros analisados, indicando uma boa qualidade na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede.

Palavras-chave:
Hidrologia florestal; Recursos hídricos; Qualidade da água

Abstract

The increasing water demand and changes in the land use in the watershed of the Zerede Ceek stimulated hydrological analyses to improve the understanding of the dynamics of the local hydrological cycle, focusing on the relationship with forests and the consequences for the water quality. To this purpose, the hydrological monitoring was carried out by measurements of rainfall, flow rate and estimated evapotranspiration, using a digital wireless rain gauge, a modified atmometer, a Parshall flume set and ITS-2000. For the water quality analysis, samples were collected at five different points of the water course and analyzed for color, turbidity, pH, total suspended solids (TSS), electrical conductivity (EC), chemical oxygen demand, biochemical oxygen demand and heat-tolerant coliforms. The results showed that evapotranspiration contributed more to the amount of water leaving the basin than outflow, except from November to January (2006/2007). The final fluid balance of 247.7 mm was negative, showing that rainfall was lower than expected for the period and reinforcing the importance of using techniques that allow greater water retention in the basin. The parameters EC and TSS differed statistically between the means of the points analyzed by the F test at 5% probability, unlike the other parameters. The microbiological tests were negative, with coliform-free water. It was concluded that the analyzed water parameters meet the standards of Class 1 defined by Resolution No 357 of CONAMA (2005), indicating good water quality in the Zerede Creek basin.

Keywords:
Forest hydrology; Hydric resources; Water quality

Introdução

É pouco provável que haja sucesso no manejo ambiental das bacias hidrográficas se o comportamento hidrológico, associado aos seus diversos usos, não for devidamente estudado e compreendido. Isto ocorre porque a participação do solo e seu uso no ciclo hidrológico da bacia hidrográfica define a dinâmica da água em seus compartimentos, destacando-se a recarga de aquíferos, com consequente geração do escoamento subterrâneo, produção e gênese das enxurradas e seus efeitos, especialmente na figura do transporte de sedimentos e inundações, e o comportamento evapotranspirativo das bacias hidrográficas, o qual está intimamente associado à umidade do solo.

O conhecimento da hidrologia local é extremamente importante no planejamento e gestão dos recursos hídricos. Tais informações são fundamentais para o entendimento dos processos erosivos e na recarga de água no solo, cujos resultados interferem decisivamente na qualidade e regularidade dos recursos hídricos. Não obstante, tal conhecimento é imprescindível também no dimensionamento e operação de obras hidráulicas, interferindo decisivamente nos custos de implantação e manutenção de tais sistemas.

O comprometimento da qualidade da água para fins de abastecimento doméstico é decorrente de poluição causada por diferentes fontes, tais como efluentes domésticos, efluentes industriais e deflúvio superficial urbano e agrícola (MERTEN; MINELLA, 2002MERTEN, G. H.; MINELLA, J. P. Qualidade da água em bacias hidrográficas rurais: um desafio atual para a sobrevivência futura. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, v.3, n.4, p. 33-38, 2002.). Mesmo com a abundância da água no planeta, a sua deterioração da qualidade e sua distribuição irregular acarretam limitações em termos de desenvolvimento para algumas regiões, restringindo o atendimento às necessidades humanas.

O gerenciamento dos recursos hídricos, na forma do manejo de bacias hidrográficas, por exemplo, deve se tornar cada vez mais uma questão estratégica para todos os governos, no âmbito federal, estadual e municipal. É imprescindível o estudo dos possíveis impactos sobre os recursos hídricos decorrentes da ocupação territorial desordenada (GUIMARÃES, 2000GUIMARÃES, J. L. B. Relação entre a ocupação do solo e o comportamento hidrológico da Bacia Hidrológica do Rio Pequen. - São José dos Pinhais - PR. 2000, 197 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Universidade Federal do Paraná, 2000, Curitiba, Paraná. ). Rutkowski (1999RUTKOWSKI, E. A. Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águas doces metropolitanizadas. 1999. 158 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1999 São Paulo.) afirma que “a capacidade de cada localidade de sustentar as atividades antrópicas que são dependentes dos recursos hídricos, é determinada pelo comportamento local do ciclo hidrológico”.

O conhecimento do balanço hídrico é um dos fundamentos essenciais para entender os efeitos antrópicos sobre o meio natural, a disponibilidade hídrica e a sustentabilidade ambiental. Este balanço hídrico pode ser modificado pela alteração da cobertura natural de uma bacia hidrográfica, resultando em alterações da evapotranspiração, do escoamento superficial e do escoamento subterrâneo.

