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Dinâmica espaço-temporal da extração seletiva de madeiras no estado de Mato Grosso entre 1992 e 2016

Spatio-temporal dynamics of selective logging in the state of Mato Grosso between 1992 and 2016

Resumo

A extração seletiva de madeiras é uma atividade florestal que inclui a exploração de um grupo de espécies florestais em florestas nativas, normalmente as de maior valor ou interesse comercial. A extração seletiva de madeiras pode ser executada legalmente, em áreas de manejo e de exploração florestal para desmatamentos autorizados ou, ilegalmente, em situações não autorizadas, que ocorrem de forma predatória. No presente estudo, a dinâmica espaço-temporal da extração seletiva de madeiras no estado de Mato Grosso foi avaliada a partir de uma série temporal (de 1992 a 2016) de dados de florestas exploradas seletivamente detectadas, usando dados de sensoriamento remoto. A interpretação visual e a classificação semiautomática de imagens Landsat foram utilizadas para detectar as florestas alteradas por atividades de extração seletiva de madeiras na área de estudo. Com base nos presentes resultados, estimou-se que 41.926 km2 de florestas nativas foram exploradas ao menos uma vez entre 1992 e 2016 em Mato Grosso, com área média anual de 1.747 km2. As florestas exploradas seletivamente e detectadas com distúrbios persistentes ou recorrentes foram mais frequentes nos anos mais recentes desta análise. A maioria das florestas exploradas seletivamente na área e no período de estudo não foram desmatadas até 2016. Esse fato indica que a extração seletiva de madeiras consiste em um fenômeno desagregado do desmatamento no estado de Mato Grosso. Observou-se que uma média de 18 km2.ano-1 e 268,18 km2.ano-1 de florestas foram exploradas seletivamente dentro de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, respectivamente, entre 1992 e 2016. As atividades de extração seletiva não apresentaram tendências significativas de aumento ou redução dentro de áreas protegidas no período analisado. As áreas de exploração seletiva de madeira foram persistentemente detectadas nos antigos polos madeireiros localizados na região centro-norte do Estado com, possivelmente, novos ciclos de corte nas áreas manejadas. Mais recentemente, a extração seletiva se expandiu à última fronteira florestal nativa no noroeste do estado de Mato Grosso. Finalmente, concluiu-se que a exploração madeireira impacta grande extensão de florestas nativas anualmente no estado de Mato Grosso e, por isso, precisa ser devidamente considerada e monitorada pelos órgãos ambientais devido aos seus potenciais impactos nas florestas e para apoiar a definição de políticas públicas para garantir a sustentabilidade da produção florestal futura naquele Estado.

Palavras-chave:
Distúrbios florestais; Floresta tropical; Amazônia; Sensoriamento Remoto; Sistema de Informação Geográfica

Abstract

Selective logging is a forestry activity that includes harvesting a group of tree species in native forests, usually those of higher value or commercial interest. Selective logging can be carried out legally, in forest management areas and forest areas previously authorized for deforestation, or illegally, in any other unauthorized cases that occur in a predatory manner. In this study, the spatiotemporal dynamic of selectively logged forests in the state of Mato Grosso was assessed based on a time-series (from 1992 to 2016) of logged forests detected using remotely sensed data. Visual interpretation and semi-automatic classification of Landsat imagery were used to detect forests impacted by selective logging activities in the study area. Based on the results, it was estimated that 41,926 km2 of native forests were selectively logged at least once between 1992 and 2016 in the state of Mato Grosso, an annual average of 1,747 km2. Selectively logged forests detected showing persistent or recurrent forest disturbances were more frequently observed in the most recent years of this analysis. Most of the selectively logged forests in the study area and period have not been deforested by 2016. It indicates that selective logging is a dissociated phenomenon with deforestation in the state of Mato Grosso. It was also observed that an average of 18 km2.year-1 and 268.18 km2.year-1 of native forests was selectively logged within Conservation Units and Indigenous Lands between 1992 and 2016. A significant tendency to increase or decrease logging activities within those protected areas in the analyzed period was not observed. Selectively logged forests were persistently detected in the old timber centers located in the central-northern region of the state of Mato Grosso, showing, potentially, new cutting cycles in those previously logged forests. More recently, selective logging activities have reached the last native forest frontier in northwestern Mato Grosso. Finally, it was concluded that selective logging is annually disturbing a considerable extension of native forests in the state of Mato Grosso and, therefore, needs to be adequately considered and monitored by environmental agencies due to its potential forest impacts and to support the definition of public policies to ensure the future sustainability of forest production in that state.

