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Supressão e fragilidade de remanescentes florestais em uma Unidade de Conservação, na região sul de Alagoas, Brasil

Suppression and fragility of forest remnants in a Conservation Unit in the south region of Alagoas state, Brazil

Resumo

As Unidades de Conservação possuem uma grande importância para a estabilidade do meio ambiente, havendo possibilidade de uso sustentável, a exemplo das Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Nessas áreas, a vegetação remanescente configura um importante componente no monitoramento e avaliação da fragilidade ambiental. Assim, este estudo objetivou avaliar a dinâmica espaço-temporal na APA da Marituba do Peixe (APA-MP), com fins de diagnosticar a fragilidade ambiental da vegetação remanescente. Foi utilizada imagem do satélite RapidEye, para o ano de 2011, disponíveis gratuitamente no site do Ministério do Meio Ambiente (GeoCatálogo) e imagem de satélite disponibilizada no software Google Earth, para o ano de 2020. A vegetação foi vetorizada, e determinadas as métricas da paisagem com o uso de SIG. Na APA-MP, em 2011, foram mapeados 108 fragmentos de vegetação remanescente, com área total de 3.314 ha e um índice médio de forma de 1,843±0,638. Já em 2020, os fragmentos de vegetação remanescentes reduziram a 89 manchas, somando uma área de 2.684 ha, com índice médio de forma de 1,906±0,664. O número, o tamanho dos fragmentos e o índice de forma evidenciam que a vegetação remanescente apresenta fragilidade ambiental. Houve supressão de vegetação ao longo dos anos nas diferentes zonas. Não houve quadro de recuperação ambiental em nenhuma das zonas de proteção da APA-MP. O cenário requer a implementação de ações para a promoção da recuperação ambiental.

Palavras-chave:
Métricas da Paisagem; APA (Área de Preservação Ambiental); Mata Atlântica; Fragmentos de Vegetação

Abstract

Conservation Units are of great importance for the stability of the environment, allowing the possibility of sustainable use, such as Environmental Protection Areas (EPA). In these areas, the remaining vegetation is an important component in monitoring and assessing the environmental fragility. Thus, this study aimed to evaluate the spatio-temporal dynamics in the EPA of Marituba do Peixe (EPA-MP), with the purpose to diagnose the environmental fragility of the remaining vegetation. The research used an image of the RapidEye satellite for the year 2011 available for free on the Ministry of the Environment website (Geo Catalog), and a satellite image available in the Google Earth software for the year 2020. The vegetation was vectorized, and the landscape metrics were determined using GIS. In 2011, in EPA-MP, 108 fragments of remaining vegetation with an area of 3,314 ha were mapped, with an average shape index of 1.84±0.638. In 2020, the remaining vegetation fragments reduced to 89 patches, adding up to an area of 2,684ha, with an average shape index of 1.906±0.664. The results point out that the remaining vegetation presents environmental fragility, as shown by the number, the size of fragments, and the shape index. The vegetation suppression has been occurring over the years in the different zones. There was no picture of environmental recovery in any of the EPA-MP protection zones. The scenario requires the implementation of actions to promote the environmental recovery.

Keywords:
Landscape metrics; EPA (Environmental Protection Areas); Atlantic Forest; Patches

1 INTRODUÇÃO

As Unidades de Conservação (UCs) representam uma ferramenta para o controle de uso dos recursos naturais e ocupação humana, por meio de regras específicas, com a principal função de proteção e conservação ambiental (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza: Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002; Decreto nº 5.746, de 5 de abril de 2006. Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas: Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006. Brasília: MMA; SBF, 2011. 76 p.). No Brasil, aproximadamente 1/3 da vegetação remanescente de Mata Atlântica está incluída em UCs (federais, estaduais e municipais) (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Unidades de Conservação por Bioma. Brasília: CNUC; MMA, 2016. Disponível em: http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80112/CNUC_ PorBiomaFev16.pdf. Acesso em: 1 jun. 2021.
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; ZEQUI; ORSI; SHIBATTA, 2021ZEQUI, J. A. C.; ORSI, M. L.; SHIBATTA, L. S. Fauna e Flora do Parque Estadual Mata São Francisco: norte do Paraná. EDUEL, 2021.). Uma das categorias de UCs, que permite o desenvolvimento de atividades socioeconômicas, é a Área de Proteção Ambiental (APA). Embora nelas vigore um conjunto de medidas legais que visam nortear o uso e ocupação humana, pode-se afirmar que os principais conflitos nas APAs se vinculam ao uso de recursos ambientais sem o devido controle e o não atendimento aos dispositivos legais, pois, nem sempre as APAs conseguem prover nos planos de manejo ações adequadas para os ambientes que visam conservar (INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2018INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Website. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br.
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). Isso compromete a qualidade dos ecossistemas, principalmente por implicar na fragmentação de vegetação remanescente e perda de hábitat (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, A. N. S. A Fragilidade ambiental como suporte na identificação de conflitos ambientais na APA da Marituba do Peixe, Alagoas. 2017. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2017.).

