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Resgate vegetativo, estabelecimento in vitro e estaquia de Drimys brasiliensis Miers

Vegetative rescue, in vitro establishment and cutting technique of Drimys brasiliensis Miers

RESUMO

Drimys brasiliensis Miers, conhecida popularmente por cataia, é uma espécie arbórea nativa da Mata Atlântica que apresenta importância fitoquímica, fitoterapêutica, aromática e econômica, com amplo uso na medicina popular. É considerada uma espécie de difícil multiplicação via sementes, apresentando dormência por imaturidade embrionária. Assim, objetivou-se com este estudo analisar o resgate vegetativo, estabelecimento in vitro e a propagação via estaquia de Drimys brasiliensis. Para o resgate, realizou-se a aplicação das técnicas de anelamento a 30 e 90 cm do solo, semianelamento a 30 cm do solo e galhos podados acondicionados vertical e horizontalmente, sendo avaliada a capacidade de emissão de brotações. Com as brotações obtidas pelo resgate vegetativo, foram confeccionados os explantes utilizados para o estabelecimento in vitro, avaliando diferentes tempos de imersão em hipoclorito de sódio 1,0 % (v/v) (0, 10, 15 e 20 minutos). Foram avaliadas as percentagens de contaminação total, bacteriana, fúngica e oxidação fenólica. Na estaquia foram testadas brotações oriundas do resgate vegetativo, da parte aérea de indivíduo adulto e de galhos destacados e acondicionados em mini-túnel. Avaliaram-se a porcentagem de sobrevivência das estacas, porcentagem de estacas com calos e porcentagem de enraizamento. Em relação ao resgate vegetativo, a técnica de galhos podados resultou na indução de brotações, destacando os galhos acondicionados verticalmente (100%). No estabelecimento in vitro, a imersão em hipoclorito de sódio (1%) por 20 minutos se mostrou eficiente no controle da contaminação por fungos, entretanto, não foram observadas diferenças significativas em relação ao controle de contaminação bacteriana. Na estaquia, o uso de estacas provenientes de galhos podados ou anelamento/semianelamento mostrou potencial para estas técnicas na clonagem da espécie, obtendo resultados próximos a 10% de enraizamento. No geral, a espécie apresenta potencial de propagação vegetativa, contudo, são necessários ajustes nos protocolos de estabelecimento in vitro e estaquia.

Palavras-chave
Propagação vegetativa; Rejuvenescimento; Cultivo in vitro; Espécie nativa

ABSTRACT

Drimys brasiliensis Miers, popularly known as cataia, is a tree species native to the Atlantic Forest that has phytochemical, phytotherapeutic, aromatic and economic importance, with wide use in folk medicine. It is considered a species of difficult multiplication via seeds, presenting dormancy due to embryonic immaturity. Thus, the objective of this study was to analyze the vegetative rescue, in vitro establishment and propagation by way of cuttings of Drimys brasiliensis. For the rescue, the girdling techniques were applied at 30 and 90 cm from the ground, semi-girdling at 30 cm from the ground and pruned branches conditioned vertically and horizontally, being evaluated the shoot emission capacity. With the shoots obtained by vegetative rescue, the explants used for in vitro establishment were made, evaluating different immersion times in sodium hypochlorite 1.0 % (v/v) (0, 10, 15 and 20 minutes). The percentages of total, bacterial, fungal contamination and phenolic oxidation were evaluated. On the cuttings, shoots from vegetative rescue, from the aerial part of an adult individual and from detached branches were tested and placed in a mini-tunnel. The percentage of cuttings survival, percentage of cuttings with callus and percentage of rooting were evaluated. Regarding the vegetative rescue, the technique of pruned branches resulted in the induction of shoots, highlighting the branches conditioned vertically (100%). In the in vitro establishment, the immersion in sodium hypochlorite (1%) for 20 minutes proved to be efficient in the control of fungal contamination, however, no significant differences were observed in relation to the control of bacterial contamination. In cuttings, the use of cuttings from pruned branches or girdling/semi-girdling showed potential for these techniques in the cloning of the species, obtaining results close to 10% rooting. In general, the species has the potential for vegetative propagation, however, adjustments are necessary in the in vitro establishment and cutting protocols.

Keywords
Vegetative propagation; Rejuvenation; in vitro cultivation; Native species

1 INTRODUÇÃO

Drimys brasiliensis Miers., conhecida popularmente como cataia ou casca-d’anta, é uma espécie nativa da Floresta Ombrófila Mista da Mata Atlântica pertencente à família Winteraceae (BACKES; NARDINO, 1998BACKES, A.; NARDINO, M. Árvores, arbustos e algumas lianas nativas no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: UNISINOS, 1998, 202 p.; ABREU et al., 2005ABREU, D. C. A. et al. Caracterização morfológica de frutos e sementes de cataia (Drimys in vitr Miers. - Winteraceae). Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 27, n. 2, p. 67-74, 2005.). A espécie tem ocorrência em vários Estados do Brasil, principalmente em regiões montanhosas do Sul e Sudeste (MARCHIORI, 1997MARCHIORI, J. N. C. Dendrologia das angiospermas: das magnoliáceas às acurtiáceas. Santa Maria: UFSM, p. 271, 1997.). A casca-d’anta tem várias possíveis utilizações, como madeireiro, no paisagismo e, principalmente, medicinal (SIMÕES et al., 1986SIMÕES, C. M. O. et al. Plantas da medicina popular no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, p. 147, 1986.).