Keywords:
Forest disturbances; Tropical forest; Amazon; Remote Sensing; Geographic Information System

Introdução

As atividades de extração seletiva de madeiras em florestas tropicais são caracterizadas essencialmente pela extração de uma ou mais espécie florestal de maior valor comercial (UHL et al., 1997UHL, C. et al. Natural Resource Management in the Brazilian Amazon. BioScience, Oxford, v. 47, n. 3, p. 160-168, 1997.; DING et al., 2017DING, Y. et al. The impacts of selective logging and clear-cutting on wood plant diversity after 40 years of natural recovery in a tropical montane rain forest, South China. Science of the Total Environment, Oxoford, v. 579, p. 1683-1691, 2017.). Essas atividades incluem a construção de estradas de acesso nas florestas, pátios para estocagem de toras, trilhas ou ramais de arrastes e a abertura de clareiras como consequência do corte e queda das árvores no interior da floresta (PINHEIRO et al., 2016PINHEIRO, T. F. et al. Forest Degradation Associated with Logging Frontier Expansion in the Amazon: the BR-163 Region in Southwestern Pará, Brazil. Earth Interactions, Washington,v. 20, n. 17, p. 1-26, 2016. ; DING et al., 2017DING, Y. et al. The impacts of selective logging and clear-cutting on wood plant diversity after 40 years of natural recovery in a tropical montane rain forest, South China. Science of the Total Environment, Oxoford, v. 579, p. 1683-1691, 2017.).

De forma geral, a extração seletiva de madeiras resulta na abertura do dossel e danos às árvores e arbustos no interior da floresta, aumentando com isso a entrada de luz solar, a temperatura no interior da floresta e o risco de ocorrência de incêndios florestais (UHL; BUSCHBACHER, 1985UHL, C.; BUSCHBACHER, R. A disturbing synergism between cattle ranch burning practices and selective tree harvesting in the eastern Amazon. Biotropica, New York, v. 17, p. 265-268, 1985.; UHL; VIEIRA, 1989UHL, C.; VIEIRA, I. C. G. Ecological impacts of selective logging in the Brazilian Amazon: a case study from the Paragominas region of the state of Pará. Biotropica, New York, v. 21, p. 98-106, 1989.; MONTEIRO et al., 2004MONTEIRO, A. L. S. et al. Impactos da exploração madeireira e do fogo em florestas de transição da Amazônia Legal. Scientia Forestalis, Piracibaca, n. 65, p. 11-21, 2004.; MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.). A extração de árvores de forma seletiva pode resultar em diferentes níveis de distúrbios na floresta, variando de acordo com as técnicas de manejo, ciclos de corte e intensidades de exploração adotadas (TRITSCH et al., 2016TRITSCH, I. et al. Multiple patterns of forest disturbance and logging shape forest landscape in Paragominas, Brasil. Forests, v. 7, n. 12, p. 315, 2016.). Para minimizar os impactos nas florestas, a exploração de impacto reduzido utiliza uma série de estratégias e técnicas de manejo antes, durante e após a exploração florestal (DYKSTRA, 2001DYKSTRA, D. P. Reduced impact logging: concepts and issues. In: INTERNATIONAL CONFERENCE, 2001, Kuching, Malaysia. Proceedings […]. Bangkok: FAO,2001. 526 p.). Por exemplo, no manejo de baixo impacto, são utilizadas pequenas clareiras e remoção de cipós que reduzem os impactos no interior da floresta, garantindo regeneração pós-corte mais rápida e sustentabilidade da produção florestal futura (DYKSTRA, 2001DYKSTRA, D. P. Reduced impact logging: concepts and issues. In: INTERNATIONAL CONFERENCE, 2001, Kuching, Malaysia. Proceedings […]. Bangkok: FAO,2001. 526 p.; TRITSCH et al., 2016TRITSCH, I. et al. Multiple patterns of forest disturbance and logging shape forest landscape in Paragominas, Brasil. Forests, v. 7, n. 12, p. 315, 2016.).

Já a exploração de seletiva de madeiras de forma predatória, que ocorre de forma ilegal, provoca maiores danos florestais. Nesse caso, há maior pressão sobre as espécies de alto valor comercial, o corte e os ciclos de corte serão mais curtos e sem o devido planejamento e acompanhamento técnico, que resulta em maiores impactos na floresta, mais árvores danificadas, maior risco de ocorrência de incêndios (UHL et al., 1997UHL, C. et al. Natural Resource Management in the Brazilian Amazon. BioScience, Oxford, v. 47, n. 3, p. 160-168, 1997.; SCHNEIDER et al., 2000SCHNEIDER, R. R. et al. Sustainable Amazon: limitations and opportunities for rural development. Brasília: World Bank and Amazon, 2000. 78 p.) e menor capacidade da floresta de fornecer bens e serviços (THOMPSON et al., 2013THOMPSON, I. D. et al. An operational framework for defining and monitoring forest degradation. Ecology and Society, Wolfville, v. 18, n. 2, p. 20, 2013. ). Uma vez degradada e “empobrecida” do ponto de vista econômico, a floresta tem seu potencial produtivo afetado e se torna objeto de desmatamento para outros usos da terra (MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.; CELENTANO et al., 2018CELENTANO, D. et al. Desmatamento, degradação e violência no "Mosaico Gurupi" - A região mais ameaçada da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 32, n. 92, p. 315-339, 2018.).

