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Aspectos fenológicos reprodutivos de Qualea grandiflora Mart. em Cerrado

Reproductive and phenological aspects of Qualea grandiflora Mart. in Cerrado

Resumo

Qualea grandiflora é uma espécie típica da fisionomia cerradão, de importância ecológica, florística e medicinal. No entanto, são pouco os estudos no que se refere a sua fenologia. Diante do exposto, objetivou-se verificar a sazonalidade e influência das variáveis climáticas nos eventos reprodutivos de Qualea grandiflora em cerradão. Marcaram-se 15 indivíduos que foram visitados mensalmente entre julho de 2016 e junho de 2018 para registrar os eventos: botões florais, antese, frutos imaturos e maduros. A intensidade de Fournier e sincronia foram correlacionadas com a precipitação, temperatura máxima, média e mínima através da correlação de Spearman, e a sazonalidade por meio da estatística circular. A espécie produziu botões e flores durante a estação chuvosa, o que resultou em correlação positiva com a precipitação. A formação de frutos ocorreu tanto na época chuvosa quanto na seca, já a maturação dos frutos ocorreu na estação seca. O evento de frutos imaturos foi o único não sazonal devido a sua duração. Os eventos reprodutivos de Qualea grandiflora se correlacionaram com a temperatura e a precipitação, de modo que a espécie utiliza essa influência para potencializar suas chances de reprodução.

Palavras-chave:
Influência climática; Floração e frutificação; Pau-terra-grande; Sazonalidade

Abstract

Qualea grandiflora is a typical species of the ‘Cerradão’ physiognomy, of ecological, floristic and medicinal importance. However, there are few studies regarding to its phenology. In view of the above, the objective was to verify the seasonality and the influence of the climatic variables on the reproductive events of Qualea grandiflora in ‘Cerradão’. Fifteen (15) individuals were visited and visited monthly between July 2016 and June 2018 to record the events: flower buds, anthesis, immature and ripe fruits. Fournier's intensity and synchrony were correlated with precipitation, maximum, average and minimum temperature through the Spearman's correlation, and seasonality using circular statistics. The species itself produced buds and flowers during the rainy season, which resulted in a positive correlation with precipitation. The fruit formation occurred both in the rainy and dry season, whereas the fruit ripening occurred in the dry season. The immature fruit event was the only non-seasonal event due to its duration. The reproductive events of Qualea grandiflora correlated with temperature and precipitation, so the species uses this influence to enhance its chances of reproduction.

Keywords:
Climaticinfluence; Flowers and fruits; Pau-terra-grande; Seasonality

1. Introdução

O Cerrado é considerado um dos hotspot mundiais para a conservação da biodiversidade (MYERS et al., 2000MYERS, N. et al. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, London, v. 24, n. 403, p. 853-858, 2000.). E além de ser alvo de ações antrópicas de forma direta, sua biodiversidade também está sob ameaça dos impactos impostos pelas ações indiretas, como as mudanças climáticas (VERDIGUIER et al., 2018VERDIGUIER, E. I. et al. Development and analysis of spring plant phenology products: 36 years of 1-km grids over the conterminous US. Agricultural and Forest Meteorology, New Haven, v. 262, n. 15, p. 34-41, 2018. ). Consequentemente, com as mudanças climáticas, acredita-se que até 2050, o Cerrado possa reduzir até 34% do que ainda resta, levando a perda de mais 1.140 espécies endêmicas (COSTA, 2017COSTA, C. Em 30 anos, cerrado brasileiro pode ter maior extinção de plantas da história, diz estudo. São Paulo: BBC Brasil, 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39358966 . Acesso em: 20 fev. 2019.
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), tais mudanças ainda irão alterar diversos determinantes climáticos como o momento de floração de espécies vegetais, podendo afetar sinais sazonais e influenciar nas condições ambientais em que as plantas estão expostas, de modo a limitar suas respostas fenológicas (WADGYMAR et al., 2018WADGYMAR, S. M. et al. Phenological responses to multiple environmental drivers under climate change: insights from a long-term observational study and a manipulative field experiment. New Phytologist, Lancaster, v. 218, n. 2, p. 517-529, 2018.).