As sementes de D. brasiliensis apresentam dormência, em virtude da imaturidade embrionária que, por sua vez, é devido aos seus embriões serem rudimentares, necessitando de um período adicional para completar o seu desenvolvimento até que estejam aptas para germinação. Isso acaba dificultando a análise dessas sementes e, consequentemente, a produção de mudas da espécie (ABREU et al., 2005ABREU, D. C. A. et al. Caracterização morfológica de frutos e sementes de cataia (Drimys in vitr Miers. - Winteraceae). Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 27, n. 2, p. 67-74, 2005.). Contudo, devido à crescente demanda pelo cultivo de espécies florestais que apresentem algum potencial econômico, ou ainda visando a recuperação de sistemas degradados, diversos estudos têm sido desenvolvidos especialmente relacionados à seleção de genótipos mais adaptados às diversas condições ambientais, maior produtividade e superioridade genética e fisiológica (WENDLING; BRONDANI, 2015WENDLING, I; BRONDANI, G. Vegetative rescue and cuttings propagation of Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. Revista Árvore, Viçosa, v. 39, p. 93-104, 2015.) e à propagação vegetativa.

O uso de espécies nativas, visando um retorno econômico ou com o objetivo de recuperação de sistemas degradados, tem sido uma atividade rentável e de grande importância. Entretanto, a falta de conhecimento sobre as técnicas na produção de mudas de plantas nativas e, em algumas situações, a dificuldade de propagação pela via sexuada, em virtude da inviabilidade de suas sementes ou da necessidade de produzir um material com características mais homogêneas, indicam a propagação vegetativa como uma possível alternativa para a multiplicação dessas espécies (DIAS et al., 2015DIAS, P. C. et al. Vegetative rescue of Anadenanthera macrocarpa trees. Cerne, Lavras, v. 21, n. 1, p. 83-89, 2015.).

Com o objetivo de maximizar as características de interesse, é necessário selecionar materiais genéticos superiores. No entanto, tendo em vista a alta variabilidade dos povoamentos e a consequente presença de características genéticas indesejáveis (SOUZA et al., 2009SOUZA, J. C. A. V. et al. Propagação vegetativa de cedro australiano (Toona ciliata M. Roemer) por miniestaquia. Revista Árvore, Viçosa, v.33, p.205-213, 2009.), tornam-se indispensáveis estudos para seleção e propagação vegetativa da espécie. As matrizes selecionadas e, posteriormente, propagadas assexuadamente dão origem aos clones, nesse processo inicialmente ocorre o resgate do material superior. Para tanto, a primeira etapa após a seleção da matriz é a promoção de seu rejuvenescimento mediante a indução de brotações juvenis, sendo esse um material fisiologicamente mais apto ao enraizamento e com maior vigor de crescimento (WENDLING et al., 2015WENDLING, I. et al. Maturation in Corymbia torelliana × C. citriodora stock plants: effects of pruning height on shoot production, adventitious rooting capacity, stem anatomy, and auxin and abscisic acid concentrations. Forests, v. 6, p. 3763-3778, 2015.). A indução de brotações basais se apresenta como a forma mais eficiente de obter brotos juvenis de árvores adultas mediante o corte raso da planta-matriz (WENDLING et al., 2014WENDLING, I. et al. Maturation and related aspects in clonal forestry – Part II: reinvigoration, rejuvenation and juvenility maintenance. New Forests, v. 45, n. 4, p. 473-486, 2014.). Entretanto, a desvantagem do uso deste método de resgate vegetativo é a perda de copa ou mesmo a perda total do genótipo selecionado (BITENCOURT et al., 2009BITENCOURT, J. et al. Enraizamento de estacas de erva-mate (Ilex paraguariensis St. Hill) provenientes de brotações rejuvenescidas. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Botucatu, v. 11, p. 277-281, 2009.; WENDLING et al., 2013WENDLING, I. et al. Vegetative propagation of adult Ilex paraguariensis trees through epicormic shoots. Acta Scientiarum, Maringá, v. 35, n. 1, p. 117-125, 2013.), o que justifica a busca por alternativas que possibilitem o rejuvenescimento e revigoramento da planta-matriz, sem que a mesma seja perdida, principalmente em pesquisas envolvendo espécies nativas.

A micropropagação é uma das técnicas das cultura de tecidos mais difundida, amplamente estudada e com maiores aplicações práticas comprovadas (LUZ et al., 2014LUZ, J. M. Q. et al. Estabelecimento in vitro e aclimatização de Lippia alba (Mill.) NE Brown. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Botucatu, v. 16, p. 444-449, 2014.). Essa técnica tem como principal vantagem a possibilidade de obter várias plantas a partir de um explante inicial, independente da estação do ano. Assim, reduz o tempo e a área necessária para a propagação, melhora as condições sanitárias, reproduz indivíduos genotipicamente idênticos à planta-matriz e multiplica vegetativamente espécies que apresentam dificuldade de propagação por outros métodos (ERIG; SCHUCH, 2005ERIG, A. C.; SCHUCH, M. W.; Tipo de explante e controle da contaminação e oxidação no estabelecimento in vitro de plantas de macieira (Malus domestica Borkh.) cvs. Galaxy, Maxigala e Mastergala. Revista Brasileira Agrociência, Pelotas, v. 9, p. 221-227, 2005.). Dentre as fases da micropropagação, o estabelecimento é considerado uma das mais importantes do processo, exigindo maiores cuidados, principalmente com relação à contaminação dos explantes. Outra técnica de propagação vegetativa bastante utilizada é a estaquia (WENDLING; BRONDANI, 2015WENDLING, I; BRONDANI, G. Vegetative rescue and cuttings propagation of Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. Revista Árvore, Viçosa, v. 39, p. 93-104, 2015.), que pode propiciar não somente a obtenção de indivíduos idênticos à planta matriz, mas também tem o potencial de aumentar a obtenção de tecidos juvenis, a uniformidade e vigor na produção, maximizando o potencial de estabelecimento quando levadas à campo, podendo ainda ser uma ferramenta importante para a propagação de espécies de difícil enraizamento (TOSTA et al., 2012TOSTA, M. S. et al. Ácido indolbutírico na propagação vegetativa de cajaraneira. (Spondias sp). Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 33, p. 2727-2740, 2012.; BADILLA et al., 2016BADILLA, Y. et al. Eficiência do AIB no enraizamento de miniestacas de clones de Teca (Tectona grandis Linn F.). Revista Árvore, Viçosa, v. 40, n. 3, p. 477-485, 2016.).

