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A aprendizagem profissional - as representações de treinadores desportivos de jovens: quatro estudos de caso

Professional Learning - representation of youth sports coaches: four case studies

Resumos

A preocupação com a formação de jovens no esporte tem estimulado investigações a respeito da profissionalização do treinador. Neste sentido, o objetivo do estudo foi descrever a representação dos treinadores sobre sua aprendizagem profissional no basquetebol e interpretá-las em conformidade com a literatura especializada. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com estudos de caso múltiplos envolvendo 4 treinadores com reconhecida competência na formação de jovens jogadores em Santa Catarina. Os dados biográficos foram coletados a partir de entrevistas estruturada e semi-estruturada. Os resultados indicam que os treinadores valorizam diversas fontes informais e não-formais de aprendizagem. A observação de outros treinadores e a experiência de prática cotidiana são essenciais na construção do conhecimento profissional. Conclui-se que a aprendizagem dos treinadores investigados decorre de um processo de auto-aprendizagem e de socialização do conhecimento, no qual os mecanismos implicados de observação, reflexão e orientação informal necessitam ser investigados.

Educação Física e Esporte; Formação do treinador; Professor; Ensino; Basketball; Representações; Pós-Modernidade


The concern with the training of youth in sport has stimulated investigations into the professionalization of coaches. In this sense, the objective of the study was to describe how coaches represent their own professional development in basketball and interpret these representations according to the specialized literature. A qualitative study was conducted with multiple case studies involving four competent coaches of young players in Santa Catarina. The biographical data were collected with the use of structured and semi-structured interviews. The results show that the coaches give importance to various informal and non-formal sources of development. The observation of other coaches and the experience of daily practice are essential in the construction of professional knowledge. We concluded that the development process of the participating coaches is a result of self-teaching and the socialization of knowledge, which have implied mechanisms of observation, reflection and informal instruction that need to be investigated.

Physical Education and Sport; Coaching; Teacher; Teaching; Basketball; Representation; Postmodernity


ARTIGO ORIGINAL

A aprendizagem profissional - as representações de treinadores desportivos de jovens: quatro estudos de caso

Professional Learning - representation of youth sports coaches. four case studies

Valmor RamosI; Amândio Braga dos Santos GraçaII; Juarez Vieira do NascimentoIII; Rudney da SilvaI

ICentro de Ciências da Saúde e do Esporte, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

IIFaculdade de Desporto, Universidade do Porto, Porto, Portugal

IIICentro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Valmor Ramos Rua Pascoal Simone, 358 - Coqueiros Florianópolis SC Brasil 88080-350 Fone: (48) 3321-8600, Fax: (48) 3321-8607 e-mail: d2vr@udesc.br

RESUMO

A preocupação com a formação de jovens no esporte tem estimulado investigações a respeito da profissionalização do treinador. Neste sentido, o objetivo do estudo foi descrever a representação dos treinadores sobre sua aprendizagem profissional no basquetebol e interpretá-las em conformidade com a literatura especializada. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com estudos de caso múltiplos envolvendo 4 treinadores com reconhecida competência na formação de jovens jogadores em Santa Catarina. Os dados biográficos foram coletados a partir de entrevistas estruturada e semi-estruturada. Os resultados indicam que os treinadores valorizam diversas fontes informais e não-formais de aprendizagem. A observação de outros treinadores e a experiência de prática cotidiana são essenciais na construção do conhecimento profissional. Conclui-se que a aprendizagem dos treinadores investigados decorre de um processo de auto-aprendizagem e de socialização do conhecimento, no qual os mecanismos implicados de observação, reflexão e orientação informal necessitam ser investigados.

Palavras-Chave: Educação Física e Esporte. Formação do treinador. Professor. Ensino. Basketball. Representações. Pós-Modernidade.