Já a qualidade da água é um reflexo do efeito combinado de muitos processos que ocorrem ao longo do curso d’água (PETERS; MEYBECK, 2000PETERS, N. E.; MEYBECK, M. Water quality degradation effects on freshwater availability: impacts to human activities. Water International, Urbana, v. 25, n. 2, p. 214-21, 2000.). De acordo com Lima (2001LIMA, E.B.N.R. Modelagem integrada para gestão da qualidade da água na Bacia do Rio Cuiabá. 2001. 184 f. Tese (Doutorado em Recursos Hídricos) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.), a qualidade da água não se traduz apenas pelas suas características físicas e químicas, mas pela qualidade de todo o funcionamento do ecossistema. Segundo Ranzini e Lima (2002RANZINI, M.; LIMA, W. P. Comportamento hidrológico, balanço de nutrientes e perdas de solo em duas microbacias reflorestadas com Eucalyptus, no Vale do Paraíba, SP. Scientia Forestalis , Piracicaba, v. 61, p.144-159, 2002.), a erosão é tida como responsável por 80% dos problemas de alteração da qualidade e da regulação temporal da água em microbacias. Enquanto grandes rios são bons indicadores dos impactos cumulativos, rios menores apresentam maiores variabilidades na qualidade da água, dependendo da estação do ano e do grau de distúrbio da bacia (CADA; HUNSAKER, 1990CADA, G. F.; HUNSAKER, C. T. Cumulative impacts of hydropower development: Reaching a watershed impact assessment. The Environmental Professional, v.12, n.1, p.2-8, 1990.).

À medida que o processo de ocupação de uma bacia torna-se mais acentuada, a deterioração da quantidade e da qualidade da água tende a tornar-se crítica e o valor de 10% de impermeabilização do solo foi identificado por autores como o limiar da degradação dos ecossistemas hídricos (SCHUELER, 1994SCHUELER, T. Planning for urban stream protection. Metropolitan Washington: Council of Governments, 1994. 30 p.; BOOTH; JACKSON, 1997BOOTH, D. B.; JAKSON, C. R. Urbanization of aquatic systems: Degradation thresholds, stormwater detection, and the limits of mitigation. Journal of the American Water Resources Association, v.33, n. 5, p.1077-1090, 1997.; MAY et al., 1999MAY, C. W. et al. Effects of urbanization on small streams in the Puget Sound ecoregion. Watershed Protection Techniques, v. 2, n.4, p.483-494, 1999.). Bacias hidrográficas que possuem grandes proporções de cobertura vegetal e áreas ripárias protegidas proporcionam uma melhor qualidade da água (RHODES et al., 2001RHODES, A. L. et al. Influences of land use on water quality of a diverse New England watershed. Environmental Science and Technology, v.35, p. 3640-3645, 2001.), sendo que a posição de tais áreas vegetadas também influi a qualidade da água. Santos; Hernandez (2013SANTOS, G. O.; HERNANDEZ, F. B. T. Uso do solo e monitoramento dos recursos hídricos no córrego do Ipê, Ilha Solteira, SP. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.17, n.1, p.60-68, 2013) concluíram para a sua área de pesquisa que as reduzidas áreas de preservação permanente, a má conservação do solo e a expansão das áreas urbanas, implicaram na deterioração da qualidade e disponibilidade hídrica, gerando impactos socioeconômico e ambiental para a região.

A bacia do Rio Doce possui uma população superior a 3,5 milhões de habitantes, sendo o Vale do Aço responsável pelo maior adensamento populacional da bacia. Segundo o Plano de Recursos Hídricos da bacia do Rio Doce, o desmatamento generalizado e o mau uso dos solos na bacia, seja para a monocultura do eucalipto como para agricultura ou pastagem, tem conduzido a região a um intenso processo de erosão, cujos sedimentos resultantes tendem a assorear os cursos d’água. O assoreamento é um dos principais problemas que atinge a bacia, em especial o baixo curso do rio Doce, que recebe carga de sedimentos provenientes das áreas a montante. O uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras também contribui para a contaminação dos cursos d’água. Freitas et al. (2013FREITAS, J. P. O. et al. Distribuição da água de chuva em Mata Atlântica. Ambiente e Água, Taubaté, v. 8, n. 2, p. 100-108, 2013.) ressaltam que a cobertura florestal tem grande importância dentro do contexto do balanço hídrico e pode alterar o mecanismo de entrada de água na superfície do solo.

A urbanização da bacia também contribui significativamente para os impactos nos cursos d’água, principalmente pelo quase inexistente sistema de tratamento de esgotos. Outro grande problema ambiental evidenciado na bacia é ocorrência de inundações. O desmatamento indiscriminado e o manejo inadequado do solo criaram condições favoráveis à formação de processos erosivos, que somado aos despejos inadequados advindos da mineração e de resíduos industriais e domésticos, deram origem ao contínuo processo de assoreamento dos leitos dos rios da bacia. Além disso, algumas cidades ocuparam a planície de inundação dos rios e de tempos em tempos, períodos de chuva mais severos provocam o alagamento de parte destas planícies, trazendo graves prejuízos à região.