Apesar da propagação vegetativa ter potencial para ser uma técnica eficaz na produção de mudas, são necessárias pesquisas que aumentem a sua eficiência, principalmente em espécies como a D. brasiliensis, a qual apesar de apresentar um grande potencial não é amplamente estudada. Portanto, objetivo geral da pesquisa foi avaliar a espécie D. brasiliensis quanto ao seu resgate vegetativo, estabelecimento in vitro e a propagação vegetativa via estaquia.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Resgate vegetativo

O material vegetativo foi coletado nos municípios de Urupema e São Joaquim - Santa Catarina, em florestas nativas de propriedades privadas. O município de Urupema localiza-se nas coordenadas geográficas 27°57'14"S, 49°52'27"W e São Joaquim nas coordenadas 28°17’19"S, 49°55’54"W (SANTA CATARINA, 2021). O clima de ambos os municípios é classificado como Cfb (ALVARES et al., 2013ALVARES, C. A. et al. Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrif., Stuttgart, v. 22, n..6, p. 711-728, 2013.), com temperatura média anual em Urupema de 14,1°C e 14,0°C em São Joaquim.

No experimento de resgate vegetativo, foram selecionadas 56 árvores, sendo 29 em Urupema e 27 em São Joaquim, nas quais foram aplicados diferentes métodos de resgate vegetativo (Tabela 1).

Tabela 1
Métodos de resgate vegetativos (tratamentos) e seus respectivos números de repetições testados para a espécie Drimys brasiliensis em dois municípios do estado de Santa Catarina

Para ambos os experimentos, as árvores selecionadas apresentavam boas condições estruturais físicas, nutricionais e fitossanitárias, além de obedecer a um distanciamento mínimo de 50 m entre si, evitando-se indivíduos com coeficientes de parentesco mais elevado. As técnicas de resgate vegetativo foram aplicadas em dezembro de 2019 e os experimentos nos dois locais de coleta o delineamento utilizado foi inteiramente casualizado. A não padronização dos tratamentos nas duas áreas deu-se em virtude do número limitado de matrizes disponíveis, objetivando-se realizar diferentes estudos de métodos de resgate.

No experimento instalado em Urupema, foram aplicados dois tratamentos, contendo quinze repetições (cada indivíduo constituiu-se de uma repetição) para o anelamento e quatorze repetições para o semianelamento, ambos aplicados a 30 cm do solo. A diferença se deu pela impossibilidade de mais indivíduos no mesmo local e com as mesmas condições. Para os procedimentos de anelamento e semianelamento, foram seccionadas duas linhas transversais ao tronco, em que foi cortada somente a espessura da casca de cada árvore e, posteriormente, removeu-se o anel de 2 cm de largura entre as linhas seccionadas em 100% da circunferência da árvore no anelamento e em 50% da circunferência no semianelamento.

Em São Joaquim, foram aplicados quatro tratamentos (Tabela 1) com nove repetições para todos os tratamentos. O procedimento de anelamento seguiu a descrição anterior sendo realizado a duas alturas (30 e 90 cm de altura do solo). Para o tratamento de coleta de galhos podados, estes foram obtidos de nove matrizes diferentes, sendo retirados dois galhos de cada matriz, um acondicionado verticalmente e outro horizontalmente.

Os galhos tiveram suas extremidades envolvidas em plástico, a fim de evitar a perda excessiva de umidade (Figura 1). Posteriormente, foram transportados para o Viveiro Florestal localizado no Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV/UDESC) em Lages – Santa Catarina, sendo armazenados em mini-tunel (estufim), com quatro irrigações diárias de cinco minutos cada.

Para a indução de brotações em campo, foram realizadas duas avaliações. A primeira aos 180 dias e a segunda aos 390 dias, após a aplicação das técnicas de resgate. Foram quantificados o número de árvores brotadas, o número de brotações por indivíduos, além da mortalidade. Foi ainda realizado o cálculo de correlação de Pearson a 5% de erro, a fim de avaliar a possível relação entre a porcentagem de mortalidade e o diâmetro das árvores. Para os galhos podados, cada galho foi considerado um indivíduo, sendo igual avaliado quanto ao brotamento, número de brotações e mortalidade.

Figura 1
Diferentes métodos de resgate vegetativo aplicados em Drimys brasiliensis: anelamento a 30 cm do solo (a), anelamento a 90 cm do solo (b), semianelamento a 30 cm do solo (c), galhos podados acondicionados verticalmente (d) e galhos podados acondicionados horizontalmente (e)

2.2 Estabelecimento in vitro

Os explantes utilizados no estabelecimento in vitro de D. brasiliensis foram obtidos a partir de brotações induzidas pelas técnicas de anelamento e semianelamento realizadas no município de Urupema. As brotações foram seccionadas em explantes de 2,0 – 2,5 cm de comprimento, contendo, pelo menos, um par de gemas axilares.

