Acessibilidade / Reportar erro

Teores de carbono em espécies florestais da Caatinga

Carbon contents in Caatinga forest species

RESUMO

Objetivou-se quantificar os teores de C nos reservatórios da biomassa vegetal de diferentes espécies da Caatinga, floresta tropical seca do Nordeste do Brasil. Foi realizado um estudo florístico e fitossociológico prévio e selecionadas nove espécies de maior densidade absoluta, que representou 87% do fragmento. Foram amostradas biomassa dos compartimentos folhas e lenho de cada uma das espécies para determinação do teor de C. Como resultado, houve diferença nos teores foliares de C entre as espécies. O teor de C foliar das espécies variou entre 448,0 e 454,3 g C por kg de biomassa seca e o teor de C do lenho das espécies variou entre 451,4 e 453,1 g C por kg de biomassa seca. Esses resultados sugerem a utilização de fator de conversão de biomassa para carbono específico por espécie em Caatinga, como alternativa ao fator genérico de 50% recomendado pelo IPCC. Esta pesquisa revela que o uso do fator recomendado pelo IPCC superestima estoques de C em Caatinga. Mais estudos são encorajados para confirmar esse resultado.

Palavras-chave:
Concentração de carbono; Sequestro de carbono; Floresta tropical seca; Teor de carbono nas folhas; Teor de carbono no lenho

ABSTRACT

This study aimed to quantify the carbon contents in biomass reservoirs of different species in a Tropical Dry Forest located in Northeast, Brazil. We developed a previous floristic and phytosociological study and selected the nine highest absolute density (AD) species of the fragment, representing 87% of the fragment AD. We sampled the leaves and stem tissues of each species for carbon content determination. As result, the leaf C content differed between the species. The C leaf content ranged between 448.0 and 454.3 g C per kg of dry biomass. The C stem content varied between the species from 451.4 to 453.1 g C per kg of dry biomass. Our results suggest the use of a species-specific biomass-carbon conversion factor in Caatinga, as an alternative to the 50% factor recommended by the IPCC. This research reveals that the use of the factor recommended by the IPCC overestimates C stocks in Caatinga. Further studies are encouraged to confirm this result.

Keywords:
Carbon concentration; Carbon sequestration; Tropical Dry Forest; Leaf C content; Stem C content

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos séculos, a concentração de carbono (C) na atmosfera tem aumentado, sobretudo pela aceleração das atividades industriais e expansão agrícola, consequente do desmatamento de áreas florestais (USSIRI; LAL, 2017USSIRI, D.; LAL, R. Introduction to global carbon cycling: an overview of the global carbon cycle. In: USSIRI, D.; LAL, R. CARBON Sequestration for climate change mitigation and adaptation. Springer, 2017. p. 61-76.). Esse incremento de C, principalmente na forma de dióxido de C (CO2) e outros gases, tem intensificado o efeito estufa e favorecido o aquecimento global.

As florestas tropicais são conhecidas por desempenhar um papel importante no ciclo global do C, armazenando aproximadamente 46% da reserva terrestre de C do mundo e aproximadamente 12% da reserva de C do solo, atuando como um reservatório de C e funcionando como um sumidouro constante do C atmosférico (BROWN; LUGO, 1982BROWN, S.; LUGO, A. The storage and production of organic matter in tropical forests and their role in the global carbon cycle. Biotropica, Hoboken, v. 14, p. 161-187, 1982.; SOEPADMO, 1993SOEPADMO, E. Tropical rain forests as carbon sinks. Chemosphere, Oxford, v. 27, p. 1025-1039, 1993.; VASHUM; JAYAKUMAR, 2012VASHUM, K. T.; JAYAKUMAR, S. Methods to estimate above-ground biomass and carbon stock in natural forests-a review. Journal of Ecosystem & Ecography, v. 2, 2012. p. 116-123. DOI: 10.4172 / 2157-7625.1000116.
https://doi.org/10.4172 / 2157-7625.1000...
). Por essa razão, as florestas tropicais e subtropicais são consideradas os ecossistemas de estratégico interesse para estudos científicos de grande abrangência, como o sequestro de C. Contudo, ainda assim, são os ecossistemas mais ameaçados por ações antrópicas no mundo.