Os remanescentes de vegetação fragmentada absorvem as consequências diretas e indiretas dos impactos ambientais negativos, afetando a conectividade da vegetação natural e interrompendo a integridade biológica, influenciando nas interações ecológicas. Isso é maximizado pelo surgimento de “barreiras”, de origem antrópica (cultivos, áreas edificadas etc.) e de origem natural (geologia, solo, declividade etc.) entre uma mancha de fragmento remanescente, cujos impactos nas proximidades de barreiras naturais são recorrentes em APAs (FORMAN; GODRON, 1986FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. USA: J. Wiley, 1986.; CARVALHO; PORTO; OLIVEIRA, 2020CARVALHO, C. G. S. et al. Avaliação macroscópica de impactos ambientais em nascentes do rio de ondas no oeste da Bahia. Revista Geociências, v. 39, n. 3, p. 831-845, 2020.). Nesse sentido, há uma reconfiguração espacial da vegetação remanescente, com diminuição de hábitat e aumento do distanciamento entre áreas florestadas que, conjuntamente, ocasionam a diminuição de área disponível para realização dos processos vitais das espécies que nela habitam, produzindo o isolamento reprodutivo dos indivíduos, um fluxo gênico menor e a diminuição da diversidade genética (GOERL et al., 2011GOERL, R. F. et al. Elaboração e aplicação de índices de fragmentação e conectividade da paisagem para análise de bacia hidrográficas. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5. n. 1, p. 1000-1012, 2011. ).

No cenário global, a fragmentação de remanescentes apresenta-se como processo vigente em todos os biomas, nos quais o maior número de fragmentos possui área total diminuta, entre 1 e 10 km2 (JACOBSON et al., 2019JACOBSON, A. P. et al. Global areas of low human impact (‘low impact areas’) and fragmentation of the natural world. Scientific Reports, v. 9, n. 1, p. 1-13, 2019.). Ao analisar a fragmentação de remanescentes no Brasil, destaca-se a Mata Atlântica, com uma paisagem em que mais de 80% dos remanescentes vegetais corresponde a fragmentos de área total inferior a 0,5 km2, resultante de uso e ocupação do solo para acomodar, sobretudo, a monocultura de cana-de-açúcar e do café, pecuária e expansão urbana (RIBEIRO et al., 2009RIBEIRO, M. C. et al. Brazilian Atlantic Forest: how much is left and how is the remaining forest distributed? Conservation implications. Biological Conservation , Essex, v. 142, n. 6, p. 1141-1153, 2009. ). A fragmentação de remanescentes de Mata Atlântica significa a perda de hotspot de biodiversidade mundial (MYERS et al., 2000MYERS, N. R. A. et al. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, v. 403, p. 853-858, 2000. ), reduzindo-os a pequenas manchas, cada vez mais isoladas entre si, sob forte influência da matriz em paisagens predominantemente agrícolas (zonas rurais e mais internas ao continente) ou imersas em uma matriz urbana (zonas urbanas fortemente adensadas, geralmente na região costeira). A fragilidade ambiental desses remanescentes florestais faz da Mata Atlântica um dos hotspots mais vulneráveis às mudanças climáticas globais (BELLARD et al., 2014BELLARD, C. et al. Vulnerability of biodiversity hotspots to global change. Global Ecology and Biogeography, Oxford, v. 23, n. 12, p. 1376-1386, 2014.). Tais apontamentos tornam a proteção ambiental dessas áreas ainda mais urgente e deve-se considerar os diferentes gradientes de fragmentos.

O estudo de grandes conjuntos de dados de biodiversidade da Mata Atlântica, tanto de vegetais quanto de diferentes grupos de animais, tem apontado que a riqueza de espécies é influenciada, além da perda de hábitat, pelo gradiente de fragmentação e efeito de borda (PÜTTKER et al., 2020PÜTTKER, T. et al. Indirect effects of habitat loss via habitat fragmentation: a cross-taxa analysis of forest-dependent species. Biological Conservation, Essex, v. 241, p. 108368, 2020.). Os autores reforçam que a fragmentação e o efeito de borda não podem ser subestimados quanto aos seus impactos na extinção de espécies.

Acrescenta-se, ainda, que os ambientes naturais possuem uma fragilidade ambiental “potencial” diretamente relacionada às suas características naturais (geologia, solo, declividade, vegetação), e uma fragilidade ambiental “emergente”, que considera as atividades de uso e ocupação e as condições atuais da cobertura vegetal. Os fragmentos florestais configuram-se como ambientes alterados pela ação humana e, portanto, possuem uma fragilidade ambiental potencial e emergente influenciada pela redução da sua área original, isolamento, alteração da sua forma e consequente aumento no efeito de borda (ROSS, 2011ROSS, J. Análise empírica da fragilidade dos ambientes naturais antropizados. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v. 8, p. 63-74, nov. 2011. ; ALMEIDA; CUNHA; NASCIMENTO, 2018ALMEIDA, N. V.; CUNHA, S. B.; NASCIMENTO, F. R. Proposta metodológica ao ordenamento territorial ambiental em bacia hidrográfica. In: DAMASCENO, I.; MALHEIROS, T. Espaços plurais. Rio de Janeiro: Consequência, 2018. p. 331-358. ).

