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Ecologia da comunidade arbórea de Cerrado stricto sensu às margens de rodovias

Ecology of the Cerrado stricto sensu arborea community to the roadside

RESUMO

A construção de rodovias representa uma das principais ameaças à biodiversidade do Cerrado. A partir de análises fitossociológicas nas faixas non aedificandi (sem edificação), avaliou-se o estado de conservação da vegetação de cerrado localizadas nas margens de rodovias. O estudo foi realizado em quatro regiões do Cerrado brasileiro: noroeste (NO-GO), sul (S-GO) e sudeste de Goiás (SE-GO), e no Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba em Minas Gerais (TRI). Foram inventariados todos os indivíduos arbóreos com C30cm (circunferência mensurada a 30 cm de altura do solo) > 15 cm presentes em 100 parcelas (50 m x 10 m) dispostas de maneira independente. O levantamento amostrou 1663 indivíduos distribuídos em 163 espécies e 44 famílias. A densidade para as regiões foi de 504,44, 395, 307,69 e 151,03 ha-1. A maior similaridade, com base nos índices de Jaccard e Morisita-Horn, ocorreu entre as áreas TRI e SE-GO (0,340 e 0,550), enquanto o menor valor entre as áreas a noroeste (NO-GO) e sul (S-GO) de Goiás (0,086 e 0,159). Das espécies encontradas nas margens de rodovias, 76,3% foram encontradas também em áreas conservadas. As faixas vegetadas nas margens das rodovias formam pequenos habitats capazes de sustentar uma diversidade semelhante à encontrada em áreas naturais, no entanto, esses ambientes sofrem com perturbações antrópicas, favorecendo a ocorrência de espécies incomuns daquela comunidade nativa.

Palavras-chave
Fitossociologia; Antropização; Faixas de proteção; Non aedificandi ; Savana

ABSTRACT

The construction of highways is a major threat to biodiversity the Cerrado. From the phytosociological analyzes in the non aedificandi ranges, this work evaluated its conservation status of cerrado vegetation near highways. The study was carried out in four regions of Cerrado: northwest (NO-GO), south (S-GO) and southeast of Goiás State (SE-GO), and in the Triângulo Mineiro and Alto do Paranaíba in Minas Gerais (TRI). All tree individuals with C30cm (circunference measuredat 30 cm of soil height) > 15 cm, present in 100 plots (50 m x 10 m) independently arranged. The survey showed 1663 individuals distributed in 163 species and 44 families. The density for the regions was 504.44, 395, 307.69 and 151.03 ha-1. The highest similarity on the basis of the Jaccard and Morisita-Horn indices occurred between the TRI and SE-GO areas (0.340 and 0.550), while the lowest values were between the northwest (NO-GO) and south (S-GO) of Goiás State (0.086 and 0.159). Of the species found on the roadsides, 76.3% were also found in conserved areas. The vegetated strips along the highways form small habitats capable of sustaining a diversity similar to that found in natural areas, yet these environments suffer from anthropic disturbances favoring the occurrence of unusual species of that native community.

Keyword
Phytosociology; Anthropization; Protection areas; Non aedificandi ; Savana

1 INTRODUÇÃO

Os impactos causados pelas estradas no ambiente são variados e causam desde a mortalidade da fauna por atropelamento (OLIVEIRA; SOUSA; SILVA, 2017OLIVEIRA, P.A.S.; SOUSA, E.F.; SILVA, F.B. Levantamento de animais vertebrados vítimas de atropelamentos em trechos das rodovias MG-223, MG-190 e BR-352. Revista GeTeC, Monte Carmelo, v. 6, n. 14, p. 128-148, 2017.), fragmentação de habitats, até alterações na vegetação próxima às rodovias e estradas rurais. Pelo fato de as rodovias acarretarem um dos maiores impactos diretos e negativos ao ambiente reduzindo a área de vida, a densidade de organismos e a riqueza de espécies (SPOONER; SMALLBONE, 2009SPOONER, P.G.; SMALLBONE, L. Effects of road age on the structure of roadside vegetation in south-eastern Australia. Agriculture Ecosystems & Environment, [s. l.], v. 129, n. 1-3, p. 57-64, 2009.; BRADY; RICHARDSON, 2017BRADY, S. P.; RICHARDSON, J. L. Road ecology: shifting gears toward evolutionary perspectives. Frontiers in Ecology and the Environment, [s. l.], v. 15, n. 2, p. 91-98, 2017.), deve existir uma faixa entre a rodovia e as propriedades próximas, denominadas faixas non aedificandi (sem edificação). Essas podem ser entendidas como Áreas de Preservação Permanentes pelo Código Florestal Brasileiro, Lei Nº 12.651/2012, quando declaradas de interesse social pelo Chefe do Poder Executivo, chamadas de “faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias”. No entanto, são escassos os estudos que avaliam o potencial conservacionista ao longo das estradas, criando assim uma lacuna quanto a real condição destas áreas.