Os explantes foram lavados em água corrente, por cerca de 30 minutos, a fim de lixiviar substâncias fenólicas e reduzir contaminantes superficiais. Após essa higienização inicial, visando a desinfestação, os explantes foram submersos em detergente neutro (2 mL L-1), por 1 minuto. Em seguida, os explantes foram imersos em solução de etanol a 70%, por 30 segundos e, posteriormente, imersos em solução de hipoclorito de sódio a 1,0 % (v/v) durante três diferentes tempos de imersão: 0, 10, 15 e 20 minutos. Após a aplicação do hipoclorito de sódio, os explantes foram lavados três vezes com água estéril.

Os explantes foram introduzidos em frascos de vidro com capacidade para 150 ml, nos quais foram adicionados igualmente 30 ml de meio de cultura MS (MURASHIGE; SKOOG, 1962MURASHIGE, T., SKOOG, F. A revised medium for rapid growth and bioassays with tobacco tissue cultures. Physiologia Plantarum, Copenhagen, v. 15, p. 473-497, 1962.) com 50% da concentração de sais, 30 g L-1 de sacarose e 6 g L-1 de ágar. Foi adicionado, ainda, 250 mg L-1 de polivinilpirrolidona (PVP), com a finalidade de reduzir a oxidação fenólica. O pH do meio de cultura foi ajustado para 5,8 ± 0,1, antes da adição do ágar, e em seguida autoclavados à temperatura de 121 ºC (1,5 kgf cm-2) por 20 minutos. A fase de estabelecimento foi realizada em sala de crescimento, com temperatura 25 ± 2 °C e fotoperíodo de 16 horas de luz, a uma intensidade luminosa de 30 μmol m-2 s-1.

Cinco dias após a introdução dos explantes, iniciaram-se as avaliações diárias do experimento, durante os 10 dias subsequentes, obtendo-se informações sobre a porcentagem de contaminação total, porcentagem de contaminação bacteriana, porcentagem de contaminação fúngica e a porcentagem de oxidação fenólica. O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado com quatro tratamentos e três repetições, sendo cada repetição representada por dez frascos contendo três explante cada.

2.3 Estaquia

A coleta do material vegetativo utilizado nos experimentos de estaquia foi realizada somente na população localizada no município de São Joaquim – SC. Os tratamentos testados foram compostos por diferentes origens de brotações, sendo: brotações obtidas através da aplicação das técnicas de resgate (anelamento e semianelamento); brotações retiradas de partes áreas de um indivíduo adulto e brotações de galhos podados acondicionados em mini-tunel. Para o tratamento com estacas coletadas de indivíduo adulto, este possuía 17,3 de DAP e 5,70 de altura. Para esse tratamento selecionou-se apenas uma árvore matriz, para a retirada das brotações, a fim de anular a variação genotípica e de modo a considerar somente as variações causadas pelos diferentes tratamentos.

As estacas foram submetidas a uma dose padrão de AIB, sendo essa de 6000 mg L-1. As bases das estacas foram imergidas em solução de AIB (solução hidroalcóolica de 50%) por 15 segundos. As bandejas com as estacas foram acondicionadas em mini-tunel, por 180 dias, com temperatura no intervalo de 20 e 30ºC, umidade relativa do ar (UR) superior a 80%, e irrigadas com auxílio de nebulizadores.

O experimento foi realizado em delineamento inteiramente casualizado, contendo três repetições de nove estacas cada. As variáveis que foram estudadas quanto à utilização de estacas obtidas por meio de diferentes métodos de resgate de D. brasiliensis foram: porcentagem de sobrevivência, de formação de calos e enraizamento das estacas, além do número de raízes das estacas enraizadas. Foram consideradas estacas sobreviventes aquelas que apresentassem lenho vivo, com folhas velhas ou brotações novas. Para quantificação de calos, foram observados na base da estaca a presença de estruturas arredondadas e esbranquiçadas indicando a existência de calos.

2.4 Análise estatística

Após a verificação da normalidade dos dados por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e da homogeneidade pelo teste de Bartlett, realizou-se a análise de variância. Quando necessário, os dados foram transformados pela função (x + 0,5)0,5 e as médias foram comparadas pelo teste de Scott-Knott, a 5% de probabilidade. Para as análises, foi utilizado o pacote estatístico SISVAR (FERREIRA, 2011FERREIRA, D. F. Sisvar: a computer statistical analysis system. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 38, n. 2, p. 109-112, 2014.).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Resgate vegetativo

Em relação à sobrevivência, nos indivíduos analisados no município de Urupema, foi possível observar a mortalidade de árvores em que foram aplicadas as técnicas de anelamento e semianelamento a 30 cm do solo (Tabela 2).

Tabela 2
Porcentagem de mortalidade em resposta a diferentes métodos de resgate vegetativo aplicados à espécie Drimys brasiliensis em duas áreas distintas

Quanto às técnicas aplicadas nas árvores na área de São Joaquim, o tratamento a 30 cm do solo foi o único método que apresentou mortalidade. Esses resultados denotam que a espécie pode não suportar a retirada de um anel, principalmente no diâmetro total da árvore, sem comprometer sua sobrevivência. Santos Junior et al. (2021)SANTOS JUNIOR, C. F. S. et al. Resgate vegetativo de Cedrela fissilis Vell. por enraizamento de estacas de brotos epicórmicos e de copa. Ciência Rural, Santa Maria, v. 51, n. 8, p. 6, 2021. constaram que o anelamento possibilitou a obtenção brotações de Cedrela fissilis sem causar a morte das árvores-matrizes. Diante disso, a metodologia de aplicação dessas técnicas de resgate vegetativo pode não ser indicada para o resgate vegetativo da espécie D. brasiliensis.

Foi ainda realizado o cálculo de correlação de Pearson, a fim de avaliar se há relação entre as variáveis diâmetro à altura do peito (DAP) e mortalidade, entretanto, não houve correlação significativa entre as variáveis (r = -0,17 a um nível de significância de 0,05). Desse modo, a mortalidade pode estar atribuída a outros fatores, como por exemplo genético, haja vista que os métodos de resgate foram aplicados de forma padronizada com relação à altura do solo, espessura e profundidade do anelamento.

