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Espécies, práticas silviculturais e monitoramento: estratégias para restauração ecológica de áreas protegidas da Mata Atlântica

Species, silvicultural practices and monitoring: forest restoration strategies in protected areas of the Atlantic Forest

RESUMO

Para entender a condução de novos paradigmas voltados à restauração ecológica, o objetivo deste trabalho foi revisar a literatura sobre a aplicação da restauração ecológica em áreas protegidas do bioma Mata Atlântica, a fim de contribuir ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Com uso de indexadores, palavras-chave voltadas, e a critérios voltados ao tema, foram selecionados 58 artigos científicos analisados por meio de uma revisão sistemática e comparados entre si no uso de suas estratégias. Os resultados mostraram preferência pela restauração ativa com variações na diversidade de espécies, e a restauração passiva. Adubação, controle de plantas competidoras, combate a formigas e o preparo do solo são as práticas silviculturais mais mencionadas. Na análise dos monitoramentos propostos, a diversidade, as informações intrínsecas às espécies e a paisagem, a fitossociologia e as métricas da copa, se expressaram os indicadores mais recomendados para avaliação do processo restaurativo, e sugerem 74 espécies para uso nos projetos. Ademais, é necessário incentivar que as produções científicas sobre a temática contemplem também as regiões centro-oeste e nordeste, os levantamentos da fauna, bem como a descrição detalhada sobre a implantação do projeto de restauração ecológica.

Palavras-chave
Plantio de mudas; Regeneração natural; Recuperação de áreas degradadas; ODS

ABSTRACT

In order to understand the conduct of new paradigms aimed at ecological restoration, the objective of this work was to review the literature on the application of ecological restoration in protected areas of the Atlantic Forest biome, in order to contribute to the fulfillment of the Sustainable Development Goals (SDGs). With the use of indexers, focused keywords, and criteria focused on the theme, 58 scientific articles were selected, analyzed through a systematic review and compared with each other in the use of their strategies. The results showed a preference for active restoration with variations in species diversity, and passive restoration. Fertilization, control of competing plants, fighting ants and soil preparation are the most mentioned silvicultural practices. In the analysis of the proposed monitoring, diversity, information intrinsic to the species and the landscape, phytosociology and crown metrics, expressed the most recommended indicators for evaluating the restorative process, and suggest 74 species for use in the projects. In addition, it is necessary to encourage scientific productions on the subject to also include the Midwest and Northeast regions, fauna surveys, as well as a detailed description of the implementation of the ecological restoration project.

Keywords
Planting of seedlings; Natural regeneration; Recovery of degraded areas; SDGs

1 INTRODUÇÃO

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) descritos no pacto global assinado em 2015 e reafirmado em 2022, fazem parte da chamada “Agenda 2030” composta por 17 objetivos, desdobrados em 169 metas. O objetivo de Nº15, sobre a vida terrestre, é mais específico sobre conservar, restaurar e promover a sustentabilidade no uso dos recursos naturais. Construídos para reestruturar o fluxo de consumo, e atualizar os sistemas de produção com respeito ao meio ambiente e responsabilidade social, os objetivos visam mitigar as alterações ambientais previstas (Caliman, 2019CALIMAN, G. Cátedras UNESCO e os desafios dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Geraldo Caliman (organizador) – Brasília: Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade; Universidade Católica de Brasília, 2019. 151 p.).

As mudanças climáticas podem afetar a produtividade agropecuária, a disponibilidade de água e, portanto, a segurança alimentar da sociedade (Metzger; Bustamante; Ferreira; Fernandes; Librán-Embid; Pillar; Prist; Rodrigues; Vieira; Overbeck, 2019METZGER, J. P.; BUSTAMANTE, M. M. C.; FERREIRA, J.; FERNANDES, G. W.; LIBRÁN-EMBID, F.; PILLAR, V. D.; PRIST, P. R.; RODRIGUES, R. R.; VIEIRA, I. C. G.; OVERBECK, G. E. Why Brazil needs its Legal Reserves. Perspectives in Ecology and Conservation, v. 17, n. 3, p. 91–103, 2019. DOI: 10.1016/j.pecon.2019.09.001.
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). Jared Mason DiamondDIAMOND, J. Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Brasil: Editora Record, 2020. 724 p., em seu livro “Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso e o sucesso”, faz uma abordagem sobre os fatores que levaram à falência de civilizações, e entre eles, o manejo aplicado na exploração dos recursos naturais. Obviamente, que as civilizações colapsadas adotaram o pior tipo de manejo durante décadas, tornando insustentável a produção de alimentos e obtenção de água, por mais “futuristas” que tenham sido suas construções e sistemas em áreas urbanas e rurais (Diamont, 2005).

Desta forma, a degradação ambiental não é um fato ou conceito recente. Está atrelado a um processo histórico de expansão das atividades agropecuárias (Brancalion; Gandolfi; Rodrigues, 2015BRANCALION, P. H. S.; GANDOLFI, S.; RODRIGUES, R. R. Restauração florestal. São Paulo: Oficina de Textos, 2015, 431 p.), disputas territoriais e étnicas, voltadas ao crescimento econômico (Pott; Estrela, 2017POTT, C. M.; ESTRELA, C. C. Histórico ambiental: desastres ambientais e o despertar de um novo pensamento. Estudos Avançados, v. 31, n. 89, p. 271-283, 2017. DOI: 10.1590/s0103-40142017.31890021.
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), sobrepondo atividades urbano-industriais, que comprometem o potencial dos recursos naturais, degradando-as.