A fenologia é o estudo da periodicidade de eventos (fenofases) como brotação, florescimento, frutificação e dispersão de sementes das plantas (MELO et al., 2015MELO, A. P. C. et al. Fenologia reprodutiva do araticum e suas implicaçõesno potencial produtivo. Comunicata Scientiae, Bom Jesus, v. 6, n. 4, p. 495-500, 2015. ). Com o conhecimento desses eventos, é possível caracterizar padrões reprodutivos, elementos importantes para a avaliação do sucesso da espécie em um dado ambiente (ROCHA et al., 2015ROCHA, T. G. F. et al. Fenologia da Copernicia prunifera (Arecaceae) em uma área de caatinga do Rio Grande do Norte. Cerne, Lavras, v. 21, n. 4, p. 673-682, 2015.). Além disso, diversos estudos envolvendo biologia reprodutiva, coleta de frutos, sementes e dispersão de diásporos podem ser desenvolvidos (SOUZA et al., 2014SOUZA, D. N. N. et al. Estudo fenológico de espécies arbóreas nativas em uma unidade de conservação de caatinga no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.Biotemas, Florianópolis, v. 27, n. 2, p. 31-42, 2014. ) através da fenologia. No entanto, ainda há uma escassez de informações sobre o comportamento fenológico das espécies da savana mais rica do mundo, o Cerrado.

Pesquisas fenológicas de comunidades vegetais têm sido desenvolvida nos últimos anos, entretanto os padrões fenológicos de plantas tropicais podem ser diferentes dependendo do nível em que são analisados. A espécie aqui estudada ocorre em fisionomias do Cerrado como mata de galeria, cerrado sensu stricto e cerradão. O cerradão corresponde a“floresta mesófila esclerófila”, formado pela maior parte por espécies arbóreas, arbustos e ervas, com poucas gramíneas, sendo esse ecossistema constituído pela presença preferencial de espécies que ocorrem no cerrado sensu stricto e também por espécies de florestas, particularmente as de Mata Seca Semidecídua e de Mata de Galeria não inundável (CARVALHO et al., 2016CARVALHO, M. A. F. et al. Florística, fitossociologia e estrutura diamétrica de um remanescente florestal no município de Gurupi, Tocantins. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, [s. l.], v. 11, n. 4, p. 59-66, 2016.). Em geral, o cerradão é uma formação florestal com copa contínua (BORGES; RODRIGUES; LEITE, 2019BORGES, M. G.; RODRIGUES, H. L. A.; LEITE, M. E. Sensoriamento remoto aplicado ao mapeamento do Cerrado no Norte de Minas Gerais e suas fitofisionomias. Caderno de Geografia, [s. l.]v.29, n. 58, p. 819-835, 2019.). Qualea grandiflora Mart. ou popularmente conhecida como pau-terra-grande é representante da família botânica Vochysiaceae. Em termos medicinais, a planta é utilizada contra diarreia, cólicas intestinais, amebíase (AYRES et al., 2008AYRES, M. C. C. et al. Constituintes químicos das folhas de Qualea grandiflora: atribuição dos dados de RMN de dois flavonóides glicosilados acilados diastereoisoméricos. Química Nova, São Paulo, v. 31, n. 6, p. 1481-1484, 2008.) e suas folhas possuem atividade antiprotozoária (CORDEIRO et al., 2017CORDEIRO, T. M. et al. Brazilian cerrado Qualea grandiflora Mart. leaves exhibit antiplasmodial and trypanocidal activities In vitro. Pharmacognosy Magazine, Bangalore, v. 13, n. 52, p. 668-672, 2017.). A espécie também pode ser usada na restauração de áreas degradadas e como planta ornamental.