Desta forma, este estudo teve como objetivo avaliar hidrologicamente a microbacia, analisando os componentes do balanço hídrico e auxiliando na necessidade de intervenção com medidas conservacionistas a fim de garantir o abastecimento de água de forma regular e minimizar os impactos do escoamento superficial. Além disso, foram realizadas análises das características físico-químicas e microbiológicas da água do córrego Zerede, sub-bacia do Rio Piracicaba, que Compõe a bacia do Rio Doce, com intuito de verificar se as características intrínsecas do relevo e, principalmente, da ocupação antrópica causou interferências negativas na hidrologia local e na qualidade dos recursos hídricos.

Materiais e métodos

Caracterização da área de estudo

A área de estudo está localizada no município de Timóteo, na mesorregião do Vale do Rio Doce, estado de Minas Gerais, na Fazenda Manaain, com a sede localizada nas coordenadas geográficas: 19º33’ Latitude Sul e 42º36’ Longitude Oeste. O local está inserido na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede, situada na Bacia do Rio Piracicaba, que é uma sub-bacia do Rio Doce. O local de pesquisa tem sido alvo de intensas alterações do uso do solo, visando à estruturação para realização de encontros reunindo centenas de pessoas, incluindo a construção de um galpão, alojamentos, banheiros, cozinha e estacionamento.

O clima da região é do tipo tropical de altitude com chuvas de verão, verões quentes chuvosos com inverno seco (Cw) (Classificação de Köppen). As temperaturas máximas médias são de 38ºC e temperaturas mínimas médias de 8ºC. A precipitação anual varia entre 1.300 a 1.500 mm e a umidade relativa varia de 53 a 90% (SIMGE, 2010SIMGE. Dados meteorológicos. Disponível em: http://www.simge.mg.gov.br/base_dados/index.html . Acesso em: 03 abril. 2010.
http://www.simge.mg.gov.br/base_dados/in...
).

A Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede, possui área de 1,25 Km2 e possui variados usos e coberturas da terra (Tabela 1). A floresta secundária corresponde a 47,9% da área, sendo a principal ocupação da bacia e tem sido preservada, inclusive a mata ciliar preservada na maior parte da bacia e por interesse dos próprios usuários, seguido de um fragmento de plantio antigo de eucalipto correspondente a 27,4% da área, ambos totalizando 75,3% da área total.

Tabela 1
Uso e cobertura do solo na bacia hidrográfica do córrego Zerede, em Timóteo - MG
Table 1
Land use and soil cover in the watershed of Zerede Creek, in Timóteo, MG state

A Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede é dividida em duas sub-bacias, chamadas de sub-bacia A e sub-bacia B, sendo classificada, segundo Strahler (1957STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed geomorphology. Transactions of the American Geophysical Union, Washington, v. 38, p. 913-920, 1957.), como uma bacia de ordem 2, na base cartográfica de escala 1:50000 utilizada. Pode ser classificada como uma bacia pequena, conferindo-lhe boas possibilidades de monitoramento dos fatores hidrológicos que ali ocorrem. Na sub-bacia A é onde ocorrem predominantemente as alterações de ocupação do solo.

Balanço hídrico e qualidade da água na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede, em Timóteo-MG

Precipitação

A medição da precipitação foi realizada através de um pluviômetro digital sem fio, modelo RGR122, instalado entre as duas sub-bacias. Este modelo vem acompanhado de um rádio de transmissão e armazena os dados diários de precipitação de até nove dias anteriores. Com isso, as leituras foram realizadas com frequência semanal, convertendo os dados diários para semanais, no período de maio de 2006 a abril de 2008. Concomitantemente à coleta de dados na bacia, adquiriram-se dados de precipitação referente ao mesmo período, para a região de Timóteo-MG, junto ao SIMGE - Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais.

Vazão

Para medição de vazão foi instalada a calha do tipo Parshall e o ITS 2000 saída da microbacia, à jusante do encontro entre as duas sub-bacias de primeira ordem. O local escolhido possui uma menor declividade com um escoamento uniforme. Os dados foram coletados semanalmente na parte da manhã, entre 9 e 11h, durante o período de maio de 2006 a abril de 2007.

A calha, do tipo Parshall modelo VCP-3”, possui um formato de canal sendo que na montante, as laterais vão se afunilando. A leitura do aparelho se dá com o auxílio de uma régua graduada que mede o nível da água na calha. A partir de uma fórmula, pode-se converter o nível da água em vazão, de acordo com as especificações da calha.

Foi instalado na calha um computador de vazão, modelo ITS-2000 (indicador, totalizador e transmissor para canal aberto) que indicou dados de vazão instantânea e totalização de vazão em função do nível de água na calha para a leitura direta da vazão de forma mais prática. O sistema ITS-2000 mede a distância por meio de um transdutor que envia ondas ultrassônicas até a superfície da água, tendo sido as leituras realizadas semanalmente.

Evapotranspiração

A evapotranspiração de referência foi medida por um atmômetro SEEI, sendo um evaporador modificado que simula o processo de transpiração das folhas, fornecendo os dados de evapotranspiração de referência onde aparelho está instalado, diretamente em milímetros. Para determinação da evapotranspiração de referência do período, subtraem-se as leituras do início e final desse período. Os dados foram coletados semanalmente, entre 9 e 11h da manhã, no período entre maio de 2006 a abril de 2007. A evapotranspiração real foi obtida multiplicando-se a evapotranspiração de referência pelo coeficiente de cultura obtido para cada uso.

