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Espécies alimentícias e medicinais nativas: produtos florestais não madeireiros e potencial de exploração sustentável

Edible and medicinal native plants: non-timber forest products and sustainable exploitation potential

Resumo

O objetivo deste trabalho foi identificar espécies nativas que produzem alguns recursos florestais não-madeireiros, visando seu manejo e exploração em diferentes sistemas produtivos e possivelmente contribuindo para a geração de renda para pequenos proprietários, bem como a manutenção das áreas florestais. A pesquisa foi realizada na Área de Proteção Ambiental - APA Tejupá, Corumbataí e Botucatu (SP, Brasil), onde ocorrem os biomas Mata Atlântica e Cerrado. A partir da lista de espécies nativas no plano de manejo da APA, identificamos aquelas mencionadas na literatura por seus usos como medicinais e alimentícios. Para avaliar essas espécies, foram selecionadas aquelas que têm interesse de políticas públicas do governo brasileiro, uma vez que já possuem potencial comercial. Por fim, essas espécies de interesse foram avaliadas com base nos parâmetros de uso sustentável (VPES), para analisar a possibilidade de manejar sustentavelmente essas plantas. Do total de 735 espécies identificadas na região, 329 possuem usos alimentícios e medicinais, sendo que 215 espécies são medicinais e 114 podem ser usadas como fonte de alimento. Além disso, 68% dessas espécies são árvores, demonstrando a alta diversidade de espécies que poderiam ser utilizadas em projetos de restauração florestal e sistemas agroflorestais. No entanto, do total de espécies de plantas detectadas, apenas 22 são objeto de políticas públicas, e apenas 6 destas espécies possuem estudos suficientes para exploração sustentável na região de estudo. Pesquisas e políticas públicas voltadas ao manejo e uso de espécies nativas devem ser reforçadas, visando ampliar o conjunto de espécies que podem ser utilizadas e proporcionar benefícios aos proprietários, além da sustentabilidade ecológica.

Palavras-chaves:
Plantas medicinais; Plantas alimentícias; Produtos florestais não madeireiros; VPES

Abstract

The objective of this work was to identify native species that produce non-timber forest resources, aiming at their management and exploration in different productive systems, possibly contributing to income generation for small landowners as well as the maintenance of forest areas. The research was developed in the Environmental Protection Area - APA Tejupá, Corumbataí and Botucatu (SP, Brazil), where Mata Atlântica and Cerrado biomes occur. Based on the list of native species in the APA management plan, we identified those cited in the literature for their use as medicinal and food. To evaluate these species, those of interest for the public policies of the Brazilian government were selected, since they have already commercial potential. Finally, these species of interest were evaluated based on the parameters of sustainable use, to evaluate if their sustainable management is possible. Of the total of 735 species identified, 329 are edible plant and have medicinal uses. 219 of them are medicinal and 110 can be used as food. In addition, 68% of these species are trees, demonstrating the high diversity of species that could be used in forest restoration projects and agroforestry systems. However, of the total number of plant species detected, only 22 are included in public policies, and only 6 species have sufficient studies for sustainable exploitation in the studied region. Research and Public policies aimed at the management and use of native species should be reinforced, aiming to increase the set of species that can be used and provide benefits to the owners, in addition to ecological sustainability.

Keywords:
Medicinal plants; Edible plants; Non-timber forest products; VPES

1 INTRODUÇÃO

A atualização da nova lei florestal (código florestal) em 2012, apesar de várias discussões devido a opiniões contrárias e muitos pontos que ainda precisam ser trabalhados, trouxe consigo muitos questionamentos e articulações de como cumpri-la (LIMA, 2014LIMA, A. (Coord.). Código Florestal: por um debate pautado em ciência. Manaus: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 2014.). Dessa forma, colocou-se em pauta, não só nos órgãos públicos como também em muitas organizações sociais e ambientais, pesquisas e empresas, a questão de novos modelos de produção e manejo de florestas, que visam contribuir para as questões ambientais, como também sociais e econômicas, valorizando e reconhecendo práticas de manejo e extrativismo economicamente viáveis e que visam manter a estrutura e a funcionalidade biológica da floresta.

