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Efeitos da Lei Florestal em áreas com diferentes tipologias vegetais na Chapada dos Veadeiros - Goiás

Effects of the Forest Law in areas with different vegetation types in Chapada dos Veadeiros - Goiás

Resumo

A legislação florestal brasileira, principal instrumento legal sobre proteção e restauração da vegetação natural, sofreu significativas mudanças nas últimas décadas. Tais mudanças afetam diretamente os biomas do país. Nesse contexto, o presente trabalho teve por objetivo avaliar se, com a edição da Lei Estadual nº 18.104, de 18/07/2013, houve alteração na composição da cobertura vegetal na região da Chapada dos Veadeiros - Goiás, no período de 2008 até 2018, que corresponde aos cinco anos anteriores e posteriores à promulgação da referida lei. Foi adotada uma metodologia quantitativa na qual as hipóteses são testadas a partir da coleta de dados, baseando-se em variáveis que possuem medição numérica. Buscou-se fazer uma análise estatística para configurar padrões de modo a comprovar ou refutar a hipótese de que a Lei Florestal afetou as diferentes tipologias vegetais na região da Chapada dos Veadeiros. Foi verificada uma tendência de redução das áreas de formação savânicas e campestre na região estudada e aumentos significativos das áreas cobertas por florestas plantadas, pastagens e agricultura. Não foram observadas diferenças significativas estatisticamente nas áreas com formação florestal. Esses resultados apontam que a edição da Lei nº 18.104/2013 pode ter favorecido alterações nas áreas cobertas por diferentes tipologias vegetais na região da Chapada dos Veadeiros - Goiás, reduzindo áreas de formação savânica e campestre e ampliando áreas cobertas por florestas plantadas, pastagens e agricultura.

Palavras-chave:
Bioma Cerrado; Desmatamento; Tipologias vegetais; Unidades de conservação; Lei Florestal

Abstract

Brazilian forestry legislation, the main legal instrument on the protection and restoration of natural vegetation, has undergone significant changes in recent decades. Such changes directly affect the country's biomes. In this context, the present work had as objective verify if, with the edition of the Forest Law of Goiás, nº 18,104/2013, there was a change in the composition of the vegetation cover in the region of Chapada dos Veadeiros - Goiás, in the period from 2008 to 2018, which corresponds five years before and after the enactment of the law. A quantitative methodology was adopted in which the hypothesis are tested based on the data collection, based on variables that have numerical measurement. An attempt was made to perform a statistical analysis to configure standards in order to prove or disprove hypothesis that the Forest Law affected the different plant typologies in the Chapada dos Veadeiros region. There was a tendency to reduce the areas of savanna and grassland formation in the studied region and significant increases in the areas covered by planted forests, pastures and agriculture. There were no statistically significant differences in areas with forest formation. These results indicate that the enactment of Law No 18,104/2013 may have favored changesin the areas covered by different plant types in the cover in the region of Chapada dos Veadeiros - Goiás, reducing areas of savanna and grassland formation and expanding areas covered by planted forests, pastures and agriculture.

Keywords:
Cerrado Biome; Deforestation; Vegetation types; Conservation units; Forest Law

1 INTRODUÇÃO

A legislação florestal é o principal instrumento legal que incide sobre a proteção e a restauração da vegetação natural, sendo um instrumento essencial ao equilíbrio entre o interesse privado, da produção agrícola, e o interesse coletivo, da preservação ambiental (SPAROVEK et al., 2011SPAROVEK, G. et al. A revisão do Código Florestal brasileiro. Novos estudos - CEBRAP, n. 89, p. 111-135, São Paulo. 2011. ). O primeiro Código Florestal brasileiro surgiu em 1934, durante o governo Getúlio Vargas, por meio do Decreto Federal nº 23.793. Esse Código foi reformulado em 1965, dando origem à Lei Federal n° 4.771/1965. Em 2012, após muitas discussões e polarização entre produtores rurais, comunidades científicas e diferentes setores da sociedade civil, foi editada outra versão do Código Florestal Brasileiro, sob a Lei n° 12.651/12 (RODRIGUES; MATAVELLI, 2020RODRIGUES, A. R.; MATAVELLI, C J. As principais alterações do Código Florestal Brasileiro. Revista Brasileira de Criminalística, v. 9, n. 1, p. 28-35, 2020. ISSN 2237-9223. DOI: http://dx.doi.org/10.15260/rbc.v9i1.300
http://dx.doi.org/10.15260/rbc.v9i1.300...
).