Áreas degradadas são caracterizadas pela presença de impactos negativos nas características do solo, na qualidade da água, na produtividade da vegetação, e na diversidade genética dos organismos (Parrota, 1992PARROTA, J. A. The role of plantation forest in rehabilitation degraded tropical ecosystems. Agriculture Ecossystems and Environment, v. 41, n. 114, p. 115-133, 1992.). Aliada à falta estrutura política, econômica, e de planejamento no zoneamento agrícola para expansão em áreas com baixa aptidão às atividades, agregam desconforto social, produtivo e econômico (Brancalion; Gandolfi; Rodrigues, 2015BRANCALION, P. H. S.; GANDOLFI, S.; RODRIGUES, R. R. Restauração florestal. São Paulo: Oficina de Textos, 2015, 431 p.).

A exemplo, o bioma Mata Atlântica abriga cerca de 22.000 espécies, cerca de 20% de todas as espécies do planeta, porém restam apenas 12,4% de sua vegetação original, e atualmente está entre os cinco primeiros biomas no ranking hotspot mundial. Portanto, é um dos biomas que contém a biodiversidade mais ameaçada do planeta, pela constante pressão do desmatamento, das práticas inadequadas das atividades agropecuárias, industrialização, expansão urbana e poluição (SOS MATA ATLÂNTICA, 2019SOS – MATA ATLÂNTICA. Relatório anual 2019. São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2019. 55 p. Disponível em: <sosma.org.br/sobre/relatorios-e-balancos/>. Acesso em: abr. 2023.
sosma.org.br/sobre/relatorios-e-balancos...
).

A problemática sugere uma crise socioeconômica e ecológica da era atual que força a humanidade a reconsiderar o conjunto de atividades dentro de um contexto ecológico mais amplo. Fazer uso da economia na busca de soluções razoáveis e a ciência na criação de práticas que evitem e/ou revertam a atual trajetória de contínua degradação (Andrade; Romeiro, 2011ANDRADE, D. C.; ROMEIRO, A. R. Degradação Ambiental e Teoria Econômica: Algumas Reflexões sobre uma “Economia dos Ecossistemas”. Economia, v. 12, n. 1, p. 3-26, 2011.). Um contexto em que a restauração ecológica foi idealizada, para acelerar a recuperação de ecossistemas naturais, com respeito aos processos funcionais, composição das espécies e estrutura da comunidade (McDonald; Gann; Jonson; Dixon, 2016McDONALD, T.; GANN, G. D.; JONSON, J.; DIXON, K. W. International standards for the practice of ecological restoration – including principles and key concepts. Society for Ecological Restoration, Washington, D.C., 1 ed. 2016, 47 p.).

Na restauração ecológica se aplicam procedimentos que envolvem métodos, técnicas, espécies, e práticas silviculturais, em vista de desencadear os processos ecológicos de sucessão, que criam funcionalidade aos ecossistemas. Os métodos compreendem a restauração ativa, na qual são realizados plantios de mudas ou sementes, e a restauração passiva, que envolve o isolamento da área e a condução da regeneração natural. As técnicas, se referem a formação de núcleos: enleiramento de galharia, poleiros artificiais, transposição de solo ou serapilheira, banco de sementes e núcleos de Anderson (Brancalion; Gandolfi; Rodrigues, 2015BRANCALION, P. H. S.; GANDOLFI, S.; RODRIGUES, R. R. Restauração florestal. São Paulo: Oficina de Textos, 2015, 431 p.; Trentin; Estevan; Rossetto; Gorenstein; Brizola; Bechara, 2018TRENTIN, B. E.; ESTEVAN, D. A.; ROSSETTO, E. F. S.; GORENSTEIN, M. R.; BRIZOLA, G. P.; BECHARA, F. C. Restauração florestal na Mata Atlântica: passiva, nucleação e plantio de alta diversidade. Ciência Florestal, [S. l.], v. 28, n. 1, p. 160–174, 2018. DOI: 10.5902/1980509831647.
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; Silva; Rovedder; Hummel; Piaia; Toso; Felker; Pecccatti; Matiello, 2019SILVA, M. P. K. L. da; ROVEDDER, A. P.; HUMMEL, R. B.; PIAIA, B. B.; TOSO, L. D.; FELKER, R. M.; PECCCATTI, A.; MATIELLO, J. Desenvolvimento inicial e fenologia em núcleos de restauração no bioma Mata Atlântica, Sul do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Agrárias, v. 14, n. 1, p. 1-7, 2019. DOI: 10.5039/agraria.v14i1a5612.
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).

Em vista da diversidade de ecossistemas do bioma Mata Atlântica, da quantidade de fatores degradantes, além da disponibilidade de recursos financeiros, os métodos e técnicas da restauração podem ser combinados entre si e com a escolha de espécies, especialmente arbóreas. Tais combinações correspondem às estratégias empregadas para aumentar a conectividade da paisagem e superar desafios ambientais para desencadear as interações ecológicas do processo restaurativo.