Cerca de 12% a 17% das espécies de plantas espermatófitas estão presentes no Bioma Cerrado (FORZZA; BAUMGRATZ; BICUDO; CANHOS; CARVALHO-JUNIOR; COELHO; COSTA; COSTA; HOPKINS; LEITMAN; LOHMANN; LUGHADHA; MAIA; MARTINELLI; MENEZES; MORIN; PEIXOTO; PIRANI; PRADO; QUEIROZ; SOUZA; SOUZA; STEHAMANN; SYLVESTRE; WALTER; ZAPPI, 2012FORZZA, R.C.; BAUMGRATZ, J.F.A.; BICUDO, C.E.M.; CANHOS, D.A.; CARVALHO JUNIOR, A.A.; COELHO, M.A.N.; COSTA, A.F.; COSTA, D.P.; HOPKINS, M.G.; LEITMAN, P.M.; LOHMANN, L.G.; LUGHADHA, E.N.; MAIA, L.C.; MARTINELLI, G.; MENEZES, M.; MORIM, M. P.; PEIXOTO, A. L.; PIRANI, J. R.; PRADO, J.; QUEIROZ, L.P.; SOUZA, S.; SOUZA, V.C.; STEHAMANN, J. R.; SYLVESTRE, L.S.; WALTER, B.M.T. ZAPPI, D.C. New Brazilian Floristic List Highlights Conservation Challenges. BioScience, Uberlândia, v. 62, n. 1, p. 39-45, jan. 2012.) que chegou a possuir 2 milhões de Km² no Planalto Central brasileiro (KLINK; MACHADO, 2005KLINK, C.A.; MACHADO, R.B. A conservação do Cerrado brasileiro. Megadiversidade, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 147-155, 2005.). O bioma Cerrado é considerado um dos 35 hotspots de biodiversidade, apresentando grande área degradada ou destruída e possuidora de alto grau de endemismos (SLOAN; JENKINS; JOPPA; GAVEAU; LAURENCE, 2014SLOAN, S.; JENKINS, C.N.; JOPPA, L.N.; GAVEAU, D.L.A.; LAURENCE, W.F. Remaining natural vegetation in the global biodiversity hotspots. Biological Conservation, [s. l.], v. 177, n. 1, p. 12-24, 2014.).

Desse modo, as rodovias representam uma das principais ameaças à biodiversidade e interfere diretamente no ambiente, modificando as diferentes fitofisionomias e habitats por onde são construídas (VASCONCELOS; ARAÚJO; BRUNA, 2014VASCONCELOS, P.B.; ARAÚJO, G.M.; BRUNA, E.M. The role of roadsides in conserving Cerrado plant diversity. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 23, n. 1, p. 3035-3050, 2014.). Assim, as faixas de vegetação nativa localizadas nas margens das rodovias podem ser relevantes na manutenção da biodiversidade, havendo a necessidade de compreendermos o seu atual estado de degradação e fomentar maiores incentivos para sua conservação. Essas áreas podem ser consideradas relevantes por serem potenciais geradoras de benefícios, como a preservação de recursos naturais (BLATE, 2005BLATE, G.M. Modest trade-off between timber management and fire sustainability of Bolivian semi-deciduous forest. Ecological Applications, Washington D.C., v. 15, n. 5, p. 1649-1663, out. 2005.).

Uma das formas de reconhecer de fato o potencial de conservação das faixas vegetadas em beira de rodovia é identificando as espécies predominantes e comparando-as com comunidades vegetal nativa pouco antropizadas (ROCHA; VALE, 2017ROCHA, A.A.M.; VALE, V.S. Diversidade alfa e beta de comunidades vegetais de cerrado remanescentes nas beiras de estradas das margens de rodovias. Revista GeTeC, Monte Carmelo, v. 6, n. 13, p. 1-12, 2017.). Dessa forma, é possível verificar diferenças entre comunidades mais e menos antropizadas e compreender mudanças na biodiversidade como um todo e o potencial de resiliência da vegetação frente a mudanças ambientais (MONTEIRO; FALCÃO, 2020MONTEIRO, F.N; FALCÃO, K.S; Resiliência em fragmento perturbado no bioma Cerrado. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista, v. 9, n. 3, p. e33932351, jan. 2020.). Uma vez compreendido o comportamento dessas faixas de vegetação, será permitido o estabelecimento de políticas públicas mais efetivas que garantam a sua conservação.

Considerando a importância dessas áreas, o presente trabalho teve como objetivos: 1) Avaliar a atual condição das faixas non aedificandi, que sofrem impactos causados pelas rodovias e seu entorno, comparando as comunidades arbóreas de Cerrado presentes nestas faixas entre si e com áreas de Cerrado amostradas em áreas consideradas em bom estágio de conservação; e 2) Conferir a diversidade arbórea ao longo das rodovias, buscando definir as possíveis diferenças florísticas e estruturais entre as áreas amostradas e em relação aos cerrados considerados conservados e, assim, fornecer dados capazes de definir o valor florístico e conservacionista das comunidades arbóreas presentes nas faixas non aedificandi do Cerrado.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi realizado nas margens das faixas de domínio público das rodovias (faixas non aedificandi) em quatro localizações distintas do Brasil Central por meio da instalação de parcelas permanentes: 18 no noroeste do estado de Goiás (denominada NO-GO) (15º58’29” S, 50º06’18” O, rodovias GO-164; GO-070 e GO-060), 29 no sul do estado de Goiás (S-GO) ao entorno do município de Itumbiara-GO (18º16’55” S, 49º14’38” O, na BR-153), 13 na região sudeste do estado de Goiás (SE-GO), próximo ao município de Ipameri-GO (17º42’13” S, 48º09’31” O, no decorrer das rodovias GO-330; GO-213 e BR-490) e 40 no Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba em Minas Gerais (TRI) (18º49’04” S, 47º32’17” O, nas MG-190; MG-223; BR-365 e BR-352) (Figura 1). As faixas non aedificandi correspondem a 15 metros a partir da linha que define o limite da faixa de domínio das rodovias, nomeadas como “faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias”.