Em relação às técnicas de resgate vegetativo testadas em Urupema, houve diferença significativa na porcentagem de árvores brotadas após 180 dias entre o anelamento e semianelamento, ambos aplicados a 30 cm do solo. O anelamento apresentou resultados superiores em ambos os períodos de avaliação (Tabela 3). Menos de 10% das árvores submetidas ao semianelamento apresentaram brotações aos 180 dias. Contudo, o semianelamento alcançou-se quase 30% de brotação aos 390 dias.

Tabela 3
Porcentagem de árvores brotadas em resposta a diferentes métodos de resgate vegetativo aplicados à espécie Drimys brasiliensis em duas áreas distintas

O maior número de árvores brotadas por meio do anelamento pode ser atribuída a quebra de dominância apical causada pelo corte total do floema, que afeta o balanço hormonal entre auxina e citocinina, fotossimilados e metabolismo na área anelada (DIAS et al., 2015DIAS, P. C. et al. Vegetative rescue of Anadenanthera macrocarpa trees. Cerne, Lavras, v. 21, n. 1, p. 83-89, 2015.), diferentemente do tratamento de semianelamento em que ocorre a retirada parcial da circunferência da árvore, não sendo suficiente para causa o desbalanço hormonal necessário para a indução de brotações. No presente estudo, o semianelamento mostrou certo potencial de resgate após um maior período e após a aplicação das técnicas de resgate (390 dias), contudo, comparando-se ao anelamento, o resultado foi praticamente a metade de árvores brotadas. Carvalho (2020)CARVALHO, G. C. M. W. Resgate de matrizes e propagação vegetativa de Pathymenia reticulata Benth. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2020. estudando resgate de matrizes e propagação vegetativa de Plathymenia reticulata Benth. obteve somente 40% de suas matrizes com emissão de brotos, ao empregar a técnica de semianelamento, além de terem ocorrido em menor número, assemelhando-se aos resultados obtidos no presente trabalho.

Quanto ao método de resgate, testados em São Joaquin, as técnicas de anelamento não diferenciaram significativamente entre si na avaliação realizada aos 390 dias (Tabela 3). Aos 180 dias foi notada diferença entre os tratamentos, sendo que o resgate por galhos podados, especialmente os acondicionados verticalmente, mostrou ser o método mais eficiente na indução de brotações epicórmicas de árvores de D. brasiliensis, visto que todos os galhos podados que se encontravam na casa de vegetação emitiram brotações após 180 dias de acondicionamento. O semianelamento a 30 cm do solo, além de não ter se mostrado viável para a indução de brotações ao analisar a porcentagem de árvores brotadas, também apresentou baixa média de brotações por indivíduos (0,3) (Tabela 4).

Tabela 4
Número médio de brotações por indivíduo em resposta a diferentes métodos de resgate vegetativo aplicados à espécie Drimys brasiliensis em duas áreas distintas

Além da baixa aptidão da espécie à emissão de brotações, as técnicas foram aplicadas no mês de dezembro, período em que se inicia o verão, podendo atribuir à elevada temperatura o reduzido número de brotações obtidas. Segundo Hartmann et al. (2011)HARTMANN, H. T. et al. Plant propagation: principles e practices. 8. ed. Boston: Prentice Hall, p. 915, 2011., no verão há menor quantidade de reservas no caule, devido à alta atividade metabólica da parte aérea, dificultando a retomada do crescimento vegetativo. Ferriani et al. (2011)FERRIANI, A. P. et al. Sprouts production and rooting of Piptocarpha angustifoli. minicuttings. Pesquisa Florestal Brasileira, Colombo, v. 31, n. 67, p. 257-264, 2011. observaram no estudo sobre a espécie Piptocarpha angustifolia Dusén ex Malme um maior número de emissão de brotos durante o período da primavera. Além disso, possivelmente o vigor fisiológico e a idade ontogenética de algumas plantas têm influenciado negativamente a emissão de brotações, visto que as matrizes em que foram aplicadas as técnicas de resgate estão em condições naturais sem aplicação de fertilizantes ou qualquer tratamento silvicultura que favoreça seu crescimento (WENDLING et al., 2014WENDLING, I. et al. Maturation and related aspects in clonal forestry – Part II: reinvigoration, rejuvenation and juvenility maintenance. New Forests, v. 45, n. 4, p. 473-486, 2014.).

A técnica de galhos podados, além de ter apresentado maior porcentagem de brotações, também apresentou maior número de brotações (13,6 por árvore). Essa técnica também foi estudada por Almeida et al. (2007)ALMEIDA, F. D. et al. Vegetative propagation of selected Eucalyptus cloezian. F. Muell. trees through cutting technique. Revista Árvore, Viçosa, v. 31, n. 3, p. 445-453, 2007. ao abordarem a propagação vegetativa de Eucalyptus cloeziana, Wendling et al. (2009)WENDLING, I. et al. Indução de brotações epicórmicas ortotrópicas para a propagação vegetativa de árvores adultas de Araucaria angustifolia. Agronomía Costarricense, San José, v. 33, n. 2, p. 309-319, 2009. com Araucaria angustifolia e Meneguzzi (2017)MENEGUZZI, A. Resgate vegetativo e propagação in vitro de Persea willdenovii Kosterm. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages, 2017. ao tratar sobre o resgate da espécie Persea willdenovii Kosterm., destacam que o acondicionamento em casa de vegetação desenvolve um microclima favorável para a sobrevivência e emissão de brotos em galhos podados.