A Lei 12.651/12, também conhecida por Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), indica, dentre outras questões, a quantidade de área de uma propriedade rural que pode ser usada para a produção agrossilvipastoril e, ainda, quanto deve ser protegido ou ter uso restrito (BRANCALION et al., 2016BRANCALION, P. H. S. et al. A critical analysis of the Native Vegetation Protection Law of Brazil (2012): Updates and ongoing initiatives. Natureza e Conservação, v. 14, p. 1-15, 2016.). Se, por um lado, essa Lei estabelece instrumentos inovadores de controle e incentivo ao cumprimento da norma, por outro, ela traz a possibilidade de redução nas áreas de vegetação nativa a serem conservadas ou restauradas, como destacado por Brites (2020BRITES, A. D. A implementação do novo Código Florestal no estado de São Paulo: uma análise de discurso. Revista Brasileira de Meio Ambiente, v. 8, n. 4, 2020.), já que foram fragilizados os dois principais mecanismos de proteção à vegetação: as Áreas de Preservação Permanente (APP´s) e as áreas de Reserva Legal.

No Brasil, a Constituição de 1988 estabelece que a competência legislativa em matéria ambiental é concorrente entre união, estados e municípios (DUARTE; VICENTIN; REIS, 2019DUARTE, E. dos R.; VICENTIN, G. R.; REIS, L. C. Estado e sua Organização em Matéria Ambiental. Revista Brasileira de Gestão Ambiental , v. 13, n. 4, p. 42-49, 2019.). Nesse contexto, o estado de Goiás promulgou em 2013 a Lei nº 18.104 com o propósito de regulamentar alguns dispositivos estabelecidos, como as Áreas Rurais Consolidadas, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Programa de Regularização Ambiental (PRA) e a Cota de Reserva Ambiental (CRA), além de atender as alterações referentes às Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reservas Legais (RL).

Entretanto, as concessões promovidas na legislação florestal, em especial no tocante às APP´s e Áreas de Reserva Legal, podem ameaçar ainda mais a vegetação nativa no Brasil, em especial o Cerrado, bioma mais cobiçado e fragilizado pela expansão da fronteira agrícola (MACHADO et al., 2004MACHADO, R. B. et al. Estimativas de perda de área do Cerrado brasileiro. Conservação Internacional. Brasília, DF, 2004.; BEUCHLE et al., 2015BEUCHLE, R. et al. Land cover changes in the Brazilian Cerrado and Caatinga biomes from 1990 to 2010 based on a systematic remote sensing sampling approach. Applied Geography, v. 58, p. 116-127, 2015.). Essa região é considerada a savana mais rica do mundo do ponto de vista da diversidade biológica, com alta taxa de endemismo (MMA, 2007MMA - Ministério do Meio Ambiente. Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: Atualização - Portaria MMA Nº 9, de 23 de janeiro de 2007. Sec. de Biodiversidade e Florestas. Brasília, 2007.), e, por isso, definido como um dos hotspot (Região com alta biodiversidade (alta incidência de espécies endêmicas) e que está ameaçada no mais alto grau, devido aos impactos ambientais causados pela ação humana) mundiais (STRASSBURG et al., 2017STRASSBURG, B. B. N. et al. Moment of truth for the Cerrado hotspot. Nature Ecology & Evolution, v. 1, n. 4, p. 1 - 3. 2017. ). De acordo com Soares-Filho et al. (2014), essas concessões, previstas na Lei, reduziram em 58% a área potencial de vegetação nativa a ser recuperada em relação à legislação anterior.

Na região do Cerrado, no nordeste goiano, localiza-se a Chapada dos Veadeiros, dotada de grande biodiversidade e alto endemismo de espécies (MMA, 2007MMA - Ministério do Meio Ambiente. Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: Atualização - Portaria MMA Nº 9, de 23 de janeiro de 2007. Sec. de Biodiversidade e Florestas. Brasília, 2007.). Por ser a área contínua mais conservada do Cerrado no estado de Goiás, a região faz parte da Reserva da Biosfera, o que a torna de fundamental importância para a preservação da vegetação nativa no estado, visto que apenas 3% da área do Bioma Cerrado está legalmente protegida (BARBOSA, 2008BARBOSA, A. G. As Estratégias de Conservação da Biodiversidade na Chapada dos Veadeiros: Conflitos e Oportunidades. 2008. 117 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.). Nessa região existem diferentes tipos de Unidades de Conservação (UCs), tanto na esfera federal, quanto estadual e municipal (MMA, 2020MMA - Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.mma.gov.br/index.php/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs . Acesso em: 01 novembro de 2020.
https://www.mma.gov.br/index.php/areas-p...
). Para Hassler (2005HASSLER, M. L. A importância das Unidades de Conservação no Brasil. Sociedade & Natureza, v. 17, n. 33, 2005.), as Unidades de Conservação são o melhor mecanismo para a preservação de recursos naturais. As UCs são bastante valorizadas como estratégias de conservação, sendo os seus estabelecimentos considerados, em grande parte do mundo, o principal instrumento para a conservação da biodiversidade (BENSUSAN, 2006BENSUSAN, N. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2006., p. 12).