De acordo com Pearson et al. (2017PEARSON, T. R. H. et al. Greenhouse gas emissions form tropical forest degradation: an underestimated source. Carbon Balance Management, v. 12, p. 1-11, 2017. DOI: 10.1186/s13021-017-0072-2.
https://doi.org/10.1186/s13021-017-0072-...
), um total de 2,1 Gt de CO2 foram emitidos em 2016 pela degradação das florestas tropicais e subtropicais por 74 países, incluindo o Brasil, e aproximadamente 25% desse total está relacionado ao desmatamento. No Brasil, a floresta tropical seca de Caatinga vem sendo há muitas décadas degradada pelo corte excessivo para aproveitamento da madeira e/ou cultivos agrícolas de subsistência (MOURA et al., 2016MOURA, P. M. et al. Carbon and nutrient fluxes through litterfall at four succession stages of Caatinga dry forest in Northeastern Brazil. Nutrient Cycling in Agroecosystems, Dordrecht, v. 105, p. 25-38, 2016. DOI: https://doi.org/10.1007/s10705-016-9771-4.
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). A degradação dessa floresta reflete negativamente em muitos aspectos, principalmente na captura e emissões de CO2 e armazenamento de C.

Valores específicos dos teores de C da biomassa de espécies florestais tropicais são essenciais para estimativas precisas dos estoques de C desses ecossistemas. A maior parte dos estudos de estoques de carbono nessas formações florestais assumem o teor de C de 50% genericamente estabelecido pelo IPCC (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2006INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Intergovernmental Panel on Climate Change Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, 2006. v. 4. 83 p. Disponível em: https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/vol4.html. Acesso em: 17 mar. 2021.
https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public...
). Entretanto, o uso dessa proporção pode induzir a erros nas estimativas de estoque de carbono, superestimando ou subestimando esses depósitos, como observado em estudos ao redor do globo (THOMAS; MALCZEWSKI, 2007THOMAS, S. C.; MALCZEWSKI, G. Wood carbon content of tree species in Eastern China: Interspecific variability and the importance of the volatile fraction. Journal of Environmental Management, London, v. 85, n. 3, p. 659-662, 2007.; MARTIN; THOMAS, 2011 MARTIN, A. R.; THOMAS, S. C. A reassessment of carbon content in tropical trees. PloS one, v. 6, n. 8, e23533, 2011.; DALLAGNOL et al., 2012DALLAGNOL, F. S. et al. Teores de carbono de cinco espécies florestais e seus compartimentos. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 18, n. 4, p. 410-416, 2012.; SANER et al., 2012SANER, Philippe et al. Carbon stocks and fluxes in tropical lowland dipterocarp rainforests in Sabah, Malaysian Borneo. PloS one , v. 7, n. 1, e29642, 2012.; MA et al., 2018MA, S. et al. Variations and determinants of carbon content in plants: a global synthesis. Biogeosciences, v. 15, n. 3, p. 693-702, 2018.).

Do mesmo modo, há a necessidade de reunir mais informações sobre os teores de carbono específicos em diferentes compartimentos da biomassa de espécies florestais tropicais. Por essa razão, a quantificação dos teores de C em tecidos de espécies da Caatinga é indispensável para um melhor entendimento do potencial de captura e sequestro de C dessa vegetação e para a compreensão do papel da Caatinga no ciclo global de C. Com isso, torna-se fundamental quantificar os teores de C na biomassa em áreas de floresta tropical seca para compreender os processos que afetam o seu equilíbrio, visando identificar a magnitude dos impactos da degradação dos ecossistemas florestais frente às mudanças climáticas. Presume-se que esse conhecimento também possa ser incorporado ao planejamento ambiental e manejo florestal para auxiliar na mitigação desses processos antrópicos e/ou naturais, assim como na determinação das espécies-chave para conservação e sequestro de C.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi quantificar os teores de C nos reservatórios da biomassa vegetal de diferentes espécies em floresta tropical seca no Nordeste do Brasil. Neste estudo, testou-se a hipótese de que o uso do valor genérico de 500 g C kg-1 estabelecido pelo IPCC (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2006INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Intergovernmental Panel on Climate Change Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, 2006. v. 4. 83 p. Disponível em: https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/vol4.html. Acesso em: 17 mar. 2021.
https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public...
) para o teor de C nas folhas e lenho das espécies da floresta tropical seca brasileira avaliadas superestima os estoques de C para este ecossistema.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Descrição da área de estudo