ABSTRACT

The concern with the training of youth in sport has stimulated investigations into the professionalization of coaches. In this sense, the objective of the study was to describe how coaches represent their own professional development in basketball and interpret these representations according to the specialized literature. A qualitative study was conducted with multiple case studies involving four competent coaches of young players in Santa Catarina. The biographical data were collected with the use of structured and semi-structured interviews. The results show that the coaches give importance to various informal and non-formal sources of development. The observation of other coaches and the experience of daily practice are essential in the construction of professional knowledge. We concluded that the development process of the participating coaches is a result of self-teaching and the socialization of knowledge, which have implied mechanisms of observation, reflection and informal instruction that need to be investigated.

Keywords: Physical Education and Sport. Coaching. Teacher. Teaching. Basketball. Representation. Postmodernity.

Introdução

O reconhecimento de que a qualidade da intervenção do treinador tem implicações importantes para a formação esportiva de jovens e para a obtenção dos melhores desempenhos esportivos, tem estimulado alguns países a desenvolver seus próprios programas de certificação ou educação formal de treinadores (GOULD et al., 1990; WOODMAN, 1993; MCCALLISTER et al., 2000; CUSHION; JONES, 2001; CUSHION et al., 2003; CÔTÉ, 2006; LEMYRE et al., 2007; VARGAS-TONSING, 2007; WRIGHT et al., 2007). Estes programas evidenciam algumas características comuns em sua estrutura e são oferecidos por uma diversidade de instituições, nomeadamente, universidades, institutos, associações profissionais, conselhos governamentais, federações esportivas (TRUDEL; GILBERT, 2006; WRIGHT et al., 2007; NORDMANN; SANDER, 2009).

Na literatura consultada sobre as propostas sobre a formação de treinadores, Cushion et al. (2006) destacam que há duas formas ou modelos para se compreender o processo de formação, designadamente, Modelos para o treinador (Models for Coaching) e Modelos do Treinador (Models of Coaching). O primeiro modelo baseia-se em propostas idealísticas concebidas por especialistas sobre quais conhecimentos são mais importantes para serem ensinados a um treinador. Por outro lado, o conjunto de investigações guiadas pelo paradigma do pensamento do professor com treinadores de sucesso ou expert tem permitido definir o segundo modelo, denominado modelos do treinador.

Ao utilizarem a proposta das metáforas de aprendizagem de Sfard (1998), Trudel e Gilbert (2006) sugeriram dois processos por meio dos quais os treinadores aprendem a ensinar, nomeadamente a metáfora da aquisição e a metáfora da participação.

No que diz respeito à metáfora da aquisição, a aprendizagem decorre de um processo de transmissão de conhecimento no qual os treinadores adquirem passivamente conceitos ou princípios gerais de atuação, para serem aplicados na resolução de problemas comuns e pré-definidos. Trata-se da aplicação ou transposição direta dos "bons conhecimentos" que são aprendidos principalmente nos programas formais de formação. Por outro lado, sob a perspectiva da metáfora da participação, a aprendizagem do treinador decorre de um processo de reflexão da sua prática pessoal e também por um processo particular de observação que realiza ao longo da sua vida e que o faz tornar-se treinador.

Essencialmente, a diferença entre as duas metáforas é que no modelo da aquisição a aprendizagem é marcada pela transferência direta do que os treinadores "devem saber" e "devem fazer" da mente de um indivíduo conhecedor para outro e, na metáfora da participação a aprendizagem se evidencia em um esforço voluntário do indivíduo para interagir com outras pessoas, convertendo o processo de aprendizagem em uma atividade de proporções sociais (SFARD, 1998; TRUDEL; GILBERT, 2006).