Balanço Hídrico

O balanço hídrico é a quantificação do fluxo de água em um determinado período em uma bacia hidrográfica, e segundo Liberman; Fletcher (1947LIBERMAN, J.A.; FLETCHER, P.W. Further studies of the balanced water cycle on experimental watersheds. Transactions, American Geophysical Union, v. 128, p. 421-424, 1947.) e Brakensiek (1959BRAKENSIEK, D.L. Selecting the water year for small agricultural watersheds. Transactions of the ASAE, v. 2, p. 5-8, 1959.), a equação do balanço hídrico anual pode ser descrita por:

Acréscimo = decréscimo + D (armazenamento de umidade do solo)

Em que: Acréscimo = precipitação; Decréscimo = runoff (superficial e subsuperficial), evapotranspiração e percolação; e D = diferença entre o conteúdo de água no perfil do solo do início e final do ano hídrico (armazenamento de água).

Desta forma, pode-se descrever: Equação 1

D = P - ( E T R + Q ) (1)

Em que: ETR = é evapotranspiração real (mm); P = precipitação (mm); Q = deflúvio (mm); D = variação do armazenamento no solo.

Para a obtenção do deflúvio, foi realizada a seguinte conversão a partir dos dados de vazão: Equação 2

Q = V x t A (2)

Em que: Q = deflúvio (mm); V (vazão) em l/s; t (tempo) em segundos; A (área da bacia) em m2.

Qualidade da água

Foi realizada coleta de amostras de águas superficiais em cinco pontos do curso d’água. As coletas consistiram de amostras compostas, formadas por mistura de cinco alíquotas individuais de um litro coletadas a cada cinco minutos. Foram realizadas três coletas, nos meses de maio, julho e setembro de 2007, sendo realizadas entre as 10h e 12h horas e posteriormente encaminhadas para laboratório, onde foram armazenadas a 4°C até a realização das análises. Não foi possível realizar a coleta no período chuvoso por dificuldades operacionais (Figura 1).

Figura 1
Localização dos pontos de coleta de água ao longo dos cursos d’água na Bacia do Córrego Zerede, em Timóteo-MG, no período entre maio de 2006 e abril de 2007
Figure 1
Water sampling points along the water courses in the Zerede Creek watershed, in Timóteo-MG state, from May 2006 to April 2007

Os Pontos 1 e 2 recebem água de duas nascentes, representando a sub-bacia B, sendo que o ponto 2 recebe grande volume de água de um canal intermitente. O Ponto 3 recebe a água das duas sub-bacias, sendo esse tipo de localização de ponto de coleta também usada por Santos et al. (2007SANTOS, G. V. et al. Análise hidrológica socioambiental da bacia hidrográfica do Córrego Romão dos Reis, Viçosa, MG. Revista Árvore , Viçosa, v.31, n.5, p.931-940, 2007.). O Ponto 4 localiza-se na sub-bacia A e está logo abaixo da sede e do açude que é utilizada por algumas aves aquáticas. O Ponto 5 está próximo das três nascentes da sub-bacia A, recebendo água das três. Os pontos 3 e 4 são diretamente afetados pela influência direta das alterações que ocorreram na microbacia.

Os parâmetros físico-químicos foram analisados de acordo com as metodologias descritas no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1995APHA. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 19. ed. Washington, 1995.). A condutividade elétrica, o pH, e a turbidez foram determinados, respectivamente, pela leitura do condutivímetro, do pHmetro, e do turbidímetro digital, todos da marca Digimed. A cor foi determinada com a realizada com base no método utilizado pelo Laboratório de Engenharia Sanitária e Ambiental DEC/UFV. Foram utilizados 100 mL de cada amostra e 100 mL de água destilada utilizando o método de comparação.

Foi realizado três coletas de água durante o período avaliado e o resultado dos parâmetros de qualidade de água foram submetidos à análise estatística, com a realização do teste F na ANOVA, e quando apresentam médias significativas, foram comparadas pelo teste T (α = 5%).

Foi realizada apenas uma coleta para a análise microbiológica no dia 14 de outubro de 2007. Os locais nos quais foram realizadas as amostragens foram os Pontos 3, 4 e 5, sendo coletados 100 mL de água em cada local. O reagente (Colilert) foi adicionado ao frasco de água e os resultados foram expressos de acordo com a tabela NMP (número mais provável em 100 mL de água), em que uma cúpula positiva equivale a uma bactéria em 100 mL de água.

Resultados e discussão

Hidrologia da Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede

A precipitação ocorrida no período estudado tornou evidente a divisão entre a estação de estiagem e estação chuvosa, em que os máximos valores estão entre setembro e fevereiro e os mínimos entre maio a agosto. O primeiro e o segundo anos hidrológicos apresentaram, respectivamente, um total de 1.139,2 e 917 mm de precipitação, resultados abaixo da média para o local (1.300 a 1.500 mm).