O estudo foi desenvolvido em um fragmento preservado de floresta tropical seca, localizado no estado de Pernambuco. A caracterização edafoclimática e localização geográfica da área de estudo estão resumidas na Tabela 1.

Tabela 1
Localização e características das áreas no ambiente seco e úmido

2.2 Teor de carbono

Foram selecionadas espécies de maior densidade absoluta baseado no levantamento florístico e fitossociológico dos indivíduos adultos realizado previamente por Santos (2018SANTOS, W. B. Vegetação lenhosa em altitudes no semiárido pernambucano: estrutura, potencial energético e fatores ambientais. 2018. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2018.). Das 29 espécies cadastradas no levantamento, selecionou-se nove espécies de maior densidade absoluta (Tabela 2) por representar aproximadamente 87% da densidade absoluta do fragmento florestal.

Tabela 2
Espécie, densidade absoluta, altura média, diâmetro a altura do peito e densidade básica da madeira das espécies

No fragmento florestal, foram utilizadas 20 parcelas de 10 m x 25 m (250 m2), distribuídas de forma sistemática (Figura 1), onde foram selecionados os indivíduos para a amostragem das folhas e lenho de cada uma das espécies para determinação do teor de C.

Figura 1
Esquema de amostragem das plantas utilizadas para coleta de folhas e lenho

Foram selecionados de cada espécie quatro indivíduos sadios, semelhantes quanto ao porte e ao desenvolvimento vegetativo. Esses indivíduos foram selecionados com base em seus valores de altura (Ht) e diâmetro a altura do peito (DAP) (Tabela 2), representando a média dos demais indivíduos. Destes, foram amostradas as folhas recém-maduras e sadias localizadas nos quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste) do terço médio superior da copa das árvores, assim como amostras de 5 cm de espessura do lenho por meio do método não destrutivo utilizando trado e broca de aço rápido.

Foram analisadas 216 amostras, para as nove espécies, dois compartimentos e três repetições de cada um dos quatro indivíduos selecionados. As amostras foram secas em estufa à temperatura de 70ºC, até peso constante. Após a secagem, foram determinados os pesos secos de cada amostra. As amostras foram trituradas em moinho tipo Wiley até adquirir consistência de pó, material utilizado na determinação dos teores de carbono. A determinação dos teores de carbono nas amostras foi realizada pelo método de combustão seca, utilizando o equipamento marca LECO, modelo C-144, do Laboratório Biofix da UFPR. Esse método consiste na combustão de amostras de 100 mg de material sólido e detecção da quantidade de dióxido de carbono gerado por meio de um sensor, gerando automaticamente a quantidade de carbono elementar existente na amostra.

2.3 Análise estatística

Os dados foram testados quanto a sua normalidade e homocedasticidade, pressupostos exigidos para a análise de variância (ANOVA). Utilizou-se os testes de Shapiro-Wilk (SHAPIRO; WILK, 1965SHAPIRO, S. S.; WILK, M. B. An analysis of variance test for normality (complete samples). Biometrika, v. 52, p. 591-611, 1965. DOI: 10.2307/2333709.
https://doi.org/10.2307/2333709....
) e Levene (BROWN; FORSYTHE, 1974BROWN, M. B.; FORSYTHE, A. B. Robust tests for the equality of variances. Journal of the American Statistical Association, New York, v. 69, p. 364-367, 1974.), respectivamente (ambos ao nível de 5% de probabilidade).