A forma como treinadores obtêm seu conhecimento também tem sido definida como um tipo de aprendizagem Formal, Não formal e Informal (NELSON et al., 2006). A aprendizagem do tipo Formal decorre de um sistema de certificação, institucionalizado e estruturado hierarquicamente, com algum arranjo cronológico de médio e longo prazo, oferecido por entidades governamentais, federações esportivas, entre outras. O tipo de aprendizagem Informal, por outro lado, é identificado como um processo na qual cada pessoa constrói conhecimentos, atitudes e discernimentos próprios a partir de experiências do cotidiano de treino. Por último, acrescenta-se a definição de aprendizagem do tipo Não Formal, referindo-se a um conhecimento organizado, transmitido fora da estrutura do sistema formal e idealizado para fornecer alguns tipos de aprendizagem para subgrupos particulares da população em períodos de tempos mais curtos. As conferências, os seminários, os workshops e as clínicas são alguns exemplos mais comuns de aprendizagem Não Formal.

A preocupação com a formação do treinador também tem estimulado a realização de investigações empíricas em alguns países (Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Nova Zelândia e Inglaterra), com treinadores de sucesso na categoria principal. Os resultados têm evidenciando que a construção do conhecimento profissional é fortemente influenciada pela experiência de prática cotidiana no esporte e decorre de um processo contínuo que se inicia ainda na condição de jogador em formação (GOULD et al., 1990; SCHINKE et al., 1995; SALMELA, 1996; FLEURANCE; COTTEAUX, 1999; GILBERT; TRUDEL, 2001; CUSHION et al., 2003; JONES, et al., 2003; IRWIN et al., 2004; JONES et al., 2004; TRUDEL; GILBERT, 2006; GIMÉNEZ; LORENZO, 2007).

No âmbito da formação esportiva, os resultados das investigações com treinadores de jovens têm igualmente salientado a importância da experiência de prática pessoal e prática profissional na construção do conhecimento do treinador (AFONSO, 2001; GILBERT; TRUDEL, 2001; GILBERT; TRUDEL, 2005; LEMOS, 2005; LEMYRE et al., 2007; WRIGHT et al., 2007; STEPHENSON; JOWETT, 2009).

No Brasil, a formação ou aprendizagem formal de treinadores de jovens segue uma tendência de ser realizada pelos Cursos de Graduação em Educação Física. As novas diretrizes curriculares para a formação inicial, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, apontam os cursos de bacharelado como aqueles com a responsabilidade para auxiliar na construção de conhecimentos para a intervenção de profissionais no esporte, fora do âmbito escolar (HUNGER et al. 2006), muito embora estas orientações estejam distantes de um processo de formação específica de treinadores.

A alteração neste cenário da formação inicial, associada a idéia da profissionalização, tem implicações importantes na definição dos rumos das investigações sobre o conhecimento do professor. Se de um lado o cenário atual reivindica a criação de um conjunto de conhecimentos pedagógicos de base para a atuação dos professores (SHULMAN, 1987; GROSSMAN, 1990; GRAÇA, 1997), por outro lado a abordagem empírica sugere que se examine cuidadosamente a participação da história de vida e da experiência individual no processo de aprender a ser professor (NÓVOA, 2000) e, no caso particular do Brasil, do professor de Educação Física ou treinador esportivo.

Acredita-se que o desenvolvimento profissional do treinador está vinculado diretamente a sua trajetória de vida pessoal, de modo que a reconstrução e a descrição deste percurso pelo próprio treinador pode revelar episódios, decisões e opções circunstanciais, dotadas de significados e informações úteis para se estabelecer direcionamentos e ações para o desenvolvimento profissional do treinador (LEE; WILLIANS & CAPEL, 1989; HANDSEN; GAUTHIER, 1998; JONES et al., 2004). Além disso, possibilita balizar novos itinerários pessoais de sucesso (GARCIA; PORTUGAL, 2009).

Neste sentindo, o objetivo deste estudo foi examinar as representações de treinadores de jovens à respeito da forma como eles aprenderam a ser treinadores. Para atender ao objetivo principal do estudo, foi necessário descrever e interpretar situações da trajetória da vida pessoal e profissional dos treinadores, assim como identificar e classificar as fontes de conhecimento em conformidade com as formas de aprendizagem indicadas na literatura especializada.