Ao longo do anos, experimentações de variações das estratégias de restauração foram realizadas (Klippel; Pezzopane; Silva; Caldeira; Pimenta; Toledo, 2015KLIPPEL, V. H.; PEZZOPANE, J. E. M.; SILVA, G. F. da; CALDEIRA, M. V. W.; PIMENTA, L. R.; TOLEDO, J. V. Avaliação de métodos de restauração florestal de mata de Tabuleiros-ES. Revista Árvore [online], v. 39, n. 1, p. 69-79, 2015. DOI: 10.1590/0100-67622015000100007.
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; Cielo-Filho; Souza, 2016CIELO-FILHO, R.; SOUZA, J. A. D. de. Assessing passive restoration of an atlantic forest site following a Cupressus lusitanica Mill. plantation clearcutting. Ciência Florestal [online], v. 26, n. 02, p. 475-488, 2016. DOI: 10.5902/1980509822748.
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; Oliveira; Barroso; Andrade; Freitas, 2016OLIVEIRA, T. J. F. de; BARROSO, D. G.; ANDRADE, A. G. de; FREITAS, S. de J. Consórcio de espécies nativas da Mata Atlântica com milho e feijão para revegetação de mata ciliar na região noroeste fluminense. Floresta, v. 46, n. 3, p. 315-324, 2016. DOI: 10.5380/rf.v46i3.42404.
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; Coutinho; Valcarel; Rodrigues, 2019COUTINHO, P. R. de O. dos S.; VALCAREL, R.; RODRIGUES, P. J. F. P. Restauração passiva em pastagens abandonadas a partir de núcleos de vegetação na Mata Atlântica, Brasil. Ciência Florestal, [S. l.], v. 29, n. 3, p. 1307–1323, 2019. DOI: 10.5902/1980509827844.
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; Trentin; Estevan; Rossetto; Gorenstein; Brizola; Bechara, 2018TRENTIN, B. E.; ESTEVAN, D. A.; ROSSETTO, E. F. S.; GORENSTEIN, M. R.; BRIZOLA, G. P.; BECHARA, F. C. Restauração florestal na Mata Atlântica: passiva, nucleação e plantio de alta diversidade. Ciência Florestal, [S. l.], v. 28, n. 1, p. 160–174, 2018. DOI: 10.5902/1980509831647.
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; Schaffer; Mattar; Nakajima; Silva; Borges; Borges; Carpanezzi; Neves; Angelo; Britez, 2020SCHAFFER, L. H.; MATTAR, E. A.; NAKAJIMA, N. Y.; SILVA, S. A.; BORGES, R. A.; BORGES, A.V. P.; CARPANEZZI, A. A.; NEVES, E. J. M.; ANGELO, A. C.; BRITEZ, R. M. de. Crescimento de espécies arbóreas nativas em recuperação de área degradada no litoral do Paraná. Pesquisa Florestal Brasileira, [S. l.], v. 40, 2020. DOI: 10.4336/2020.pfb.40e201801680.
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). Portanto, quais as informações disponíveis sobre as estratégias de restauração ecológica de áreas protegidas do bioma Mata Atlântica?

Para conduzir a novos paradigmas voltados à restauração ecológica, apontando os elementos essenciais que devem estar presentes na elaboração de planos e projetos sobre o tema, este estudo busca reunir referenciais da literatura sobre a restauração ecológica em áreas protegidas da Mata Atlântica.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Levantamento bibliográfico

Na delimitação do conteúdo e determinação dos objetos de busca, a partir da temática da Restauração Ecológica, a metodologia considerou artigos científicos publicados entre os anos de 2012 e 2022 (últimos 10 anos), na grande área das Ciências Agrárias I, com uso de espécies arbustivas e arbóreas. A localização foi limitada ao bioma Mata Atlântica, em áreas de proteção da vegetação nativa no meio rural, definidas pela legislação do Código Florestal (Lei Nº 12.651 de 2012), que corresponde a Áreas de Preservação Permanente (APP’s), Reserva Legal (RL), e ainda as modalidades descritas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei Nº 9.985, de 2000) (BRASIL, 2012BRASIL. Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Código Florestal. República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2012.; 2000BRASIL. Lei Nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2000.).

Sobre a obtenção e leitura do material de pesquisa, a produção científica sobre o referido tema foi obtida em indexadores nos bancos de dados: da plataforma Scientific Electronic Library Online (SciELO) (http://www.scielo.br/); do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (http://www.periodicos.capes.gov.br/); e o Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/). A busca foi realizada por meio de palavras-chave associadas com o objeto de busca principal nas distintas terminologias atualmente utilizadas (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma linear do levantamento de artigos com base no objeto de busca, pressupostos, palavras-chave e termos associados

No total foram obtidos 537 artigos, posteriormente, submetidos à triagem de confirmação dos pressupostos inicialmente determinados, no qual limitou-se a um total de 58 artigos científicos selecionados para análise.

A análise comparativa e interpretação crítica para redação final do texto entre os artigos selecionados, considerou uma revisão sistemática, sumarizando os trabalhos conforme: a distribuição geográfica, a modalidade de proteção, idade, histórico de uso do solo, as fitofisionomias trabalhadas, as práticas silviculturais executadas, avaliações realizadas nos monitoramentos, as estratégias sob o conjunto de metodologias e técnicas, e das espécies facilitadoras citadas com melhor desenvolvimento, visando recomendações na restauração florestal no Bioma Mata Atlântica.

2.2 Análise do estado da arte

A quantidade de estudos nos estados de São Paulo (17), e Rio de Janeiro (11), revelam notoriedade da região Sudeste na restauração florestal em alguma modalidade de proteção no bioma Mata Atlântica. A região Sul possui praticamente a mesma quantidade de artigos publicados quando somados, com uma média de 6,34 estudos em cada estado (PR, SC e RS). Ressalta-se a incipiente condução de pesquisas e estudos sobre o tema nas demais regiões do país, como o Centro-Oeste e o Nordeste (Figura 2A).