Para o teor de C dos compartimentos folhas e lenho entre as espécies, os dados foram submetidos à ANOVA empregando-se o teste F ao nível de 5% de probabilidade. Quando significativas, as médias foram comparadas pelo teste de Scott-Knott ao nível de 5% de probabilidade.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Folhas

Em relação aos teores de C por espécie, verificou-se que houve diferença nos teores foliares de C entre as espécies (Figura 2). O teor de C foliar das espécies variou entre 448,0 e 454,3 g kg-1 para Metrodorea mollis e Guapira opposita, respectivamente. A Guapira opposita apresentou o maior teor de C, porém não se diferenciou das demais espécies, exceto da Metrodorea mollis que apresentou o menor teor (Figura 2). Provavelmente, menores concentrações de componentes ricos em C como amidos, resinas, lignina e celulose na Metrodorea mollis podem explicar esses resultados. As folhas são os órgãos mais ativos devido à fotossíntese, por essa razão as concentrações de C podem oscilar de acordo com as condições climáticas, idade e tempo.

Figura 2
Teor de carbono nas folhas das espécies florestais de maior densidade absoluta do fragmento de floresta tropical seca

Resultados superiores foram encontrados por Vieira et al. (2009VIEIRA, G. et al. Teores de carbono em espécies vegetais da caatinga e do cerrado. Revista Acadêmica Ciência Animal, v. 7, p. 145-155, 2009. DOI: 10.7213/cienciaanimal.v7i2.9846
https://doi.org/10.7213/cienciaanimal.v7...
) para espécies da Caatinga (473,9 g kg-1 de C). As espécies estudadas por Vieira et al. (2009) foram diferentes das espécies deste estudo. Além disso, as diferentes condições edafoclimáticas na área de estudo podem explicar a variabilidade dos teores observados. Por outro lado, Lana et al. (2019LANA, M. D. et al. Carbon Content in Shrub-tree Species of the Caatinga. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 26, n. 2, e20170617, 2019.) ao avaliarem o teor de C nas folhas de oito espécies da Caatinga diferentes destes estudos observaram teores médios variando entre 430 e 491 g kg-1 de C.

Ainda são escassos estudos sobre armazenamento de C na fitomassa de espécies da Caatinga e a maior parte dos existentes utilizam teores de C pré-estabelecidos. Na ausência de fator de conversão de biomassa para carbono específico por tipologia ou espécie florestal, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) recomenda um fator genérico de 50% (PENMAN et al., 2003 PENMAN, J. et al. (ed.). Good practice guidance for land use, land-use change and forestry. Kanagawa: IPCC, 2003.). O teor de C médio para as folhas das espécies avaliadas foi 452,2 g C kg-1, o que sugere que o uso desse valor genérico superestima os estoques de C para as espécies desse ecossistema de floresta tropical seca e dificultam a estimativa da magnitude de sequestro de C por este ecossistema.

Os resultados demonstram que os teores foliares de C variaram entre as espécies e são menores que 500 g kg-1. Dessa forma, sugere-se o uso de estimativas de teores de C específicos para as folhas de espécies deste ecossistema, em contrapartida do valor sugerido pelo IPCC.

A variabilidade do teor de C entre as espécies do fragmento pode ser explicada por características morfofisiológicas específicas, principalmente relacionadas à proporção dos diferentes compostos orgânicos nos tecidos vegetais, como lignina, celulose, açúcares e carboidratos não estruturais (POORTER; BERGKOTTE, 1992POORTER, H.; BERGKOTTE, M. Chemical composition of 24 wild species differing in relative growth rate, Plant Cell Environmental, v. 15, p. 221-229, 1992.).