Para o planejamento e ordenamento ambiental de uma UC de uso sustentável, é necessário analisar as atividades humanas como parte integrante do sistema (SOARES; SILVA; OLIVEIRA, 2019SOARES, I. A. et al. Planejamento, gestão e sustentabilidade da Área de Proteção Ambiental de Jenipabu, Rio Grande do Norte, Brasil. Geosul, Florianópolis, v. 34, n. 73, p. 193-216, 2019.). Assim, analisar a fragilidade ambiental dos ambientes naturais, mesmo que fragmentados, é uma ferramenta poderosa para gestão, pois possibilita o direcionamento das atividades de acordo com o grau de fragilidade desses ambientes frente às pressões do seu entorno, como as agressões antrópicas (ROSS, 2011ROSS, J. Análise empírica da fragilidade dos ambientes naturais antropizados. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, v. 8, p. 63-74, nov. 2011. ). As características estruturais, como tamanho e a forma das manchas, são definidas a partir da Ecologia de Paisagem e evidenciam a fragilidade ambiental diante dessa pressão (CASIMIRO, 2009CASIMIRO, P. C. Estrutura, composição e configuração da Paisagem, conceitos e princípios para a sua quantificação no âmbito da Ecologia da Paisagem. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, Coimbra, n. 20, p. 75-97, 2009.).

Nesse contexto, encontra-se a APA da Marituba do Peixe (APA-MP), no sul de Alagoas, na qual ocorrem desmatamento, queimadas, uso e ocupação do solo desordenado, em que o estabelecimento de uma APA, sem o contínuo diagnóstico e monitoramento ambiental, é insuficiente para assegurar a proteção ambiental e conservação necessárias para manutenção do meio ambiente (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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). É necessário ressaltar, também, que se tratando de uma área de uso sustentável, a perda da paisagem natural implica perda de recursos ambientais com reverberações na economia, cultura e sobrevivência das comunidades extrativistas circunscritos na APA. Grande parte da população moradora da APA-MP utiliza esses recursos para sua sobrevivência. Entre as atividades econômicas desenvolvidas, destacam-se a agricultura, como principal fonte de renda dos moradores, seguida de atividades de pesca e artesanato (sobretudo trançados com palha de ouricuri) (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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).

Crimes ambientais na APA-MP são fiscalizados pelo Instituto de Meio Ambiente (IMA), unidade Penedo - AL, atendendo a denúncias e ações pontuais (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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). No entanto, para um melhor gerenciamento, considerando a extensão territorial da APA, faz-se necessário utilizar métodos e técnicas rápidas, não destrutivas, e com capacidade responsiva às análises ambientais, como encontrado na Ecologia da Paisagem e suas métricas. Esses métodos, como o Sensoriamento Remoto, são eficazes no monitoramento e diagnóstico de fragmentos de vegetação remanescente, além de serem propostas como não destrutivos (METZGER, 2001METZGER, J. P. O que é Ecologia de Paisagens? Revista Biota Neotropica, São Paulo, v. 1, n. 1/2, p. 1-9, 2001.; PONZONI; SHIMABUKURO; KUPLICH, 2015PONZONI, F. J. et al. Sensoriamento remoto da vegetação. Oficina de Textos, 2015.), possibilitando diagnosticar quadros de fragilidade e/ou recuperação exibidos ao longo dos anos (DANTAS et al., 2017DANTAS, M. S. et al. Diagnóstico da vegetação remanescente de mata atlântica e ecossistemas associados em espaços urbanos. Journal Environmental Analysis and Progress, v. 2, n. 1, p. 87-97, 2017. ). Portanto, o objetivo deste artigo é avaliar as modificações ocorridas na paisagem na APA-MP, com fins de diagnosticar a fragilidade ambiental da vegetação remanescente nessa UC.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

A APA da Marituba do Peixe foi criada em 04 de março de 1988 através do Decreto Estadual nº 35.858 (ALAGOAS, 1988ALAGOAS. Decreto Estadual nº 35.858 de 1988. Maceió, 1988. Disponível em: https://www.ima.al.gov.br/wp-content/uploads/2015/03/Decreto-nb0 32.858_88.pdf. Acesso em: 29 maio 2020.
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). Possui uma área de 18.556 ha, com limite dentro dos territórios de três municípios alagoanos: Penedo, Piaçabuçu e Feliz Deserto (Figura 1).

O clima da APA-MP é subúmido a úmido, com chuvas ocorrendo no período abril/julho e um período seco, de agosto a março (MARQUES, 2001MARQUES, J. G. W. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica. São Paulo: NUPAUB; USP, 2001.). Os fragmentos de vegetação são caracterizados por três formações nativas distintas: Restinga, Várzea e Formações Florestais, e estão localizados em duas Zonas de proteção: Restinga e Várzea (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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).