Santos e Ferreira (2012SANTOS, F. P.; FERREIRA, W. M. Estudo fenológico de Davilla elliptica St. Hill. e Qualea grandiflora Mart. em uma área de Cerrado sentido restrito em Porto Nacional, Tocantins. Interface, Porto Nacional, v. 5, p. 3-14, 2012.) ao avaliarem a fenologia de Qualea grandiflora em cerrado sensu stricto, em Tocantins, registraram que a floração e a produção dos frutos ocorreram em meio a estação chuvosa, enquanto a maturação dos frutos ocorreu durante o período seco. As espécies vegetais podem apresentar variações fenológicas em função da fitofisionomia em que ocorrem, podendo assim apresentar comportamento reprodutivo diferente, como por exemplo, em cerradão. Dessa forma, faz-se necessário estudos dessa natureza em fitofisionomias distintas, não apenas para entender o comportamento fenológico das espécies vegetais nas condições climáticas atuais, mas para compreender os impactos que essas mudanças possam causar na vegetação (MORELLATO et al., 2016MORELLATO, L. P. C. et al. Linking plant phenology to conservation biology. Biological Conservation, Washington, v. 195, p. 60-72, 2016.). Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi investigar a correlação entre as variáveis climáticas (temperatura e precipitação) com as fenofases reprodutivas de Qualea grandiflora e sua sazonalidade, em fisionomia cerradão.

2. Material e métodos

2.1 Área de estudo e condições climáticas

O estudo foi realizado em fragmento de Cerrado pertencente à Universidade de Rio Verde (17°47’12”S e 50°57’48”W), localizado no município de Rio Verde, Goiás, Brasil. A área de estudo é composta pelas duas principais fisionomias do Cerrado, cerrado sensu stricto e cerradão. Este estudo inclui avaliações fenológicas de Qualea grandiflora somente na fisionomia cerradão, devido a sua maior abundância. Segundo Alvares, Sentelhas e Stape (2018ALVARES, C. A.; SENTELHAS, P. C.; STAPE, J. L. Modeling monthly meteorological and agronomic frost days, based on minimum air temperature, in Center-Southern Brazil. Theoretical and Applied Climatology, [s. l.], v. 134, p. 177-191, 2018.), a região apresenta clima do tipo Aw (tropical típico), com um período úmido (outubro a abril) e outro seco (maio a setembro), com temperatura do mês mais frio superior a 18°C e precipitação pluviométrica inferior a 2.000 milímetros anuais.

2.2 Seleção de indivíduos e eventos avaliados

As observações fenológicas foram realizadas em 15 indivíduos adultos de Qualea grandiflora. As observações ocorreram mensalmente, entre julho de 2016 e julho de 2018, para registrar a presença e ausência e a intensidade de cada evento reprodutivo: botão floral, flor aberta (antese), fruto imaturo e maduro (fruto aberto e seco).

2.3 Análise dos dados

Para avaliar a intensidade das fenofases reprodutivas utilizou-se o percentual de Fournier (1974FOURNIER, L. A. Un método cuantitativo para la medición de características fenológicas em arbóles. Turrialba, San José, v. 24, n. 4, p. 422-423, 1974.), em que foi calculado mensalmente através do somatório dos valores individuais das categorias de intensidade dos indivíduos em cada evento. Dessa forma, foi possível avaliar individualmente cada fenofase, por meio de uma escala composta por categorias 0 = ausência do evento fenológico; 1 = presença do evento fenológico equivalenteentre 1 e 25%; 2 = presença do evento fenológico equivalente entre 26 e 50%; 3 = presença do evento fenológico equivalente entre 51 e 75%; e 4 = presença do evento fenológico equivalente entre 76 e 100%.

Para avaliar a sincronia utilizou-se o método de presença/ausência, que indica a porcentagem de indivíduos em evento fenológico. Considerando evento fenológico assincrônico: < 20% dos indivíduos da população apresentando a fenofase; pouco sincrônico 20-60% dos indivíduos e muito sincrônico > 60% de indivíduos (BENCKE; MORELLATO, 2002BENCKE, C. S. C.; MORELLATO, L. P. C. Comparação de dois métodos de avaliação da fenologia de plantas, sua interpretação e representação. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 269-275, 2002. ).