Métodos

Método de pesquisa

Neste estudo adotou-se um delineamento qualitativo de pesquisa que, de acordo com Bogdan e Biklen (1994) e Denzin e Lincoln (1994), compreende uma denominação mais representativa e abrangente diante da diversidade de procedimentos contemplados na literatura sobre esta temática investigativa. Em linhas gerais, o método qualitativo de pesquisa apresenta uma característica descritiva, na qual o investigador recolhe informações de forma direta, com ênfase na análise indutiva de dados. Além disso, utilizou-se procedimentos de pesquisa denominado estudo de casos múltiplos (YIN, 2001), de caráter descritivo interpretativo (THOMAS; NELSON, 1990), com treinadores de jovens de basquetebol, de modo a compreender a trajetória profissional de cada um deles e os significados que cada um atribui à esta trajetória.

Sujeitos

Participaram da investigação quatro profissionais de Educação Física, com experiência no treino de jovens de basquetebol no Estado de Santa Catarina - Brasil. Para participar do estudo, os treinadores evidenciaram algumas características que compreendem a motivação para o estudo, experiência, competência e reputação profissional. Estes critérios foram adotados com referência as investigações de Graça (1997), Berlinder (2000), Huberman (2000) e Gilbert; Trudel (2004). Os treinadores investigados apresentaram experiência de prática profissional como treinador de basquetebol superior a 10 (dez) anos; disponibilidade e motivação para participar do estudo; reconhecimento dos treinadores (pares) e dirigentes do setor sobre sua competência na formação de jogadores; frequência e bons níveis de classificação de suas equipes em competições oficiais nos últimos cinco anos, estabelecidos a partir da observação de relatórios federativos da modalidade.

Todos os participantes foram informados sobre os objetivos da investigação e assinaram o respectivo termo de consentimento para a gravação e divulgação das informações. O projeto foi avaliado por comitê de ética em pesquisa com seres humanos em uma universidade pública no Brasil e atende as normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Parecer nº 180/2006).

Instrumentos e procedimentos de pesquisa

Os dados foram coletados a partir de entrevista estruturada ou questionário de perguntas fechadas (GIL, 1995) e também entrevista semi-estruturada, ambas em momentos distintos do estudo e em local previamente determinado e reservado. O roteiro de entrevista estruturada foi elaborado a partir de estudos de Ramos (1998), onde foram abordados temas sobre a identificação pessoal dos treinadores, nível de formação, tempo e nível de experiência de prática pessoal e profissional no esporte.

A entrevista semi-estruturada foi realizada na segunda etapa da coleta de dados, cujo roteiro contemplava temas geradores e questões organizadas a partir da adaptação do estudo de Benham (2002). A entrevista desta natureza aproximasse de questionário aberto, cuja formulação e ordem das questões são previamente estabelecidas, mas permitem tanto ao investigado fornecer uma resposta tão longa quanto desejar, quanto ao pesquisador intervir para estimular respostas mais completas e profundas sobre a temática (GHIGLIONE; MATALON, 1997).

O roteiro das entrevistas foi testado e ajustado após a realização de estudo preliminar com 3 treinadores de basquetebol na formação. As perguntas permitiram obter descrições contextualizadas dos sujeitos sobre a biografia de cada treinador, particularmente, a trajetória da experiência de prática pessoal e prática profissional, episódios marcantes de suas experiências, nível de valorização pessoal para as experiências, motivação para a pratica pessoal e profissional.

Relativamente as fontes de conhecimento ou como aprendeu a ser treinador, indagou-se essencialmente sobre a percepção pessoal de qual conhecimento o treinador necessita dominar para atuar no treino de jovens, onde cada um deles julga que obteve o seu conhecimento para o treino de jovens no basquetebol e como faz para mantê-lo.