As florestas exploradas seletivamente apresentam mudanças sutis na reflectância que dificultam a detecção por sensores remotos(MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.). Apesar disso, o uso de sensoriamento remoto pode ser utilizado para o monitoramento das florestas exploradas seletivamente (PINHEIRO et al., 2016PINHEIRO, T. F. et al. Forest Degradation Associated with Logging Frontier Expansion in the Amazon: the BR-163 Region in Southwestern Pará, Brazil. Earth Interactions, Washington,v. 20, n. 17, p. 1-26, 2016. ). Para isso, utilizam-se várias técnicas para mapear a extração seletiva, incluindo o Carnergie Landsat Analysis System (ASNER et al., 2005ASNER, G. P. et al. Selective logging in the Brazilian Amazon. Science, Washington, v. 310, p. 479-482, 2005.), a interpretação visual combinada com classificação semiautomática com o filtro textura (MATRICARDI et al., 2013)MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013., o uso de radar (JOSHI et al., 2015JOSHI, N. et al. Mapping dynamics of deforestation and forest degradation in tropical forests using radar satellite data. Environmental Research Letters, Filadelfia, v. 10, n. 3, 2015. ), a combinação de radar com imagens aéreas e imagens óticas de satélite (ZHURAVLEVA et al., 2013ZHURAVLEVA, I. et al. Satellite-based primary forest degradation assessment in the Democratic Republic of the Congo, 2000-2010. Environmental Research Letters,Bristol, v. 8, n. 2, 2013.) e a classificação orientada a objetos (GRECCHI et al., 2017GRECCHI, R. C. et al. An integrated remote sensing and GIS approach for monitoring areas affected by selective logging: a case study in northern Mato Grosso, Brazilian Amazon. International Journal of Obs Geoinformation, Amsterdam, v. 61, p. 70-80, 2017.). O filtro textura tem sido aplicado de forma mais ampla para toda a Amazônia brasileira e realça as características desejáveis na imagem. Essa técnica pode ser aplicada na caracterização de habitat dos animais, na estrutura da vegetação (WOOD et al., 2012WOOD, E. M. et al. Image texture as a remotely sensed measure of vegetation structure. Remote Sensing of Environment,Amsterdam, v. 121, p. 516-526, 2012.), no mapeamento da degradação florestal (MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.; SOUZA JUNIOR et al., 2013SOUZA JUNIOR, C. M. et al. Ten-Year Landsat Classification of Deforestation and Forest Degradation in the Brazilian Amazon. Remote Sensing, Basel, v. 5, p. 5493-5513, 2013.)e em estudos ecológicos (OZDEMIR et al., 2018OZDEMIR, I. et al. Predicting bird species richness and micro-habitat diversity using satellite data. Forest Ecology Management, Amsterdam, v. 424, p. 483-493, 2018.).

Na última década, a exploração seletiva de florestas nativas está se expandindo para as últimas fronteiras da Amazônia (COSTA et al., 2019COSTA, O. B. et al. Selective logging detection in the Brazilian Amazon. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 2-10, 2019.). Apesar disso, a maior parte dos artigos científicos sobre a extração seletiva de madeiras na Amazônia estão limitados a estudos de casos em pequenas áreas comparados com a dimensão da região como um todo (GRECCHI et al., 2017GRECCHI, R. C. et al. An integrated remote sensing and GIS approach for monitoring areas affected by selective logging: a case study in northern Mato Grosso, Brazilian Amazon. International Journal of Obs Geoinformation, Amsterdam, v. 61, p. 70-80, 2017.) e, os espacialmente mais abrangentes, incluíram séries temporais limitadas (ASNER et al., 2005ASNER, G. P. et al. Selective logging in the Brazilian Amazon. Science, Washington, v. 310, p. 479-482, 2005.; MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.). O estado de Mato Grosso é o segundo maior produtor de madeira em tora da Amazônia (IBGE, 2018)IBGE. SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br . Acesso em: 27 set. 2018.
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e, por isso, torna-se extremamente importante mapear as florestas exploradas seletivamente para o melhor entendimento dessas atividades e para apoiar o monitoramento e a sustentabilidade das atividades florestais na região de estudo. Neste estudo, buscou-se analisar a dinâmica espaço-temporal das florestas nativas que apresentavam distúrbios provocados pelas atividades de extração seletiva de madeiras no estado do Mato Grosso, utilizando uma longa série temporal de dados de sensoriamento remoto (1992 a 2016).

Material e métodos

A área do presente estudo incluiu a parte do Bioma Amazônia e da Amazônia legal dentro do estado de Mato Grosso, delimitada total ou parcialmente por 23 cenas da série dos satélites Landsat sensores TM (Thematic Mapper) e OLI (Operational Land Imager) (Figura 1). Todas as cenas apresentaram evidências de extração seletiva de madeiras (pátios de estocagem, estradas de acesso, clareiras provocadas pela extração das árvores) nos anos de 1992, 1996, 1999, 2003, 2006, 2010, 2014 e 2016. As imagens foram coletadas nos meses de junho a agosto, período de encerramento das atividades de exploração de madeira. O presente estudo incluiu a utilização de duas bases de dados preparadas por Matricardi et al. (2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.) e Costa et al. (2019COSTA, O. B. et al. Selective logging detection in the Brazilian Amazon. Revista Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 2-10, 2019.). A detecção das florestas exploradas seletivamente em 2016 foi conduzida no presente estudo. Em seguida foram processadas aplicando-se técnicas de correções geométricas (DAI; KHORRAM, 1998DAI, X.; KHORRAM, S. The effects of image misregistration on the accuracy of remotely sensed change detection. IEEE Transactions on Geoscience and Remote Sensing, Pasadeña,v. 36, n. 5, p. 1566-1577, 1998.) e radiométricas (CHANDER; MARKHAM; HELDER, 2009CHANDER, G.; MARKHAM, B. L.; HELDER, D. L. Summary of current radiometric calibration coefficients for Landsat MSS, TM, ETM+, and EO-1 ALI sensors. Remote Sensing of Environment, Amsterdam,v. 113, n. 5, p. 893-903, 2009.).