Figura 2
Distribuição geográfica (A) e modalidade de proteção (B) tratado nos artigos científicos sobre restauração ecológica no bioma Mata Atlântica nos últimos 10 anos

A maior parte dos estudos são conduzidos em matas ciliares (28 artigos), e nenhum em reserva legal. As demais modalidades inseridas principalmente sobre as Unidades de Conservação (UC’s), correspondem aos demais estudos publicados, e somam 21 estudos sobre o tema. Os reservatórios artificiais (RA) e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) são as UC’s que efetuam mais estudos sobre a temática após a mata ciliar (MC) (Figura 2B).

Em que: ARIE: área de relevante interesse ecológico; CA: campos de altitude; CN: campos nativos; EC: estação ecológica; FE: floresta estadual; FN: floresta nacional; RB: reserva biológica; PN: parque nacional; PNM: parque natural municipal; RE: reserva ecológica; PE: parque estadual; RA: reservatório artificial; RPPN: reserva particular do patrimônio natural; MC: mata ciliar.

A maior quantidade de estudos engloba desde a implantação até os cinco anos de idade, especialmente com o acompanhamento dos primeiros 30 meses. Positivamente, este resultado incide motivação direcionada a restauração ecológica além do reflexo da legislação (Figura 3A). Por outro lado, cerca de 29% dos artigos não apresentam a idade do processo de restauração, o que gera demérito aos estudos, visto que uma estratégia pode ser positiva ou negativa indiferente à idade de desenvolvimento.

Figura 3
Idade (A), histórico (B) e fitofisionomia (C) das áreas em processo de restauração ecológica de áreas protegidas no bioma Mata Atlântica

O mesmo serve para o histórico anterior e a fitofisionomia original da área, em que 27% e 30% dos estudos, respectivamente, não os relataram. Esta informação confere carência de diagnósticos das áreas que antecede a aplicação dos estudos, e são valiosas para determinar as estratégias após uso do solo, dada a variedade de ocupações e aptidões (Figura 3-B e C - NE). Do histórico e da fitofisionomia apresentados, a pecuária (P) (15 estudos), a presença de gramíneas e arbóreas invasoras (G+AI) (11) e a condução em florestas estacionais semidecíduas e ombrófilas densa e mista foram os mais mencionados (Figura 3-B e C).

Nas práticas silviculturais, nota-se que a adubação, o controle de plantas oportunistas, o preparo do solo (PDS) e o combate a formigas cortadeiras (CF) são frequentemente mencionados, mesmo que não supere os 13% (Figura 4A).

Figura 4
Práticas silviculturais (A) e análises dos monitoramentos (B) aplicados à restauração ecológica de áreas protegidas no bioma Mata Atlântica

A irrigação e a aplicação de hidrogel foram identificados em apenas dois artigos cada, provavelmente associado à regularidade de precipitação no bioma. Mais de 55% dos artigos não mencionaram as práticas silviculturais aplicadas nas áreas (Figura 4A). Como resultado às análises realizadas nos monitoramentos, a análise de diversidade, das características ecológicas como estágio sucessional, origem e forma de vida da regeneração e da fitossociologia foram os mais realizados.

Considerou-se ainda a grande quantidade de estudos com análises das métricas da copa, banco de sementes, índices de dispersão, sobrevivência e equabilidade (Figura 4B). Ressalta-se que a análise dos 58 artigos não evidenciou qualquer abordagem sobre a suficiência amostral, curva espécie-área, de acumulação de espécies ou curvas de rarefação (1 artigo). Do mesmo modo, nenhum dos artigos evidenciou levantamento da fauna silvestre como forma de monitoramento das áreas.

As estratégias encontradas nos artigos científicos selecionados mostraram que há maior quantidade de estudos conduzidos pela restauração ativa, com alta diversidade de espécies plantadas (A), seguida da aplicação de baixa diversidade (B). Nota-se preferência à aplicação do plantio de mudas ou sementes para conduzir a restauração das áreas desflorestadas em detrimento da restauração passiva (Figura 5).

Figura 5
Estratégias de restauração em áreas protegidas no bioma Mata Atlântica

A nucleação associada a menores custos teve pouca representatividade (2 artigos), possivelmente porque algumas áreas degradadas não retornam às funções ecológicas tão prontamente com uso da nucleação em relação ao plantio em área total, além da importância direta das áreas protegidas e seus impactos diretos sobre a sociedade. Tal fato corrobora para uma combinação de estratégias (10 artigos), que podem atender melhor às condições intrínsecas que se encontram as áreas a serem restauradas. No entanto, dos 39 artigos conduzidos com a restauração ativa ou estratégias combinadas, 12 não mencionaram a coorte de espécies utilizadas na implantação do projeto (Figura 5).

As espécies de maior desenvolvimento na avaliação dos 58 estudos, chegam a um total de 255. Aquelas mencionadas repetidamente entre os artigos analisados, totalizam 74 espécies com aptidão para uso em áreas protegidas do bioma Mata Atlântica (Tabela 1).