No entanto, a expansão do agronegócio, da pecuária extensiva, do desmatamento, da mineração e, também, a presença de usinas hidrelétricas têm ameaçado a biodiversidade da região (BARBOSA, 2008BARBOSA, A. G. As Estratégias de Conservação da Biodiversidade na Chapada dos Veadeiros: Conflitos e Oportunidades. 2008. 117 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.; MARQUES, 2018MARQUES, N. R. Os discursos concorrentes de desenvolvimento na Chapada dos Veadeiros: turismo e mineração em Cavalcante - GO. 96 p 2018. Dissertação. Centro de Excelência em Turismo. Brasília: UNB, 2018.). Nas últimas décadas foram implementadas políticas públicas que incentivaram a implantação da agricultura, pecuária e plantações de monoculturas exóticas nesta região (MORANDI, 2020MORANDI, D. T. et al. Delimitation of ecological corridors between conservation units in the Brazilian Cerrado using a GIS and AHP approach. Ecological Indicators, v. 115, p. 106440, 2020.), substituindo as áreas naturais e gerando um mosaico de fragmentos de vegetação com diferentes tamanhos e graus de conservação (OLIVEIRA et al., 2017OLIVEIRA, S. N. et al. Deforestation analysis in protected areas and scenario simulation for structural corridors in the agricultural frontier of Western Bahia, Brazil. Land Use Policy, v. 61, p. 40-52, 2017.). De acordo com Soares-Filho et al. (2014), 54% da vegetação nativa remanescente do país ocorre em propriedades privadas. Assim, as alterações estabelecidas pela Lei Florestal, em especial ao que refere às APPs e RLs, podem ampliar os riscos de destruição da vegetação nativa da região. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi verificar se, com a edição da Lei nº 18.104/13, houve alteração das áreas cobertas de diferentes tipologias vegetais na região da Chapada dos Veadeiros, Goiás, Brasil.

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste trabalho é caracterizada como descritiva quantitativa. A principal característica desta metodologia é que as hipóteses são testadas a partir da coleta de dados, baseando-se em variáveis que possuem medição numérica e se busca fazer uma análise estatística para configurar padrões de modo a comprovar ou refutar teorias (SCHNEIDER; FUJII; CORAZZA, 2017SCHNEIDER, E. M.; FUJII, R. A. X.; CORAZZA, M. J. Pesquisas quali-quantitativas: contribuições para a pesquisa em ensino de ciências. Revista Pesquisa Qualitativa, v. 5, n. 9, p. 569-584, 2017.). De acordo com Gil (2002GIL, A. C. Como classificar as pesquisas? In: GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 44-45.), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis. Ainda, conforme o mesmo autor, as pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática.

Dessa forma, a investigação se apoia nessas análises para gerar medidas precisas e confiáveis e evitar erros de análise e interpretação, implicando em uma abordagem dedutiva entre teoria e pesquisa, buscando resultados que relacionam os dados obtidos com as teorias que são suporte ao estudo (BRYMAN, 2012BRYMAN, A. Social research methods. 4th. ed. New York: Oxford University Press, 2012.; MARQUES; MELO, 2017MARQUES, K. A.; MELO, A. F. F. Abordagens metodológicas no campo da pesquisa científica. Blucher Education Proceedings, p. 77-87, 2017.).

2.1 Área de estudo

Como área de estudo, foi considerada a Microrregião da Chapada dos Veadeiros (Figura 1), que possui 21.337,58 km² de área total, e é composta por 8 municípios: Alto Paraíso de Goiás, Campos Belos, Cavalcante, Colinas do Sul, Monte Alegre de Goiás, Nova Roma, São João D’Aliança e Teresina de Goiás (JÚNIOR; FARIA; CARNEIRO, 2014OLIVEIRA JÚNIOR, G. C. et al. Estudos Microrregionais. Estudos e pesquisas econômicas, sociais e educacionais sobre as microrregiões de Goiás - microrregião da Chapada dos Veadeiros. Observatório do Mundo do Trabalho, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG. 2014.).