Foi observada uma diminuição quanto ao número de brotações emitidas aos 390 dias quando comparado ao número de brotos emitidos aos 180 dias após o acondicionamento dos galhos em mini-tunel. Wendling et al. (2009)WENDLING, I. et al. Indução de brotações epicórmicas ortotrópicas para a propagação vegetativa de árvores adultas de Araucaria angustifolia. Agronomía Costarricense, San José, v. 33, n. 2, p. 309-319, 2009., ao avaliarem brotações epicórmicas de Araucaria angustifólia, observaram uma diminuição no número de brotações no período de 60 a 90 dias após o acondicionamento dos galhos, com subsequente mortalidade de quase 100% do material, ocorrido após 120 dias. Essa redução pode estar associada ao esgotamento das reservas presentes nos galhos, competição por água, nutrientes, espaço e luz entre os brotos (WENDLING et al., 2009WENDLING, I. et al. Indução de brotações epicórmicas ortotrópicas para a propagação vegetativa de árvores adultas de Araucaria angustifolia. Agronomía Costarricense, San José, v. 33, n. 2, p. 309-319, 2009.; DIAS et al., 2015DIAS, P. C. et al. Vegetative rescue of Anadenanthera macrocarpa trees. Cerne, Lavras, v. 21, n. 1, p. 83-89, 2015.).

O método de galhos podados é recente e pouco difundido, apesar disso, em geral, pode proporcionar brotações precoces e em maior número e tamanho, quando comparado a outras técnicas. Além disso, possibilita o acompanhamento do desenvolvimento destas brotações em ambiente controlado oferecido pela casa de vegetação.

3.2 Estabelecimento in vitro

Em relação ao estabelecimento in vitro, todos os tratamentos apresentaram contaminação após iniciadas as avaliações diárias do quinto ao décimo dia, após a introdução dos explantes (Figura 2).

Figura 2
Porcentagens de contaminação total (a), fúngica (b), bactericida (c) e oxidação fenólica (d) no estabelecimento in vitro de explantes de Drimys brasiliensis submetidas a diferentes tempos de imersão em solução de hipoclorito de sódio a 1,0 % (v/v)

Os resultados mostram que na primeira avaliação, ocorrida ao quinto dia após a introdução, o tratamento em que os explantes não foram submetidos à imersão em hipoclorito de sódio apresentou 100% de contaminação, enquanto o tratamento com 20 minutos apresentou 86,7% ao final das avaliações, diferindo estatisticamente dos demais tratamentos (Figura 2a). Os tratamentos testados neste estudo não foram eficazes no controle da contaminação dos explantes introduzidos in vitro para D. brasiliensis, considerando que todos apresentaram percentagens acima do índice aceitável de contaminação que é igual a 10% (GEORGE, 1993GEORGE, E. F. Plant propagation by tissue culture - Part 1: The technology. Westbury: Exectics, 1993. 574p.; HARTMANN et al., 2011HARTMANN, H. T. et al. Plant propagation: principles e practices. 8. ed. Boston: Prentice Hall, p. 915, 2011.). De acordo com Erig e Schuch (2005)ERIG, A. C.; SCHUCH, M. W.; Tipo de explante e controle da contaminação e oxidação no estabelecimento in vitro de plantas de macieira (Malus domestica Borkh.) cvs. Galaxy, Maxigala e Mastergala. Revista Brasileira Agrociência, Pelotas, v. 9, p. 221-227, 2005., as plantas lenhosas possuem dificuldades para o estabelecimento in vitro, principalmente em virtude da contaminação por microrganismos, sendo a contaminação causada por fungos e bactérias um dos maiores entraves encontrados inicialmente na fase de estabelecimento do explante in vitro em especial na superfície dos tecidos de folhas, gemas e segmentos nodais (TEIXEIRA, 2005TEIXEIRA, J. B. Limitações ao processo de cultivo in vitro de espécies lenhosas. Brasilia: Embrapa – Recursos. Genéticos e Biotecnologia Brasília, 2005.). Além disso, na assepsia dos explantes não ocorre a exposição dos microrganismos endógenos aos agentes desinfestantes (XAVIER et al., 2013XAVIER A. et al. Silvicultura clonal: princípios e técnicas. 2. ed. Viçosa, MG: Ed. da UFV, 2013. 279 p.).

Os tratamentos com tempo de imersão de 0 e 20 minutos foram os que apresentaram a maior e a menor porcentagem de contaminação, respectivamente, durante todo o período de avaliação. A imersão por 20 minutos, apesar do aumento na contaminação fúngica (46,7%), ainda permaneceu como o melhor tratamento, sendo verificada a diferença estatística quando comparado aos demais (Figura 2b).

Quanto à contaminação causada por bactérias (Figura 2c), os tratamentos avaliados apresentaram menores percentagens em comparação à contaminação por fungos. Inicialmente, os quatro tratamentos apresentaram porcentagens de contaminação por bactérias, no entanto, o tratamento em que não houve imersão em hipoclorito de sódio apresentou maior porcentagem de contaminação (53,3%), enquanto o tratamento de maior tempo de imersão (20 minutos) apresentou a menor porcentagem (16,7%). Contudo, a partir do segundo dia de avaliação, nenhum dos tratamentos apresentou diferenças significativas. Esses resultados sugerem que o uso da solução de hipoclorito de sódio, para os tempos de imersão e concentração analisadas neste estudo, não possui influência quanto à contaminação bacteriana para a espécie estudada.