Tabela 1
Espécies utilizadas em restaurações ecológicas no bioma Mata Atlântica, citadas e destacadas em mais de um artigo científico (F)

Entre as 74 espécies, oito se destacaram pela maior quantidade de citações (F) de bom desenvolvimento: Peltophorum dubium, Schinus terebinthifolia, Citharexylum myrianthum, Enterolobium contortisiliquum, Senna multijuga, Eugenia uniflora, Psidium cattleyanum e Schizolobium parahyba. Sete espécies apresentaram distribuição geográfica restrita ao bioma Mata Atlântica e/ou distribuídas em poucos estados (*): Couratari asterotricha, Dalbergia nigra, Joannesia princeps, Lithraea brasiliensis, Mimosa scabrella, Handroanthus chrysotrichus e Trichilia claussenii. Outras espécies se destacaram por possuírem ampla distribuição geográfica, com aptidão de uso em todos os biomas nacionais, como por exemplo, Cecropia pachystachya, Senegalia polyphylla e Guarea guidonia (Tabela 1).

2.3 Discussões

A maior quantidade de estudos conduzidos nas regiões sudeste e sul do Brasil se justificam por compor quase que completamente seus limites territoriais. Além disso, é fortemente favorecida pela quantidade de projetos e programas financiados, cooperação com fundações e universidades que apoiam a conservação da MA, e pela maior representatividade política em nível federal (Steinberger; Rodrigues, 2010STEINBERGER, M.; RODRIGUES, R. J. Conflitos na delimitação territorial do Bioma Mata Atlântica. Revista Geografias, [S. l.], v. 6, n. 2, p. 37–48, 2010. DOI: 10.35699/2237-549X.13295.
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).

A ausência de estudos nas demais regiões preocupa, sobretudo por se tratar de áreas protegidas previstas na legislação, e pela constante e ascendente expansão territorial, do histórico de antropização, alta heterogeneidade e à complexidade biológica, cultural e socioeconômica das regiões centro-oeste e nordeste. No entanto, deve-se salientar que as áreas de MA são significativamente menores nessas regiões, e portanto, os esforços de restauração estejam mais concentrados em outros biomas destas regiões.

A evidência de trabalhos em reservatórios artificiais (RA) e em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é um reflexo da disponibilidade financeira ofertada para pesquisas nestes locais. Para os RA, a crescente demanda energética contribui para o aumento de barragens e da restauração ecológica, quando previsto na lei. A RPPN, por sua vez, além de receber apoio do Estado no seu monitoramento e repressão contra ilícitos, apresenta isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), além de poder servir como área de compensação ambiental.

Por outro lado, a evidência de mais estudos conduzidos em matas ciliares relaciona-se principalmente a proximidade dos impactos às comunidades, devido ao assoreamento dos rios que modificam a fauna e a flora, a qualidade e a velocidade da água (Vanzela; Hernandez; Franco, 2010VANZELA, L. S.; HERNANDEZ, F. B. T.; FRANCO, R. A. M. Influência do uso e ocupação do solo nos recursos hídricos do Córrego Três Barras, Marinópolis. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental [online], v. 14, n. 1, p. 55-64, 2010, DOI: 10.1590/S1415-43662010000100008.
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), resultando na redução da disponibilidade hídrica e nos desastres naturais que têm sido cada vez mais recorrentes (Maccarini; Silva, 2016MACCARINI; SILVA. A relação entre o código florestal brasileiro e os desastres naturais. Revista Ordem Pública, v. 9, n. 1, p. 223-233, 2016.).

Ao se tratar da reserva legal (RL), a falta de estudos pode ser atribuída a legislação, pois permite que a propriedade rural com até quatro módulos fiscais, compute a reserva legal junto as áreas de preservação permanente (APP’s), o que pode ter afetado sua representatividade neste estudo. Ou em outros casos, à sua compensação fora dos limites do imóvel (Silva; Ranieri, 2014SILVA, J. S. da; RANIERI, V. E. L. O mecanismo de compensação de reserva legal e suas implicações econômicas e ambientais. Ambiente & Sociedade., v. 17, n. 1, p. 115-132, 2014.).

Além disso, culturalmente pode haver desinteresse econômico sustentável que ela representa nas propriedades rurais do bioma. Neste sentido, um aspecto pouco abordado são os benefícios ecossistêmicos, como a polinização, a regulação climática, proteção contra incêndios, regulação de pragas e doenças (Wegner; Pascual; 2011WEGNER, J.; PASCUAL, U. Cost-benefit analysis in the context of ecosystem services for human well-being: a multidisciplinary critique. Global Environmental Change, v. 21, n. 2, p. 492-504, 2011. DOI: 10.1016/j.gloenvcha.2010.12.008.
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), que contribui para a segurança alimentar, climática, hídrica e energética, e saúde humana.

Portanto, deve-se salientar os benefícios à produtividade agrícola que as áreas protegidas proporcionam. A degradação das pastagens tem sido um grande problema para a pecuária brasileira. Estima-se que 80% das pastagens cultivadas no Brasil encontram-se em algum estado de degradação, incapaz de sustentar os níveis e qualidade de produção e em estado vulnerável a pragas e doenças (Carvalho; Minighin; Gonçalves; Villanova; Maurício; Pereira, 2017CARVALHO, W. T. V.; MINIGHIN, D. C.; GONÇALVES, L. C.; VILLANOVA, D. F. Q.; MAURÍCIO, R. M.; PEREIRA, V. G. Pastagens degradadas e técnicas de recuperação: Revisão. PUBVET, v. 11, n. 10, p. 1036-1045, 2017. DOI: 10.22256/PUBVET.V11N10.1036-1045.
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) intensificado pela compactação e erosão do solo das atividades extensivas, o que gera maior pressão no desmatamento das florestas. Em termos monetários, se simplificar as características dos ecossistemas, a ausência de vegetação nativa, incluindo a reserva legal, resultaria em perdas de cerca de R$ 6 trilhões por ano (Metzger; Bustamante; Ferreira; Fernandes; Librán-Embid; Pillar; Prist; Rodrigues; Vieira; Overbeck, 2019METZGER, J. P.; BUSTAMANTE, M. M. C.; FERREIRA, J.; FERNANDES, G. W.; LIBRÁN-EMBID, F.; PILLAR, V. D.; PRIST, P. R.; RODRIGUES, R. R.; VIEIRA, I. C. G.; OVERBECK, G. E. Why Brazil needs its Legal Reserves. Perspectives in Ecology and Conservation, v. 17, n. 3, p. 91–103, 2019. DOI: 10.1016/j.pecon.2019.09.001.
https://doi.org/10.1016/j.pecon.2019.09....
).