Figura 1
Localização da área (cenas Landsat) de estudo no Brasil, Bioma Amazônia, Amazônia legal e estado de Mato Grosso
Figure 1
Study area spatial location in Brazil, Amazonia Biome, Legal Amazon, and state of Mato Grosso

O critério utilizado para identificação das áreas de extração seletiva foi a sua interpretação visual, utilizando os canais do vermelho, infravermelho distante, próximo e vermelho (PINHEIRO et al., 2016PINHEIRO, T. F. et al. Forest Degradation Associated with Logging Frontier Expansion in the Amazon: the BR-163 Region in Southwestern Pará, Brazil. Earth Interactions, Washington,v. 20, n. 17, p. 1-26, 2016. ), presença de pátios de estocagem e de estradas. Outra característica identificada foi o padrão semirregular de lacunas causadas pela extração das árvores (TYUKAVINA et al., 2017TYUKAVINA, A. et al. Types and rates of forest disturbance in Brazilian Legal Amazon, 2000-2013. Science Advances, Washington, v. 3, n. 4, p. 1-15, 2017.).

Em seguida, as áreas de extração seletiva foram mapeadas utilizando-se a análise semiautomática (filtro textura) depois de finalizadas as correções descritas acima. Aplicou-se o algoritmo textura no canal do infravermelho próximo, utilizando janelas de 5 x 5 pixels do satélite Landsat para proporcionar melhor detecção dos pátios de estocagem e das estradas. Ao redor dos pátios de estocagem identificados por meio da análise de textura foram construídas buffers com 180 m de raio para identificar a área afetada pela extração seletiva não detectada pelo satélite (MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.).

A extração seletiva mapeada utilizando o filtro textura e a interpretação visual foi unida em único mapa com estrutura vetorial, sendo posteriormente convertido em estrutura matricial. Ao final do processamento, todos os dados foram projetados para a projeção Sinusoidal, indicada para locais com mais de um fuso UTM (NELSON; CHOMITZ, 2011NELSON, A.; CHOMITZ, K. M. Effectiveness of Strict vs. Multiple Use Protected Areas in Reducing Tropical Forest Fires: A Global Analysis Using Matching Methods. PLOS One, São Francisco, v. 6, n. 8, p. e22722, 2011.), como é o caso de Mato Grosso. Os métodos utilizados conjuntamente (textura e interpretação visual) apresentaram acurácia global de 92.9% para Mato Grosso (MATRICARDI et al., 2007MATRICARDI, E. A. T. et al. Multi-Temporal assessment of selective logging in the Brazilian Amazon Using Landsat Data. International Journal of Remote Sensing, Londres, v. 28, n. 1, p. 63-82, 2007.).

Os dados de extração seletiva observados neste estudo foram submetidos à análise de tendência utilizando o Teste de Cox-Stuart (p=0,05) (MORETTIN; TOLOI, 2006MORETTIN, P. A.; TOLOI, C. M. D. C. Modelos para previsão de séries temporais. São Paulo: Blucher, 2006. 280 p.). As áreas de extração seletiva foram validadas no campo, nos dias 19-28/07/2017, com o auxílio do Sistema de Posicionamento Global (GPS) para aumentar a acurácia do mapeamento.

Foi elaborada uma grade de polígonos de 625 km2 de área no software ArcGIS®, versão 10.6 (Licença Corporativa ESRI/UnB), a fim de favorecer a visualização da extensão da extração seletiva em Mato Grosso e suas mudanças ao longo do tempo. Em cada polígono foi calculada a porcentagem de extração seletiva de madeira presente. Além disso, os dados de extração seletiva foram sobrepostos aos vetores de Unidades de Conservação (UC) e Terras Indígenas (TI) no intuito de observar a área degradada no interior dessas áreas.

As áreas de extração seletiva de um ano foram sobrepostas com a extração com os demais anos para verificar se essas áreas persistiram na imagem ou foram revisitadas no período de estudo. Considerou-se que o termo revisitar a área de extração seletiva detectada em áreas de registros anteriores que se regenerou o suficiente para se tornar indetectável por um ou mais anos antes do retorno dos madeireiros (MATRICARDI et al., 2005MATRICARDI, E. A. T. et al. Monitoring selective logging in Tropical Evergreen Forests using Landsat: multitemporal Regional analyses in Mato Grosso, Brazil. Earth Interactions, Boston, v. 9, n. 24, p. 1-24, 2005. ). Em muitos casos, as áreas detectadas de forma recorrente nas imagens de satélite são florestas exploradas seletivamente que persistiram visíveis ou detectáveis por mais de 3 anos nessas imagens. Nesse caso, totalizaram-se 28 sobreposições de áreas de extração seletiva para analisar a ocorrência de revisita ou persistência na área de estudo.

O incremento de novas áreas de extração seletiva de madeiras detectadas por satélite foi realizado através da sobreposição de todos os polígonos de extração seletiva com os demais anos no período de estudo. A partir dessa sobreposição, foram excluídas as intersecções de polígonos. Nesse caso, as florestas detectadas em mais de um ano no período de análise foram consideradas apenas no primeiro ano de detecção para evitar a contagem dupla das áreas.

