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Comportamento químico e físico da madeira natural e termorretificada de clones de eucalipto

Chemical and physical behavior of natural and heat rectification wood of eucalyptus clones

RESUMO

O eucalipto é uma espécie das mais cultivadas no âmbito nacional, cuja madeira é amplamente utilizada na fabricação de móveis e outros produtos derivados. Entretanto, ela está sujeita a variações por conta de mudanças na umidade e outros fatores. Para minimizar tais variações, estudaram-se alguns tratamentos de forma pouco agressiva ao meio ambiente. Assim, este trabalho analisou as propriedades físicas e químicas da madeira de clones híbridos de Eucalyptus urograndis, in natura e termicamente modificada nas temperaturas de 140, 160, 180, 200 e 220°C, com 8,5 anos de idade, plantados em Buri-SP, Brasil. A caracterização física foi realizada segundo Brito, Garcia e Bortoletto (2006) e normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (1997), e a caracterização química segundo as normas Technical Association of the Pulp and Paper Industry (1999). Através de análises estatísticas de regressão fatorial com significância de 5%, o fator clone não causou interferência nas propriedades analisadas; a variação que ocorreu foi por conta da temperatura utilizada; a hemicelulose foi a principal propriedade química afetada por conta da temperatura; os tratamentos mais interessantes foram os realizados até 180 °C, uma vez que não comprometeram muito as propriedades químicas da madeira e, consequentemente, não afetariam tanto suas propriedades físicas e mecânicas.

Palavras-chave
Qualidade da madeira; Termorretificação da madeira; Densidade básica; Composição química

ABSTRACT

Eucalyptus is a species of the most cultivated in the national scope, whose wood is widely used in the manufacture of furniture and other derived products. However, it is subjected to variations due to changes in moisture and other factors. To minimize such variations, some treatments were studied in a non-environmentally aggressive manner. This work analyzed the physical and chemical properties of wood of hybrid clones of Eucalyptus urograndis, “in natura” and thermally modified at temperatures of 140, 160, 180, 200 and 220°C, with 8.5 years of age, planted in Buri-SP, Brazil. The physical characterization was performed according to Brito, Garcia and Bortoletto (2006) and Brazilian Association of Technical Standards (1997), and the chemical characterization according to Technical Association of the Pulp and Paper Industry (1999). Through statistical analysis of factorial regression with significance of 5%, the clone factor did not cause interference in the analyzed properties; the variation that occurred was due to the temperature used; the hemicellulose was the main chemical property affected by the temperature; the most interesting treatments were those performed up to 180°C, since they did not compromise much the chemical properties of the wood and, consequently, would not affect so much their physical and mechanical properties.

Keywords
Wood quality; Heat rectification of wood; Basic density; Chemical composition

1 INTRODUÇÃO

Em 2018, a produção industrial de madeira roliça no mundo cresceu 5%, atingindo uma produção recorde de 2,03 bilhões de metros cúbicos. O Brasil tem sido um dos grandes produtores de madeira do mundo, sendo o quinto em maior produção e consumo de madeira roliça com produção média de 150 milhões de metros cúbicos anuais (FAO, 2018FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). 2018. Global Forest Products. Disponível em: http://www.fao.org/3/ca7415en/ca7415en.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.
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). Dessa produção, grande parte é oriunda do plantio de espécies de Eucalyptus e Pinus, sendo que cerca de 70% são de espécies de eucaliptos, que são utilizados para abastecer os setores de energia e celulose, além do uso estrutural e moveleiro. Um dos principais motivos para utilizá-lo se deve ao seu rápido crescimento e sua fácil adaptação em grande parte dos biomas brasileiros, além de sua forma e seu rápido incremento volumétrico e seu alto nível tecnológico (IBÁ, 2016INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ). 2016. Relatório Anual. Disponível em: http:/www.iba.org/images/shared/Biblioteca/IBA_RelatorioAnual2016_pdf. Acesso em: 30 jun. 2021.
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).