Esses resultados indicam que possivelmente os microrganismos estariam impregnados em locais onde o hipoclorito de sódio não teve alcance, haja vista que esse processo remove bactérias localizadas na superfície dos explantes (NADHA et al., 2012NADHA, H. K. et al. Identification and elimination of bacterial contamination during in vitro propagation of Guadua angustifolia Kunth. Pharmacognosy Magazine, Bangalore, v. 8, n. 30, p. 93-97, 2012.). Com isso, torna-se necessária a realização de novos ensaios, a fim de se testar outras concentrações e tempos de imersão e, possivelmente, outros agentes desinfestantes.

Outro fator que pode contribuir para o insucesso no estabelecimento in vitro é a utilização de material vegetativo coletado em campo, situação em que ocorre alta exposição a agentes contaminantes exógenos e endofíticos (PORFÍRIO et al., 2016PORFÍRIO, S. et al. Reviewing current knowledge on olive (Olea europae. L.) adventitious root formation. Scientia Horticulturae, v. 198, p. 207-226, 2016.). Alguns autores citam que intervenções feitas visando a prevenção contra agentes contaminantes têm influenciado positivamente, de forma a otimizar a etapa seguinte de desinfestação em laboratório, promovendo assim melhor assepsia dos explantes.

Quanto à oxidação fenólica (Figura 2d) do material vegetativo utilizado no estabelecimento in vitro, não houve diferença estatística entre os tratamentos no período do quinto ao oitavo dia de avaliação, contudo, ao final das avaliações realizadas ao décimo dia, o tratamento de maior tempo imersão em solução de hipoclorito (tratamento 4) foi responsável pela maior porcentagem de oxidação fenólica (46,7%), diferenciando-se estatisticamente do tratamento 1, o qual não se utilizou a solução de hipoclorito na assepsia dos explantes.

Embora, geralmente, apresente maior eficiência quanto à contaminação, um maior tempo de imersão pode afetar a viabilidade dos explantes, reduzindo-os por meio da perda de material por fitotoxidez (BARRUETO; ZIMMERMANN, 2006BARRUETO CID, L. P.; ZIMMERMANN, M. J. A. Contaminação in vitro de plantas. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, p. 20, 2006.). O uso de agentes desinfetantes, como o hipoclorito de sódio pode potencializar o aumento do estresse oxidativo (OLIVEIRA et al., 2021OLIVEIRA, N. P. et al. Controle de contaminação e oxidação no cultivo in vitro de oliveira (Olea europaea L.) cv. “Koroneiki”. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista, v. 10, n. 5, p. e30710514929-e30710514929, 2021.). Os resultados corroboram com o trabalho desenvolvido por Ferreira (2021)FERREIRA, M. G. R. et al. Propagação in vitro de cupuaçuzeiro. Saber Científico, Porto Velho, v. 2, n. 2, p. 37-44, 2021., na micropropagação de Theobroma grandifloruma partir de explantes florais, os quais foram imersos em hipoclorito de sódio durante 20 e 30 minutos nas concentrações 0,25 e 0,50%, sendo recomendado pelos autores o uso da menor concentração de hipoclorito de sódio(0,25%) com 20 minutos de imersão dos explantes, a fim de reduzir a oxidação fenólica dos tecidos dos explantes.

Além das dificuldades citadas anteriormente, outros fatores podem contribuir para a oxidação fenólica dos explantes, como o tempo elevado de transporte do campo ao laboratório e a tendência natural que algumas espécies possuem. De acordo com Yoshiko et al. (2001)YOSHIKO, A. S.; TEIXEIRA, H. C. D. Micropropagação de Celtis sp: controle da contaminação e oxidação. Cerne, Lavras, v. 7, n. 2, p. 117-123, 2001., quando a espécie possui alta suscetibilidade natural à oxidação fenólica, independente do tempo de imersão em solução desinfetante, a oxidação fenólica ocorrerá.

3.3 Estaquia

Com relação à estaquia, houve diferença significativa entre a origem das brotações (método de resgate) para a porcentagem de calos, sobrevivência e enraizamento. As maiores médias de percentagens de sobrevivência, formação de calos e enraizamento foram obtidos nos tratamentos de rejuvenescimento através de anelamento/semianelamento e galhos podados (Tabela 5).

Observou-se a formação de calos apenas para os tratamentos com estacas herbáceas obtidas através das técnicas anelamento/semianelamento e galhos podados. A superioridade das estacas herbáceas na formação de calos, além da menor lignificação dos tecidos, pode estar relacionada ao teor de auxina endógena no propágulo, visto que as estacas herbáceas estão próximas das gemas apicais, regiões de síntese de auxinas, resultando em maior concentração endógena desse hormônio, estando, assim, mais propensa ao enraizamento adventício (HARTMANN et al., 2011HARTMANN, H. T. et al. Plant propagation: principles e practices. 8. ed. Boston: Prentice Hall, p. 915, 2011.). Aguiar et al. (2021)AGUIAR, N. S. et al. Ácido indolbutírico na estaquia de Calliandra brevipes e Calliandra tweedii. Advances in Forestry Science, Cuiabá, v. 8, n. 1, p. 1327-1333, 2021., contrariando os resultados do presente estudo, avaliaram a estaquia das espécies Calliandra brevipes e Calliandra tweedii utilizando estacas semilenhoas em que observaram a presença de calos nas duas espécies (4,2% e 13,3%, respectivamente), também foi observado que a maior parte das estacas enraizadas possuía calos.

Tabela 5
Porcentagem de formação de calos, sobrevivência (%), enraizamento (%) e número de raízes em estacas de Drimys brasiliensis em função de diferentes métodos de resgate

Os resultados obtidos para a porcentagem de sobrevivência e enraizamento, além do número de raízes das estacas de D. brasiliensis indicam que o sucesso da estaquia de árvores adultas pode estar diretamente relacionado ao grau de lignificação das estacas, visto que os tratamentos em que foram utilizadas estacas herbáceas obtidas das técnicas de resgate vegetativo (anelamento/semianelamento e galhos podados) obtiveram melhores resultados quando comparados ao tratamento em que as estacas utilizadas possuíam características semilenhosas.