Comparando os dados observados na microbacia com os dados observados em Ipatinga-MG, em que está localizada uma estação meteorológica mais próxima e credenciada pelo Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais (SIMGE) (Figura 2), percebe-se a diferença total de 397,5 mm, o que pode ter sido causada pela diferença de localização, principalmente quando ocorrem chuvas convectivas, pois estas possuem distribuições irregulares, mesmo considerando pequenas áreas.

Figura 2
Precipitação pelo pluviômetro instalado na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede e pelos dados do SIMGE no período de maio de 2006 a março de 2008
Figure 2
Precipitation measured by the rain gauge in the Zerede Creek basin and SIMGE data, from May 2006 to March 2008

Analisando o deflúvio e a evapotranspiração (Figura 3), percebe-se que a maior contribuição para saída de água da microbacia é devida à evapotranspiração, com exceção dos meses de novembro, dezembro e janeiro (2006/2007). Tal situação sugere que o acontecimento se deva ao aumento da umidade relativa do ar pela elevada precipitação destes meses, ocasionando uma diminuição da transpiração foliar além da maior contribuição dos escoamentos para o deflúvio.

Figura 3
Deflúvio e evapotranspiração na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede entre maio de 2006 a abril de 2007
Figure 3
Outflow and evapotranspiration in the Zerede Creek basin, from May 2006 to April 2007

Ao comparar a precipitação com o deflúvio (Figura 4), observa-se que a vazão responde às chuvas ocorridas, elevando consideravelmente o deflúvio, sendo a relação porcentual entre precipitação e deflúvio de 53,3%. Valores próximos a 30% foram encontrados em trabalhos realizados por Booth; Hewlett (1982)BOSCH, J.M.; HEWLETT, J.D. A review of catchment experiments to determine the effect of vegetation changes on water yield and evapotranspiration. Journal of Hydrology, v. 55, p. 3-23, 1982. e Leopoldo et al. (1992LEOPOLDO, P.R. et al. Balanço hídrico: comparação entre solos nus e cobertura florestal na Amazônia Central. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA, 21., SIMPÓSIO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA DO CONE SUL, 1., 1992. Santa Maria, Anais... Santa Maria: 1992. v. 2A. p.606-612.) e valor de 10,2% por Cardoso et al. (2006CARDOSO, C. A. et al. Caracterização hidroambiental da bacia hidrográfica do rio Debossan, Nova Friburgo, RJ. Revista Árvore, Viçosa, v.30, n.2, p.249-256, 2006.). O valor elevado revela que, apesar de boa parte do local estar coberta por florestas, que favorece os processos de infiltração, a microbacia possui elevado escoamento superficial, provavelmente devido às características morfométricas da bacia, notadamente a elevada variação da altitude e o acentuado comprimento e declive das vertentes da bacia. No entanto, percebe-se também que embora exista uma grande diferença entre a vazão máxima e a mínima, ainda assim a vazão mínima é constante na época de estiagem, fornecida pelas cinco nascentes existentes na microbacia hidrográfica. Além disso, a relação entre a precipitação e a vazão não se levou em consideração a precipitação efetiva já que a cobertura florestal pode interferir nesta relação conforme observaram Oliveira Júnior e Dias (2005)OLIVEIRA-JÚNIOR, J. C. de, DIAS, H. C. T. Precipitação efetiva em fragmento secundário da Mata Atlântica. Revista Árvore , Viçosa, v. 29, n. 1, p.9-15, 2005..

Figura 4
Precipitação e deflúvio na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede entre maio de 2006 a abril de 2007
Figure 4
Precipitation and outflow in the Zerede Creek basin, from May 2006 to April 2007

Com os dados de precipitação, vazão e evapotranspiração pôde ser feito o balanço hídrico da Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede no período estudado. A Tabela 2 mostra os resultados dessas medições, incluindo o total da precipitação, deflúvio e evapotranspiração.

Tabela 2
Balanço hídrico na Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede, em Timóteo-MG, entre maio de 2006 a abril de 2007
Table 2
Water balance in the Zerede Creek basin in Timóteo-MG state, from May 2006 to April 2007

O saldo hídrico final negativo de 247,7 mm caracteriza um deficit hídrico na bacia hidrográfica no ano estudado. O mês de maior saldo hídrico (dezembro de 2006) foi impulsionado pela elevada precipitação (275 mm) e pela baixa evapotranspiração (30 mm). Entretanto, no mês de março de 2007 houve elevada evapotranspiração e as precipitações foram pequenas, sendo o mês com menor saldo (217,9 mm). Nota-se que a grande variação do deflúvio no período estudado ocorreu em decorrência da influência direta das precipitações ocorridas.