Análise dos dados

As respostas emitidas pelos sujeitos foram captadas por meio de gravador digital e armazenadas em micro computador. Todas as entrevistas foram transcritas literalmente com o auxílio de programas da Microsoft Windows, especificamente Windows Media Player e Word, inseridas posteriormente no programa de análise de dados qualitativos QSR Nvivo. Os dados foram agrupados em duas categorias principais, nomeadamente a biografia de cada treinador sobre a sua experiência de prática pessoal e prática profissional no esporte, nas quais foram inseridas as informações sobre a cronologia destas experiências e os significados pessoais atribuídos a elas. Os dados organizados na segunda categoria dizem respeito a percepção dos treinadores sobre as suas fontes de conhecimento, especificamente as fontes formais, não formais e informais identificadas na literatura consultada.

Os dados obtidos de cada treinador foram examinados e descritos individualmente (caso a caso) e, posteriormente, confrontados entre si, atendendo as recomendações de Yin (2001). Para conferir a validade das descrições utilizou-se a checagem pelos participantes, na qual solicitou-se aos sujeitos do estudo uma apreciação do texto elaborado e aprovação da veracidade das informações. A validade das interpretações foi assegurada a partir do acompanhamento ou supervisão de dois investigadores da área da formação profissional em Educação Física e Esportes. Estes procedimentos metodológicos são indicados por Bogdan e Biklen (1994), Yin (2001), Alves (2002) e Alves-Mazzoti e Gewandsznadjer (2004).

Resultados e Discussão

A apresentação dos resultados foi dividida em dois tópicos. Inicialmente houve a preocupação de descrever a biografia resumida que caracteriza cada treinador (identificados no texto como Treinador T1, T2, T3 e T4) e a forma como cada treinador julga que aprendeu a sê-lo. Na sequência foram elaboradas algumas considerações, como sugere (YIN, 2001), a partir do confronto dos resultados mais destacados dos casos investigados.

Quem é o Treinador 1 (T1) e como aprendeu a ser treinador:

T1 iniciou sua experiência de prática pessoal no basquetebol aos 13 anos de idade. Aos 28 anos decidiu encerrar sua carreira de jogador, passando a dedicar-se à função de treinador. À época da recolha de dados, T1 contava com 16 anos de experiência como treinador e exercia a função de coordenador de núcleos de formação de jovens jogadores de basquetebol do seu município. Licenciado em Educação Física e Pós graduado em Treinamento Esportivo, ele dividia o seu tempo diário entre o cargo de coordenador de Educação Física de uma escola tradicional da cidade e atividades de ensino em um dos núcleos de formação.

O trabalho de treinador para T1, por si só, se constitui em uma satisfação pessoal, não necessitando de compensações externas à própria atividade. Não existe distinção entre esforço e prazer na sua atuação e, é antes de tudo uma necessidade, ou um "vício" como ele mesmo denomina.

No decorrer de sua carreira como treinador, T1 tem adotado uma diversidade de fontes de conhecimento, nomeadamente o uso de sites específicos sobre basquetebol na Internet; assistir jogos de outras equipes; rever jogos de arquivos pessoais de suas equipes; rever anotações pessoais; o convívio com os próprios jogadores; a leitura de livros; a troca de informações com outros treinadores que julga competente.

As fontes de conhecimento fazem referência ao campo mais amplo (aberto) de um contexto informal de aprendizagem. Nelson et al., (2006) indicam que as aprendizagens nestes contextos podem ser auto-dirigidas e mais dependentes de uma iniciativa pessoal do treinador, que ocorrem à medida que este busca soluções para resolver problemas ou dilemas da prática no ensino.

As fontes mais importantes e que se mantêm inalteradas desde seus primeiros passos no esporte são para T1 ainda a experiência da observação enquanto jogador, de ver os treinadores a ensinar. Este processo ocorreu a partir da sua participação em programas de iniciação esportiva na infância e no contato com treinadores que ele nutre admiração, identificando neles valores sociais em comum. Aprender por observação (apprenticeship-of-observation) é definido como um processo de socialização que ocorre com uma pessoa ou aluno quando este ingressa na escola ou em algum contexto cultural de um professor em particular. A aprendizagem resulta do contato sucessivo, bem como da familiarização com as tarefas de ensino ou formas particulares de ensinar, que professores ou treinadores mais experientes e competentes utilizam (LORTIE, apud SCHEMPP, 1987; CUSHION et al., 2003).