Figura 1
Microrregião da Chapada dos Veadeiros: composta pelos municípios de Alto Paraíso de Goiás, Campos Belos, Colina do Sul, Cavalcante, Monte Alegre de Goiás, Nova Roma, São João D' Aliança e Teresina de Goiás

2.2 Tipologias vegetais avaliadas

A região em estudo apresenta fitofisionomias (naturais ou plantadas) que englobam formações florestais, savânicas, campestres, floresta plantada, pastagem e agricultura, de acordo com discriminação estabelecida feita pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
http://mapbiomas.org ...
). Esse projeto produz mapas anuais de uso e cobertura da terra de todo o território brasileiro com base em imagens Landsat-8, com resolução espacial de 30 m (MAURANO; ESCADA, 2019MAURANO, L. E. P.; ESCADA, M. I. S. Comparação dos dados produzidos pelo PRODES versus dados do MapBiomas para o Bioma Amazônia. XIX SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO (XIX SBSR). 2019. Anais [...] p. 735-738, 2019.). Assim, neste trabalho foram consideradas as seguintes tipologias:

  • a) Formações florestais: englobam os tipos de vegetação com predomínio de espécies arbóreas, com formação de dossel contínuo (RIBEIRO; WALTER, 1998RIBEIRO, J. F. et al. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados - CPAC, p. 89-166, 1998.), além de florestas estacionais semidecíduas;

  • b) Formações savânicas: englobam o Cerrado stricto sensu, caracterizado pela presença de estratos arbóreo e arbustivo-herbáceo definidos, com árvores baixas, inclinadas, tortuosas, com ramificações irregulares e retorcidas, e geralmente com evidências de queimadas (RIBEIRO; WALTER, 1998RIBEIRO, J. F. et al. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados - CPAC, p. 89-166, 1998.);

  • c) Formações campestres: compreendem as vegetações com predominância de estrato herbáceo, com a presença de arbustos e subarbustos entremeados no estrato arbóreo (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
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    );

  • d) Florestas Plantadas: representam espécies arbóreas plantadas para fins comerciais, tais como Eucalyptus spp., Pinus spp e a Araucaria angustifolia (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
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    );

  • e) Pastagem: Áreas de pastagens, naturais ou plantadas, vinculadas à atividade agropecuária (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
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    );

  • f) Agricultura: áreas predominantemente ocupadas com cultivos anuais e culturas semi-perenes (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
    http://mapbiomas.org ...
    ).

2.3 Obtenção dos dados de classificação das tipologias vegetais

O processo de obtenção dos dados foi realizado conforme demonstrado na Figura 2. Foram utilizados mapas anuais de 2008 até 2018 do uso e cobertura do solo produzidos pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil, cuja metodologia é feita a partir da classificação automática, pixel a pixel, de imagens de satélites Landsat-8 (com resolução espacial de 30 metros). A cada pixel é atribuído um valor que se relaciona com a classificação do uso do solo. As classes majoritárias encontradas no mapeamento são: floresta, formação natural não florestal, agropecuária, área não vegetada e corpos d’água (MAPBIOMAS, 2019MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
http://mapbiomas.org ...
). O processamento das imagens foi realizado com o uso da plataforma Google Earth Engine (GEE).

Figura 2
Fluxograma de obtenção dos dados de tipologias vegetais

As imagens, disponibilizadas em formato Raster, foram recortadas de acordo com a região do estudo, e convertidas em arquivos vetoriais (shapefile). A partir disso, foi realizada uma classificação dos pixels em cada shapefile, sendo possível identificar as classes de uso e cobertura do solo. Para quantificar o uso e a cobertura do solo presentes na região, foi realizado um cálculo de área selecionando as feições correspondentes a partir dos valores de referência da tipologia vegetal predominante em cada pixel para cada categoria.

Os mosaicos foram gerados utilizando as cartas do IBGE, escala 1:250.000 para cada ano, contendo até 102 bandas e índices por pixel. Cada mosaico foi produzido pela integração espacial das distintas cenas Landsat-8 presentes em cada carta/camada e pela integração temporal pixel a pixel. Esses intervalos temporais foram definidos em função da variação da fenologia das tipologias vegetais em cada um dos biomas brasileiros. As classes identificadas e suas respectivas áreas foram tabeladas anualmente, dentro do período de 2008 a 2018, o que corresponde aos 5 anos anteriores e posteriores à promulgação da Lei Florestal de Goiás, em 18 de julho de 2013. As principais classificações de tipologia vegetal identificadas foram: formação florestal e savânica, floresta plantada, formação campestre, pastagem e agricultura.

2.4 Análises estatísticas desenvolvidas

A hipótese de que a Lei Florestal afeta as diferentes tipologias vegetais na região da Chapada dos Veadeiros foi testada utilizando-se a análise de teste-t, de amostras independentes por grupo. Neste estudo, a variável independente (categórica) adotada foi a Lei Florestal de Goiás (períodos anteriores e posteriores à promulgação da Lei n° 18.104/13), e a variável resposta foi a área correspondente a cada tipologia vegetal.