Os resultados para diferentes tipos de estaca podem variar conforme a espécie. No entanto, é possível identificar uma tendência para melhores resultados quando utilizadas estacas herbáceas para a multiplicação vegetativa por estaquia, visto que estacas herbáceas apresentam maior concentração de auxinas endógenas (FOLARODI et al., 2021FOLADORI-INVERNIZZI, S. et al. Estado da arte da propagação vegetativa por estaquia de espécies arbustivo-arbóreas. Revista Eletrônica Científica da UERGS, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 50-63, 2021.). Em alguns casos, estacas lenhosas e semilenhosas podem ser mais vantajosas, pois reduzem a desidratação do material, entretanto, podem acumular inibidores de enraizamento (XAVIER et al, 2013XAVIER A. et al. Silvicultura clonal: princípios e técnicas. 2. ed. Viçosa, MG: Ed. da UFV, 2013. 279 p.; HARTMANN et al., 2011HARTMANN, H. T. et al. Plant propagation: principles e practices. 8. ed. Boston: Prentice Hall, p. 915, 2011.). Hussain et al. (2017)HUSSAIN, I. et al. Cutting types collected at different seasons on Blackberry multiplication. Revista Brasileira de Fruticultura, Jaboticabal, v. 39, n. 3, 2017. avaliando a estaquia da espécie Rubus spp. com o uso de diferentes estacas com diferentes níveis de lignificação (herbáceas, semilenhosas e lenhosas) observaram melhores resultados relacionados à sobrevivência e enraizamento para estacas herbáceas.

Um fator importante para o sucesso da estaquia é a idade ontogenética da árvore-matriz que pode influenciar negativamente os resultados, havendo necessidade de rejuvenescimento desse material, visto que as plantas possuem um gradiente de juvenilidade no sentido ápice/base, logo, ramos maduros tendem a ter menor concentração de auxina (WENDLING et al., 2012WENDLING, I.; XAVIER, A. Gradiente de maturação e rejuvenescimento aplicado em espécies florestais. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 8, p. 187-194, 2012.; WENDLING et al., 2015WENDLING, I. et al. Maturation in Corymbia torelliana × C. citriodora stock plants: effects of pruning height on shoot production, adventitious rooting capacity, stem anatomy, and auxin and abscisic acid concentrations. Forests, v. 6, p. 3763-3778, 2015.). Além disso, outros fatores exógenos, como a utilização de reguladores vegetais, também podem influenciar a sobrevivência e enraizamento das estacas (HARTMANN et al., 2011HARTMANN, H. T. et al. Plant propagation: principles e practices. 8. ed. Boston: Prentice Hall, p. 915, 2011.; ZHANG et al., 2016ZHANG, W. et al. Mechanisms underlying the regulation of root formation in Malus hupehensis stem cuttings by using exogenous hormones. Journal Plant Growth Regulation, v. 36, n. 1, p. 1-12, 2016.; STUEPP et al., 2018STUEPP, C. A. et al. Vegetative propagation and application of clonal forestry in Brazilian native tree species. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.53, p. 985-1002, 2018.).

No geral as técnicas de rejuvenescimento, como galhos podados e anelamento/semianelamento mostraram potencial de clonagem da espécie, apresentando boa qualidade do enraizamento e potencial para geração de mudas de qualidade (Figura 3). Contudo, o empecilho está na baixa produção de brotações obtidas, podendo ser o maior limitante. O uso de galhos podados pode ser uma boa alternativa para a geração destes brotos, não correndo o risco de haver mortalidade de plantas e permitindo maior controle dos fatores ambientais para elevar a quantidade de brotos.

Figura 3
Estaca enraizada de Drimys brasiliensis obtida do rejuvenescimento por anelamento após 180 dias em ambiente de enraizamento

4 CONCLUSÕES

A técnica de semianelamento não se mostrou uma boa alternativa para a indução de brotações. Os tratamentos em que as árvores foram completamente aneladas a 30 cm do solo, de modo geral, apresentaram uma resposta positiva da espécie D. brasiliensis com relação à emissão de brotações, no entanto, causaram a morte de parte dos indivíduos.

O método de galhos podados apresentou melhores resultados considerando as três variáveis avaliadas, quando comparadas aos métodos de anelamento e semianelamento, sendo uma alternativa viável para o resgate de D. brasiliensis.

O hipoclorito de sódio demonstrou ser uma alternativa viável para o controle inicial da contaminação fúngica por maiores tempos de exposição. Enquanto, para a contaminação bacteriana, não foi observada influência significativa quando utilizado.

Na estaquia, recomenda-se o uso de estacas submetidas ao resgate vegetativo por galhos podados ou anelamento/semianelamento, mostrando serem técnicas potenciais na clonagem da espécie.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao BNDES pelo financiamento do projeto “Mais Florestas com Araucária” com financiamento de bolsa ao autor principal, à Fundação Certi pela condução do projeto e a FAPESC – pelo financiamento do grupo de pesquisa Gestão de Recursos Florestais Nº: FAPESC 27/2020.

Como citar este artigo

  • Silva, J. J. N.; Navroski, M. C.; Aquino, M. G. C.; Denega, L.; Fonseca, P. H. T.; Oliveira, L. M.; Pereira, M. O. Resgate vegetativo, estabelecimento in vitro e estaquia de Drimys brasiliensis Miers. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 1, e69093, p. 1-25, 2023. DOI 10.5902/1980509869093. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509869093.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2022
  • Aceito
    29 Nov 2022
  • Publicado
    10 Abr 2023
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