Esta UC limita-se a Norte, na junção entre os rios Piauí e Marituba; ao Sul, seguindo o traçado das rodovias AL 101 Sul e AL 225 e com APA Federal de Piaçabuçu; a Leste, a partir da área urbana da cidade de Feliz Deserto; e a Oeste, pela margem direita da Várzea da Marituba, desde a afluência dos rios Piauí e Marituba até sua desembocadura no Rio São Francisco.

Na APA-MP, algumas alterações de caráter antrópico vêm ocorrendo indiscriminadamente em áreas silvestres ou de proteção. Essas alterações são provocadas pela introdução de monoculturas de coco, arroz, e principalmente, cana-de-açúcar, estando esta incluída na área de entorno e no interior da APA. Segundo o plano de manejo, a cultura da cana-de-açúcar tornou a área mais vulnerável aos desequilíbrios ecológicos, substituindo grande parte da cobertura florestal (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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).

Figura 1
Localização da Área de Proteção Ambiental Marituba do Peixe, Alagoas, Brasil

2.2 Procedimentos técnicos

Para mapear os fragmentos remanescentes da APA-MP, foram gerados dados vetoriais, a partir da fotointerpretação de imagens do satélite. Foi utilizada, para o ano de 2011, imagem do RapidEye, com resolução espacial de 5 m (03 de dezembro de 2011), adquiridos no GeoCatálogo do Ministério do Meio Ambiente. Para o ano de 2020, foi utilizada imagem do software Google Earth, de 20 de agosto de 2020. Foram considerados todos os fragmentos remanescentes, com fins de contemplar a realidade local, além de permitir a identificação de áreas de hábitat que podem ofertar papéis funcionais relevantes, e áreas influentes na elaboração de cenários futuros de (re)conexão de fragmentos, entre outras tomadas de decisão.

Posteriormente, os dados vetorizados foram exportados para o software ArcGis, para determinação das métricas da paisagem na extensão V-LATE (vector-based landscape analysis tools extension, do Arcgis 10.6.1). As métricas utilizadas foram: Área, Perímetro, Índice de Forma e Análise de Área Núcleo (cálculo Cority), efetuadas em nível de classe, vegetação remanescente. O cálculo dessas métricas seguiu Lang e Blaschke (2009LANG, S.; BLASCHKE, T. Análise da Paisagem com SIG. 1. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2009.) (Tabela 1):

Tabela 1
Métricas da paisagem utilizadas para análise estrutural-espacial dos fragmentos de vegetação remanescente

Para fins de determinação da área-núcleo, foi considerada uma borda de 50 m, delimitada da margem ao interior do fragmento de vegetação. Esse comprimento de borda considera a distância em que o efeito de borda tende a diminuir (OLIVEIRA et al., 2015OLIVEIRA, L. S. C. D. et al. Efeito de borda em remanescentes de floresta atlântica na bacia do rio Tapacurá, Pernambuco. Cerne, Lavras, v. 21, n. 2, p. 169-174, 2015.).

Foram considerados fragmentos com maior fragilidade ambiental aqueles que apresentaram área reduzida, forma linear, ausência de área núcleo, e bordas com menor sinuosidade (FORMAN; GODRON, 1986FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. USA: J. Wiley, 1986.). Cabe salientar que os critérios para diagnóstico de fragilidade ambiental, aqui destacadas para a vegetação remanescente da APA-MP, são baseados em parâmetros estruturais da paisagem.

A vegetação remanescente da APA-MP foi analisada, também, considerando o zoneamento ambiental, conforme delimitação territorial e possibilidades de usos descritos no Plano de Manejo (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Área

Na paisagem da APA-MP, no ano de 2011, foram mapeados 108 fragmentos de vegetação remanescente, com área total (CA - class area) de 3.314 ha, 17,86% da área total. Já em 2020, os fragmentos de vegetação remanescentes diminuíram em número e extensão, apresentando 89 manchas e área total de 2.684 ha, equivalentes a 14,46% da APA-MP. A maioria dos fragmentos, tanto em 2011 quanto em 2020, apresentou tamanho variável entre 0,852 e 57 ha. Apenas dois fragmentos apresentaram valores de área maior que 227 ha, em ambos os anos analisados (Figura 2). A classe de fragmentos de vegetação remanescente menores tem área média de 19,43ha±12,67. O desvio padrão alto evidencia a alta discrepância entre os valores de área dos fragmentos, indicando uma paisagem de fragmentos pequenos e heterogêneos entre si. Observa-se que, entre 2011 e 2020, fragmentos diminutos e isolados foram suprimidos da paisagem (Figura 2).