As áreas de extração seletiva de madeiras foram sobrepostas aos polígonos de desmatamento produzidos pelo Tropical Rain Forest Information Center (TRFIC) e pelo PRODES nos anos de 1992, 1996 e 1999 e 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016. O objetivo deste procedimento foi verificar se essas áreas foram desmatadas em períodos subsequentes à degradação florestal em Mato Grosso.

Resultados e discussão

Foi detectada uma média de aproximadamente 12.426 km2 de florestas nativas exploradas seletivamente nos anos analisados (Tabela 1). A análise da série de dados das áreas de extração seletiva de madeira para a área de estudo apresentou comportamento linear e o teste de Cox-Stuart (1955COX, D. R.; STUART, A. Some quick tests for trend in location and dispersion. Biometrika, London, v. 42, p. 80-95, 1955. ) indica que não há tendência significativa (0,625> 0,05) nos dados. Desse modo, é esperado que as taxas anuais de florestas exploradas seletivamente em Mato Grosso persistam nos próximos anos de forma similar aos padrões observados no período analisado neste estudo (1992 a 2016), sem tendência de redução ou crescimento.

Dentro de Unidades de Conservação (UC) e Terras Indígenas (TI) foi detectada uma média de 54 km2 e 804 km2, respectivamente, entre 1992 e 2016, totalizando 6.863,2 km2, correspondente a 6,9% de toda floresta explorada seletivamente detectada no estado do Mato Grosso no período de análise (Tabela 1). As áreas protegidas consistem em instrumentos legais mais efetivos de conservação das florestas na região de estudo (NOLTE et al., 2013NOLTE, C. et al. Governance regime and location influence avoided deforestation success of protected areas in the Brazilian Amazon. PNAS, Washignton,v. 110, n. 13, p. 4956-961, 2013.) e servem como barreira ao avanço da degradação florestal (VINCENT, 1992VINCENT, J. R. The tropical timber trade and sustainable development. Science, Washington, v. 256, n. 5064, p. 1651-1655, 1992.).

Tabela 1
Florestas exploradas seletivamente detectadas no estado de Mato Grosso entre 1992 e 2016
Table 1
Selectively logged forests detected in the state of Mato Grosso between 1992 and 2016

A análise da série de dados das áreas de florestas exploradas seletivamente (Tabela 1) dentro de áreas protegidas analisada para a área de estudo tem comportamento linear e não apresentou tendência o teste de Cox-Stuart (1955COX, D. R.; STUART, A. Some quick tests for trend in location and dispersion. Biometrika, London, v. 42, p. 80-95, 1955. ) (0,625> 0,05) nos dados para UC e TI. No entanto, as áreas de extração seletiva detectadas no interior das UC aumentaram durante o período de estudo (Tabela 1). Esse comportamento crescente de degradação florestal no interior de UC tem sido relatado na Amazônia brasileira indicando que as áreas protegidas estão cada vez mais expostas às atividades madeireiras e desmatamento (PEDLOWSKI et al., 2005PEDLOWSKI, M. A. et al. Conservation units: a new deforestation frontier in the Amazonian state of Rondônia, Brazil. Environmental Conservation, Cambridge, v. 32, n. 2, p. 149-155, 2005.). As UC são consideradas alvo fácil da ilegalidade de exploração da floresta. Segundo Pedlowski et al. (2005PEDLOWSKI, M. A. et al. Conservation units: a new deforestation frontier in the Amazonian state of Rondônia, Brazil. Environmental Conservation, Cambridge, v. 32, n. 2, p. 149-155, 2005.) e Gore, Ratsimbazafy e Lute (2013GORE, M. L.; RATSIMBAZAFY, J.; LUTE, M. L. Rethinking corruption in conservation crime: insights from Madagascar. Conservation Letters, Nova Jersey, v. 4, p. 430-438, 2013.), as áreas protegidas contêm espécies florestais de alto valor comercial, que são grandes atrativos para ilegalidade. Tal fato favorece a entrada de madeireiros para cortá-las e comercializá-las de forma ilegal.

Uma possível explicação para a maior parte da extração seletiva dentro de UC é que sua proximidade com áreas desmatadas fazem com que os agentes da extração ilegal entrem na área e estabelecem contratos verbais com os posseiros para explorar os recursos madeireiros, na qual fornece renda e capital para reinvestir em novos desmatamentos florestais. A interação entre esses agentes resulta na construção de estradas ilegais para extração de recursos madeireiros, invadindo as UC com infraestrutura em estradas e vias de acesso (PEDLOWSKI et al., 2005PEDLOWSKI, M. A. et al. Conservation units: a new deforestation frontier in the Amazonian state of Rondônia, Brazil. Environmental Conservation, Cambridge, v. 32, n. 2, p. 149-155, 2005.).