O uso de espécies de reflorestamento, sobretudo do eucalipto, contribui para a redução da pressão sobre espécies nativas, que são exploradas de forma predatória principalmente para construção civil e na produção moveleira por conta de seu alto valor final. Essas espécies de crescimento rápido surgem como uma opção de substituição às espécies tradicionais que apresentam um crescimento mais lento, uma vez que sua vantagem no crescimento também permite o melhoramento genético, gerando um produto mais adequado para cada uso final. Entretanto, o ataque de pragas, a baixa estabilidade dimensional, entre outros problemas apontados pela indústria são, por muitas vezes, trazidos como impeditivos para seu uso, dificultando sua disseminação entre os consumidores finais, por isso, o desenvolvimento de técnicas de tratamento aplicáveis industrialmente tem sido estudado e implementado para melhoria de qualidade desse tipo de produto.

Os processos de modificação da madeira podem ser de quatro tipos: química, superficial, impregnação e térmica, sendo este último o que mais tem evoluído em termos comerciais, devido, principalmente, ao baixo custo do processo (MODES et al., 2017MODES, K., S; SANTINI, E. J.; VIVIAN, M. A.; HASELEIN, C. R. Efeito da termorretificação nas propriedades mecânicas das madeiras de Pinus taeda e Eucalyptus grandis. Ciência Florestal (Online), Santa Maria, v. 27, p. 291-302, 2017.).

O processo de retificação térmica da madeira, ou seja, a termorretificação, de um modo geral, confere à madeira colorações semelhantes àquelas de espécies tropicais de maior valor econômico, melhora a estabilidade dimensional e a resistência a fungos, logo é um processo que agrega valor a ela (MOURA; BRITO; BORTOLETTO JÚNIOR, 2012MOURA, L. F. de; BRITO, J. O.; BORTOLETTO JR, G. Efeitos da termorretificação na perda de massa e propriedades mecânicas de Eucalyptus grandis e Pinus caribaea var. hondurensis. Floresta, Curitiba, v. 42, n. 2, p. 305-314, abr./jun. 2012.). Esse processo também pode incentivar a oferta de madeira de reflorestamento em diversas regiões, além de reduzir a pressão por espécies nativas que são ameaçadas de extinção (BRITO; GARCIA; BORTOLETTO JÚNIOR, 2006BRITO, J. O.; GARCIA, J. N.; BORTOLETTO JÚNIOR, G. Densidade básica e retratibilidade da madeira de Eucalyptus grandis submetida a diferentes temperaturas de termorretificação. Rev. Cerne, Lavras, v. 12, n. 2, p. 182-188, 2006.).

Segundo Majano-Majano, Hughes e Cabo (2012)MAJANO-MAJANO, A.; HUGHES, M.; CABO, J. L. F. The fracture toughness and properties of thermally modified beech and ash at different moisture contents. Wood Sci. Technol., Munique, v. 1, n. 46, p. 5-21, 2012., as principais espécies de madeira tratadas termicamente até então eram do gênero Pinus, e somente desde então é que tem havido um interesse nessas madeiras tratadas termicamente para aplicações estruturais.

Tal técnica consiste na aplicação de calor, e em alguns casos específicos aliados à pressão, de forma intensa e controlada, a fim de melhorar o produto a ser produzido. O tratamento térmico da madeira tem sido realizado com temperaturas inferiores à da carbonização, ou seja, até 280°C, sendo assim um método que causa alterações na estrutura da madeira, devido à ação do calor (BORGES; QUIRINO, 2004BORGES, L. M.; QUIRINO, W. F. Higroscopicidade da madeira de Pinus caribaea var. hondurensis tratada termicamente. Revista Biomassa & Energia, Viçosa, v. 1, n. 2, p. 173-182, 2004.).