Os produtos florestais não madeireiros (PFNM) têm ganhado destaque nesse sentido, pois já são meio de subsistência para muitas comunidades onde apresentam uma relevância na economia rural e regional, e também permitem a conservação das florestas, já que elas podem fazer parte do sistema produtivo (ELIAS; SANTOS, 2016ELIAS, G. A.; SANTOS, R. dos. Produtos florestais não madeireiros e valor potencial de exploração sustentável da Floresta Atlântica no sul de Santa Catarina. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 26, n. 1, p. 249-262, 2016.).

O uso desses produtos, desde que planejado e monitorado, não compromete a permanência do próprio individuo manejado, já que as partes utilizadas (cascas, folhas, frutos, óleos, látex) não implicam no corte raso da planta, oferecendo menor risco à população da espécie. Um exemplo desse modelo é a coleta dos frutos da palmeira juçara para fabricação de polpa ao invés da derrubada da planta para cortar o meristema apical, tendo o palmito como produto.

Contudo, pesquisadores apontam que a alta demanda do mercado pode resultar numa intensa exploração que, possivelmente, implicará na diminuição da espécie de interesse no seu habitat natural, no declínio do equilíbrio funcional das florestas e perdas das características culturais locais. Nesse sentido, é importante que se conheça a espécie não só morfologicamente, mas também toda a cadeia produtiva, função ecológica e sua ligação com a cultura local, antes de qualquer promoção da espécie no mercado (ARNOLD; PÉREZ, 2001ARNOLD, J.E.M.; PÉREZ, M. R . Can non-timber forest products match tropical forest conservation and development objectives? Ecological Economics, v. 39, n. 1, p.437-447, jan. 2001.).

A flexibilidade das formas de manejo desses produtos também é um ponto a favor, pois além de serem produzidos em sistemas convencionais (silvicultura ou agrícola), eles ainda podem ser conduzidos em sistemas consorciados, como os sistemas agroflorestais, em sistemas de restauração florestal e manejo de florestas nativas, visando ter uma produtividade rentável. Contribuir para a restauração de ecossistemas florestais é, particularmente, uma ação favorável, pois o planejamento feito para essa forma de produção auxilia tanto para a restauração das funcionalidades ambientais do local quanto atua como uma alternativa de renda para o produtor, que pode reduzir os custos da restauração. Essas ações de produção e manejo a fim de minimizar impactos ambientais e trazer retornos econômicos são bem-vindas, já que o Brasil estima recuperar, pelo menos, 12 milhões de hectares de florestas até 2030 (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ministério da Educação . Planaveg: Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa. Brasília, DF: MMA, 2017.). Porém há necessidade de ampliar o conhecimento sobre os usos não madeireiros das espécies, bem como a possibilidade de utilizá-las e qual a melhor maneira de manejá-las. Dessa forma, o presente estudo objetivou conhecer o potencial alimentício e medicinal das espécies nativas da mata atlântica, assim como indicar as plantas possíveis de serem utilizadas sustentavelmente.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A APA Corumbataí, Botucatu e Tejupá - Perímetro Botucatu está situada nas coordenadas 23°23’30’’ a 22°43’30’’ S e 48°07’30’’ a 48°58’00’’W e abrange parte de nove municípios paulistas que estão inseridos na região administrativa de Sorocaba, dentro das regiões de governo de Itapetininga, Avaré e Botucatu. A seguir as cidades pertencentes com a área do município destinada a área de proteção. Angatuba: 1.275 ha; Avaré: 27.750 ha; Bofete: 46.487 ha; Botucatu: 38.465 ha; Guareí: 15.955 ha; Itatinga: 63.500 ha; Pardinho: 15.114 ha; São Manuel: 31.750 ha; Torre de Pedra: 36.856 ha, perfazendo um total de 215.615,1 ha. A Figura 1 mostra o limite da APA sobreposta aos municípios onde ela está inserida.

Figura 1
Área da APA e os municípios inseridos na unidade de conservação

Este trabalho teve como base a lista de espécies presentes no plano de Manejo da APA. Foram selecionadas as espécies nativas e presentes em três municípios (Botucatu, Bofete e Pardinho). As espécies nativas foram identificadas através da base de dados, segundo o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Flora do Brasil 2020 - Reflora (FLORA DO BRASIL 2020, 2016JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. Flora do Brasil 2020 em construção. 2016. Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/. Acesso em: 18 Jan. 2017.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br...
).