O período chuvoso apresenta precipitações de elevadas intensidades, podendo provocar elevado escoamento superficial, a cobertura florestal reduz a intensidade de perda de água da bacia. Freitas et al., (2016FREITAS, J. P. O.; DIAS, H. C. T.; SILVA, E.; TONELLO, K. C. Net precipitation in semideciduous forest fragmente in Viçosa city, MG. Revista Árvore , Viçosa-MG, v.40, n.5, p.793-801, 2016) observaram que 18,1% da chuva precipitada foi interceptada pela copa das árvores e evaporada, o restante chega ao solo via precipitação interna, e através do escoamento pelo tronco, retardando a chegada de água até o solo, favorecendo a infiltração em um fragmento florestal em Viçosa-MG.

Qualidade da água da Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede

Para turbidez, a Resolução n. 357 do CONAMA (2005)CONAMA. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 357, de 17 de março de 2005. 23 p. determina até 40 unidades nefelométricas de turbidez para a Classe 1, sendo que a água coletada em todos os pontos amostrados neste estudo está dentro do deste padrão. Os valores medidos variaram de 2,7 a 17,8 UNT (Tabela 3) sendo que as médias nos pontos da sub-bacia A apresentaram valores inferiores aos da sub-bacia B, contudo, estatisticamente, as médias dos valores de turbidez da água nos pontos de coleta não apresentaram diferença significativa. Esperava-se uma turbidez mais elevada na água coletada do Ponto 2 da sub-bacia B devido ao escoamento superficial no canal intermitente localizado entre os Pontos 1 e 2 e precipitações que ocorreram anteriormente à coleta. As análises realizadas por Alves et al. (2009ALVES, M. R. et al. Qualidade da água em função do regime pluviométrico na bacia hidrográfica do Córrego Zerede, Timóteo, Minas Gerais. Floresta e Ambiente, v.16, n.1, p. 30 - 38, 2009.), realizadas na estação chuvosa de 2005, na mesma microbacia, revelaram valores mais elevados para o ponto equivalente, chegando a 1277,5 UNT. Este autor justifica tais resultados diante a colheita florestal realizada na área e que utilizava o método de arraste por meio de guincho arrastador, estando boa parte da sub-bacia B com solo exposto. Santos et al. (2007SANTOS, G. V. et al. Análise hidrológica socioambiental da bacia hidrográfica do Córrego Romão dos Reis, Viçosa, MG. Revista Árvore , Viçosa, v.31, n.5, p.931-940, 2007.) realizaram a análise hidrológica de quatro sub-bacias do Córrego Romão dos Reis e observaram maiores valores de turbidez (21,6 UNT) em uma sub-bacia cuja atividade agrícola era predominante. Santos; Hernandez (2013)SANTOS, G. O.; HERNANDEZ, F. B. T. Uso do solo e monitoramento dos recursos hídricos no córrego do Ipê, Ilha Solteira, SP. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.17, n.1, p.60-68, 2013 observaram que uma das sub-bacias do Córrego Ipê apresentaram elevada turbidez média (34,5 UNT) entre abril de 2006 a maio de 2011, atribuindo a má conservação do solo e à expansão das áreas urbanas, fatores determinantes na deterioração da qualidade e disponibilidade hídrica.

Tabela 3
Resultados com os valores médios de cada parâmetro analisado nos pontos de coleta da Bacia Hidrográfica do Córrego Zerede, Timóteo-MG nos meses de maio, julho e setembro de 2007
Table 3
Results with average values of each parameter analyzed at sampling points of the Zerede Creek basin, in Timóteo, MG state, in the months of May, July and September 2007

A Resolução N. 357 do CONAMA (2005)CONAMA. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 357, de 17 de março de 2005. 23 p. indica que para o corpo d’água ser classificado como Classe 1, no parâmetro cor, ele deve possuir a cor com o nível natural do corpo de água em mgPt L-1, mas para ser considerado potável, de acordo com a Portaria n. 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde, os valores da cor devem estar abaixo de 15 mgPt L-1. Os resultados observados para a cor da água nos pontos de coleta variaram de 6,83 a 25 mgPt L-1 (Tabela 2) e apenas a água coletada no Ponto 1 apresentou valores médios abaixo deste limite. Entretanto, as médias dos valores de cor da água nos pontos de coleta não apresentaram diferença significativa a 5% de probabilidade pelo Teste F. Os parâmetros cor e turbidez apresentaram uma correlação considerável (83,5%), corroborando os resultados obtidos por Mosca (2003MOSCA, A. A. O. Caracterização hidrológica de duas microbacias visando à identificação de indicadores hidrológicos para o monitoramento ambiental do manejo de florestas plantadas. 2003. 96 f. Dissertação (Mestrado em Recursos Florestais) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, 2003 Piracicaba, SP.) e Arcova e Cicco (1999ARCOVA, F. C. S.; CICCO, V. Qualidade da água de microbacias com diferentes usos do solo na região de Cunha, Estado de São Paulo. Scientia Forestalis, Piracicaba, n. 56, p. 125-134, 1999.).