As melhorias aplicadas estão relacionadas com a reorganização dos constituintes químicos e anatômicos da madeira, e o foco principal desse tipo de tratamento é a produção de móveis, mas também podendo ser utilizado em elementos estruturais ou na produção de painéis, conforme constatado por Ferreira et al. (2018)FERREIRA, B. S.; CAMPOS, C. I.; RANGEL, E. C. Efeito da termorretificação na qualidade de colagem de lâminas de madeira para a produção de compensado. Ciência Florestal (Online), Santa Maria, v. 28, p. 274-282, 2018., que comparam painéis de pinus tratados por calor e por tratamentos tradicionais, obtendo resultados similares para ambos.

Com relação ao tratamento térmico, a variável mais importante desse processo é a seleção da faixa de temperatura, pois temperaturas muito baixas podem não realizar alterações significativas e temperaturas extremas podem causar degradação do material. Segundo Pessoa, Filho e Brito (2006)PESSOA, A. M. C.; FILHO, E. B.; BRITO, J. O. Avaliação da madeira termorretificada de Eucalyptus grandis submetida ao ataque de cupim de madeira seca Cryptotermes brevis. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 1, n. 72, p. 11-16, 2006., para o Eucalyptus grandis, as temperaturas mais elevadas apresentam melhores resultados, principalmente por conta da maior resistência com relação a ataques de cupins, apesar de não prover total resistência aos agentes xilófagos, os materiais submetidos a tais temperaturas sofreram menos danos e tiveram mais cupins mortos. A tendência para temperaturas maiores também foi observada por Fontoura et al. (2015)FONTOURA, M. R. et al. Propriedades mecânicas e químicas da madeira de Hovenia dulcis Thunberg. tratada termicamente. Ci. Madeira (Braz. J. Wood Science), Pelotas, v. 6, n. 3, p. 166-175, 2015. para a madeira Hovenia dulcis em ensaios de caracterização mecânica.

Segundo Windeisen, Strobel e Wegener (2007)WINDEISEN, E.; STROBEL, C.; WEGENER, C. Chemical changes during the production of thermo-treated beech wood. Wood Sci. Technol., Munique, v. 41, n. 6, p. 523-536, 2007., as mudanças nas características da madeira com a aplicação de tratamentos térmicos dependem da espécie, do teor de umidade, da atmosfera predominante, do método de aplicação, da temperatura e do tempo utilizados. Somado a isso, a temperatura influencia mais do que o tempo de termorretificação nas características da madeira. Além do que, em temperaturas acima de 150 °C, as alterações químicas e físicas causadas são permanentes.

Dentre os diversos processos de termorretificação, geralmente compartilham o fato de expor a madeira por elevadas temperaturas por um longo período (ROUSSET; PERRÉ; GIRARD, 2004ROUSSET, P.; PERRÉ, P.; GIRARD, P. Modification of mass transfer properties in poplar wood (P. robusta) by thermal treatment at high temperature. Holz als Roh - und Werkstoff, Berlin, v. 62, n. 2, p. 113-119, 2004.). Apesar de que, em determinadas espécies, o tempo de exposição pode não ser uma variável tão interessante de se estudar, como observado por Fontoura et al. (2015)FONTOURA, M. R. et al. Propriedades mecânicas e químicas da madeira de Hovenia dulcis Thunberg. tratada termicamente. Ci. Madeira (Braz. J. Wood Science), Pelotas, v. 6, n. 3, p. 166-175, 2015. que, para a Hovenia dulcis, realizar o tratamento em duas ou quatro horas não gera alterações com relação ao módulo de elasticidade (MOE) e módulo de ruptura (MOR) da madeira.