Figura 1
Representação das quatro regiões amostradas

Foram inventariadas apenas as faixas non aedificandi onde estava presente a fitofisionomia de savana arbórea (IBGE, 2012IBGE. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Rio de Janeiro, 2012. 271 p.), buscando-se evitar as manchas com fisionomia de floresta, áreas com ausência de vegetação ou que possuíam um elevado índice de degradação a ponto de haver pouca ou nenhuma vegetação arbórea (foco deste estudo). Para a coleta dos dados, utilizou-se o método de parcela, posicionando-as nas faixas non aedificandi vegetadas das rodovias, com distância mínima de 1 km entre parcelas. Ao todo foram amostradas 100 parcelas de 50 m x 10 m dispostas de forma independente, totalizando uma área amostral de cinco hectares (18 em NO-GO, 40 em TRI, 13 em SE-GO e 29 em S-GO). Os dados foram coletados de fevereiro de 2014 a agosto de 2017.

Foram amostrados todos os indivíduos arbóreos lenhosos vivos com circunferência maior ou igual a 15 cm a 30 cm do solo, com utilização de fita métrica para mensuração da circunferência das árvores. A identificação no nível de espécie quando possível ocorreu em campo. Quando necessária para fins de confirmação, foram coletados materiais botânicos férteis para serem identificados e consultados por especialistas. A classificação ao nível de famílias foi feita de acordo com o sistema Angiosperm Phylogeny Group IV (APG IV, 2016) e a confirmação e atualização dos nomes específicos foi feita a partir da base de dados Flora do Brasil (FLORA DO BRASIL, 2020).

Após análises prévias de agrupamento e similaridade, optou-se por apresentar os parâmetros fitossociológicos independentes para cada região amostral (NO-GO, SE-GO, S-GO, TRI), assim como as demais análises. Foram calculados os parâmetros fitossociológicos de densidade relativa (DR), dominância relativa (DoR), frequência relativa (FR), assim como o índice de valor de importância (IVI) para cada espécie, e o índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) e equabilidade de Pielou (J’) (MAGURRAN, 2004MAGURRAN, A. E. Measuring Biological Diversity. 1. ed. Blackwell Science, 2004. 256 p.).

Foi realizada, para todo o conjunto amostral, a curva do coletor utilizando o estimador Mao Tau por levar em consideração a riqueza total e por não estimar a curva para valores sobressalentes (COLWELL; MAO; CHANG, 2004COLWELL, R.K.; MAO, C.X.; CHANG, J. Interpolating, extrapolating and comparing incidence-based species accumulation curves. Ecology, Washington D.C., v. 85, n. 10, p. 2717-2727, abril. 2004.). Tal curva é utilizada para aferir a suficiência amostral e com a finalidade de comparação com 16 áreas de Cerrado conservado levantadas no trabalho de Lopes, Vale, Oliveira e Schiavini (2011).

Para a estimativa de riqueza e comparação entre as diferentes regiões, utilizou-se o método de rarefação baseado na área amostral. Nesta análise, usou-se o estimador não-paramétrico Chao 2 com 1.000 randomizações, devido ao fato de este se basear na incidência de espécies (COLWELL; CODDIGTON, 1994COLWELL, R.; CODDINGTON, J.A. Estimating terrestrial biodiversity through extrapolation. Philosophical Transactions of the Royal Society B, [s. l.], v. 345, n. 1311, p. 101-118, set. 1994.). A curva de estimativa de espécies foi ajustada por regressão logarítmica, transformando a curva espécies-área em uma regressão (KAFER; COLARES; HEFLER, 2011KAFER, D.D.S.; COLARES, I.G.; HEFLER, S.M. Composição florística e fitossociologia de macrófitas aquáticas em um banhado continental em Rio Grande, RS, Brasil. Rodriguésia, Rio de Janeiro, v. 62, n. 4, p. 835-846, 2011.). As análises de rarefação foram realizadas no software EstimateS 9.1.0 (COLWELL, 2004COLWELL, R.K.; MAO, C.X.; CHANG, J. Interpolating, extrapolating and comparing incidence-based species accumulation curves. Ecology, Washington D.C., v. 85, n. 10, p. 2717-2727, abril. 2004.; COLWELL, 2013COLWELL, R. K. EstimateS: Statistical esmation of spencies richness and shared species from samples. Version 9.1.0. [S. l.: s. n.], 2013.).

A partir da matriz de presença/ausência de espécies foi possível gerar um dendrograma entre as regiões utilizando o índice de similaridade de Jaccard (MAGURRAN, 2004MAGURRAN, A. E. Measuring Biological Diversity. 1. ed. Blackwell Science, 2004. 256 p.) e a partir da matriz de número de indivíduos por espécie nas parcelas foi gerado um dendrograma utilizando o índice de Morisita-Horn. A técnica de agrupamento para a formação do dendrograma utilizada foi a média de ligação de grupo (UPGMA) com uso do software PAST 2.17c (HAMMER; HARPER; RYAN, 2001HAMMER, O.; HARPER, D.A.R; RYAN, P.D. PAST: Paleontological Statistics software package for education and data analysis. Palaeontologia Electronica, [s. l.], v. 4, n. 1, p. 9, 2001.).