Foram selecionadas, para a composição da tabela do valor potencial de exploração sustentável (VPES), aquelas espécies que além de estarem presentes dentro da APA, também se encontravam nas listas de interesse de políticas públicas: a relação de espécies de interesse do SUS (RENISUS) e a lista de espécies nativas da sociobiodiversidade com valor alimentício, conforme Portaria Interministerial No 163, De 11 de Maio de 2016.

Para cada uma das espécies-foco deste estudo, foi realizada pesquisa exploratório-descritiva em várias fontes escritas e eletrônicas, buscando-se informações sobre distribuição, abundância, dados ecológicos e agronômicos. Para tal fim, foram obtidas informações a partir de consulta às bases de dados disponíveis (artigos, dissertações, teses, livros). As palavras-chave empregadas nesse processo correspondiam aos nomes científicos das espécies e sinonímias, quando presentes.

Adicionalmente, dados sobre toxicidade para humanos durante a coleta, manuseio ou consumo, sobre as espécies estudadas foram obtidos junto ao Poisonous Plant Database (FDA, 2012FDA. Food and Drug Administration. FDA Poisonous Plant Database. Disponível em: https://www.accessdata.fda.gov/scripts/platox/index.cfm. Acesso em: 15 jul. 2016.
https://www.accessdata.fda.gov/scripts/p...
). As informações obtidas foram organizadas e valoradas a fim de facilitar o cálculo do VPES, como proposto por Ubessi-Macarini, Negrelle e Souza (2011)UBESSI-MACARINI, C.; NEGRELLE, R. R. B. ; SOUZA, M. C. Produtos florestais não-madeiráveis e respectivo potencial de exploração sustentável, associados à remanescente florestal ripário do alto rio Paraná, Brasil. Acta Scientiarum, Biological Sciences, Maringá, v. 33, n. 4, p. 451-462, 2011., que partem do princípio que o extrativismo sustentável deve ser capaz de manter a biodiversidade local, assim como gerar produtos para subsistência e comercialização, como indicado em FAO (1995)FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Non-wood forest products for rural income and sustainable forestry. Rome: FAO, 1995..

Para calcular o VPES, os seguintes parâmetros foram considerados: parte usada, densidade, índices de regeneração e crescimento e conhecimento ecológico geral. A cada parâmetro foram designados valores normalizados (0, 1 e 2). A ausência de informações recebeu o valor 0 (zero). A somatória desses valores resultou nos VPES, que correspondem aos valores crescentes de sustentabilidade de uso, conforme explicitado a seguir. Os valores de VPES iguais ou superiores a 10 foram designados como de alta potencialidade de exploração sustentável. Desse modo, aquelas espécies que apresentaram VPES superior ou igual a 10 foram consideradas de maior importância para o uso como PFNM, consistindo nas mais indicadas para uso da população local e manejo para geração de renda.

Para se chegar ao montante do cálculo do VPES, foram levados em consideração os seguintes itens:

  1. Parte usada da planta: 0 = ausência de informação; 0 = alto nível de injúria ou que provoca a morte (planta inteira, tronco, casca, nó ou raiz); 1 = médio nível de injúria (flores, frutos, brotos, ramos ou sementes); 2 = nenhum nível de injúria ou mínimo (exsudados, resina, látex, seiva, goma, folhas).

  2. Densidade de árvores ou abundância: 0 = ausência de informação; 0 = baixa (≤ 5 indivíduos.ha-1); 1 = média (6 a 15 indivíduos.ha-1); 2 = alta (> 15 indivíduos.ha-1).

  3. Taxa de produção de sementes: 0 = ausência de informação; 0 = baixa ou irregular produção de sementes; 1 = moderada produção de sementes; 1 = pouca informação; 2 = alta produção de sementes.

  4. Taxa de crescimento: 0 = ausência de informação; 0 = crescimento natural lento; 1 = crescimento natural moderado; 2 = crescimento natural rápido.

  5. Conhecimento ecológico geral: 0 = ausência de informação; 0 = pouca informação disponível; 1 = alguma informação disponível; 2 = alto, incluindo informações sobre dinâmica populacional, biologia da reprodução e aspectos silviculturais.

  6. Processamento: 0 = ausência de informação; 0 = processamento dependente de equipamentos de alto custo; 1 = processamento dependente de equipamento de baixo custo; 2 = consumo in natura.