Os teores de C nas folhas de espécies florestais ao redor do mundo são influenciados pelas condições ambientais da região e fatores fisiológicos de cada espécie (LANA et al., 2019LANA, M. D. et al. Carbon Content in Shrub-tree Species of the Caatinga. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 26, n. 2, e20170617, 2019.), mas geralmente não ultrapassam 500 g kg-1 de C. Ma et al. (2018MA, S. et al. Variations and determinants of carbon content in plants: a global synthesis. Biogeosciences, v. 15, n. 3, p. 693-702, 2018.) compilaram dados globais de teor de C em tecidos vegetais de diferentes formas de vida, verificando teor de C médio para as folhas das florestas variando entre 472,5 g kg-1 em florestas decíduas e 502,5 g kg-1 em florestas de coníferas, relacionando esses resultados as diferentes concentrações de compostos de lignina e celulose nas folhas das diferentes espécies e tipos de florestas.

Os resultados do estudo de Pompa-García et al. (2017)POMPA-GARCIA, M. et al. Tissue carbon concentration of 175 Mexican forest species. iForest-Biogeosciences and Forestry, v. 10, n. 4, p. 754, 2017. mostraram que os teores de C são maiores nas espécies localizadas nas regiões mais secas das zonas áridas e semiáridas. Os autores avaliaram as concentrações de C nos tecidos de 175 espécies de florestais mexicanas.

3.2 Lenho

O teor de C do lenho das espécies da Caatinga variou entre 451,4 e 453,1 g kg-1 (Figura 3). Não foi verificada diferença em relação ao teor de C do lenho das espécies. Entretanto, de forma geral, a espécie Annona leptopetala apresentou o maior teor de C e Croton limae o menor.

Figura 3
Teor de carbono no lenho das espécies florestais de maior densidade absoluta do fragmento de floresta tropical seca

Da mesma forma que ocorreu para o compartimento folhas, o teor de C médio para o lenho das espécies avaliadas foi 452,2 g kg-1, abaixo do valor genérico recomendado pelo IPCC. Esse resultado sugere que a adoção do valor genérico de 500 g kg-1 superestima os estoques de C e os dados de potencial sequestro de C no lenho destas espécies de floresta tropical seca.

Esses resultados são consistentes com aqueles constatados por outros autores em florestas tropicais secas. Por isso, assim como para o compartimento folhas, recomenda-se o uso de estimativas específicas para os teores de C do lenho das espécies deste ecossistema. Lana et al. (2019LANA, M. D. et al. Carbon Content in Shrub-tree Species of the Caatinga. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 26, n. 2, e20170617, 2019.) ao avaliarem o teor de C no lenho de oito espécies da Caatinga diferentes deste estudo observaram teores médios variando entre 448 e 485 g kg-1. Vieira et al. (2009VIEIRA, G. et al. Teores de carbono em espécies vegetais da caatinga e do cerrado. Revista Acadêmica Ciência Animal, v. 7, p. 145-155, 2009. DOI: 10.7213/cienciaanimal.v7i2.9846
https://doi.org/10.7213/cienciaanimal.v7...
) encontraram resultados inferiores (437,5 g kg-1 de C) para o fuste de dez espécies da Caatinga diferentes das avaliadas neste estudo.

Entre os vários tecidos produzidos pelas plantas, o lenho das árvores tem capacidade de estocar grandes quantidades de C, relacionado a diferente composição química desses tecidos. A fixação de C nas espécies varia de acordo com as condições ambientais e as intrínsecas características morfofisiológicas. Assim, as condições climáticas da área de ocorrência do indivíduo e o tipo de espécie influenciam a alocação de C. Plantas com características ecofisiológicas similares são esperadas a possuir, internamente, um comportamento semelhante durante o processo de alocação de C (WRIGHT et al., 2006WRIGHT, J. P. et al. Conventional functional classification schemes underestimate the relationship with ecosystem functioning. Ecology Letters, Oxford, v. 9, p. 111-120, 2006. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1461-0248.2005.00850.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
).

3.3 Folhas versus Lenho

Os teores de C médios dos tecidos lenho e folhas das espécies da Caatinga não diferiram entre si (Figura 4). Em média, o tecido do lenho teve teor de C de 452,38 g kg-1 e as folhas 452,36 g kg-1 (Figura 4).