O período de tempo foi de dez anos, sendo cinco anos anteriores e cinco posteriores à promulgação da Lei Florestal de Goiás (de 2008 até 2018). As informações de 2013 não foram consideradas por ter sido o ano de publicação oficial da lei. As premissas do teste de normalidade dos resíduos e homogeneidade de variância foram testadas por meio do teste de Levene. Para verificar a distribuição dos dados, foi criado um box plot para cada tipologia vegetal com as seguintes informações: média, desvio padrão (DP) e intervalo de confiança (média ± 1,96 x desvio padrão). O box plot é uma técnica de análise exploratória utilizada para avaliar a distribuição empírica dos dados, representando graficamente as diferenças estatísticas dos dados observados por meio de quartis (ROSS, 2004ROSS, S. Introduction to Probability and Statistics for Engineers and Scientists, 3th. ed., p. 27. California: Elsevier Academic Press, 2004.). Neste estudo, a média representa o segundo quartil do box plot. O primeiro quartil foi calculado pela média menos o desvio padrão, o terceiro quartil é a média mais o desvio padrão. Já os limites superiores e inferiores foram calculados pela média mais ou menos o erro amostral (1,96 vezes o desvio padrão), respectivamente. O nível de confiança aplicado no teste foi 95% (p ≤ 0.05 e α = 0.95) e o processamento dessas análises foi realizado no software Statistica (WEIß, 2007WEIß, C.H. StatSoft, Inc., Tulsa, OK.Version 8. AStA Advances in Statistical Analysis, v. 91, p. 339-341, 2007. 10.1007/s10182-007-0038-x.
https://doi.org/10.1007/s10182-007-0038-...
).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no presente trabalho indicam alterações no uso e cobertura do solo na região da Chapada dos Veadeiros no período avaliado (Figura 3). Alterações na vegetação, a partir da mudança do Código Florestal, já foram previstas também em outros trabalhos, como em Tambosi et al. (2015TAMBOSI, L. R. et al. Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal. Estudos avançados, v. 29, n. 84, p. 151-162, 2015.), que alertavam que essas mudanças, ao promoverem uma redução da proteção da vegetação em todas as posições do relevo, alteram a capacidade de provisão de água, tanto em qualidade quanto regularidade, compatíveis com as demandas futuras. Siqueira et.al. (2016SIQUEIRA, M. N. et al. Ecological aspects related to ligneous vegetation in the permanent preservation areas of Mineiros, Goiás, in light of the new native vegetation protection policy-Law 12.651/2012. Revista Árvore, v. 40, n. 4, p. 575-584, 2016.) destacam que, devido a não exigência de recuperação das áreas de preservação permanente consolidadas, de acordo com a atual legislação de proteção da vegetação nativa, pode resultar em perdas significativas de espécies e indivíduos, além de facilitar os processos erosivos.

Figura 3
Uso e cobertura do solo na região da Chapada dos Veadeiros: a) 2008; b) 2012; c) 2018

As alterações no uso e na ocupação do solo podem também afetar o ciclo e a disponibilidade das águas, acentuando a ocorrência de desastres naturais e danos ambientais (COUTINHO et al., 2013COUTINHO, M. P. et al. O Código Florestal Atual (Lei Federal nº 12.651/2012) e suas implicações na prevenção de desastres naturais. Sustentabilidade em Debate, v. 4, n. 2, 237-256. 2013.; REIS et al., 2015REIS, L. C. et al. Código Florestal brasileiro: impactos econômicos e sociais no município de Bandeirantes-PR. Engenharia Agrícola, v. 35, n. 4, p. 778-788, 2015.). Com isso, tais mudanças foram avaliadas de forma individualizada para cada uma das seis principais tipologias vegetais, por meio de uma curva de tendência da área total em cada ano e um teste-t comparando as áreas em intervalos de cinco anos antes e após a promulgação da lei. Os resultados apresentados nas Figuras 4 e 5 serão discutidos nos tópicos abaixo.

Figura 4
Curvas de tendências na região da Chapada dos Veadeiros - Goiás, no período de 2008 a 2018, das áreas

Figura 5
Variação comparativa entre os períodos de 2008 a 2012 e 2014 a 2018 das áreas

3.1 Formação Florestal

A curva de tendência, aplicada ao período de 2008 a 2018, indicou uma redução da área coberta com formação florestal até o ano de 2013 (Figura 4a), ano de alteração da lei florestal no Estado de Goiás. A partir de então, essa fitofisionomia voltou a ampliar sua área na região da Chapada dos Veadeiros (GO).