2.4 Variáveis climáticas e correlação

A correlação de Spearman (ZAR, 1999ZAR, J. H. Biostatistical analysis. Nova Jersey: Prentice Hall, 1999. 929 p.) foi utilizada para verificar a existência ou não de dependência/influência entre a intensidade e sincronia de cada fenofase reprodutiva estudada com as variáveis climáticas mensais (temperatura máxima, media e mínima e precipitação) da área de estudo. Os dados climáticos (temperatura e precipitação) do município de Rio Verde foram obtidos pelo banco de dados do Climatempo (2018)CLIMATEMPO. Histórico de dados meteorológicos. São Paulo, 2018. Disponível em: http://www.climatempoconsultoria. com.br/histórico-de-dados-meteorológicos /. Acesso em: 17 jun. 2018.
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, e a correlação foi calculada por meio do software BioEstat 5.0.

2.5 Análise Estatística

Para avaliar a data média das fenofases e a sazonalidade utilizou-se a estatística circular para obter o ângulo médio e o comprimento do vetor r (medida de concentração da fenofase próximo do ângulo médio variando de 0 a 1, em que 0 representa uniformidade total das observações e 1 representa a concentração total das observações ao redor do ângulo médio). O teste de Rayleigh (ZAR, 1999ZAR, J. H. Biostatistical analysis. Nova Jersey: Prentice Hall, 1999. 929 p.) também foi utilizado para avaliar se os ângulos foram distribuídos de forma uniforme durante os anos (MORELLATO; ALBERTI; HUDSON, 2010MORELLATO, L. P. C.; ALBERTI, L. F.; HUDSON, I. L. Applications of circular statistics in plant phenology: a case studies approach. In: HUDSON, I. L.; KEATLEY, M. (org.). Phenological research: methods for environmental and climate change analysis. New York: Springer, 2010. p. 339-359.). Os dados foram considerados significativos quando p ≤ 0,01. A estatística circular foi realizada com o Software Oriana 4.1 (Kovach Computing Services, Ilha de Anglesey, Reino Unido).

3. Resultados e discussão

Durante as observações fenológicas (julho de 2016 a junho de 2018), a temperatura mínima mensal do município de Rio Verde, GO, variou de 14 a 19°C, a média de 21 a 24,5°C e a máxima de 28 a 31°C. Os meses mais quentes foram agosto e setembro, com 31°C para ambos os meses, já os meses mais frios foram junho e julho com 14 e 15° C, respectivamente (Figura 1). Se tratando de precipitação, dezembro e janeiro foram os meses mais chuvosos, com 278 e 265 mm, respectivamente (CLIMATEMPO, 2018CLIMATEMPO. Histórico de dados meteorológicos. São Paulo, 2018. Disponível em: http://www.climatempoconsultoria. com.br/histórico-de-dados-meteorológicos /. Acesso em: 17 jun. 2018.
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).

Figura 1
Precipitação mensal, temperatura máxima, média e mínima do Município de Rio Verde, Goiás, Brasil, entre julho de 2016 e junho de 2018), dados obtidos pelo Climatempo (2018)

A produção de botões florais iniciou em agosto, mês considerado um dos mais quentes (Figura 1), mas as maiores concentrações tanto em intensidades quanto em indivíduos manifestando a fenofase (sincronia) foram registradas durante as chuvas (Figura 2A).

Figura 2
Fenologia reprodutiva de Qualea grandiflora Mart. (Vochysiaceae) em cerradão, Rio Verde, Estado de Goiás, Brasil. A - Índice de Fournier. B - Sincronia dos eventos reprodutivos, entre julho de 2016 e junho de 2018

A data de concentração dos botões florais, de acordo com a estatística circular, ocorreu em novembro. A sazonalidade desse evento para ambos os anos de estudo foi comprovada pelo teste de Rayleigh (Tabela 1). O evento foi considerado altamente sincrônico em outubro, novembro e dezembro no primeiro ano e para a maioria dos meses de ocorrência no segundo ano de acompanhamento (Figura 2B). Tanto a intensidade quanto a sincronia do evento se correlacionaram positivamente com a precipitação e negativamente com a temperatura máxima e média (Tabela 2). No entanto, a correlação encontrada entre botões florais e temperatura máxima e média foram baixas, indicando fraca correlação entre esses fatores.