Por esta razão, é importante elaborar um diagnóstico detalhado das áreas a serem restauradas. Muitos profissionais desconsideram a elaboração de um diagnóstico aprofundado sobre histórico de uso do solo das áreas, que implica diretamente na estratégia a ser aplicada. Uma área com décadas de atividade agropecuária próximas a remanescentes representa condições distintas à uma área geograficamente isolada e conduzida sob atividade mineradora, ou por plantios homogêneos com espécies perenes.

Como exemplo, em uma restauração passiva, grande parte das espécies mais abundantes é influenciada pela altitude, profundidade do solo e espessura da serapilheira, e ainda favorecidas pelo teor de argila no estabelecimento de populações arbóreas (Callegaro; Araujo; Longhi; Andrzejewski, 2018CALLEGARO, R. M.; ARAUJO, M. M.; LONGHI, S. J.; ANDRZEJEWSKI, C. Influência de fatores ambientais sobre espécies vegetais em floresta estacional para uso potencial em restauração. Nativa, [S. l.], v. 6, n. 1, p. 91-99, 2018. DOI: 10.31413/nativa.v6i1.4728.
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). As espécies pioneiras desenvolvidas isoladamente formam núcleos naturais que promovem condições às espécies de estágios posteriores. Neste sentido, maior será o número de espécies conforme o núcleo natural aumenta (Coutinho; Valcarel; Rodrigues, 2019COUTINHO, P. R. de O. dos S.; VALCAREL, R.; RODRIGUES, P. J. F. P. Restauração passiva em pastagens abandonadas a partir de núcleos de vegetação na Mata Atlântica, Brasil. Ciência Florestal, [S. l.], v. 29, n. 3, p. 1307–1323, 2019. DOI: 10.5902/1980509827844.
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).

As pioneiras tendem a apresentar taxa de sobrevivência mais elevada quando comparadas às não pioneiras, porém acarretam um dossel homogêneo. Portanto, recomenda-se inserir também espécies de estágios de sucessão posteriores (Silva; Rovedder; Hummel; Piaia; Toso; Felker; Pecccatti; Matiello, 2019SILVA, M. P. K. L. da; ROVEDDER, A. P.; HUMMEL, R. B.; PIAIA, B. B.; TOSO, L. D.; FELKER, R. M.; PECCCATTI, A.; MATIELLO, J. Desenvolvimento inicial e fenologia em núcleos de restauração no bioma Mata Atlântica, Sul do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Agrárias, v. 14, n. 1, p. 1-7, 2019. DOI: 10.5039/agraria.v14i1a5612.
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), enriquecendo os núcleos naturais ou a restauração passiva, e definir uma coorte variável de espécies quando conduzir uma restauração ativa com uso da nucleação ou plantios em área total. Permanece, no entanto, a necessidade de eliminar a competição com o controle de plantas infestantes e combate a formigas, para favorecer mais rapidamente o recobrimento da área pelas arbóreas, simultaneamente ao seu desenvolvimento (Klippel; Pezzopane; Silva; Caldeira; Pimenta; Toledo, 2015KLIPPEL, V. H.; PEZZOPANE, J. E. M.; SILVA, G. F. da; CALDEIRA, M. V. W.; PIMENTA, L. R.; TOLEDO, J. V. Avaliação de métodos de restauração florestal de mata de Tabuleiros-ES. Revista Árvore [online], v. 39, n. 1, p. 69-79, 2015. DOI: 10.1590/0100-67622015000100007.
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).

Comumente, é possível observar que o plantio de mudas em área total apresenta maiores custos e maior diversidade da regeneração natural emergente do que a nucleação, que por sua vez, é maior que a restauração passiva, especialmente pelo rápido recobrimento e condições favoráveis de sucesso vegetal. No entanto, o plantio de mudas compõe menor resposta no período inicial dada a quantidade de práticas silviculturais necessárias para garantir a sobrevivência das mudas (Trentin; Estevan; Rossetto; Gorenstein; Brizola; Bechara, 2018TRENTIN, B. E.; ESTEVAN, D. A.; ROSSETTO, E. F. S.; GORENSTEIN, M. R.; BRIZOLA, G. P.; BECHARA, F. C. Restauração florestal na Mata Atlântica: passiva, nucleação e plantio de alta diversidade. Ciência Florestal, [S. l.], v. 28, n. 1, p. 160–174, 2018. DOI: 10.5902/1980509831647.
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).