Figura 4
Teor médio de carbono nos compartimentos folhas e lenho das espécies florestais de maior densidade absoluta do fragmento de floresta tropical seca

Dentro de um determinado indivíduo, a concentração de C pode variar entre os tecidos vegetais, dependendo em maior extensão da composição química desses tecidos do que da idade ou tamanho da planta (BERT; DANJON, 2006BERT, D.; DANJON, F. Carbon concentration variations in the roots, stem and crown of mature Pinus pinaster (Ait.). Forest Ecology and Management, Amsterdam, v. 222, n. 1/3, p. 279-295, 2006.). Os resultados deste estudo demonstraram que para a floresta seca, provavelmente, as concentrações dos componentes de C dos tecidos vegetais (lignina e celulose) não foram suficientes para diferenciá-los, o que pode estar relacionado às condições abióticas, como disponibilidade hídrica na região. De acordo com Ma et al. (2018MA, S. et al. Variations and determinants of carbon content in plants: a global synthesis. Biogeosciences, v. 15, n. 3, p. 693-702, 2018.), os tecidos de órgãos com maior teor de lignina e celulose (lenho) tendem a apresentar maiores teores de C em comparação com tecidos com baixo de teor de lignina. Esses resultados sugerem a utilização de estimativas específicas de concentrações de C para diferentes espécies como alternativa aos valores pré-estabelecidos, para evitar superestimativas de estoques de C que terá consequências para os estudos globais de sequestro de C.

4 CONCLUSÕES

As concentrações de C nas folhas das espécies arbóreas da floresta tropical seca avaliada diferiram entre as espécies. A utilização do teor de C pré-estabelecido (500 g kg-1) pode gerar estimativas superiores aos teores reais para as espécies estudadas.

Sugere-se a utilização de estimativas específicas por espécie de concentrações de C como alternativa aos valores pré-estabelecidos pelo IPCC, para evitar superestimativas de estoques de C que poderão impactar os estudos de sequestro e estocagem de C em ecossistemas de floresta tropical seca, bem como as estimativas globais de C armazenado em ecossistemas de florestas tropicais.

Recomendamos também testar a superestimativa decorrente da adoção dessa premissa em outros ecossistemas e espécies da floresta tropical seca para confirmar esses resultados.