Embora seja possível reconhecer o envolvimento pessoal e profissional de T1, ao longo de toda a sua vida, com todos os anos de experiência como jogador e também como observador, ainda é difícil afirmar se a competência ou sucesso de um treinador esteja relacionado somente às experiências acumuladas (GILBERT et al., 2006). É necessário, portanto, que as experiências sejam significativas, ou seja, que elas sejam vividas inteligentemente, por meio de um processo de reflexão, de reconstrução e reorganização da própria experiência, condição que permite entender o seu sentido e dirigir mais eficientemente as situações ou experiências futuras (SCHÖN, 2000).

O processo de reflexão dos treinadores, em geral, não segue qualquer padrão pré estabelecido (GILBERT; TRUDEL, 2001; GILBERT; TRUDEL, 2005). No caso de T1, a construção do conhecimento para o ensino implica também em um processo muito peculiar de cada treinador, no qual as ações de "ver, anotar, planejar, estudar …" foram fundamentais e o fizeram criar sua própria "teoria" sobre o treino.

Quem é o Treinador 2 (T2) e como aprendeu a ser treinador:

No momento da coleta de dados, T2 possuía cerca de 10 anos de experiência como treinador, voltados totalmente à formação de jogadores. Graduado em Educação Física e Pós graduado em Desenvolvimento Infantil, atualmente ele é treinador de equipes de formação de basquetebol masculino em uma destacada associação esportiva do Estado. Além de treinador, ele desenvolve suas atividades profissionais como professor de Educação Física no Ensino Fundamental.

Aos 16 anos, T2 passou a realizar registro de dados estatísticos dos jogos a convite do seu treinador, vindo em anos seguintes encerrar prematuramente a carreira de jogador. Embora de curta duração, a experiência de prática pessoal de T2 foi marcante para que se decidisse pela profissão de treinador. Atuar como treinador parece resgatar um desejo ou um significado muito particular de participação, insuficientemente explorado, do período em que ele ainda era jogador.

No processo de aprendizagem de T2 pode-se destacar uma fase inicial, imediatamente ligada à sua tarefa de assistente técnico e que apresenta características similares ao conceito de mentoring (CASSIDY et al., 2004; CUSHION, 2006). Este processo se configura à medida em que ele acompanhou e observou o trabalho do treinador principal mais experiente do seu clube por alguns anos (o mesmo que havia sido seu treinador e o estimulou na participação de competições para realizar estatísticas de jogo).

O mentoring é concebido como "um processo no qual uma pessoa mais experiente (mentor) serve como um modelo, fornecendo orientações e auxílio para o desenvolvimento profissional de um principiante, responsabilizando-se ou protegendo a carreira do seu "protegido" (WEAVER; CHELLADURAI, 1999). O caso de T2 se assemelha a um tipo de mentoring denominado informal, indicando que a sua aprendizagem ocorreu de forma voluntária, na qual o mentor compartilha com seu tutelado, suas experiências, idéias, competências e habilidades, induzido por um vínculo ou relação social e afetiva (JIMÉNEZ; LORENZO, 2007).

O modo informal como T2 realizou a sua formação profissional ocorreu também a partir da observação de outros treinadores que ele acreditava serem competentes e por quem nutria admiração pessoal (LORTIE, apud SCHEMPP, 1987; GROSSMAN, 1990).

O treinador T2 reconhece a importância do papel da experiência na construção do conhecimento. No seu entendimento, a experiência deve ser tratada a partir de uma leitura do todo, guiada por uma "linha de pensamento" própria de cada treinador. É também um tipo de sentimento, uma sensibilidade particular, ou um "feeling", como ele denomina. De fato, a interpretação que se faz destes argumentos é de que deve haver um processo reflexivo de transformação destas experiências.