Observou-se em campo que há um sinergismo entre a extração ilegal de madeiras, posseiros e desmatamento nos municípios localizados nas últimas fronteiras do estado de Mato Grosso. Nesse caso, trata-se de áreas que são previamente destinadas à conversão para outros usos não florestal (desmatamento a corte raso). Diferentemente do desmatamento, observou-se em campo que a maior parte dos projetos de manejo florestal sustentado, localizados em velhas e novas fronteiras no Mato Grosso, tem sido suficiente para garantir a manutenção da floresta antes e depois da execução das atividades de extração seletiva das madeiras. Complementarmente, observou-se o aumento de novas áreas de extração seletiva detectada por satélite, totalizando 41.926 km2 entre 1992 e 2016, equivalente a uma média anual de 1.747 km2.ano-1 (Figura 2).

Figura 2
Incremento de áreas de extração seletiva e desmatamento localizados em Mato Grosso entre 1992 a 2016
Figure 2
Selective logging and deforestation increase in the state of Mato Grosso between 1992 and 2016

Com base em dados da SEMA (MATO GROSSO, 2018)MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. SISFLORA Auditoria. Cuiabá, 2018. Disponível em: https://monitoramento.sema.mt.gov.br/auditoria /. Acesso em: 26 ago. 2018.
https://monitoramento.sema.mt.gov.br/aud...
, a maior fonte atual de madeira de Mato Grosso é oriunda da extração seletiva em florestas nativas. O aumento do incremento médio das áreas de florestas exploradas seletivamente a partir de 1999 indica a tendência de utilizar as florestas nativas como a principal fonte de matéria-prima para indústria madeireira no Estado, normalmente observado em regiões com maior vocação florestal.

Os fatores que podem ter contribuído para a manutenção e ampliação das áreas de florestas com extração seletiva de madeira após 1996 foram as alterações na legislação ambiental e a demanda por matéria-prima das florestas nativas (MATRICARDI et al., 2007MATRICARDI, E. A. T. et al. Multi-Temporal assessment of selective logging in the Brazilian Amazon Using Landsat Data. International Journal of Remote Sensing, Londres, v. 28, n. 1, p. 63-82, 2007.). Em 1996, o Código Florestal do Brasil foi alterado e estabeleceu que 80% e não 50%, como anteriormente definido, de florestas para comporem as reservas legais em propriedades particulares, promovendo a conservação de áreas florestais, passíveis de exploração sob regime de manejo sustentado. No manejo florestal, além da floresta, também devem ser mantidas na área explorada seletivamente a maior parte das árvores. Assim, a redução do limite máximo da propriedade passível de desmatamento para 20% das propriedades rurais (BRASIL, 1996)BRASIL. Medida Provisória nº 1.511, de 25 de Julho de 1996. Dá nova redação ao art. 44 da Lei nº 4.771, de 15 set. 1965, e dispõe sobre a proibição do incremento da conversão de áreas florestais em áreas agrícolas na região Norte e parte da Norte da Centro Oeste. Diário Oficial da União, Brasília DF, 26 jul. 1996. reduziu também a matéria-prima (madeira em tora) oriunda de planos de exploração para o desmatamento (LAWSON, 2010LAWSON, S. Illegal logging and related trade: indicators of the global response. London: Royal Institute of International Affairs, 2010. 8 p.), em que uma pequena parte das árvores de maior valor econômico são aproveitadas e as demais são queimadas. Como consequência, a partir dos anos 90, observou-se a ampliação de áreas de extração de madeiras em áreas de florestas submetidas ao manejo florestal ou de extração seletiva ilegal na Amazônia brasileira (ASNER et al., 2005ASNER, G. P. et al. Selective logging in the Brazilian Amazon. Science, Washington, v. 310, p. 479-482, 2005.; MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.; NEPSTAD et al., 2014NEPSTAD, D. et al. Slowing Amazon deforestation through public policy and interventions in beef and soy supply chains. Science,Washington, v. 344, n. 6188, p. 1118-1123, 2014.) que, ao contrário do desmatamento, possibilitou a conservação de 80% das florestas das propriedades e 88% das árvores nas áreas exploradas seletivamente em áreas de manejo florestal sustentado.

A partir da sobreposição das áreas de extração seletiva de madeira detectadas em 1992 com os demais anos, estimou-se que 56.672 km2 de extração seletiva de madeiras foram consideradas recorrentes ou persistentes nas imagens de satélite durante o período de estudo. As recorrências ou persistências tendem a ocorrer em intervalos menores de tempo entre a primeira e segunda detecção (Tabela 2), pois as florestas exploradas seletivamente podem persistir detectáveis nas imagens de satélite por um período de 3 a 4 anos (MATRICARDI et al., 2013MATRICARDI, E. A. T. et al. Assessment of forest disturbances by selective logging and forest fires in the Brazilian Amazon using Landsat data. International Journal of Remote Sensing, London, v. 34, p. 1057-1086, 2013.). Quando as florestas exploradas seletivamente são detectadas recorrentemente em intervalos maiores, indicam que a revisita da atividade de extração seletiva, resultante da implementação dos ciclos de corte previstos nos planos de manejo florestal sustentado.