Figura 2
Área dos fragmentos de vegetação remanescentes nos anos de 2011 e 2020, da APA Marituba do Peixe, Alagoas

As análises do tamanho de área e número de fragmentos florestais remanescentes indicam um cenário, na APA-MP, ainda mais crítico do que o já denunciado para a Mata Atlântica, em avaliações efetuadas por Jacobson et al. (2019JACOBSON, A. P. et al. Global areas of low human impact (‘low impact areas’) and fragmentation of the natural world. Scientific Reports, v. 9, n. 1, p. 1-13, 2019.) e Bellard et al. (2014BELLARD, C. et al. Vulnerability of biodiversity hotspots to global change. Global Ecology and Biogeography, Oxford, v. 23, n. 12, p. 1376-1386, 2014.). Destaca-se, também, que os pequenos fragmentos de vegetação remanescente mapeados (0,8 ha-57 ha) são importantes elementos da paisagem, pois cumprem funções ecológicas relevantes, facilitando os fluxos das espécies entre fragmentos e funcionando como stepping stones, elementos de ligação entre fragmentos vizinhos (FORMAN; GODRON, 1986FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape ecology. USA: J. Wiley, 1986.; FAHRIG, 2019FAHRIG, L. Habitat fragmentation: A long and tangled tale. Global Ecology and Biogeography , Oxford, v. 28, n. 1, p. 33-41, 2019. ). Nesse sentido, Fahrig (2019FAHRIG, L. Habitat fragmentation: A long and tangled tale. Global Ecology and Biogeography , Oxford, v. 28, n. 1, p. 33-41, 2019. ) chama a atenção para a atuação desses pequenos remanescentes como espaços benéficos na escala ecológica (espécies, populações) que podem atuar, conjuntamente, de modo análogo às grandes áreas.

A supressão da vegetação na APA-MP, aparentemente, decorre de queimadas, plantio de monoculturas de coco e cana-de açúcar, além de campo sujo ou pastagens (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, A. N. S. A Fragilidade ambiental como suporte na identificação de conflitos ambientais na APA da Marituba do Peixe, Alagoas. 2017. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2017.), e contribuem para a diminuição e desaparecimento de fragmentos de vegetação nativa, além de ameaçar a conservação da biodiversidade (ROCHA et al., 2018ROCHA, E. C. et al. Efeitos da fragmentação de habitat na persistência de espécies de mamíferos de médio e grande porte no Cerrado em Goiás. Biota Neotropica, São Paulo, v. 18, n. 3, e20170483, 2018.). Segundo Silva et al. (2015SILVA, K. G. D. et al. Análise da dinâmica espaço-temporal dos fragmentos florestais da sub-bacia hidrográfica do Rio Alegre, ES. Cerne, Lavras, v. 21, n. 2, p. 311-318, 2015.), no que se refere à conservação, a diminuta área de fragmentos de vegetação intervém, negativamente, nos processos ecológicos, com impactos ambientais negativos atenuados em fragmentos maiores que 20 ha, pois, ainda que não possuam uma forma ideal para os critérios de conservação, conseguem manter uma sustentabilidade em seu interior.

Cerqueira et al. (2021CERQUEIRA, M. C. et al. Fragmentação da paisagem no entorno e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Geraizeiras, Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 31, n. 2, p. 607-633, 2021. ) ressaltam que fragmentos pequenos necessitam de atenção especial, pois demonstram grande pressão antrópica. Se não adotadas medidas e estratégias de manejo nessas áreas, poderão ocorrer grandes implicações nos fragmentos mais próximos e maiores, pois remanescentes de vegetação nativa apresentam parâmetros de sustentabilidade instáveis ao longo do tempo.

3.2 Perímetro (TE)

O Perímetro (TE) dos fragmentos vegetacionais remanescentes em 2011 apresentou um valor total de 360,16 km, com média de 3,47±4,08. Em 2020, o total do comprimento das bordas dos fragmentos diminuiu para 309,57 km com média de 3,31±4,37. Observou-se, também, que: i) fragmentos que apresentaram menores valores de área (CA) na APA-MP exibiram valores elevados de TE; e ii) alguns fragmentos com áreas maiores exibiram menores valores de TE. Essa configuração aponta para dois cenários distintos quanto à sinuosidade das manchas de vegetação remanescente, no qual o descrito em “i” corresponde a fragmentos com borda sinuosa, e o descrito em “ii”, a fragmentos de borda levemente sinuosa a reta.

Quanto aos resultados de TE, vale salientar que quanto menor for o TE (e, assim, a sinuosidade) dos fragmentos remanescentes, menor será o grau de preservação nessas áreas, uma vez que a baixa sinuosidade é um padrão comum aos fragmentos sob intensa influência antrópica (CASIMIRO, 2009CASIMIRO, P. C. Estrutura, composição e configuração da Paisagem, conceitos e princípios para a sua quantificação no âmbito da Ecologia da Paisagem. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, Coimbra, n. 20, p. 75-97, 2009.). Ainda assim, não se deve considerar que os fragmentos de maior sinuosidade das bordas na APA-MP apresentam níveis satisfatórios de preservação ambiental, pois se encontram em fragmentos diminutos, ampliando, assim, o contato direto com usos e elementos da paisagem no entorno do fragmento. Almenar et al. (2019ALMENAR, J. B. et al. Assessing habitat loss, fragmentation and ecological connectivity in Luxembourg to support spatial planning. Landscape and Urban Planning, Amsterdam, v. 189, p. 335-351, 2019. ) indicam que a interferência microambiental em áreas de borda em fragmentos menores diminui a riqueza de espécies de maneira mais intensa que na borda de fragmentos maiores. Um outro efeito da sinuosidade elevada, em fragmentos diminutos, é ampliação da possibilidade de fragmentação da mancha remanescente, podendo expandir-se a longo prazo, originando fragmentos ainda mais frágeis (CALEGARI et al., 2010CALEGARI, L. et al. Análise da dinâmica de fragmentos florestais no município de Carandaí, MG, para fins de restauração florestal. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 34, n. 5, p. 871-880, 2010. ).