Em laboratório, a termorretificação é realizada estudando a circulação de ar forçada em temperaturas variando de 100 a 200°C, com o tempo variando de duas horas a um dia inteiro, para que ocorra degradação de parte das hemiceluloses e condensação de demais componentes (Brito; Garcia; Bortoletto, 2006BRITO, J. O.; GARCIA, J. N.; BORTOLETTO JÚNIOR, G. Densidade básica e retratibilidade da madeira de Eucalyptus grandis submetida a diferentes temperaturas de termorretificação. Rev. Cerne, Lavras, v. 12, n. 2, p. 182-188, 2006.). Por isso, o estudo da termorretificação em diversas espécies de madeira de reflorestamento se faz necessário, uma vez que as propriedades anatômicas de cada uma podem prover propriedades únicas para o produto, além do fato que o estudo com árvores, onde sua utilização inicial não seja para o setor moveleiro, pode demonstrar um possível uso para algumas florestas, gerando um produto de maior valor agregado e com mesmo potencial tecnológico.

As referências literárias indicam a necessidade de estudar melhor o processo de termorretificação, visando obter os benefícios desse tratamento térmico com o mínimo de perdas em relação às propriedades da madeira tratada. Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar o desempenho físico (densidade básica e inchamento volumétrico) e químico (holocelulose, alfacelulose, extrativos totais, cinzas e poder calorífico) da madeira de dois clones híbridos de Eucalyptus urograndis, in natura e termicamente tratada nas temperaturas de 140, 160, 180, 200 e 220°C em condições normais de oxigênio no interior de câmara de tratamento térmico. A espécie em questão é bastante utilizada em plantios florestais no Brasil e os clones escolhidos para este estudo são considerados importantes para as indústrias madeireiras da região sudoeste paulista.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Obtenção do material para o estudo

A madeira utilizada neste estudo foi obtida de árvores de dois clones híbridos (H e L) de Eucalyptus urograndis, provenientes de plantios com 8,5 anos de idade e espaçamento de 3,00 m x 2,00 m, localizados nas mesmas condições de solo e clima na região de Buri, São Paulo, Brasil. Ressalta-se que esse material foi plantado inicialmente para celulose, porém houve o interesse de analisar seu potencial sob diversas variáveis.

2.2 Preparo do material para a termorretificação

Foram selecionadas aleatoriamente 12 árvores de dois clones híbridos de Eucalyptus urograndis, sendo 6 do clone H e 6 do clone L, das quais suas toras basais foram desdobradas numa serraria e retiradas pranchas centralizadas em relação à medula, mais uma de cada lado destas (entre a medula e a periferia), que foram desempenadas na espessura de 2,54 cm e largura variada em relação aos vários diâmetros das toras.

Em seguida, de cada uma das pranchas, foram retiradas as suas extremidades, que continham rachaduras, e foram cortadas em peças de 70 cm de comprimento. Essas peças, devidamente identificadas, tiveram seus topos selados com pasta de silicone apropriada para altas temperaturas, que, com exceção da testemunha, foram termorretificadas em câmara elétrica a 140, 160, 180, 200 e 220 ºC.

Para cada temperatura de termorretificação, foram separadas duas peças de cada prancha e de cada clone, as quais foram empilhadas de modo gradeado com tabiques dentro da estufa elétrica. Esse material foi aquecido à temperatura de 100 °C por duas horas, e em seguida, foi submetido a uma elevação de temperatura de 1,34 °C/min, segundo as recomendações de Rousset, Perré e Girard (2004)ROUSSET, P.; PERRÉ, P.; GIRARD, P. Modification of mass transfer properties in poplar wood (P. robusta) by thermal treatment at high temperature. Holz als Roh - und Werkstoff, Berlin, v. 62, n. 2, p. 113-119, 2004. e Calonego et al. (2014)CALONEGO, F. W.; SEVERO, E. T. D.; LATORRACA, J. V. F. Effect of Thermal Modification on the Physical Properties of Juvenile and Mature Woods of Eucalyptus grandis. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 21, p. 108-113, 2014., até às temperaturas finais de cada tratamento, ou seja, a 140, 160, 180, 200 e 220 ºC, como observado na Figura 1. O quinto tratamento foi a amostra controle (testemunha), que teve sua temperatura elevada até 100 °C, até atingirem massa constante, conforme indicado por Pincelli, Brito e Corrente (2002)PINCELLI, A. L. P. S. M.; BRITO, J. O.; CORRENTE, J. E. Avaliação da termorretificação sobre a colagem na madeira de Eucalyptus saligna e Pinus caribaea var. hondurensis. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 1, n. 61, p. 122-132, 2002..