Tabela 2
Áreas de extração seletiva (km2) recorrentes ou persistentes localizadas no estado de Mato Grosso nos anos de 1996 a 2016
Table 2
Recurrent or persistent selectively logged forests (km2) spatially located in the state of Mato Grosso between 1996 and 2016

Com base em observações de campo conduzidas neste estudo, verificou-se que os impactos das atividades de extração seletiva de madeiras podem persistir visíveis nas imagens por 2 a 4 anos, dependendo da intensidade da exploração. Além disso, existem casos de revisitação das áreas para extração de outras espécies florestais comercialmente viáveis, especialmente em anos mais próximos (2 a 3 anos) da primeira exploração para aproveitar a infraestrutura de exploração florestal remanescente. Após quatro anos da exploração florestal, a regeneração natural com espécies secundárias é bem mais intensa, dificultando o acesso ao interior da floresta.

Nos anos em que a recorrência da extração seletiva é maior (477,58 km2 em 1999) que a área de recorrência no ano anterior (251,52 km2 em 1996) indica o aparecimento de áreas novas de florestas exploradas seletivamente durante o intervalo de análise (1997 e 1998) e somente foram detectadas por satélite em 1999 (Tabela 2). Esse mesmo comportamento foi verificado para a recorrência da extração seletiva nos anos de 2010 e 2014. As áreas de floresta explorada seletivamente e detectadas por satélite na região central do estado de Mato Grosso persistiram detectáveis durante todo o período de estudo (1992 a 2016) (Figura 3).

As florestas podem ser revisitadas várias vezes à medida que os madeireiros retornam à área para extração de espécies florestais adicionais que se tornam lucrativas com o desenvolvimento dos mercados regionais de madeira (SCHNEIDER et al., 2000SCHNEIDER, R. R. et al. Sustainable Amazon: limitations and opportunities for rural development. Brasília: World Bank and Amazon, 2000. 78 p.). Essas florestas se tornam muito degradadas, podendo ter entre 40-50% de sua cobertura de copa removida durante as operações de exploração madeireira (VERISSIMO et al., 1992VERISSIMO, A. et al. Logging impacts and prospects for sustainable forest management in an old Amazonian frontier: the case of Paragominas. Forest Ecology and Management, Amsterdam,v. 55, p. 169-199, 1992.). Com isso, ocorre o aumento significativo da fragmentação florestal e a paisagem se torna completamente desmatada (RONDON et al., 2012RONDON, X. J. et al. The Effects of Selective Logging Behaviors on Forest Fragmentation and Recovery. International Journal of Forestry Research, Amsterdam, ID 170974, 2012. ). Segundo Sist et al. (2015SIST, P. et al. The tropical managed forests observatory: a research network addressing the future of tropical logged forests. Applied Vegetation Science, New York, v. 18, n. 1, p. 171-174, 2015.), a frequência com que as áreas exploradas são revisitadas influencia os serviços ambientais e a capacidade de resiliência da floresta.

Alguns autores afirmaram que a extração seletiva fornece capital para o desmatamento em anos posteriores à exploração (JOSHI et al., 2015JOSHI, N. et al. Mapping dynamics of deforestation and forest degradation in tropical forests using radar satellite data. Environmental Research Letters, Filadelfia, v. 10, n. 3, 2015. ). Com base nos resultados desta pesquisa, observou-se que 95% das áreas de florestas exploradas seletivamente entre 1992 e 2014 ainda permanecem na região de estudo (Figura 3). Portanto, ao contrário do observado por Cochrane et al. (1999COCHRANE, M. A. et al. Positive feedbacks in the fire dynamics of closed canopy tropical forests. Science, Washington, v. 284, p. 1832-1835, 1999.) e Asner et al. (2005ASNER, G. P. et al. Selective logging in the Brazilian Amazon. Science, Washington, v. 310, p. 479-482, 2005.; 2009ASNER, G. P. et al. Selective logging and its relation to deforestation. Amazonia and Global Change, Washington, v. 186, p. 25-42, 2009.), os presentes resultados não permitem afirmar que os distúrbios provocados pela extração seletiva de madeiras foram precursores do desmatamento, pois apenas 4,7% (1.998 km2) do total de floresta explorada seletivamente foram desmatadas na área e período de estudo. Os resultados desta pesquisa indicam também que, das áreas de extração seletiva que foram desmatadas, a maior parte (50,6%) do desmatamento observado ocorreu logo após (período máximo de seis anos) após a exploração madeireira.

Figura 3
Distribuição espacial das florestas exploradas seletivamente no estado de Mato Grosso (%) entre 1992 e 2016
Figure 3
Spatial distribution of selectively logged forests in the state of Mato Grosso (%) between 1992 and 2016

Em propriedades rurais privadas, excluindo-se as Áreas de Proteção Permanente instituídas por lei, é permitida a implementação do manejo florestal mediante a aprovação prévia do órgão ambiental competente. Na Amazônia, as toras com menores diâmetros são extraídas com a finalidade de adquirir capital para implantar outras atividades ou para usar na própria propriedade. Além disso, a madeira pode ser armazenada para ser comercializada posteriormente.

Os proprietários rurais podem optar também, excluídas as Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais, pelo desmatamento das áreas de vegetação nativa, que normalmente é precedido da exploração seletiva das madeiras comerciais disponível na área, para implantação de atividades econômicas diferentes do manejo de florestas nativas. Nesses casos, após a exploração florestal é utilizado fogo para implantação de pastagem (GERWING, 2002GERWING, J. J. Degradation of forests through logging and fire in the eastern Brazilian Amazon. Forest Ecology and Management,Amsterdam, v. 157, p. 131-141, 2002.) ou outra atividade agrícola ou florestal, indicando a existência de sinergismo entre desmatamento, extração seletiva e fogo (MONTEIRO et al., 2004MONTEIRO, A. L. S. et al. Impactos da exploração madeireira e do fogo em florestas de transição da Amazônia Legal. Scientia Forestalis, Piracibaca, n. 65, p. 11-21, 2004.).