  7. Injúria/toxicidade para humanos, durante a coleta, manuseio ou consumo, dentre outros: 0 = ausência de informação; 0 = injúria/ toxicidade severa ou não controlável; 1 = injúria/ toxicidade mediana ou controlável; 2 = nada consta, ou reconhecidamente sem injúria.

Os dados foram submetidos à estatística não paramétrica (descritiva).

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Existe na lista da APA cerca de 1.000 espécies diferentes, entre exóticas e nativas (SÃO PAULO, 2011)SÃO PAULO (Estado). Plano de Manejo da Área de proteção Ambiental (APA) Tejupá Corumbataí e Botucatu - Perímetro Botucatu, São Paulo, 2011.. Dessas, foram identificadas 735 espécies nativas (com diferentes formas de vida) presentes na região dos municípios de Botucatu, Bofete e Pardinho, no estado de São Paulo, das quais 329 possuem uso bem estabelecido. A revisão dos registros de uso das espécies nativas identificou que cerca de 30% das espécies estudadas possuem uso medicinal e estão distribuídas em 48 famílias. Já para o uso alimentício, foram identificadas 15% das espécies estudadas e elas estão distribuídas em 38 famílias. A Figura 2 demonstra o número de espécies por potencial.

Figura 2
O número de espécies estudadas em relação àquelas que possuem uso medicinal e alimentício na APA

Em relação à comparação das espécies nativas com as listas de espécies de interesse para políticas públicas, foi constatado que apenas 15 % dessas espécies estão dentro da lista de interesse da sociobiodiversidade com valor alimentício. E esse número é ainda menor em relação às espécies medicinais, que é de 5 %. Essa baixa porcentagem indica poucas espécies nativas (dessa região) com potenciais usos nas listas de espécies que integram políticas públicas. Isso, possivelmente, tenha uma relação direta com o que se conhece sobre uso, propriedades e manejo dessas espécies, mostrando o quanto as pesquisas podem contribuir e auxiliar programas de políticas públicas. A Figura 3 demonstra essa relação.

Figura 3
O número de espécies nativas estudadas no total, o número de espécies com registros para o uso alimentício e medicinal, e dessas, o número de espécies que estão na lista de políticas públicas do governo federal

Foram consideradas para o cálculo do VPES aquelas plantas que estavam incluídas em políticas públicas. Dessa forma, foram avaliadas 22 plantas (Tabela 1) e apenas 6 atingiram VPES igual ou superior a 10, sendo estas consideradas com potencial para exploração sustentável de PFNM. Dentre estas, destaca-se Schinus terebinthifolius Raddi (alimentício e medicinal), Casearia sylvestris Sw. (medicinal), Talinum paniculatum (Jacq.) Gaertn. (alimentício) que apresentaram o VPES superior a 10. A espécie Solanum paniculatum L. (alimentício e medicinal) foi a que apresentou menor índice VPES. Apesar de ser uma espécie muito conhecida, inclusive na área agronômica e chamada, muitas vezes, de planta invasora, para ela existem muitos estudos voltados para seu controle em áreas agricultáveis e pouco daqueles que ajudariam a preencher os indicadores do VPES, tendo a nota mínima (0) em 5 parâmetros por falta de informação. Essa ausência de informação é uma situação que acontece com a maioria das espécies que não alcançaram VPES igual ou superior a 10. Na Tabela 1, as notas baixas (0 e 1) sublinhadas indicam ausência de informação ou onde há informação, contudo, é insuficiente para dar nota máxima, fazendo com que o valor final do VPES seja menor que 10, demonstrando, assim, lacunas de pesquisas que poderiam ser voltadas para o uso e comercialização dessas espécies, bem como a sua conservação.

Tabela 1
Espécies arbóreas de Floresta Estacional Semidecidual e Cerrado da região da APA Tejupá Corumbataí e Botucatu - Perímetro Botucatu e respectivas informações relativas a usos e valor potencial de exploração sustentável (VPES)