Tabela 1
Estatística circular dos eventos fenológicos reprodutivos de Qualea grandiflora Mart. (Vochysiaceae) em cerradão, Rio Verde, Estado de Goiás, Brasil, entre julho de 2016 e junho de 2018
Tabela 2
Correlação de Spearman (rs) entre precipitação e temperatura com a intensidade e sincronia dos eventos fenológicos reprodutivos de Qualea grandiflora Mart. (Vochysiaceae) em Cerradão, Rio Verde, Estado de Goiás, Brasil, entre julho de 2016 e junho de 2018

Houve variação para o evento de antese entre os anos de estudo. No primeiro ano, o evento apresentou duração de apenas quatro meses (novembro a início de fevereiro), já no segundo ano, o evento teve maior duração (setembro a janeiro) (Figura 2A). O angulo médio do vetor determinado pela estatítica circular indicou que a data de concentração da fenofase antese corresponde ao mês de dezembro. A fenofase de antese apresentou alta sazonalidade para ambos os anos de estudo (Tabela 1). Essa fenofase foi considerada pouco sincrônica para os dois anos de avaliação (Figura 2B). Tanto a intensidade quanto a sincronia do evento se correlacionaram positivamente com a precipitação e negativamente com as temperaturas da área de estudo (Tabela 2).

A emissão de órgãos florais por Qualea grandiflora durante as chuvas se caracteriza como uma estratégia reprodutiva, já que com a chegada das chuvas há a reidratação dos tecidos, favorecendo a produção de botões florais (BATALHA; MANTOVANI, 2000BATALHA, M. A.; MANTOVANI, W. Reproductive phenological patterns of Cerrado plant species at the Pé-de-Gigante reserve (Santa Rita do Passa Quatro, SP, Brasil): a comparison between the herbaceous and woody floras. Revista Brasileira de Biologia, São Carlos, v. 60, n. 1, p. 129-145, 2000. ) e consequentemente das flores, e o fato de ocorrerem concomitantemente (produção de flores e precipitação) resultou em correlação positiva com a precipitação. Para Pavón e Briones (2001PAVÓN, N. P.; BRIONES, O. Phenological patterns of nine perenial plants in an intertropical semi-arid Mexican scrub. Journal of Arid Environments, London, v. 49, n. 1, p. 265-277, 2001. ), a disponibilidade hídrica é a mais importante dentre os fatores climáticos, em ecossistemas tropicais sazonais, influenciando diretamente os padrões fenológicos das espécies vegetais. Forrest e Miller-Rushing (2010FORREST, J.; MILLER-RUSHING, A. J. Toward a synthetic understanding of the role of phenology in ecology and evolution. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, London, v. 365, n. 1555, p. 3101-3112, 2010. ) também afirmaram que nos trópicos e ambientes áridos, a variação na precipitação é mais provável do que a temperatura para impulsionar padrões fenológicos. Resultados semelhantes ao deste estudo foram registrados para Qualea grandiflora em Tocantins (SANTOS; FERREIRA, 2012SANTOS, F. P.; FERREIRA, W. M. Estudo fenológico de Davilla elliptica St. Hill. e Qualea grandiflora Mart. em uma área de Cerrado sentido restrito em Porto Nacional, Tocantins. Interface, Porto Nacional, v. 5, p. 3-14, 2012.) e Qualea parviflora em Mato Grosso do Sul (FERREIRA et al., 2017FERREIRA, K. R. et al. Fenologia de Qualea parviflora Mart. (Vochysiaceae) em um remanescente de cerrado sensu stricto. Revista de Agricultura Neotropical, Cassilândia, v. 4, n. 3, p. 15-22, 2017. ), ambos em cerrado sensu stricto.