Figura 1
Exemplo de programa para a termorretificação da madeira

A madeira permaneceu na temperatura de cada tratamento por 2,5 horas por conta da afirmação de Bhuiyan, Hirai e Sobue (2001)BHUIYAN, T. R.; HIRAI, N.; SOBUE, N. Effect of intermittent heat treatment on crystallinity in wood cellulose. J. Wood Sci., Tokyo, v. 47, n. 5, p. 336-341, 2001. de que a cristalização da celulose ocorre após a primeira hora. Após a realização de cada termorretificação, a estufa foi desligada e as peças de madeira permaneceram em seu interior para o resfriamento natural até atingirem a temperatura ambiente.

De cada peça central de todos os tratamentos, foram retirados dois sarrafos centralizados entre a medula e a periferia, sendo um de cada lado da medula, que posteriormente foram cortados em peças (corpos de prova) de 5 cm x 3 cm x 2 cm, orientadas, respectivamente, nos planos longitudinal, radial e tangencial para determinação das propriedades físicas e químicas. O total foi de 135 peças, sendo 27 de cada tratamento.

2.3 Caracterização física da madeira

A caracterização física da madeira de eucalipto teve por objetivo determinar a densidade básica e a instabilidade dimensional através do inchamento da madeira natural (testemunha) e tratada termicamente.

Foram utilizados 30 corpos de prova isentos de defeitos como nós e rachaduras, segundo as especificações da ABNT NBR 7190 (1997)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Ações nas estruturas, propriedades da Madeira e dimensionamento dos estados limites de utilização - NBR 7190: 1997. ABNT, Rio de Janeiro, 1997. 107 P., ou seja, tirados de uma prancha central, com dimensões de 2,0 x 3,0 x 5,0 cm, sendo que a maior aresta foi orientada na direção longitudinal e a menor na direção tangencial. Para cada tratamento, foram tomados 6 corpos de prova, os quais foram saturados para a determinação da densidade básica e inchamento. Todos os corpos de prova foram identificados e ensaiados seguindo as mesmas especificações normativas da ABNT NBR 7190 (1997)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Ações nas estruturas, propriedades da Madeira e dimensionamento dos estados limites de utilização - NBR 7190: 1997. ABNT, Rio de Janeiro, 1997. 107 P.. As determinações físicas foram feitas com 6 repetições.

2.4 Caracterização química da madeira

A caracterização química da madeira de eucalipto teve por objetivo determinar o teor das substâncias químicas de alta massa molecular (alfacelulose, holocelulose e lignina) e das substâncias químicas de baixa massa molecular (extrativos e cinzas) na madeira natural (testemunha) e tratada termicamente.

Foram utilizados outros 30 corpos de prova isentos de nós, sendo 6 de cada tratamento (amostra composta). A preparação das amostras foi de acordo com a norma TAPPI T 264 cm-97, em que cada amostra foi picada em cavacos e, depois, reduzida a serragem em macromoinho do tipo Willey. A serragem foi classificada com o auxílio de peneiras para a obtenção da fração entre 40 e 60 mesh. Em seguida, foi obtido o teor de absolutamente seco da serragem de cada tratamento conforme a norma TAPPI T 201 om-93.

O teor de holocelulose (celulose + hemiceluloses) foi determinado através do método clorito de sódio tamponado e o teor de alfacelulose foi determinado segundo a norma TAPPI T 203 cm-99C.

Os extrativos totais foram obtidos segundo a norma TAPPI T 264 cm-97 e o teor de cinzas, ou seja, a porcentagem de material inorgânico, foi determinado segundo a norma TAPPI T 211 OM-02.