Quem é o Treinador 3 (T3) e como aprendeu a ser treinador:

Diante dos seus 32 anos de experiência profissional, T3 é um dedicado e conhecedor do papel de um treinador de basquetebol. Licenciado em Educação Física e com Especialização em Fisiologia do Exercício, no período da coleta de dados dedicava-se integralmente ao trabalho de treinador com jovens jogadoras, ao mesmo tempo em que implantava o seu próprio núcleo de formação no basquetebol.

Aos 13 anos de idade iniciou a sua experiência pessoal de prática no basquetebol e aos 19 anos, após receber um convite de seu treinador ou "mentor", como ele mesmo denomina, T3 obteve a sua primeira experiência como treinador. A partir de então, passou a viver paralelamente o papel de treinador de jovens e de jogador até os 29 anos

Passados vários anos, desde o seu primeiro contato com o basquetebol, este treinador parece conservar o sentimento de companheirismo que percebia no seu contexto de treino e transfere significado semelhante à sua pratica profissional.

No processo de aprendizagem profissional pode-se distinguir duas etapas mencionadas por T3. Relativamente à primeira etapa, ele indica o conhecimento obtido a partir das observações que realizou do seu treinador ou seu "mentor", como ele mesmo denominou. De fato, é um tipo de "mentoring Informal" (JIMÉNEZ; LORENZO, 2007), que decorreu por alguns anos durante o processo de transição ou alteração do papel de jogador para tornar-se treinador. Desse período, ele indica a "filosofia" ou os valores sociais cultivados pelo seu mentor, ou " a maneira dele criar aquele ambiente quase familiar que permanece até hoje".

A escolha pelo curso de graduação em Educação Física inaugura a segunda etapa na aprendizagem profissional deste treinador. Além de adicionar uma variedade de fontes de conhecimento, permite voltar-se para a sua própria maneira de construir o seu conhecimento sobre o treino, na tentativa de solucionar os problemas da prática cotidiana.

Embora o direcionamento acadêmico para o curso de Educação Física representasse por si só uma valorização importante ou uma aposta pessoal de T3 nos conhecimentos teóricos para orientar seus trabalhos, ele se ressente das dificuldades em obter conhecimentos pedagógicos mais úteis à sua prática profissional, devido ao acentuado enfoque "das ciências da saúde" no currículo deste curso. Diante desta situação, ele passou a buscar conhecimentos em contextos informais e não formais.

Durante o curso de Educação Física, T3 intensificou sua aprendizagem ou como ele mesmo comentou: "passava todo o meu tempo livre buscando alguma coisa" e, que ele conheceu os trabalhos de renomados profissionais que, mesmo hoje parecem exercer grande influência na sua prática profissional.

Assim, T3 atribuiu aos contextos não-formais de aprendizagem, nomeadamente as palestras, cursos e clínicas realizadas com personalidades do treinamento do basquetebol, a aprendizagem de alguns conceitos importantes que são ainda a base do seu trabalho no processo de formação esportiva dos jovens.

Quem é o Treinador 4 (T4) e como aprendeu a ser treinador:

No período da coleta de dados, T4 estava próximo de comemorar 30 anos de dedicação à carreira de treinador de basquetebol, exercidos integralmente na formação de jogadores. Diariamente, T4 é professor da disciplina de basquetebol em curso de graduação em Educação Física de uma reconhecida Universidade de Santa Catarina. Além disso, divide seu tempo entre as atividades de treino de basquetebol na formação e atividades administrativas e pedagógicas no Ensino Fundamental de sua cidade.

Um aspecto a destacar é que T4 foi um esportista com uma infância mais voltada ao Voleibol. Após a conclusão do curso de Educação Física passou a exercer profissionalmente a função de jogador de vôlei e de professor de Educação Física. No exercício da profissão docente ele também passou a organizar grupos de jovens para a prática do basquetebol e a estimular a formação de equipes para competir nesta modalidade. Estes foram os seus primeiros passos como treinador de basquetebol.