REFERÊNCIAS

  • AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMA. APAC. Recife, 2019. Disponível em: http://www.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php Acesso em: 07 dez. 2019.
    » http://www.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php
  • ALVARES, C. A. et al. Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, Berlin, v. 22, p. 1-18, 2003. DOI: 10.1127/0941-2948/2013/0507
    » https://doi.org/10.1127/0941-2948/2013/0507
  • BERT, D.; DANJON, F. Carbon concentration variations in the roots, stem and crown of mature Pinus pinaster (Ait.). Forest Ecology and Management, Amsterdam, v. 222, n. 1/3, p. 279-295, 2006.
  • BROWN, M. B.; FORSYTHE, A. B. Robust tests for the equality of variances. Journal of the American Statistical Association, New York, v. 69, p. 364-367, 1974.
  • BROWN, S.; LUGO, A. The storage and production of organic matter in tropical forests and their role in the global carbon cycle. Biotropica, Hoboken, v. 14, p. 161-187, 1982.
  • DALLAGNOL, F. S. et al. Teores de carbono de cinco espécies florestais e seus compartimentos. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 18, n. 4, p. 410-416, 2012.
  • EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. 5. ed. Brasília, 2018. 590 p.
  • INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Intergovernmental Panel on Climate Change Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, 2006. v. 4. 83 p. Disponível em: https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/vol4.html Acesso em: 17 mar. 2021.
    » https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/vol4.html
  • LANA, M. D. et al. Carbon Content in Shrub-tree Species of the Caatinga. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 26, n. 2, e20170617, 2019.
  • MA, S. et al. Variations and determinants of carbon content in plants: a global synthesis. Biogeosciences, v. 15, n. 3, p. 693-702, 2018.
  • MARTIN, A. R.; THOMAS, S. C. A reassessment of carbon content in tropical trees. PloS one, v. 6, n. 8, e23533, 2011.
  • MOURA, P. M. et al. Carbon and nutrient fluxes through litterfall at four succession stages of Caatinga dry forest in Northeastern Brazil. Nutrient Cycling in Agroecosystems, Dordrecht, v. 105, p. 25-38, 2016. DOI: https://doi.org/10.1007/s10705-016-9771-4.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10705-016-9771-4
  • PEARSON, T. R. H. et al. Greenhouse gas emissions form tropical forest degradation: an underestimated source. Carbon Balance Management, v. 12, p. 1-11, 2017. DOI: 10.1186/s13021-017-0072-2.
    » https://doi.org/10.1186/s13021-017-0072-2.
  • PENMAN, J. et al. (ed.). Good practice guidance for land use, land-use change and forestry. Kanagawa: IPCC, 2003.
  • POMPA-GARCIA, M. et al. Tissue carbon concentration of 175 Mexican forest species. iForest-Biogeosciences and Forestry, v. 10, n. 4, p. 754, 2017.
  • POORTER, H.; BERGKOTTE, M. Chemical composition of 24 wild species differing in relative growth rate, Plant Cell Environmental, v. 15, p. 221-229, 1992.
  • SANER, Philippe et al. Carbon stocks and fluxes in tropical lowland dipterocarp rainforests in Sabah, Malaysian Borneo. PloS one , v. 7, n. 1, e29642, 2012.
  • SANTOS, W. B. Vegetação lenhosa em altitudes no semiárido pernambucano: estrutura, potencial energético e fatores ambientais. 2018. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2018.
  • SHAPIRO, S. S.; WILK, M. B. An analysis of variance test for normality (complete samples). Biometrika, v. 52, p. 591-611, 1965. DOI: 10.2307/2333709.
    » https://doi.org/10.2307/2333709.
  • SOEPADMO, E. Tropical rain forests as carbon sinks. Chemosphere, Oxford, v. 27, p. 1025-1039, 1993.
  • THOMAS, S. C.; MALCZEWSKI, G. Wood carbon content of tree species in Eastern China: Interspecific variability and the importance of the volatile fraction. Journal of Environmental Management, London, v. 85, n. 3, p. 659-662, 2007.
  • USSIRI, D.; LAL, R. Introduction to global carbon cycling: an overview of the global carbon cycle. In: USSIRI, D.; LAL, R. CARBON Sequestration for climate change mitigation and adaptation. Springer, 2017. p. 61-76.
  • VASHUM, K. T.; JAYAKUMAR, S. Methods to estimate above-ground biomass and carbon stock in natural forests-a review. Journal of Ecosystem & Ecography, v. 2, 2012. p. 116-123. DOI: 10.4172 / 2157-7625.1000116.
    » https://doi.org/10.4172 / 2157-7625.1000116
  • VIEIRA, G. et al. Teores de carbono em espécies vegetais da caatinga e do cerrado. Revista Acadêmica Ciência Animal, v. 7, p. 145-155, 2009. DOI: 10.7213/cienciaanimal.v7i2.9846
    » https://doi.org/10.7213/cienciaanimal.v7i2.9846
  • WRIGHT, J. P. et al. Conventional functional classification schemes underestimate the relationship with ecosystem functioning. Ecology Letters, Oxford, v. 9, p. 111-120, 2006. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1461-0248.2005.00850.x
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/j.1461-0248.2005.00850.x

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2020
  • Aceito
    18 Maio 2021
Universidade Federal de Santa Maria Av. Roraima, 1.000, 97105-900 Santa Maria RS Brasil, Tel. : (55 55)3220-8444 r.37, Fax: (55 55)3220-8444 r.22 - Santa Maria - RS - Brazil
E-mail: cienciaflorestal@ufsm.br