Nas águas superficiais, o pH é influenciado por diversos fatores, como a geologia da região e também por possíveis fontes de poluição. De acordo com a Resolução n. 357 do CONAMA (2005)CONAMA. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 357, de 17 de março de 2005. 23 p. , os valores de pH devem estar entre 6 e 9 para enquadramento do corpo d’água na Classe 1. A água de todos os pontos se enquadraram na Classe 1 do Conama apresentando valores médios que variaram de 6,99 no Ponto 2 a valores 7,44 no Ponto 4 (Tabela 2), embora não tenham apresentado diferenças estatísticas entre os pontos. Já entre as coletas, observaram-se valores de pH com valores ligeiramente superiores na ocasião da primeira coleta, sendo provavelmente à ocorrência de uma precipitação de elevada intensidade incidida dias antes da coleta das amostras de água. Embora não tenham sido detectadas diferenças estatísticas entre os pontos. Os pontos mais próximos aos despejos de cozinha obtiveram resultados mais elevados de pH, podendo ser tomadas medidas preventivas para evitar que alterações mais significativas ocorram. Outro ponto que deve ser considerado é que a passagem da precipitação pelo dossel da floresta libera compostos geralmente básicos, como observado por Souza et al. (2007SOUZA, V. V. et al. Análise da qualidade das águas das precipitações em aberto e efetiva em um fragmento secundário da Mata Atlântica, no município de Viçosa, MG. Revista Árvore , Viçosa, v. 31, n.4, p.737-743, 2007.), que ao compararem os valores de pH entre a precipitação em aberto e a precipitação interna a uma floresta secundária, observaram valores mais básicos na precipitação interna. Caso a trajetória da água seja o escoamento superficial, o curso d’água tenderá a receber essa influência com a elevação do pH, contudo tais alterações no pH nas áreas mais florestadas não foram detectadas no presente trabalho.

A condutividade elétrica (CE) indica a quantidade de sais existentes na coluna de água, fornecendo uma indicação indireta sobre da concentração de poluentes. A legislação em vigor não determina valores para este parâmetro, mas sabe-se que valores muito elevados podem alertar para outros fatores, como a presença de esgoto doméstico e insumos agrícolas. Em águas naturais, podem ser encontradas faixas de condutividade na ordem de 10 a 100 µS cm-1 (SANTOS et al., 2007SANTOS, G. V. et al. Análise hidrológica socioambiental da bacia hidrográfica do Córrego Romão dos Reis, Viçosa, MG. Revista Árvore , Viçosa, v.31, n.5, p.931-940, 2007.). Os resultados obtidos variaram entre 36,17 a 90,97 µS cm-1 (Tabela 2), apresentando diferenças estatísticas entre as médias dos valores nos pontos de coleta. A água nos Pontos 1 e 5 apresentaram menores valores de CE, sendo provavelmente devido à sua maior proximidade às nascentes. Em contrapartida, o Ponto 4, local cujo despejo de efluentes da cozinha se processa, apresentou características menos favoráveis de qualidade da água em relação ao CE (90,97 µS cm-1). A água do Ponto 3 também apresentou valores médios superando 50 µS cm-1, sendo possivelmente por conta de certa proximidade do Ponto 4. Os Pontos 1 e 2 diferiram estatisticamente, podendo ter sido causado pela influência do canal intermitente existente, pois se nota, em geral, uma tendência de elevação da CE à medida que o escoamento superficial se torna mais abundante. A cobertura vegetal tem papel importante na redução do volume de água escoada na superfície do solo, sendo encontrado por Freitas et al. (2013FREITAS, J. P. O. et al. Distribuição da água de chuva em Mata Atlântica. Ambiente e Água, Taubaté, v. 8, n. 2, p. 100-108, 2013.) valores de apenas 1,3% de escoamento superficial em relação ao total precipitado em locais florestados.

A determinação do oxigênio dissolvido (OD) fornece informações sobre as reações bioquímicas e biológicas que ocorrem na água, além de indícios sobre a capacidade da água em promover sua autodepuração. Segundo a Resolução n. 357 do CONAMA, de 2005, para que o corpo d’água seja enquadrado na Classe 1, os valores de oxigênio dissolvido devem ser superiores a 6 mg L-1. Os valores encontrados nas análises se enquadraram na Classe 1, apresentando valores entre 8,6 a 9,6 mg L-1 (Tabela 2), sem apresentar diferenças estatísticas entre as médias dos pontos de coleta. Os resultados para oxigênio dissolvido revelaram que a água de todos os pontos de coleta não modificou sua classe em virtude da época de estiagem, enquanto que em Alves et al. (2009ALVES, M. R. et al. Qualidade da água em função do regime pluviométrico na bacia hidrográfica do Córrego Zerede, Timóteo, Minas Gerais. Floresta e Ambiente, v.16, n.1, p. 30 - 38, 2009.), na estação seca somente dois pontos permaneceram na Classe I.