Os eventos de botão floral e antese em Qualea grandiflora se mostraram influenciados negativamente pela temperatura. Essa correlação pode ser explicada pelo fato de que ambos os eventos tiveram início logo após os meses mais frios. Por outro lado, os eventos se correlacionaram de forma positiva com a variação pluviométrica da área de estudo. Isso fez com que os eventos se mostrassem altamente dependentes dessa estação do ano e por isso se comportaram como sazonais.

Mantovani e Martins (1988MANTOVANI, W.; MARTINS, F. R. Variações fenológicas das espécies do cerrado da Reserva Biológica de Moji Guaçú, Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Botânica , Feira de Santana, v. 11, n. 1, p. 101-112, 1988.) ressaltaram que o período de floração é uma adaptação da espécie à dispersão de seus diásporos, que seria implementada quando os agentes dispersores tivessem ótimas condições para sua ação. Dessa forma, os botões florais e antese ocorrem no início do período chuvoso, de forma a garantir sua polinização antes do período chuvoso atingir seu ápice. Além disso, Qualea grandiflora floresce no início da estação chuvosa para que haja tempo suficiente para que seus frutos se desenvolvam e amadureçam de preferência na estação seca, estação esta que oferece as condições ideais para a deiscência de seus frutos e dispersão das sementes. Comportamento semelhante em termos de floração e frutificação foi encontrado em Hymenaea stigonocarpa em cerrado sensu stricto em Goiás (SILVA, 2018SILVA, P. O. Fenologia reprodutiva de Hymenaea stigonocarpa Mart ex Hayne (Fabaceae) em cerrado sensu stricto. Acta Biológica Catarinense, Univille, v. 5, n. 2, p. 89-97, 2018. ), pois mesmo que suas sementes sejam dispersas por animais, seus frutos, assim como os de Qualea grandiflora, também necessitam do período seco para o dessecamento do pericarpo de forma a facilitar a dispersão.

A fenofase de frutos imaturos foi a que apresentou maior duração quando comparado aos demais eventos. O mesmo não foi limitado a uma única estação, dessa forma, foram registrados frutos imaturos praticamente durante todo o ano (Figura 2A). O ângulo médio do vetor indica que a data de concentração da fenofase ocorreu em abril. Segundo o teste de Rayleigh, este mesmo evento apresentou sazonalidade moderada para ambos os anos de registro (Tabela 1). A produção de frutos foi considerada sincrônica na maioria dos meses em que ocorreu (Figura 2B) e as menores intensidades e sincronias foram registradas na estação chuvosa, o que culminou em correlação negativa com a precipitação (Tabela 2).

A maturação dos frutos também foi registrada em ambas as estações do ano, tanto seca quanto chuvosa (Figura 2A). O evento não foi registrado entre fevereiro e maio para o primeiro ano e dezembro a abril no segundo ano. O ângulo médio do vetor indica que a data média da concentração do evento ocorreu em junho. E em termos de sazonalidade este evento foi considerado significativamente sazonal pelo teste de Rayleigh (Tabela 1). Além disso, foi considerado altamente sincrônico em ambos os anos de estudo (Figura 2B) e as maiores intensidades ocorreram nos meses mais frios e secos do ano, junho e julho, culminando em correlação positiva com a temperatura mínima (Tabela 2).