O teor de lignina total (lignina solúvel + lignina insolúvel) foi determinado pela Equação (1) abaixo.

Lt = 100 Et H (1)

Em que: Lt = Lignina total, em %; Et = Extrativos totais, em %; H = Holocelulose, em %.

Todas as análises químicas foram feitas com três repetições. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do Programa R, versão 3.6.2 em plataforma Windows 64 bits.

Foram utilizados testes de análise de regressão linear em tratamentos fatoriais, e foram tomados como fatores: a temperatura: variável contínua para regressão linear, cuja testemunha foi a condição a 100 °C por questões de modelagem matemática; e o Clone: variável qualitativa, que gerou duas curvas, caracterizando o sistema fatorial.

As análises foram realizadas dentro de cada uma das curvas, avaliando o fator temperatura dentro de cada clone, bem como entre as curvas, avaliando a similaridade delas, a fim de determinar se o tratamento agia de maneira similar em ambos os clones. Para todas as análises, foram adotadas significância de 5%.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Coloração das peças de madeira

Realizou-se a análise visual das peças de madeira posterior e anteriormente aos tratamentos térmicos aplicados e observaram-se mudanças na coloração conforme a variação da temperatura (Figura 2).

Essa mudança na coloração, proveniente de diferentes alterações químicas, pode representar uma maior aceitação ou rejeição pelo produto produzido, uma vez que precisaria ser testado no mercado a aceitação de peças de coloração mais escuras. Entretanto, do ponto de vista de se obter peças com cor mais próxima da madeira in natura, pode-se aplicar temperaturas menores na termorretificação delas, cuja alteração na cor é menos perceptível.

Figura 2
Comportamento da cor da madeira dos clones L e H após e antes da aplicação dos tratamentos de termorretificação

3.2 Densidade básica e inchamento volumétrico

Em seguida, foram realizados os testes físicos na madeira termorretificada nos clones H e L, cujos comportamentos da densidade básica são observados na Figura 3 e do inchamento volumétrico na Figura 4.

Figura 3
Comportamento da densidade básica da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Houve o aparecimento de rachaduras, provenientes dos tratamentos térmicos, as quais dificultaram a obtenção dos corpos de prova sem esse defeito, o que causou posterior ruído nas análises estatísticas quanto ao inchamento.

Figura 4
Comportamento do inchamento da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Por conta do aparecimento de rachaduras, proveniente da aplicação dos tratamentos térmicos, houve dificuldade em se obter corpos de prova totalmente homogêneos, ou seja, sem defeitos e com proporções iguais de alburno e cerne, dificultando as medições e gerando comportamentos sem padrões estatísticos conhecidos. O mais desejado seria um material com o crescimento menos acelerado, que acumulasse menos tensões de crescimento, de modo que apresentasse menos rachaduras durante o processo de termorretificação.

3.3 Composição química

A composição química da madeira de ambos os clones foi realizada com a determinação dos teores de: cinzas, extrativos totais, holocelulose, alfacelulose, lignina e poder calorífico. Não foi observado interferência significativa dos tratamentos aplicados no teor de cinzas, a uma significância de 5% em todos os tratamentos (Figura 5).

Figura 5
Comportamento do teor de cinzas da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Para o teor de extrativos totais (Figura 6), foi observado um decréscimo do mesmo em temperaturas mais baixas e um aumento em temperaturas mais elevadas. Isso ocorreu porque em temperaturas mais baixas houve a degradação de parte dos constituintes e entre eles, os extrativos voláteis da madeira. Em temperaturas mais elevadas, essa degradação tornou-se menos significativa por conta da alta degradação da holocelulose, sendo essa diferença significativa por conta apenas da temperatura, porém não diferindo o comportamento entre os clones a uma significância de 5%.