3.3 Índice de forma (MSI)

O Índice de Forma (MSI) dos fragmentos de vegetação remanescente na APA-MP variou entre 1,1 e 4,9 (Figura 3). Em 2011, os fragmentos apresentaram MSI entre 1,115 e 4,923, com média de 1,843±0,638. Já em 2020, os valores variaram de 1,196 a 4,985, com média de 1,906±0,664. Esses resultados mostram que as manchas de vegetação remanescente se tornaram mais lineares ao longo do tempo.

Figura 3
Forma (MSI) da vegetação remanescente nos anos de 2011 e 2020, na APA Marituba do Peixe, Alagoas

Ao analisar a dinâmica da paisagem, observou-se, também, que dois fragmentos com formas mais lineares, de MSI maior que 3,7, presentes em 2011, foram suprimidas/extintas em 2020 (Figura 3). Além de formas lineares representarem maior fragilidade ambiental, devem ser consideradas ainda as ações de (re)produção do espaço que, frequentemente, suprimem essa vegetação para introdução de usos rurais e/ou para habitação (RIBEIRO et al., 2009RIBEIRO, M. C. et al. Brazilian Atlantic Forest: how much is left and how is the remaining forest distributed? Conservation implications. Biological Conservation , Essex, v. 142, n. 6, p. 1141-1153, 2009. ).

Estudos de avaliação de métricas da Paisagem em fragmentos de Mata Atlântica encontraram valores de MSI semelhantes aos aqui expostos, evidenciando remanescentes de vegetação de formato linear, como aqueles desenvolvidos por Silva e Souza (2014SILVA, M. S. F.; SOUZA, R. M. Padrões espaciais de fragmentação florestal na flora do Ibura - Sergipe. Mercator, Fortaleza, v. 13, n. 3, p. 121-137, set./dez. 2014. ), em uma UC, e Dantas et al. (2017DANTAS, M. S. et al. Diagnóstico da vegetação remanescente de mata atlântica e ecossistemas associados em espaços urbanos. Journal Environmental Analysis and Progress, v. 2, n. 1, p. 87-97, 2017. ), em área urbana. Se considerados esses estudos como valores de referência de MSI para fragmentos em UC (SILVA; SOUZA, 2014SILVA, M. S. F.; SOUZA, R. M. Padrões espaciais de fragmentação florestal na flora do Ibura - Sergipe. Mercator, Fortaleza, v. 13, n. 3, p. 121-137, set./dez. 2014. ) (MSI= 1,2 a 3,3) e sob intenso contato com matriz antropizada (DANTAS et al., 2017DANTAS, M. S. et al. Diagnóstico da vegetação remanescente de mata atlântica e ecossistemas associados em espaços urbanos. Journal Environmental Analysis and Progress, v. 2, n. 1, p. 87-97, 2017. ) (MSI=1,4 a 5,29), os fragmentos de vegetação na APA-MP apresentam forma comum às áreas sob forte pressão antrópica.

Vale destacar, ainda, dois aspectos relevantes para a análise da paisagem na APA-MP quanto à forma: i) que a linearidade dos fragmentos é, em parte, influenciada pela formação natural de cordões arenosos, sobretudo na região sudeste, que induz ao estabelecimento da vegetação restrita às áreas de solo menos arenoso e/ou relevo menos elevado e que favorecem a disponibilidade hídrica entre os cordões; e ii) fragmentos de forma mais compacta podem ser resultantes também de pressões antrópicas, como em áreas de vegetação remanescente circundadas de plantio, sobretudo de cana-de-açúcar.

3.4 Área núcleo

Entre as 108 manchas de vegetação remanescente mapeadas em 2011 na APA-MP, 86,11% apresentaram área-núcleo (Figura 4). Destas, 28,70% dos fragmentos possuíam áreas-núcleo disjuntas (duas ou mais áreas-núcleo por fragmento). Em 2020, das 89 manchas de vegetação remanescente, 85,39% exibiram área núcleo. Quanto às áreas-núcleo disjuntas, em 2020 houve um aumento de 5%. Isso está associado à irregularidade da forma que os fragmentos de 2020 apresentam.