Através da análise de Escalonamento Multidimensional Não Métrico (nMDS), realizou-se a ordenação dos dados florísticos quantitativos das espécies por parcelas utilizando o índice de Morisita-Horn. Assim, foi gerado o gráfico da distribuição das espécies sobre a ordenação das unidades amostrais (parcelas), possibilitando a observação da semelhança dos grupos. Em seguida, foi calculada a estatística denominada (Resíduos Estandardizados residuais da Soma dos Quadrados - Standardized Residual Sum of Squares - STRESS), na qual quanto mais próximo de zero, menor é a distorção dos dados e a ordenação, portanto, melhor a representação das distâncias de dissimilaridade entre as parcelas. O mesmo procedimento foi realizado agrupando-se as parcelas de cada região. Todos os cálculos foram realizados pelo programa PAST 2.17c (HAMMER; HARPER; RYAN, 2001HAMMER, O.; HARPER, D.A.R; RYAN, P.D. PAST: Paleontological Statistics software package for education and data analysis. Palaeontologia Electronica, [s. l.], v. 4, n. 1, p. 9, 2001.).

Os dados florísticos amostrados foram comparados aos padrões florísticos encontrados por Ratter, Bridgewater e Ribeiro (2003)RATTER, J.A.; BRIDGEWATER, S.; RIBEIRO, J.F. Analysis of the floristic composition of the brazilian cerrado vegetation III: comparison of the woody vegetation of 376 areas. Edinburgh journal of botany, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 57-109, 2003. e Bridgewader, Ratter e Ribeiro (2004)BRIDGEWADER, S.; RATTER, J.A.; RIBEIRO, J.F. Biogeographic patterns, b-diversity and dominance in the Cerrado biome of Brazil. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 13, n. 12, p. 2295-2318, 2004.. Essa comparação teve a finalidade de avaliar se as espécies observadas neste trabalho coincidem com aquelas encontradas no Cerrado (Figura 2).

Figura 2
O mapa mostra os limites das seis províncias de Cerrado no Brasil e a localização geográfica do Brasil na América do Sul

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O levantamento fitossociológico realizado nas quatro regiões amostrou um total de 1.663 indivíduos distribuídos em 163 espécies e 44 famílias. Não foi possível a identificação de 15 indivíduos ao nível de espécie. Fabaceae foi a família que apresentou maior número de espécies (30), seguida por Bignoniaceae (17), Myrtaceae (13) e Malvaceae/Vochysiaceae (9). Das espécies encontradas por Lopes, Vale, Oliveira e Schiavini (2011)LOPES, S.F.; VALE, V.S.; OLIVEIRA, A.P.; SCHIAVINI, I. Analise comparativa da estrutura e composição florística de cerrado no Brasil Central. Interciencia, Santiago, v. 36, n. 1, p. 8-15, jan. 2011. em áreas conservadas, 76,3% foram encontradas nas margens de rodovias neste trabalho. Vasconcelos, Araújo e Bruna (2014)VASCONCELOS, P.B.; ARAÚJO, G.M.; BRUNA, E.M. The role of roadsides in conserving Cerrado plant diversity. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 23, n. 1, p. 3035-3050, 2014., em amostragem em beira de rodovia, encontraram valor de 70% de espécies encontras em áreas conservadas, sugerindo que a faixa vegetada da rodovia desempenha um papel importante para a conservação da biodiversidade do Cerrado.

Na área definida como NO-GO (Noroeste do estado do Goiás), foram encontrados 454 indivíduos distribuídos em 93 espécies e 33 famílias (Tabela 1). As famílias com maior representação foram Fabaceae (19), seguida de Myrtaceae (7), Anacardiaceae (5), Malvaceae (5) e Sapindaceae (5). As cinco espécies com maior valor de importância (VI) foram: Curatella americana L. (15,22%), Myracrodruon urundeuva Allemão (6,05%), Xylopia aromatica (Lam.) Mart (3,15%), Plathymenia reticulata Benth. (3,10%) e Pseudobombax longiflorum (Mart. & Zucc.) A. Robyns (2,99%).

Foram amostrados, em TRI (Triângulo Mineiro), 790 indivíduos pertencentes a 83 espécies e 34 famílias (Tabela 1). As famílias mais representativas foram Fabaceae com 15 espécies, seguida da Bignoniaceae com 12, Myrtaceae com 6 e Vochysiaceae 4. As cinco espécies com maior valor de dominância relativa foram: Dalbergia miscolobium Benth. (17,36%), Piptocarpha rotundifolia (Less.) Baker (6,57%), Qualea grandiflora Mart. (3,87%), Machaerium acutifolium Vogel (3,80%) e Pinus sp. (3,66%).