Desta forma, o conjunto de estratégias surtem efeitos diretos na composição de espécies futuras da área sob um processo restaurativo. É desinteressante à restauração ecológica, 40 anos com 20% de ocupação da área por espécies arbóreas (Coutinho; Valcarel; Rodrigues, 2019COUTINHO, P. R. de O. dos S.; VALCAREL, R.; RODRIGUES, P. J. F. P. Restauração passiva em pastagens abandonadas a partir de núcleos de vegetação na Mata Atlântica, Brasil. Ciência Florestal, [S. l.], v. 29, n. 3, p. 1307–1323, 2019. DOI: 10.5902/1980509827844.
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) quando é possível um recobrimento total aos 10 anos de idade (Schaffer; Mattar; Nakajima; Silva; Borges; Borges; Carpanezzi; Neves; Angelo; Britez, 2020SCHAFFER, L. H.; MATTAR, E. A.; NAKAJIMA, N. Y.; SILVA, S. A.; BORGES, R. A.; BORGES, A.V. P.; CARPANEZZI, A. A.; NEVES, E. J. M.; ANGELO, A. C.; BRITEZ, R. M. de. Crescimento de espécies arbóreas nativas em recuperação de área degradada no litoral do Paraná. Pesquisa Florestal Brasileira, [S. l.], v. 40, 2020. DOI: 10.4336/2020.pfb.40e201801680.
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).

Nestas circunstâncias, a avaliação do banco de sementes representa a forma de monitoramento eficaz na previsão da composição futura de espécies das áreas em restauração. Embora apresente uma variação sazonal, a riqueza dos fragmentos aumenta à medida que melhora seu estado de conservação. Ainda assim, sugere-se o enriquecimento do banco de sementes das áreas conservadas em prol da diversidade e da variabilidade genética (Piña-Rodrigues; Aoki, 2014PIÑA-RODRIGUES, F. C. M.; AOKI, J. Chuva de sementes como indicadora do estádio de conservação de fragmentos florestais em Sorocaba - SP. Ciência Florestal, [S. l.], v. 24, n. 4, p. 911–923, 2014. DOI: 10.5902/1980509816603.
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).

Durigan, Suganuma e Melo (2016)DURIGAN, G.; SUGANUMA, M. S.; MELO, A. C. G. de. Valores esperados para atributos de florestas ripárias em restauração em diferentes idades. Scientia Forestalis, v. 44, n. 110, p. 463-474, jun. 2016. DOI: 10.18671/scifor.v44n110.19.
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buscaram dar suporte ao monitoramento de matas ciliares em restauração em regiões de Floresta Estacional Semidecidual (Mata Atlântica), gerando valores esperados e críticos para diferentes atributos da comunidade arbórea com base na avaliação de diferentes atributos de 26 plantios de restauração em diferentes idades. Ecossistemas em restauração com valores abaixo do valor crítico para determinado atributo, estão susceptíveis a ações de manejo adaptativo que direcionem a trajetória rumo ao estado desejado. Entre os atributos mencionados, cita-se a riqueza total de espécies arbóreas. Aos quatro anos de idade, o intervalo esperado está entre 18 e 25 espécies. Aos 25 anos este intervalo propõe considerar bem sucedida uma restauração entre 41 e 59 espécies arbóreas amostradas (Durigan; Suganuma; Melo, 2016DURIGAN, G.; SUGANUMA, M. S.; MELO, A. C. G. de. Valores esperados para atributos de florestas ripárias em restauração em diferentes idades. Scientia Forestalis, v. 44, n. 110, p. 463-474, jun. 2016. DOI: 10.18671/scifor.v44n110.19.
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).

A Resolução Nº 47 de novembro de 2003, da Secretaria do Meio-Ambiente do estado de São Paulo, orienta “a recuperação florestal de áreas degradadas [...], será efetivada mediante o plantio de mudas de, no mínimo, 80 (oitenta) espécies arbóreas” (SÃO PAULO, 2003SÃO PAULO. RESOLUÇÃO SMA Nº 47, DE 26 de novembro de 2003. Diário Oficial do Estado de São Paulo – Secretaria do Meio Ambiente. 2003.). No entanto, se observar os valores críticos anteriormente mencionados, por que plantar 80 espécies arbóreas? Obviamente que a resolução busca manter a biodiversidade do estado. Todavia, a fragmentação dos ecossistemas de São Paulo impede a obtenção sementes com diversidade de espécies para produção de mudas nos viveiros florestais (Cielo-Filho; Souza, 2016CIELO-FILHO, R.; SOUZA, J. A. D. de. Assessing passive restoration of an atlantic forest site following a Cupressus lusitanica Mill. plantation clearcutting. Ciência Florestal [online], v. 26, n. 02, p. 475-488, 2016. DOI: 10.5902/1980509822748.
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). No entanto, a própria fragmentação exige o plantio de mudas, e diminui a diversidade de plantio, porém aliando arbóreas aptas às adversidades ambientais, e produzidas nos viveiros florestais.

Projetos de restauração ativa conduzidos com baixa diversidade podem superar diversas adversidades, especialmente nos custos envolvidos. Primeiro, o viveiro florestal poderá absorver a demanda de espécies desejadas, e a produção de mudas, o plantio e as práticas silviculturais, atendem um padrão de atividades que diminui os custos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das mudas será homogêneo, com rápido recobrimento do solo e fechamento de dossel, que diminui e/ou elimina alguns fatores degradantes, e condiciona a próxima etapa de composição de espécies da regeneração natural, e viabiliza abrigo e alimento para a fauna.