Figura 4
Área-núcleo (excetuando borda de 50 m) dos fragmentos vegetacionais remanescentes nos anos de 2011 e 2020, na APA da Marituba do Peixe, Alagoas

A diminuição do número de fragmentos com área núcleo e dos valores de TCA sinaliza que a dinâmica da paisagem na APA-MP, em 2020, opera em prejuízo à qualidade ambiental, uma vez que fragmentos que não apresentam área núcleo são mais vulneráveis ao efeito de borda, com consequências ao nível de energia e nutrientes disponíveis, além do número, tipo e fluxo das espécies (CASIMIRO, 2009CASIMIRO, P. C. Estrutura, composição e configuração da Paisagem, conceitos e princípios para a sua quantificação no âmbito da Ecologia da Paisagem. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, Coimbra, n. 20, p. 75-97, 2009.). De acordo com Fernandes (2017FERNANDES, M. et al. Ecologia da paisagem de uma Bacia Hidrográfica dos Tabuleiros Costeiros do Brasil. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 24, e00025015, 2017. ), manchas irregulares tendem a gerar um maior número de áreas-núcleo disjuntas, dificultando a conectividade das áreas núcleo no interior de um mesmo fragmento.

O TCA pode ser considerado como o índice de melhor indicação da qualidade das manchas, uma vez que seu cálculo mostra o “tamanho real” do fragmento, excetuando as áreas de borda (de grande influência aos impactos externos, baixa diversidade e complexidade estrutural etc.) (CALEGARI, 2010CALEGARI, L. et al. Análise da dinâmica de fragmentos florestais no município de Carandaí, MG, para fins de restauração florestal. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 34, n. 5, p. 871-880, 2010. ). Ao serem analisados os remanescentes de Mata Atlântica no Brasil, Ribeiro et al. (2009RIBEIRO, M. C. et al. Brazilian Atlantic Forest: how much is left and how is the remaining forest distributed? Conservation implications. Biological Conservation , Essex, v. 142, n. 6, p. 1141-1153, 2009. ) revelam que na região biogeográfica do São Francisco apenas 2,35% estão em áreas de proteção e, ainda assim, não são encontrados fragmentos com área-núcleo extensas, em cenário ainda mais alarmante na região do Baixo São Francisco.

Com a diminuição do tamanho dos fragmentos, as áreas centrais reduzem ou até mesmo desaparecem, o que é ruim para a qualidade da paisagem, no qual o número de áreas centrais mantém um hábitat mais conservado em relação às bordas. Registra-se que na área de interior do fragmento, o efeito de borda tende a minimizar seus impactos na mancha (ALVES JÚNIOR et al., 2006ALVES JUNIOR, F. T. et al. Efeito de borda na estrutura de espécies arbóreas em um fragmento de floresta ombrófila densa, Recife, PE. Revista Brasileira de Ciências Agrárias, v. 1, p. 49-56, 2006. ). Assim sendo, fragmentos muito pequenos podem estar completamente sob o efeito de borda (PIROVANI; SILVA; SANTOS, 2015PIROVANI, D. B. et al. Análise da paisagem e mudanças no uso da terra no entorno da RPPN Cafundó, ES. Cerne, Lavras, v. 21, n. 1, p. 27-35, 2015.).

3.5 Dinâmica espaço-temporal dos remanescentes florestais e conflitos de uso na APA-MP

A análise da vegetação remanescente da APA-MP em observação ao planejamento territorial da UC permitiu identificar que houve supressão nas diferentes zonas da APA (Figura 5). No plano de manejo da APA-MP, foram definidas sete zonas de uso, sendo quatro categorizadas como zona de proteção, com “[...] áreas naturais ou que tenham recebido grau mínimo de intervenção humana, onde podem ocorrer pesquisas, estudos, monitoramento, proteção, fiscalização e formas de visitação de baixo impacto, também chamada visitação de forma primitiva” (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-con...
, p. 32). Portanto, entende-se que o uso intensivo nessas zonas deve ser evitado ou minimamente controlado.

Figura 5
Dinâmica da cobertura de vegetação remanescente entre os anos de 2011 e 2020, nas diferentes zonas da APA Marituba do Peixe, Alagoas

A maioria dos fragmentos mapeados em 2011 e 2020 foi encontrada em duas Zonas de Proteção: Zona de Proteção Restinga e Zona da Proteção Coqueirais (Figura 6). Nessas zonas, foram quantificados 70 fragmentos de vegetação remanescente, no ano 2011, enquanto em 2020, houve um decréscimo de 18 fragmentos, computando apenas 52 fragmentos na paisagem. Segundo Oliveira et al. (2015OLIVEIRA, L. S. C. D. et al. Efeito de borda em remanescentes de floresta atlântica na bacia do rio Tapacurá, Pernambuco. Cerne, Lavras, v. 21, n. 2, p. 169-174, 2015.), na Zona Restinga ocorre um uso diversificado e desordenado, com a prática de queimadas e o desmatamento para o uso indiscriminado da madeira na fabricação do carvão e em atendimento à demanda de solo desnudo para a agricultura. Assim, a extração vegetal e a agricultura atuam como principais agentes supressores da vegetação natural na paisagem.

Observa-se que, dos 18 fragmentos vegetacionais que foram extintos da paisagem de APA-MP, grande parte (n=16) estava estabelecida na Zona de Proteção dos Coqueirais. Nesta zona, de acordo com o Plano de Manejo, não há regulamentação específica para restrições e possibilidades de uso que impedem a supressão da vegetação remanescente (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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). No entanto, na definição de zona de proteção são apresentados os usos permitidos.