Para SE-GO (Sudeste do estado de Goiás), foram amostrados 200 indivíduos distribuídos em 45 espécies e 25 famílias (Tabela 1). Em ordem decrescente em riqueza de espécie foram as famílias Fabaceae (10), seguida de Bignoniaceae (4), Apocynaceae e Vochysiaceae (3) cada. As cinco espécies dominantes foram: Machaerium opacum Vogel (11,85%), Qualea grandiflora Mart. (9,10%), Piptocarpha rotundifolia (Less.) Baker (6,99%), Dimorphandra mollis Benth. (5,23%) e Curatella americana L. (4,7%).

Para S-GO (Sul do estado de Goiás), foram amostrados 219 indivíduos pertencentes a 32 espécies e 16 famílias (Tabela 1). Nessa região, as famílias mais representativas foram Fabaceae (11), Anacardiaceae e Rubiaceae (3) cada, Apocynaceae, Bignoniaceae, Malvaceae, Myrtaceae, Sapindaceae e Vochysiaceae (2) cada. As cinco espécies de maior VI foram: Astronium fraxinifolium Schott (22,78%), Luehea divaricata Mart. (14,78%), Jacaranda cuspidifolia Mart.ex A. DC. (6,39%), Schefflera macrocarpa (Cham. & Schltdl.) Frodin (5,56%) e Machaerium acutifolium Vogel (5,49%).

Tabela 1
Estrutura das fitofisionomias amostradas nas faixas “non aedificandi” às margens das rodovias no noroeste, sul e sudeste do estado de Goiás e Triângulo Mineiro

O número de espécies encontradas para cada região está dentro dos parâmetros para amostragens florísticas de Cerrado, cujos valores frequentemente estão entre 44 e 97 (LOPES; VALE; OLIVEIRA; SCHIAVINI, 2011LOPES, S.F.; VALE, V.S.; OLIVEIRA, A.P.; SCHIAVINI, I. Analise comparativa da estrutura e composição florística de cerrado no Brasil Central. Interciencia, Santiago, v. 36, n. 1, p. 8-15, jan. 2011.). A curva do coletor utilizando Mao Tau (Figura 3) não estabilizou, sugerindo que mais parcelas representariam uma maior quantidade de espécies. O modelo logarítmico foi o melhor modelo para aferir a riqueza utilizando o estimador Mao Tau e apresentou um elevado coeficiente de determinação, indicando a confiabilidade dos dados e que a partir da amostragem de novas áreas haverá o surgimento de novas espécies. Em amostragem de Cerrado conservado, Lopes, Vale, Oliveira e Schiavini (2011)LOPES, S.F.; VALE, V.S.; OLIVEIRA, A.P.; SCHIAVINI, I. Analise comparativa da estrutura e composição florística de cerrado no Brasil Central. Interciencia, Santiago, v. 36, n. 1, p. 8-15, jan. 2011. encontraram riqueza de 253 espécies amostrando 25 ha, ao utilizar a fórmula logarítmica (Figura 3) para os 5 ha amostrados em beira de rodovia neste trabalho, caso a amostragem fosse equivalente, a riqueza seria de 221 espécies.

Figura 3
Curva do coletor com base do estimador Mao Tau, ajustada com curva de regressão logarítmica para levantamento de 5 (cinco) hectares das quatro áreas nas faixas non aedificandi às margens das rodovias e estradas no noroeste, sul e sudeste do estado de Goiás e Triângulo mineiro

A curva de rarefação não estabilizou para nenhuma das regiões amostrais exceto para S-GO, considerando todo o território natural do Cerrado, o esforço amostral foi pouco expressivo, sugerindo que mesmo com a pressão dos impactos das rodovias a riqueza de espécies amostradas é alta, porém foram encontradas apenas 15 espécies endêmicas (1,64%), valores muito inferiores as 48 espécies endêmicas (5,25%) presentes nos cerrados conservados avaliados (FLORA DO BRASIL, 2020Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/. Acesso em: 25 out. 2020.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/...
). Isso sugere que a modificação da dinâmica natural do Cerrado próximo às estradas afeta de maneira negativa a permanência das espécies endêmicas (ROCHA; VALE, 2017ROCHA, A.A.M.; VALE, V.S. Diversidade alfa e beta de comunidades vegetais de cerrado remanescentes nas beiras de estradas das margens de rodovias. Revista GeTeC, Monte Carmelo, v. 6, n. 13, p. 1-12, 2017.). Portanto são necessários mais estudos direcionados aos impactos diretos provocados pela criação de rodovias, por serem áreas sensíveis, devendo assim ter preferência em estudos sobre conservação. Esses ambientes são fortemente afetados por diversos impactos, os quais variam desde atropelamentos e afugentamento da fauna, até o aumento da intensidade luminosa no solo, dispersão de poluentes, fragmentação do habitat e aumento da incidência do fogo (TURCO; GALLARDO, 2018TURCO, L.E.G.; GALLARDO, A.L.C.F. Avaliação de Impacto Ambiental e Avaliação Ambiental Estratégica: Há Evidências de Tiering no Planejamento de Transportes Paulista? Gestão & Regionalidade, [s. l.], v. 34, n. 101, maio, 2018.; CARNEIRO; MELO; NETO; GONÇALVES; RIBEIRO, 2015CARNEIRO, V.A.; MELO, C.; NETO, S.; GONÇALVES, B.B.; RIBEIRO, F.J.C. Fauna Atropelada nas Estradas do Município de Chapadão do Céu (Goiás, Brasil). Revista Percurso, Maringá, v. 7, n. 1, p. 97-114, 2015.).