A ausência de informação ocorre em porcentagens diferentes para cada parâmetro. Quanto ao de densidade das espécies, esse apresentou alta proporção de falta de conhecimento para espécies nativas da APA, cerca de 64% delas não possuem essa informação. Apenas 16% possuem uma média densidade (6-15 ind.ha-1) e 20% alta densidade, sendo que esta indica resultado positivo em relação à nota que é atribuída para espécies, como explica Ubessi-Macarini, Negrelle e Souza (2011)UBESSI-MACARINI, C.; NEGRELLE, R. R. B. ; SOUZA, M. C. Produtos florestais não-madeiráveis e respectivo potencial de exploração sustentável, associados à remanescente florestal ripário do alto rio Paraná, Brasil. Acta Scientiarum, Biological Sciences, Maringá, v. 33, n. 4, p. 451-462, 2011.. Contudo, foram poucas as espécies avaliadas que receberam esse valor, principalmente por falta de estudos registrados, relacionados à densidade, nessa região. Em relação a esse indicador, o que se observa é que ele pode ser ampliado por ações de enriquecimento da área, ou seja, podemos aumentar o número de indivíduos por hectare para que ele receba a nota máxima e assim a espécie passa a ter um potencial de exploração sustentável. Isso em práticas que visem a restauração de áreas e futuramente o uso dessas espécies, como proposto em áreas como as reservas legais, é uma ação positiva. Porém, qualquer intervenção pode gerar riscos e é muito importante que essa prática não resulte em um desequilíbrio e funcionalidade da estrutura e dinâmica da futura floresta. Nesse sentido, pesquisas podem ser feitas com a intenção de usar essas espécies com potenciais usos e que ocorrem em altas densidades, e avaliar se elas permitem a restauração florestal gradual da área, como é o caso estudado por Onofre, Engel e Cassola (2010ONOFRE, F. F.; ENGEL, V. L.; CASSOLA, H. Regeneração natural de espécies da Mata Atlântica em sub-bosque de Eucalyptus saligna Smith. em uma antiga unidade de produção florestal no Parque das Neblinas, Bertioga, SP. Scientia Forestalis, v.38, n.85, p.39-52, 2010.), em um trabalho de avaliação da regeneração nativa no sub-bosque de um talhão de Eucalyptus saligna, onde foi concluído que o plantio, em altas densidades dessa espécie exótica, agiu como pioneira alternativa em modelos de restauração florestal, favorecendo reestruturação da floresta nativa.

Em relação à taxa de produção de sementes, foi o fator que teve a maior porcentagem de espécies que recebeu nota mínima por falta de informação, cerca de 72% das espécies. Esse resultado também foi observado por Ubessi-Macarini, Negrelle e Souza (2011)UBESSI-MACARINI, C.; NEGRELLE, R. R. B. ; SOUZA, M. C. Produtos florestais não-madeiráveis e respectivo potencial de exploração sustentável, associados à remanescente florestal ripário do alto rio Paraná, Brasil. Acta Scientiarum, Biological Sciences, Maringá, v. 33, n. 4, p. 451-462, 2011.. Existem muitas informações sobre quantas sementes tem em um quilo, taxa de germinação, porém não há informações como quantos quilos de semente ou de fruto produz uma planta, muito menos em que condições edafoclimáticas essa produção pode variar. A única espécie que tem esse tipo de informação é Hymenaea courbaril L. (Jatobá), conforme Costa et al. (2016COSTA, C. B. et al. Análise da viabilidade da produção de semente e polpa de Jatobá (Hymenaea spp.) na Região Sul de Goiás. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 26, n. 3, p. 1023 - 1036, set. 2016, Doi: 10.5902/1980509824231.
https://doi.org/10.5902/1980509824231...
). Os autores chegaram ao número médio de 350 frutos por árvore, dando uma produção média de 14 kg de sementes por planta e por ano. Isso nas condições ambientais do município de Campestre de Goiás - GO.

Em relação à taxa de crescimento (rápido, moderado ou lento), apenas 30% das espécies não possuem essa informação. A maioria das espécies possui o crescimento moderado, já que elas estão enquadradas como secundárias, aquelas que estão entre as pioneiras e as clímax.

No que se refere ao parâmetro de conhecimentos ecológicos, inclusive silvicuturais e de manejo, 52% das plantas estudadas receberam notas altas, pois todas elas tinham informações técnicas registradas em circulares técnicas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Certamente essas espécies já possuem interesses agronômicos ou já são consideradas espécies com grande aptidão em outras regiões do Brasil, como é o caso do pequi (Caryocar brasiliense Cambess.), muito consumido nos estados do centro-oeste brasileiro (CARVALHO, 2009CARVALHO, P. E. R. Pequizeiro Caryocar brasiliense. 10 f. Colombo/PR: EMBRAPA - Comunicado Técnico 230, ISSN 1517-5030, jul. 2009.). Contudo, praticamente a metade das espécies avaliadas (48%) ainda precisa de informações dessa natureza.