Uma possível explicação para essa reversão é a regulamentação do instrumento da Reserva Legal Extra-Propriedade, através do art. 28 da Lei nº 18.104/13, que possibilita a compensação ou remanejamento da reserva legal para um local fora da propriedade. Além disso, no caso da não existência de Reserva Legal, a Lei permite que o proprietário possa cadastrar outra área não contígua, desde que seja no mesmo bioma (FRANÇA; MARTINS, 2020FRANÇA, S. F.; MARTINS, É. S. A dupla face dos polígonos que configuram, ambiental e historicamente, a microrregião da Chapada dos Veadeiros: proteção dos recursos naturais e a geração de conflitos. Finisterra, v. 55, n. 113. 2020.). O trabalho desenvolvido por Ferreira et al. (2007FERREIRA, L. G. et al. Sistema de reserva legal extra-propriedade em Goiás: análise de custo e benefícios econômicos e ambientais à escala da paisagem. Boletim Goiano de Geografia, v. 27, n. 1, p. 11-25, 2007.) já previa essa possibilidade, destacando que a Reserva Legal Extra-Propriedade pode se tornar um mecanismo de grande importância na promoção da aglomeração dos fragmentos florestais, o que, certamente, traria significativo impacto sobre a conservação da fauna e da flora. Apesar da linha de tendência apresentar o ano de 2013 como um ponto de inflexão, as análises realizadas não apresentaram diferenças estatísticas entre os períodos anterior e posterior à promulgação da Lei (Figura 5a).

3.2 Formação Savânica

A área com formação savânica apresentou uma tendência de decréscimo ao longo do período avaliado, em especial, após o ano de 2013, no qual foi promulgada a Lei nº 18.104. Tal fato pode ser explicado pela autorização de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas de preservação permanente consolidadas até 22 de julho de 2008, conforme o artigo 13º da respectiva lei (Figura 4b).

Nesse contexto, destaca-se que a perda de vegetação de cerrado stricto sensu traz grandes preocupações, já que o conhecimento sobre a composição e a estrutura das comunidades arbóreas dessa fitofisionomia é incipiente e se faz necessário para um melhor aproveitamento da floresta manejada e a ampliação das possibilidades de geração de renda para os extrativistas (LOCH; MUNIZ, 2016LOCH, V. do C.; MUNIZ, F. H. Estrutura da vegetação de cerrado stricto sensu com extração do Bacuri (Platonia insignis mart.) em uma reserva extrativista, na região meio-norte do Brasil. Revista de Biologia Neotropical, v. 13, n. 1, p. 20-30, 2016.).

Os resultados do presente trabalho também evidenciaram uma diferença significativa nas áreas com formação savânica entre o período anterior e posterior ao ano de 2013 (t = 3,916; g.l. = 8 e p = 0,004), indicando uma possível relação entre a perda de área de cerrado stricto sensu na região e a edição da Lei nº 18.104/13 (Figura 5b). Ressalta-se que esta Lei em seu art. 27 § 4º estabelece que “fica permitido, a título de regeneração inicial da Reserva Legal, o plantio de 50% (cinquenta por cento) de espécies exóticas consorciadas com espécies nativas do cerrado de ocorrência local”. Assim, a redução da área de formação savânica pode estar relacionada com o referido artigo.

3.3 Floresta plantada

Observou-se uma tendência de aumento nas áreas de florestas plantadas dentro do período avaliado na região da Chapada dos Veadeiros em Goiás (Figura 4c). As espécies utilizadas nessas áreas são consideradas exóticas ao Bioma Cerrado. Ehrenfeld (2003EHRENFELD, J. G. Effects of Exotic Plant Invasions on Soil Nutrient Cycling Processes. Ecosystems v. 6, p. 503-523. 2003.) demonstrou que as espécies exóticas podem aumentar o seu potencial de invasão global com mudanças nos ecossistemas, com alterações em propriedades ecológicas essenciais, como ciclagem de nutrientes e produtividade vegetal, que geram grandes impactos em nível de cadeias tróficas, estrutura, dominância, distribuição e funções de espécies, distribuição de biomassa, densidade de espécies, acúmulo de serrapilheira e de biomassa. Com isso, esse aumento deve continuar a ser monitorado para comprovação de seus efeitos.

De acordo com as análises estatísticas realizadas (Figura 5c), também foi observado um aumento significativo entre as áreas com florestas plantadas no período que antecedeu a promulgação da Lei nº 18.104/13 e nos cinco anos posteriores (t = -6,224; g.l. = 8 e p = 0,0002).