As áreas de exploração seletiva de madeiras detectadas no período de estudo estavam localizadas em sua maior parte na mesorregião central de Mato Grosso durante a década de 1990. O boom da extração seletiva iniciou na década de 1990 na região centro-norte de Mato Grosso, sendo que a extração de madeira era proveniente de áreas recém-abertas e ocupadas e de áreas de floresta que seriam convertidas em agricultura ou pastos. As áreas de exploração pertenciam geralmente ao próprio madeireiro ou aos colonos que moravam ao longo das estradas e vendiam as árvores. Os grandes proprietários de terra contratavam trabalhadores para fazer o trabalho de extração de toras. Outros fazendeiros faziam negócios diretamente com uma serraria ou madeireira para desmatar a área sem a interferência do madeireiro (ROS-TONEN, 2007ROS-TONEN, M. Novas perspectivas para a gestão sustentável da floresta Amazônica: explorando novos caminhos. Ambiente & Sociedade, v. 10, n. 1, p. 11-25, 2007.). A partir dos anos 2000, as florestas exploradas seletivamente foram detectadas na mesorregião norte e noroeste, sempre nas últimas fronteiras do estado de Mato Grosso, podendo futuramente formar um novo arco do desmatamento no Estado. Em 2016, observou-se a redução da intensidade da exploração madeireira no polos madeireiros mais antigos e a expansão e intensificação dessa atividade no noroeste de Mato Grosso.

Conclusão

O incremento das áreas de florestas exploradas seletivamente em Mato Grosso não apresentou tendência significativa de aumento no período e área de estudo. Estimou-se que 41.926 km2 de florestas nativas foram exploradas pelo menos uma vez entre 1992 e 2016 em Mato Grosso, com uma média de 1.747 km2.ano-1. O maior aumento (420%) das áreas de florestas exploradas seletivamente detectadas por satélite foi observado entre 1992 e 1999, provavelmente influenciado pela alteração do Código Florestal brasileiro em 1996, que aumentou de 50% para 80% os limites de reserva legal das propriedades privadas, ampliando as áreas passíveis de manejo florestal e reduzindo as áreas passíveis de desmatamento legal nas propriedades. Do total de florestas exploradas seletivamente estimadas no presente estudo, somente 4,7% (1.998 km2) foram desmatadas, indicando que a maior parte das florestas nativas exploradas estão sendo mantidas por exigência legal (averbação em cartório das áreas de manejo florestal) e manejadas como um bem renovável para as atividades do setor florestal.

Foi detectada uma área de 54 e 804 km2.ano-1 de florestas exploradas seletivamente dentro de Unidades de Conservação (UC) e Terras Indígenas (TI), respectivamente, no período e área de estudo. A porcentagem de extração seletiva dentro de UC foi de 1%, similar aos dados observados por Pedlowski et al. (2005PEDLOWSKI, M. A. et al. Conservation units: a new deforestation frontier in the Amazonian state of Rondônia, Brazil. Environmental Conservation, Cambridge, v. 32, n. 2, p. 149-155, 2005.) para UC Bom Futuro em Rondônia. No caso das TIs, a porcentagem de extração seletiva observada dentro dessas áreas foi de aproximadamente 2%. Embora não tenham sido verificadas tendências significativas de aumento da extração madeireira na série de dados em áreas protegidas, trata-se de atividades ilegais e, portanto, precisam ser devidamente consideradas e monitoradas. É esperado que a escassez futura de matéria-prima para o setor florestal de madeiras nativas irá amplificar a pressão sobre os recursos naturais em áreas protegidas do estado de Mato Grosso.

A distribuição espacial das áreas de extração seletiva de madeiras nativas indica a sua expansão para as novas fronteiras do estado de Mato Grosso. Entre 1992 e 1999, essas áreas se concentravam na região Centro-Norte do Estado e, nos anos mais recentes, têm se expandido e intensificado na região Noroeste e extremo Norte de Mato Grosso. Houve a expansão do setor madeireiro para novas fronteiras nas quais há maior potencial de matéria-prima para a indústria madeireira, mantendo-se a atividade em níveis mais moderados nos antigos polos madeireiros, com novos ciclos de corte de menor intensidade de volume nas áreas manejadas. A extração seletiva de madeiras em áreas de manejo florestal no estado do Mato Grosso é, de forma geral, um fenômeno de uso da floresta que coexiste desvinculado do desmatamento destinado à formação de áreas para agricultura e pastagens, com características que indicam a sustentabilidade da exploração florestal a médio e longo prazos por garantir a permanência da floresta na região. Devido a sua amplitude temporal e espacial da atividade madeireira, seus impactos socioeconômicos e ambientais devem ser mais bem estudados e monitorados.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Os autores agradecem à Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Florestais da Universidade de Brasília (UnB) pelo apoio financeiro e acadêmico na realização desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2019
  • Aceito
    29 Jun 2020
  • Publicado
    01 Set 2020
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