No quesito de demanda de processamento, praticamente todas as espécies receberam notas altas, ou seja, a maioria não depende de equipamentos que demandam altos custos ou mesmo são utilizadas in natura, tendo uma relação direta com o consumo dos frutos, onde verificou-se uma predominância dessa parte vegetal em relação às outras, com cerca de 80%. Esse resultado é positivo, já que o fruto indica um uso com nível médio de injúria à planta, porém é necessário que haja monitoramento da colheita e avaliação da quantidade colhida, para verificar se a colheita de frutos não está interferindo na sobrevivência da espécie.

Por fim, o último parâmetro analisado, potencial de injúria ou de toxicidade, 24% das espécies possuem ausência de informação nesse item. Significando que o nome da espécie consta no site FDA Poisonous Plant Database, contudo, não foi encontrada nenhuma informação, não há trabalhos que justifiquem se a espécie é ou não tóxica a humanos. Em relação ao nível médio de injúria ou toxicidade controlável, 32% das plantas se enquadram nessa porcentagem. Isso não significa que não se pode usar essas plantas, mas indica que para trabalhar com essas plantas é necessário que se tome alguns cuidados, como usar EPIs, por exemplo, para aquelas que apresentam látex ou espinhos/acúleos, como é o caso de Bauhinia forficata Link, Vasconcellea quercifolia A.St.-Hil. e Jacaratia spinosa (Aubl.). Já para Copaifera langsdorffii Desf, Phyllanthus niruri L. e Phyllanthus tenellus Roxb, o cuidado deve ser tomado em relação à quantidade administrada como uso medicinal, por exemplo, a ingestão de uma dose muito alta pode ser tóxica (LORENZI et al., 2003LORENZI, H.; MATOS, F. J. A. Plantas Medicinais no Brasil Nativas e exóticas. 2. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 544 p. 2003.).

Quanto aos usos múltiplos, tanto medicinal quanto alimentício, as espécies Schinus terebinthuifolius Raddi, Solanum paniculatum L, Hymenaea courbaril L., Eugenia uniflora L. e Passiflora edulis Sims podem contribuir para os dois usos e, como as partes utilizadas são diferentes, dependendo do manejo, elas podem fornecer produtos diversificados, bem como colaborar na diversificação de renda do produtor, desde que o manejo viabilize esses usos. Outros usos, além dos estudados, de produtos florestais não madeireiros, também podem ser identificados nas espécies do jatobá (Hymenaea courbaril L.) e da guaçatonga (Casearia sylvestris Sw) com fonte de compostos químicos utilizados em produtos cosméticos. O mesmo pode acontecer com as outras espécies, como é o caso de Schinus terebinthifolius Raddi que além de possuir potencial alimentício e medicinal ainda apresenta aptidão como planta melífera (GOMES et al., 2013GOMES, L. J. et al. Pensando a biodiversidade: Aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi). São Cristóvão: Editora UFS, 2013. 372 p. Disponível em: https://www.gruporestauracao.com.br.
https://www.gruporestauracao.com.br...
). Dessa maneira, estudando os potenciais usos de produtos florestais não madeireiros obtidos de espécies nativas, é possível avaliar que muitas podem contribuir de diversas maneiras, sem precisar necessariamente mudar as espécies da área de plantio.

4 CONCLUSÕES

Observa-se que um grande número de espécies presentes na área da APA pode contribuir como recursos florestais na geração de produtos não-madeireiros, tanto para fins medicinais quanto alimentícios e que podem diversificar a geração de renda dos pequenos produtores rurais. Contudo, através dos VPES, apenas seis espécies podem ser utilizadas sustentavelmente, de acordo com os estudos que temos até os dias de hoje, mostrando que ainda são necessárias pesquisas que auxiliem na utilização das espécies nativas sem que haja comprometimento da existência dessas em sistemas sustentáveis, como em reservas legais.

Referências

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  • Agradecimento

    Á Capes pelo auxílio financeiro para esse trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2018
  • Aceito
    02 Fev 2021
  • Publicado
    22 Set 2022
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