Figura 6
Fragmentos vegetacionais remanescentes nos anos de 2011 e 2020, nas Zonas de Proteção: Restinga e Coqueirais, APA Marituba do Peixe, Alagoas

Os fragmentos de vegetação remanescente presentes na Zona de Várzea e Formações Florestais não apresentaram mudança significativa, entre os anos de 2011 e 2020, mas alguns desses fragmentos foram reduzidos durante esse intervalo de tempo. A pouca alteração dos remanescentes vegetais nas feições de Várzea e Formações Florestais pode ser justificada pelas características físicas do ambiente. Nessas zonas, os remanescentes de floresta estacional exibem inter-relações com as áreas alagadas da várzea, além de se caracterizarem pela presença de grandes faixas de cordões arenosos na APA-MP (CASSUNDÉ; LIMA, 1980CASSUNDÉ, P. A. M.; LIMA, D. A. Recursos vegetais e sua preservação em Alagoas. Maceió: SEPLANDES; EDRN, 1980. 60 p.).

Na Zona de Recuperação, de Uso Semi-intensivo e Silvestre foram observados os menores fragmentos da APA-MP. Nessas zonas, entre 2011 e 2020, não houve muitas modificações quanto à cobertura de vegetação arbórea remanescente. Recomenda-se que na Zona de Recuperação devem ser executadas medidas que resultem na recomposição física e florística desses espaços, permitindo assim a recuperação da biodiversidade local (INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE, 2006INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE (AL). Plano de Manejo da APA da Marituba do Peixe. Alagoas, 2006. Disponível em: http://www.ima.al.gov.br/unidades-de-conservacao/uso-sustentavel/apa-do-marituba-do-peixe/. Acesso em: 1 dez. 2019.
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). Já na Zona de Uso Semi-Intensivo, são abrigadas áreas em que são admitidas explorações agrícolas com grau excessivo, e com riscos de maiores possibilidades de desmatamentos. Isso pode justificar que os menores fragmentos de vegetação remanescente da APA sejam encontrados nestas zonas, visto que a velocidade do desmatamento acontece em uma curta escala de tempo, influenciando, assim, no tamanho do fragmento (SANNT’ANNA; YOUNG, 2010SANT'ANNA, A. A; YOUNG, C. E. F. Direitos de propriedade, desmatamento e conflitos rurais na Amazônia. Economia aplicada, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 381-393, 2010. ).

O plano de manejo é um importante instrumento para gestão ambiental das APAs, no entanto, a falta de fiscalização aliada, muitas vezes, à complexidade e ao distanciamento da realidade local o tornam ineficaz, levando ao insucesso das APAs (ESTEVES; SOUZA, 2014ESTEVES, A. O.; SOUZA, M. P. Avaliação Ambiental Estratégica e Áreas de Proteção Ambiental. Engenharia Sanitária Ambiental, Rio de Janeiro, v. 19, nesp, p. 77-86, 2014. ). No caso específico da APA-MP, observa-se uma contradição no que é definido como Zona de Proteção e o praticado nessas zonas. Essa contradição fica evidente ao se observar a redução da quantidade e qualidade dos fragmentos florestais nas zonas de proteção.

4 CONCLUSÃO

A vegetação remanescente da APA-MP foi reduzida em área e em perímetro ao longo dos anos, incluindo a extinção de alguns fragmentos. A maioria desses fragmentos, que desapareceu da paisagem, possuía áreas iguais e/ou inferiores a 171 ha, e estava em duas zonas de proteção: Coqueirais e Restinga.

Outros fragmentos que desapareceram da paisagem, em um curto intervalo espaço-temporal de nove anos, foram os que apresentaram formas lineares (índice de forma maior que 3,7) e sem área-núcleo. Isso pode influenciar na estrutura e composição da biodiversidade da APA-MP, pois, se não forem tomadas precauções e/ou remediações necessárias, com o tempo, ocorrerá perda de hábitat e espécies, e esses fragmentos tenderão a desaparecer.

Na Zona de Várzea e Formações florestais, os fragmentos vegetacionais remanescentes permaneceram quase que intactos, porém, em ambas as zonas, os fragmentos permanecem pequenos, tanto em 2011, quanto em 2020. Não foi possível identificar cenários de recuperação ambiental em quaisquer zonas da APA-MP.

Os apontamentos deste estudo reforçam a necessidade de uma revisão e atualização do plano de manejo e no desenvolvimento de projetos e medidas de recuperação nas zonas de proteção da APA-MP, principalmente na zona de restinga, visto que é a zona mais impactada pelo desmatamento e que possui valores de métricas da paisagem que indicam um maior nível de fragilidade ambiental.

Projetos e ações de educação ambiental, envolvendo conceitos ecológicos, sociais, econômicos, científicos, e culturais, propostos pelas instituições competentes para a comunidade inscrita na APA-MP, podem contribuir para a sensibilização e conservação dessa área, além de reforçar a importância da APA para a sobrevivência de toda população tradicional presente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2021
  • Aceito
    18 Dez 2021
  • Aceito
    22 Set 2022
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