Figura 6
Comportamento do teor de extrativos totais da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Com relação à holocelulose (Figura 7), observa-se que o seu teor foi reduzindo com o aumento da temperatura de maneira semelhante para ambos os clones, tal comportamento foi observado com base em testes estatísticos com significância de 5%. A degradação pode ter ocorrido por conta de as hemiceluloses terem uma cadeia polimérica menor do que a da celulose (alfacelulose), sendo mais susceptíveis à degradação térmica. Comportamento semelhante foi encontrado por Pereira et al. (2013)PEREIRA, B. L. C. et al. Estudo da degradação térmica da madeira de Eucalyptus através de termogravimetria e calorimetria. Rev. Árvore, Viçosa, v. 37, n. 3, p. 567-576, may/jun., 2013. num estudo de degradação térmica da madeira de vários clones de eucalipto.

Figura 7
Comportamento do teor de holocelulose da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

A Figura 8 demonstra o comportamento da alfacelulose em decorrência dos tratamentos aplicados. Neste estudo, a celulose também foi degradada, a ponto de que no tratamento mais agressivo (220 °C) a celulose restante não pôde ser determinada completamente, uma vez que gelatinizou durante a análise, impossibilitando sua filtragem. Na análise estatística, foi observada diferença significativa entre os clones e entre as temperaturas a uma significância de 5%.

Figura 8
Comportamento do teor de alfacelulose da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Quanto ao teor de lignina total, obtida por meio da Equação 1, observou-se que houve diferença com significância de 5% de seu teor médio em relação aos tratamentos aplicados, sendo que no tratamento de 140 °C seu teor reduziu e posteriormente aumentou continuamente para ambos os clones (Figura 9). Esse aumento percebido foi em decorrência da diminuição da holocelulose. Com relação a esse comportamento, entende-se que a termorretificação ocasionou o desprendimento entre as cadeias de lignina e de hemiceluloses, facilitando sua degradação. Isso foi percebido com a determinação da holocelulose.

Figura 9
Comportamento do teor de lignina total da madeira dos clones H e L em relação aos tratamentos térmicos aplicados

Em relação às propriedades químicas analisadas, não houve interferência do fator clone para o comportamento, isso pode ser observado dado à similaridade das curvas geradas para cada um dos tratamentos realizados e os testes estatísticos desenvolvidos durante o estudo (todos com significância de 5%), o que implica que para ambos os híbridos utilizados na experimentação, a termorretificação agiu de maneira semelhante.

4 CONCLUSÕES

O presente trabalho permitiu as seguintes conclusões:

  • Foi possível observar que os tratamentos mais indicados para realização da termorretificação em ambos os clones foram os realizados até 180°C, por conta da coloração pouco modificada em relação à madeira natural, por causa de suas propriedades químicas não terem sido muito prejudicadas e pelo menor consumo energético em relação aos tratamentos com maiores temperaturas.

  • Com relação às propriedades físicas, não foi possível obter resultados conclusivos, pois, de modo geral, os tratamentos térmicos causaram muitos defeitos nas peças, os quais podem ter ocorrido porque esses clones não tinham como finalidade o desdobro em serraria, e sim a obtenção de celulose. Sendo assim, ao aplicar um tratamento agressivo à madeira, ela reagiu com a formação de colapsos e rachaduras.

  • Com relação às propriedades químicas, a termorretificação em temperaturas muito elevadas (200 e 220°C) degradou grande parte dos constituintes químicos da madeira em ambos os clones, o que pode causar um declínio na resistência mecânica da madeira no caso de utilizá-la para fins estruturais.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Universidade Estadual Paulista e ao Grupo Resinas Brasil por terem propiciado a realização da presente pesquisa.

Como citar este artigo

  • Barreiros, R. M.; Lisboa, F. D.; Gouvea, C. F.; Reis, A. M. F.; Godinho, E. Z.; Dias, K. B. Comportamento químico e físico da madeira natural e termorretificada de clones de eucalipto. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 1, e67304, p. 1-18, 2023. DOI 10.5902/1980509867304. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509867304.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2021
  • Aceito
    01 Dez 2022
  • Publicado
    03 Abr 2023
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