A fenofase “frutos maduros” de Qualea grandiflora foi a mais duradoura quando comparada com as demais, ocorrendo tanto no período chuvoso quanto seco, isso indicou ao evento sazonalidade moderada. Em Kielmeyera regalis (RANIERI et al., 2012RANIERI, B. D. et al.Fenologia reprodutiva, sazonalidade e germinação de Kielmeyera regalis Saddi (Clusiaceae), espécie endêmica dos campos rupestres da Cadeia do Espinhaço, Brasil. Acta Botânica Brasílica, Feira de Santana, v. 26, n. 3, p. 632-641, 2012. ), Qualea parviflora (FERREIRA et al., 2017FERREIRA, K. R. et al. Fenologia de Qualea parviflora Mart. (Vochysiaceae) em um remanescente de cerrado sensu stricto. Revista de Agricultura Neotropical, Cassilândia, v. 4, n. 3, p. 15-22, 2017. ) e Hymenaea stigonocarpa (SILVA, 2018SILVA, P. O. Fenologia reprodutiva de Hymenaea stigonocarpa Mart ex Hayne (Fabaceae) em cerrado sensu stricto. Acta Biológica Catarinense, Univille, v. 5, n. 2, p. 89-97, 2018. ) a floração também foi registrada durante a estação chuvosa enquanto a maturação dos frutos ocorreu em maior intensidade na época de seca. Santos e Ferreira (2012SANTOS, F. P.; FERREIRA, W. M. Estudo fenológico de Davilla elliptica St. Hill. e Qualea grandiflora Mart. em uma área de Cerrado sentido restrito em Porto Nacional, Tocantins. Interface, Porto Nacional, v. 5, p. 3-14, 2012.) registraram resultados semelhantes ao deste estudo ao avaliarem a reprodução de Qualea grandiflora em cerrado sensu stricto, no Tocantins. Segundo Rathcke e Lacey (2003RATHCKE, B. J.; LACEY, E. P. Phenological patterns of terrestrial plants. Annual Review of Ecology and Systematics, Palo Alto, v. 16, n. 1, p. 179-214, 2003. ), a maturação dos frutos na época mais seca do ano também pode estar relacionada às condições menos propícias aos predadores de frutos e parasitas. Mas o fator mais importante para as maiores intensidades de frutos maduros ocorrerem no período mais seco do ano, é a necessidade da diminuição do teor de água da semente, garantindo a sua maturidade fisiológica (SILVA, 2018SILVA, P. O. Fenologia reprodutiva de Hymenaea stigonocarpa Mart ex Hayne (Fabaceae) em cerrado sensu stricto. Acta Biológica Catarinense, Univille, v. 5, n. 2, p. 89-97, 2018. ). Para o teor de água reduzir, as condições ambientais são importantes, como a redução da umidade relativa do ar (FELSEMBURGH; PELEJA; CARMO, 2016 FELSEMBURGH, C. A. V. L.; PELEJA, V. L.; CARMO, J. B. Fenologia de Aniba parviflora (Meins.) Mez. em uma região do estado do Pará, Brasil. Biota Amazônica, Macapá, v. 6, n. 3, p. 31-39, 2016. ). Essas condições são extremamente importantes para as espécies anemocóricas que apresentam diásporos alados como Qualea grandiflora (MASSI, 2016MASSI, K. G. Asas, plumas e paetês: como é a frutificação das espécies anemocóricas de uma área de cerrado, de acordo com o tipo de diásporo? Neotropical Biology and Conservation, São Leopoldo, v. 211, n. 2, p. 86-93, 2016. ).

Os eventos menos sazonais de Qualea grandiflora foram os frutos imaturos e maduros. Os frutos maduros dependeram das condições de seca para maturação dos frutos e das sementes e com isso maximizaram sua dispersão. Dessa forma, Qualea grandiflora apresenta estratégias que potencializam a dispersão de propágulos em cerradão favorecendo a manutenção da espécie no Cerrado. Com base nos resultados obtidos neste estudo, pode-se coletar sementes de Qualea grandiflora em maior quantidade e com maior homogeneidade anualmente durante os meses de junho, julho e agosto em formação florestal de cerradão.

4. Conclusão

Em cerradão, os eventos reprodutivos de Qualea grandiflora se correlacionaram com as condições climáticas (temperatura e precipitação), de modo que a espécie utiliza essa influência para potencializar suas chances de reprodução, através de estratégias, como florir na estação mais úmida e dispersar seus propágulos no período menos úmido. Além disso, todos os eventos, com exceção de frutos imaturos, foram sazonais.

Agradecimentos

Agradecemos ao Laboratório de Sistemática e Ecologia Vegetal - Herbário e ao Instituto Federal Goiano, campus Rio Verde pela oportunidade e apoio.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2019
  • Aceito
    07 Out 2020
  • Publicado
    01 Jun 2021
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