Em relação aos sólidos suspensos totais (SST), os valores oscilaram entre 4 a 30 mg L-1 (Tabela 2). A sub-bacia A apresentou valores estatisticamente mais baixos de SST em relação à sub-bacia B, demonstrando que as modificações ocorridas na microbacia não alteraram de forma significativa o material suspenso no córrego. Usualmente, altos valores de sólidos em suspensão indicam altas concentrações de matéria orgânica e inorgânica e, consequentemente, de nutrientes (WETZEL, 2001WETZEL, R. G. Limn.logy: Lake and River Ecosystems. 3. ed. San Diego: Saunders, 2001.). A grande quantidade de florestas existentes na sub-bacia B pode ter sido a causa dos maiores valores de SST devido às condições propícias para a ocorrência de altos teores de matéria orgânica, pela sua eficiente ciclagem biogeoquímica, e sua consequente lixiviação para o curso d’água, gerando concentrações de matéria orgânica mais elevada que na parte antropizada da bacia.

Com base no carbono orgânico, a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) é a fração biodegradável da matéria orgânica em suspensão ou dissolvida, medida a partir do consumo de oxigênio. Em razão dos valores observados terem sido inferiores a 5 mg L1, a DBO não foi detectada pelo método utilizado.

Já a demanda química de oxigênio (DQO) relaciona-se com a oxidação química da matéria orgânica, obtida por meio de um forte oxidante. Os valores obtidos demonstram que o córrego, na ocasião das coletas, possuía valores de material orgânico variando de 25,4 a 29,3 mg L-1 (Tabela 2). Tal resultado é considerado satisfatório ao seguir os critérios da UNESCO (1992), em que valores de DQO entre 20 e 200 mg L-1 de O2 indicam que a água está contaminada por compostos orgânicos. A sub-bacia A obteve os valores mais elevados, sendo, porém, os resultados estaticamente iguais pelo Teste F a 5% de probabilidade.

Os resultados obtidos nas análises microbiológicas não revelaram presença de coliformes fecais ou de Escherichia coli, na água das amostras (Tabela 2). A Resolução n. 357 do Conama CONAMA (2005)CONAMA. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 357, de 17 de março de 2005. 23 p. prevê que não deve ser excedido o limite de 200 coliformes termotolerantes por 100 mililitros em 80% ou mais, de pelo menos 6 amostras, coletadas durante o período de um ano, com frequência bimestral, para os diversos usos, com exceção para recreação de contato primário. Os resultados obtidos nas análises microbiológicas sugerem que devam ser realizadas mais coletas para cumprimento das normas, mas, a princípio, a água da microbacia encontra-se isenta de contaminação biológica.

Conclusões

As precipitações concentraram-se em um período restrito do ano, ocorrendo chuvas de elevada intensidade, que ocasionaram elevação significativa no deflúvio da microbacia. Pelo fato de a vazão ter sido aproximadamente constante para todo o período de estiagem, sugere-se que a microbacia do Córrego Zerede possua uma boa reserva de água no lençol freático, liberada de uma forma constante pelas cinco nascentes existentes. Dessa forma, o planejamento do uso do solo torna-se primordial a fim de garantir que ocorra essa liberação da água de forma mais gradual através do escoamento subterrâneo.

Nos meses mais quentes do período estudado, predominou a saída de água da bacia hidrográfica via deflúvio em relação à evapotranspiração. No balanço hídrico total entre maio de 2006 e abril de 2007, predominou um deficit na microbacia de 247,7 mm, resultado impulsionado pela menor precipitação anual e pela elevada evapotranspiração. O balanço hídrico negativo reflete a importância de conservar as encostas e matas ciliares, além de utilizar técnicas que permitam uma maior retenção de água na bacia hidrográfica.

Das análises da água, pode-se concluir que a água da microbacia se encontra nos padrões da Classe 1 da Resolução n. 357 do CONAMA (2005)CONAMA. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 357, de 17 de março de 2005. 23 p. nos parâmetros analisados, indicando uma boa qualidade dos recursos hídricos da bacia hidrográfica. O canal de escoamento entre os pontos 1 e 2 interferiu de maneira negativa na qualidade da água vinda da sub-bacia B elevando a turbidez e a cor da água e diminuindo o pH. Não foram notadas diferenças significativas na água da sub-bacia A devido às construções que estavam sendo realizadas, com exceção da condutividade elétrica. Uma vez que os resultados obtidos nas análises microbiológicas foram negativos, a água se encontra livre de coliformes termotolerantes, comprovando que não há contaminação por fezes e patógenos intestinais. Ressalva-se a importância de analisar mais amostras em outras épocas do ano para avaliar com maior precisão a qualidade da água.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Sr. Lúcio e Sr. Leonardo por disponibilizarem o local de pesquisa e ao CNPq pelo apoio financeiro ao projeto e pela concessão de bolsa e a Universidade Federal de Viçosa pelo apoio logístico.

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Disponibilidade de dados

Citações de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2012
  • Aceito
    18 Set 2019
  • Publicado
    10 Dez 2019
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