De acordo com os índices de Shannon e de Pielou, a região NO-GO possuiu maior diversidade e uniformidade na distribuição dos indivíduos entre as espécies amostradas, seguindo por TRI, SE-GO, e com a menor diversidade por área está S-GO. Através da análise dos estimadores, a região de NO-GO possui maior riqueza que as demais áreas, fator influenciador da alta diversidade nesta região.

Com base no estimador Chao 2, a flora arbórea estimada para a região NO-GO foi de 148,1 espécies em 0,9 hectares. Para a região, TRI foi de 123,6 espécies em dois hectares, seguida de SE-GO com 69,35 espécies em 0,65 hectares e S-GO com 45,55 espécies acumuladas em 1,45 hectares, e para os cinco hectares totais o valor estimado foi de 255,07 espécies cumuladas (Figura 4).

Figura 4
Riqueza cumulativa com base do estimador Chao 2 para o levantamento fitossociológico das quatro áreas nas faixas non aedificandi às margens das rodovias e estradas no noroeste, sul e sudeste do estado de Goiás e Triângulo mineiro

A similaridade florística pelos índices de Jaccard e Morisita-Horn foi maior entre as áreas TRI e SE-GO (0,340 e 0,550 respectivamente) demonstrando haver razoável similaridade florística e alta similaridade estrutural entre si, diferentemente de NO-GO e S-GO, que apresentaram a menor similaridade entre as áreas (0,086 e 0,159) (Tabela 2).

Tabela 2
Índice de similaridade florística para quatro áreas de cerrado, localizadas nas faixas non aedificandi as margens das rodovias e estradas no noroeste (NO-GO), sul (S-GO) e sudeste (SE-GO) do estado de Goiás e Triângulo mineiro (TRI)

Os dendrogramas de similaridade gerados pelos índices de Jaccard e Morisita-Horn (Figura 5A e Figura 5B) demonstraram a formação de um grupo mais semelhante formado por SE-GO, TRI e NO-GO e a região S-GO separado das demais. Com Escalonamento Multidimensional Não Métrico nMDS (Figura 6) ocorreu a formação de quatro grupos distintos, mas apenas S-GO ficou isolado dos demais grupos (ver lado direito da figura). SE-GO foi ordenado na parte central, enquanto TRI está aglomerado do lado esquerdo da figura mesclando com parcelas de SE-GO e NO-GO, o qual concentrou-se na parte inferior do gráfico (Figura 6). Os autovalores para os eixos 1 e 2 foram de 0,213 e 0,143, respectivamente. O valor de estresse da ordenação foi de 0,39, considerado alto, indicando que existe certa randomização entre os valores de dissimilaridade entre as parcelas. Quando realizado unindo as parcelas por regiões o valor do STRESS foi de 0,01 demonstrando que os valores de dissimilaridade entre as regiões não são randômicos.

Figura 5
Dendrograma de similaridade utilizando o Índice de Jaccard (A) e Morisita-Horn (B) com método de agrupamento médio de grupo (UPGMA) de quatro regiões distintas de Cerrado, localizadas nas faixas non aedificandi às margens das rodovias e estradas no noroeste, sul e sudeste do estado de Goiás e Triângulo Mineiro
Figura 6
Escalonamento Multidimensional Não Métrico (nMDS) de 100 parcelas (5 hectares) de quatro regiões distintas de Cerrado, localizadas nas faixas non aedificandi às margens das rodovias e estradas no noroeste, sul e sudeste do estado de Goiás e Triângulo Mineiro