O aumento das áreas destinadas ao cultivo de florestas plantadas pode ser explicado por alguns fatores, como adaptação a várias condições ambientais, disponibilidade e facilidade de obtenção de informações silviculturais, maior produtividade de madeira em relação a outras espécies florestais, rápido crescimento, ciclos de corte de curta rotação e madeira com características aceitáveis para vários usos (REIS et al., 2017REIS, C. F. et al. Cenário do setor de florestas plantadas no Estado de Goiás. Embrapa Florestas-Livro científico (ALICE), 2017.). Entretanto, Moledo e Saad (2017MOLEDO, J. C.; SAAD, A. R. Plano de manejo florestal como forma de mitigação de impactos ambientais na silvicultura do eucalipto: uma avaliação nos municípios de Caçapava e Paraibuna, Vale do Paraíba, estado de São Paulo - Brasil. Revista Educação, v. 11, n. 3 ESP, p. 74, 2017.) estabelecem ações de mitigação dos impactos ambientais da expansão das florestas plantadas, alertando para alguns possíveis riscos, com destaque para: as mudanças sociais e culturais; a disponibilidade hídrica; as alterações do solo; e as mudanças na fauna e na flora.

3.4 Formação campestre

A formação campestre apresentou uma curva de tendência decrescente, indicando a perda de área ao longo do período avaliado (Figura 4d). De acordo com Souza, Moraes e Ribeiro (2005SOUZA, A; MORAES, M. G.; RIBEIRO, R. C. L. F. Gramíneas do cerrado: carboidratos não-estruturais e aspectos ecofisiológicos. Acta Botânica Brasilica, v. 19, n. 1, p. 81-90. 2005.), esse tipo de vegetação reúne características que as destacam como grupo evoluído e diversificado de plantas. Segundo os autores, as gramíneas possuem desempenho fotossintético eficiente em diversas condições, com grande capacidade de dispersão de diásporos, apresentando sistema radicular fasciculado, além de produzirem estolhos e rizomas.

Foi observada uma diferença significativa entre as áreas de formação campestre entre os cinco anos que antecederam a edição da Lei nº 18.104/13 e os cinco anos posteriores (t = 9,161; g.l. = 8 e p < 0,001), conforme pode ser observado na Figura 5d. Esse resultado pode ter relação com a implantação de novos dispositivos da Lei nº 18.104/13, como as Áreas Rurais Consolidadas, que removeram a exigência de recuperar a vegetação nativa em áreas de APPs e RL que foram desmatadas ilegalmente antes de 2008. Esse cenário propiciou que a área de preservação potencial a ser recuperada seja 58% menor que a área a ser recuperada de acordo com os termos da legislação anterior (SOARES-FILHO et al., 2014SOARES-FILHO, B. et al. Cracking Brazil's forest code. Science, 344(6182), 363-364, 2014.).

Outro fator que pode ter influenciado tal resultado é que os campos murundus estão inseridos em áreas de campo limpo e a formação campestre é constituída, principalmente, por áreas de campo limpo, campo sujo e campo rupestre. Segundo artigo 9°, inciso VII, parágrafos 2, 3 e 4, da Lei nº 18.104/13, fica dispensado o estabelecimento de APPs em algumas faixas de remanescentes de campos de murundus, é admitido a prática de agricultura em pequenas propriedades rurais e o plantio de culturas temporárias e sazonais na faixa de terra que fica exposta o período de vazante dos rios ou lagos. Além disso, se considerarmos que 40 milhões de hectares da vegetação nativa do Cerrado, em propriedades privadas, são considerados um “excedente ambiental”, essas áreas podem ser legalmente desmatadas por superarem os requisitos de conservação de APPs e RL exigidos pelo código florestal (SOARES-FILHO et al., 2014SOARES-FILHO, B. et al. Cracking Brazil's forest code. Science, 344(6182), 363-364, 2014.; VIEIRA et al., 2018VIEIRA, R. R. S. et al. Compliance to Brazil's Forest Code will not protect biodiversity and ecosystem services. Diversity and Distributions , v. 24, n. 4, p. 434-438, 2018.), alterando ainda mais a composição vegetal do bioma.

3.5 Pastagem

De acordo com o MAPBIOMAS (2019)MAPBIOMAS. Coleção 5 (1985 - 2019) da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil. Disponível em: Disponível em: http://mapbiomas.org . Acesso em: 27 set. 2020.
http://mapbiomas.org ...
, as áreas de pastagens também apresentaram uma tendência de aumento ao longo do período avaliado na região de estudo (Figura 4e), o que implica em um possível aumento das atividades ligadas à agropecuária. Essas atividades podem causar impactos sobre o ambiente, dentre eles a degradação do solo e a perda da biodiversidade (WÜST; TAGLIANI; CONCATO, 2015WÜST, C.; TAGLIANI, N.; CONCATO, A. C. A pecuária e sua influência impactante ao meio ambiente. In: VI CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL.2015. Anais [...] Porto Alegre: IBEAS, 2015. p. 1-5.), implicando em custos ambientais e ecológicos de difícil mensuração (ARAÚJO, 2010ARAÚJO, M. L. M. N. Impactos ambientais nas margens do Rio Piancó causados pela agropecuária. Revista Brasileira de Gestão Ambiental. v. 4, n. 1, p. 13-33, 2010.). Gomes (2019GOMES, C. S. Impactos da expansão do agronegócio brasileiro na conservação dos recursos naturais. Cadernos do Leste, v. 19, n. 19, 2019.) também alerta para possível erosão provocada pelo pisoteio do gado nas vertentes promovendo a erosão laminar e em sulco e, consequentemente, o assoreamento de cursos d’água.