Altivo e Piña-Rodrigues (2017)ALTIVO, F. de S.; PIÑA RODRIGUES, F. C. M. Ecological functionality of restoration of degraded areas in the mata atlantica biome, Rio de Janeiro, Brazil. Brazilian Journal of Environmental Sciences (Online), n. 43, p. 17-31, 2017. DOI: 10.5327/Z2176-947820170175.
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, em avaliação da restauração ativa com alta diversidade (88 espécies), identificaram que algumas espécies, com desenvolvimento expressivo também apresentaram elevadas taxas de mortalidade, e que portanto, o plantio em alta densidade pode causar o futuro restabelecimento de gramíneas invasoras, afetando a dinâmica ecológica. Além disso, quando da escolha de espécies a serem utilizadas, deve-se aferir experimentações já realizadas para evitar elevada mortalidade.

Saber com quais espécies trabalhar é de fundamental importância no planejamento de projetos de restauração ecológica. As matas ciliares, por exemplo, precisam de espécies que suportem períodos de inundação, facilite o fluxo gênico entre áreas restauradas e remanescentes em prol da regeneração natural, portanto, é interessante considerar espécies ribeirinhas (Fonseca; Backes; Rosenfield; Müller, 2017FONSECA, D. A. da; BACKES, A. R.; ROSENFIELD, M. F.; MÜLLER, S. C. Avaliação da regeneração natural em área de restauração ecológica e mata ciliar de referência. Ciência Florestal, [S. l.], v. 27, n. 2, p. 521–534, 2017. DOI: 10.5902/1980509827733.
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) frutíferas e melíferas de ocorrência natural, de modo a contribuir para o enriquecimento genético e da recuperação da fauna terrestre e aquática.

Neste sentido, os projetos e estudos científicos devem escolher espécies de ocorrência natural e apresentar as espécies trabalhadas, do contrário este fato não inibe somente futuros estudos voltados à restauração ecológica, como também gera incertezas sobre a real aptidão das espécies nas estratégias utilizadas, e sobre os monitoramentos apresentados.

2.3.1 Recomendações a futuros projetos de restauração ecológica e suas publicações

Doravante a análise do estado da arte, os estudos conduzidos por estratégias de restauração passiva ou técnicas de nucleação, devem minimamente apresentar, o isolamento dos fatores degradantes, promoção da fauna, coroamento, adubação, tipo de irrigação, descrição das ações de enriquecimento arbóreo.

Na restauração ativa, com plantio em área total, complementarmente, deve-se considerar a escolha de espécies de pioneiras e secundárias. Na implantação, prezar pelo preparo do solo, adubação, uso de hidrogel e irrigação. Realizar práticas silviculturais semestrais e anuais, incluindo contagem da sobrevivência, o replantio, coroamento e adubação das mudas, e a partir dos 6 anos delinear plantios de enriquecimento – se necessário.

Para os monitoramentos citam-se os indicadores de identificação, indicadores da transformação da paisagem, indicadores das características ecológicas dos regenerantes, indicadores ecológicos mínimos e indicadores ecológicos alternativos.

Os indicadores essenciais à identificação da área contemplam a idade, local, fitofisionomia, histórico e tamanho em hectares. Como indicadores da transformação da paisagem citam-se a definição dos estratos, presença/ausência de erosão, da cobertura de gramíneas e de arbóreas exóticas. Ressalta-se a possibilidade de uso consorciado de geotecnologias para identificar a cobertura de vegetação.

Inclui como indicadores das características dos regenerantes, a nomenclatura científica completa, seu grupo sucessional, ameaça de extinção e síndrome de dispersão. Para os indicadores ecológicos, considerar minimamente os índices de diversidade, equabilidade e os parâmetros fitossociológicos da estrutura horizontal e vertical da regeneração natural.

Como indicadores adicionais ou alternativos para o monitoramento pode-se citar a fenologia, grupos funcionais e similaridade. As métricas dendrométricas (diâmetro, altura e copa), biomassa e teor de carbono das arbóreas plantadas, quando for o caso, e dos regenerantes. A análise de solo, da serapilheira e banco de sementes, o levantamento básico e/ou padrão de atividade da fauna e por último e com igual importância o estudo socioambiental.

3 CONCLUSÃO

A restauração ativa, embora ainda enfrente adversidades, é a metodologia preferida. Uma grande riqueza de espécies se destaca entre os estudos avaliados.

Observados a diversidade de fatores, espécies e ecossistemas, que interferem na replicação e evolução de projetos de restauração florestal, recomenda-se a condução e publicação dos futuros estudos contenham o mínimo de informações de caracterização ambiental, descrição da implantação, das práticas silviculturais e monitoramento, de maneira específica ou citada. Ressalta-se que o monitoramento, quando de restauração ativa, contempla avaliações de desenvolvimento das espécies arbóreas plantadas, a fim de subsidiar novos projetos.

Deve-se incentivar a elaboração de programas e projetos de restauração florestal em áreas protegidas, do setor público ao privado, e nas regiões do centro-oeste e nordeste brasileiro. Acrescenta-se ainda, estimular a condução de estudos socioambientais no âmbito da restauração ecológica.

Como citar este artigo

  • SCHNEIDER, C. R.; ANGELO, D. H.; ANGELO, A. C.; BEHLING, A.; RÍOS, R. C.; BLUM, C. T. Espécies, práticas silviculturais e monitoramento: estratégias para restauração ecológica de áreas protegidas da Mata Atlântica. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 4, e74057, p. 1-22, 2023. DOI 10.5902/1980509874057. Available from: https://doi.org/10.5902/1980509874057. Accessed in: day month abbr. year.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2023
  • Aceito
    04 Ago 2023
  • Publicado
    29 Nov 2023
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