De acordo com os trabalhos de Ratter, Bridgewater e Ribeiro (2003)RATTER, J.A.; BRIDGEWATER, S.; RIBEIRO, J.F. Analysis of the floristic composition of the brazilian cerrado vegetation III: comparison of the woody vegetation of 376 areas. Edinburgh journal of botany, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 57-109, 2003. e Bridgewader, Ratter e Ribeiro (2004)BRIDGEWADER, S.; RATTER, J.A.; RIBEIRO, J.F. Biogeographic patterns, b-diversity and dominance in the Cerrado biome of Brazil. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 13, n. 12, p. 2295-2318, 2004., as parcelas levantadas neste trabalho pertencem a duas províncias, SE-GO e TRI estão localizadas na província Centro-Oeste (CW) e NO-GO e S-GO na província Centro e Sudeste (C & SE). A região NO-GO se destacou das demais por apresentar uma elevada riqueza e diversidade de espécies, maior densidade de indivíduos, maior área basal média e um alto número de espécies exclusivas. Possivelmente esses dados devem ter sido influenciados pela proximidade à segunda maior unidade de conservação do estado de Goiás (Parque Estadual Serra Dourada - PESD) (CALGARO; CAMBUIM; SILVA; ALVES; BUZETTI; MORAES; CARVALHO; MIRANDA; MORAES, 2015CALGARO, H.F.; CAMBUIM, J.; SILVA, A.M.; ALVES, M.C.; BUZETTI, S.; MORAES, M.A.; CARVALHO, S.L.; MIRANDA, L.P.M.; MORAES, M.L.T. Distribuição natural de espécies arbóreas em áreas com diferentes níveis de antropização. Atributos físicos do solo. Cultura Agronômica, Ilha Solteira, v. 24, n. 2, p. 327-344, 2015.). Essa reserva é uma das áreas serranas mais conservadas do estado (GUIDA; TELES, 2015GUIDA, R.S.; TELES, A.M. Eupatorieae (Asteraceae) no Parque Estadual da Serra Dourada, Goiás, Brasil. Rodriguésia, Rio de Janeiro, v. 66, n. 3, p. 887-903, 2015.). Devido à proximidade das rodovias com o PESD, algumas parcelas eram constituídas de vegetação semelhante a encontrada em áreas conservadas, garantindo a maior ocorrência de espécies raras em função da alta diversidade. A maior área basal de NO-GO (Tabela 1) reflete que a vegetação da região possui espécies arbóreas que, nesta região, atingem um porte elevado, como: Curatella americana, Myracrodruon urundeuva e Caryocar brasiliense, além de possuírem características que garantem aos indivíduos resistência ao fogo e, consequentemente, menor mortalidade em casos de queimada. Pardini (2020)PARDINI, P. Amazônia indígena: a floresta como sujeito. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 15, n. 1, p. 1 – 11, 2020. enfatiza que durante queimadas ocorre maior mortalidade de indivíduos de pequeno porte, que ainda não desenvolveram súber espesso para oferecer proteção efetiva contra as altas temperaturas durante a passagem do fogo. Os mecanismos de resistência ao fogo de uma árvore são determinados pelo tamanho do indivíduo e pela espessura da casca (CAMARGOS; RIBEIRO; SILVA; MARTINS; CARMO, 2015CAMARGOS, V.L; RIBEIRO, G.A; SILVA, A.F; MARTINS, S.V; CARMO, F.M.S. Estudo do comportamento do fogo em um trecho de floresta estacional semidecídua no município de viçosa, Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 25, n. 3, p. 537-545, set. 2015.; VALE; ELIAS, 2014VALE, A.T.; ELIAS, P.S. Nível de proteção térmica da casca de quatro espécies lenhosas e a relação da arquitetura da casca com a transferência de calor. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 24, n. 4, p. 977-985, dez. 2014.).

A menor similaridade com base no índice de Shannon e de Pielou ocorreu entre NO-GO que possui a vegetação mais conservada às margens da rodovia e S-GO, que possui a mais impactada. A maior similaridade entre TRI e SE-GO é justificada pela semelhança da formação vegetal, fator responsável por estarem incluídas na mesma província, e por possuírem um histórico de perturbações semelhante, o que possibilita maior homogeneidade entre as duas áreas. No entanto, apesar das regiões NO-GO e S-GO estarem na mesma província, a similaridade entre as duas áreas foi baixa (menores do que 0,1). Essas duas áreas são as com maior número de espécies raras, ou seja, espécies que ocorreram apenas uma única vez. Isso mostra que áreas degradadas interferem significativamente na variação florística, onde os menores valores entre NO-GO e S-GO (Tabela 2) apontam que a variação intra-província foi superior a inter-província, devido as duas áreas apresentarem o maior contraste entre vegetação conservada e ambiente alterado, em decorrência da delimitação das províncias não levar em conta os ambientes modificados (RATTER; BRIDGWATER; RIBEIRO, 2003RATTER, J.A.; BRIDGEWATER, S.; RIBEIRO, J.F. Analysis of the floristic composition of the brazilian cerrado vegetation III: comparison of the woody vegetation of 376 areas. Edinburgh journal of botany, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 57-109, 2003.; BRIDGEWADER; RATTER; RIBEIRO, 2004BRIDGEWADER, S.; RATTER, J.A.; RIBEIRO, J.F. Biogeographic patterns, b-diversity and dominance in the Cerrado biome of Brazil. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 13, n. 12, p. 2295-2318, 2004.).

A região S-GO possui os menores valores de diversidade e estrutura. Também foi observado que de todas as rodovias amostradas foi a única que possui faixa dupla. Com base nos padrões florísticos, é possível observar que S-GO se isolou das demais regiões (Figura 4). Admitindo que a vegetação catalogada difere das demais, justificando o alto número de espécies raras, mesmo possuindo a menor diversidade. Essa condição está ligada ao fato de que grandes impactos alteram a composição florística de uma região, afetando a diversidade local (COSTA; SANTOS; RIOS; RODRIGUES; DIAS NETO; PRADO-JÚNIOR; VALE, 2019COSTA, J. P.; SANTOS, L. D. S.; RIOS, J. M.; RODRIGUES, A. W.; DIAS NETO, O. C.; PRADO-JÚNIOR, J.; DO VALE, V. S. Estrutura e diversidade de trechos de Cerrado sensu stricto às margens de rodovias no estado de Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 29, n. 2, p. 698-714, jun. 2019.). A BR-153 liga a cidade de Itumbiara a capital Goiânia, trecho com um grande fluxo de veículos, o baixo número de indivíduos e de espécies nessa região é dado em função do impacto da duplicação da rodovia que expandiu a faixa de domínio público, consequentemente alterando a sua margem para onde era área de pastagem.