A Figura 5e demonstra que esse aumento de áreas de pastagem foi estatisticamente significativo no período que antecedeu a promulgação da Lei nº 18.104/13 e aos cinco anos posteriores à sua edição (t = -6,152; g.l. = 8 e p < 0,001). Considerando que a região da Chapada dos Veadeiros possui diversas unidades de conservação (MMA, 2020), o aumento de áreas de pastagens ganha ainda mais relevância. Em 2013, Sampaio e Schmidt (2013SAMPAIO, A. B; SCHMIDT, I. B. Espécies Exóticas invasoras em unidades de conservação federais do Brasil. Biodiversidade Brasileira, v. 3, n. 2, p. 32-49, 2013.) apontaram a ocorrência de mais de 100 espécies vegetais exóticas invasoras em UCs brasileiras. Possivelmente esses números aumentaram consideravelmente nos últimos anos, uma vez que os registros de ocorrência dessas espécies não param de crescer e novos estudos foram desenvolvidos em diferentes regiões do Brasil (ARAÚJO; FABRICANTE, 2020ARAÚJO, K. C. T. de; FABRICANTE, J. R. Invasão biológica no Parque Nacional Serra de Itabaiana, Sergipe, Brasil. Revista de Ciências Ambientais, v. 14, n. 2, p. 43-50, 2020.).

3.6 Agricultura

A área coberta por agricultura também apresentou uma tendência de aumento (Figura 4f). De acordo com França e Martins (2020FRANÇA, S. F.; MARTINS, É. S. A dupla face dos polígonos que configuram, ambiental e historicamente, a microrregião da Chapada dos Veadeiros: proteção dos recursos naturais e a geração de conflitos. Finisterra, v. 55, n. 113. 2020.), no atual modelo de produção de alimentos, os solos e os recursos hídricos são bastante vulneráveis às ações antrópicas, uma vez que recebem cargas abusivas de agrotóxicos e, por consequência, são contaminados. Ainda conforme esses autores, as florestas são derrubadas para dar lugar à monocultura de produtos agrícolas e à pecuária.

Comprovou-se ainda que o aumento na área de agricultura na região da Chapada dos Veadeiros nos cinco anos posteriores à edição da Lei foi significativamente maior que nos cinco anos anteriores (t = -12,658; g.l. = 8 e p < 0,001), indicando uma possível relação entre a Lei e o aumento da área com agricultura nesta região (Figura 5f). A conversão de áreas com vegetação nativa para áreas com agricultura, mesmo que sejam mantidas as áreas de vegetação natural protegidas conforme a legislação, pode apresentar solos degradados e contaminados, devido ao manejo inadequado das áreas cultivadas, tendo como consequência a redução da vazão e da qualidade ambiental dos corpos d'água (SAMBUICHI et al., 2012SAMBUICHI, R. H. R. et al. A Sustentabilidade ambiental da agropecuária brasileira: impactos, políticas públicas e desafios. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. IPEA. 2012.).

4 CONCLUSÃO

Esta pesquisa indicou uma tendência de redução das áreas de formação savânica e formação campestre na região da Chapada dos Veadeiros, estado de Goiás, Brasil, tomando por base as diferenças estatísticas significativas entre os 5 anos anteriores e posteriores à promulgação da Lei nº 18.104/13 avaliados. Por outro lado, verificou-se aumentos significativos das áreas cobertas por florestas plantadas, pastagens e agricultura. Não foram observadas diferenças significativas nas áreas com formação florestal no período avaliado (2008 a 2018). Os resultados indicam que a edição da Lei nº 18.104/13 pode ter favorecido alterações, tanto positivas quanto negativas, nas áreas cobertas de diferentes tipologias vegetais na região da Chapada dos Veadeiros. Considerando a importância da região para a conservação do Bioma Cerrado, tornam-se necessários monitoramento e fiscalização permanentes nesta região, bem como a necessidade de se reavaliar as políticas públicas adotadas. A perda da biodiversidade da região pode implicar em danos imensuráveis para os recursos naturais locais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2021
  • Aceito
    04 Nov 2022
  • Publicado
    23 Nov 2022
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