Aspidosperma macrocarpon, Machaerium opacum e Platypodium elegans foram as únicas espécies com ocorrência nas quatro regiões. Essas espécies são comuns por apresentarem ampla distribuição, sempre encontradas em levantamentos florísticos de Cerrado (LOPES; VALE; OLIVEIRA; SCHIAVINI, 2011). A ocorrência de apenas três espécies em comum entre as quatro regiões, de um total de 163 espécies, demostra a heterogeneidade dos ambientes do Cerrado, devido à vasta distribuição geográfica e aos impactos que cada região está sujeita, levando em conta a estratégia de vida das espécies.

Comparando as 100 espécies mais comuns em cada província, as regiões SE-GO e TRI obtiveram 26 e 47 espécies compatíveis respectivamente, a região NO-GO obteve 46 e S-GO 15 espécies em comum. A partir da comparação feita entre as quatro regiões amostradas com as províncias propostas por Ratter, Bridgewater e Ribeiro (2003)RATTER, J.A.; BRIDGEWATER, S.; RIBEIRO, J.F. Analysis of the floristic composition of the brazilian cerrado vegetation III: comparison of the woody vegetation of 376 areas. Edinburgh journal of botany, Cambridge, v. 60, n. 1, p. 57-109, 2003. e Bridgewader, Ratter e Ribeiro (2004)BRIDGEWADER, S.; RATTER, J.A.; RIBEIRO, J.F. Biogeographic patterns, b-diversity and dominance in the Cerrado biome of Brazil. Biodiversity and Conservation, [s. l.], v. 13, n. 12, p. 2295-2318, 2004., a similaridade das dez espécies de maior VI (valor de importância) para NO-GO, seis estão em conformidade com a listagem para província Centro-Oeste (Curatella americana L., Xylopia aromatica (Lam.) Mart., Plathymenia reticulata Benth., Pseudobombax longiflorum (Mart. & Zucc.) A.Robyns, Eugenia dysenterica DC. e Tapirira guianensis Aubl.), as espécies Myracrodruon urundeuva Allemão, Machaerium opacum Vogel, Physocalymma scaberrimum Pohl e Byrsonima crassifolia (L.) Kunth. não foram listadas. Cerca de 49,5% da amostragem confere com a lista da província.

Quatro das dez principais espécies de S-GO coincidiram com a lista da província Centro-Oeste (Astronium fraxinifolium Schott, Machaerium acutifolium Vogel, Tapirira guianensis Aubl. e Aspidosperma macrocarpon Mart.), as espécies Luehea divaricata Mart., Jacaranda cuspidifolia Mart.ex A. DC., Schefflera macrocarpa (Cham. & Schltdl.) Frodin., Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F. Macbr., Machaerium brasiliense Vogel e Coussarea hydrangeifolia (Benth.) Benth. & Hook.f. ex Mull.Arg. não foram mencionadas na lista. Cerca de 45,5% da amostragem confere com as espécies da província.

O fato das 20 espécies de maior importância nas duas áreas amostrais (NO-GO e S-GO), 10 não estarem contabilizadas na listagem da província Centro-Oeste, sugere que existe uma gama de espécies que não foram catalogadas na lista das províncias, de modo que definir um padrão para vegetação de Cerrado utilizando apenas a florística, não levando em consideração análises estruturais (sobretudo de áreas impactadas, que são as mais comuns para Cerrado), pode resultar em uma má interpretação da diversidade vegetal do Cerrado.

Para SE-GO e TRI, todas as 10 espécies de maior VI foram mencionadas na listagem da província Central e Sudeste, com exceção de Pinus sp. em TRI, espécie exótica oriunda de plantio próximo. A amostragem das regiões SE-GO e TRI coincidiram com a listagem da província em 56,5% e 56%, respectivamente. As rodovias próximas à Unidade de Conservação, em especial, deveriam ter uma maior atenção dos órgãos ambientais, pois possuem uma maior biodiversidade de flora, podendo ser uma ótima estratégia para conservação do Cerrado, além de criar uma área de amortecimento no entorno das rodovias.

4 CONCLUSÕES

As faixas vegetadas às margens das rodovias formam pequenos habitats capazes de sustentarem uma diversidade semelhante ao encontrado em áreas naturais. No entanto, as espécies que suportam os impactos podem ser bem diferentes em relação às de áreas nativas com pouca antropização, resultado do aumento da incidência de queimadas.

A diferença na estrutura e diversidade florística entre as regiões ocorre devido as diferentes fitofisionomias vegetais do Cerrado, responsável pela formação das províncias que tem como base a florística do Cerrado, e devido as diferentes intensidades que cada região é exposta aos impactos das rodovias.

Com a conversão da faixa non aedificandi em área de preservação permanente, a vegetação nativa às margens da rodovia, teoricamente estaria sendo preservada. Contudo, a construção das estradas aumenta a exposição do solo, a disponibilidade de luz e a frequência de queimadas, fatores intensamente prejudiciais para a manutenção de espécies nativas.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado concedida e ao Instituto Luterano de Ensino Superior (ILES/ULBRA) pela cooperação.

Como citar este artigo

  • RIOS, J. M.; SANTOS, L. C. S.; COSTA, J. P.; PEREIRA, I. M.; GUSSON, A. E.; VALE, V. S. Ecologia da comunidade arbórea de Cerrado stricto sensu às margens de rodovias. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 2, e62683, p. 1-21, 2023. DOI 10.5902/1980509862683. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509862683.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2020
  • Revisado
    08 Mar 2023
  • Aceito
    07 Jun 2023
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