O trabalho de treinador de basquetebol revela para T4 um sentimento pessoal de "gostar de basquetebol", muito próximo daquele despertado durante a vida esportiva de jovem. É um gostar de "estar com a equipe", é um "gostar de treinar", é um "gostar de viajar" e, acima de tudo, é um gostar de manter-se desafiado. Além disso, T4 evidenciou a importância de dois fatores no seu processo de aprendizagem profissional: um tipo de aprendizagem não-formal, nomeadamente as clínicas, seminários, cursos de formação realizados ao longo da carreira e também a experiência de prática que tem acumulado, a partir do confronto e da resolução de situações dilemáticas no contexto de treino neste mesmo período.

O tipo de conhecimento obtido a partir da participação em cursos e clínicas foi fundamental numa fase mais inicial de atuação de T4. No decorrer de sua carreira, estas fontes mantiveram-se como elementos de parâmetro para balizar ou confirmar a qualidade do conhecimento que ele vem construindo por meio da experiência. Frequentemente, este treinador ainda busca cursos ligados ao basquetebol, depositando confiança nas fontes não-formais ou numa aprendizagem delimitada socialmente, que de tempos em tempos se materializa nestes eventos. De fato, pode-se sugerir que esta valorização é um indicador da necessidade de T4 em um contexto de aprendizagem profissional balizada pelos próprios profissionais.

De outro modo, um tipo de conhecimento prático parece ser central para este treinador, tornado significativo ou útil a partir de um processo reflexivo de reorganização da própria experiência e que lhe tem permitido agir adequadamente diante dos problemas da prática profissional. Na perspectiva de T4, o conhecimento do treinador se constitui na "experiência de quadra". É no exato momento de sua atuação no treino (reflexão na ação) e sobre suas atuações (reflexão sobre a ação) que o treinador se auto-avalia e busca criatividade para propor novas possibilidades aos problemas encontrados. (SCHÖN, 2000; GILBERT; TRUDEL, 2001; GILBERT; TRUDEL, 2005)

Consideração sobre o confronto das aprendizagens dos treinadores

O confronto dos dados dos treinadores, guiado pela perspectiva da "metáfora da participação" sugerida por Trudel e Gilbert (2006), permitiu verificar que cada treinador reconhece a contribuição de mais de uma forma na sua aprendizagem, muito embora estabeleçam alguma hierarquia pessoal na indicação das fontes de conhecimento.

As evidências do estudo são similares aos resultados encontrados por Wright et al., (2007) e Lemyre et al., (2007), nas modalidades de beisebol, futebol e hóquei no gelo. A partir de entrevistas semi-estruturadas, os pesquisadores identificaram que os treinadores de jovens aprendem a treinar a partir de diferentes situações ou fontes de aprendizagem, onde estão incluídas as pesquisas na internet, interação como outros treinadores, interação com mentores, clínicas, livros, vídeos, observação de treinadores rivais, experiência pessoal e programas formais de formação.

Outro aspecto importante é que uma única fonte de conhecimento ou um único contexto não foi suficiente para fornecer e orientar o processo de formação dos treinadores investigados. No entanto, independente da variedade e distinção destas fontes, identificou-se elementos comuns nas ações destes treinadores.

Nesse sentido, destaca-se o papel imperativo do interesse individual ou da motivação para buscar soluções aos problemas da prática. Cada um dos treinadores investigados, a sua maneira e no percurso de sua carreira profissional, definiu rotas ou formas particulares para obter conhecimentos úteis e adequados, bem como sanar as suas necessidades no treino. Invariavelmente, o esforço voluntário dos treinadores não esteve necessariamente vinculado à obtenção de um produto final ou de uma compensação externa proveniente da resolução do problema em si, mas também do processo que os conduziu para a resolução.

As dificuldades do processo de busca e os esforços empregados foram também acompanhados de um nível de satisfação muito particular e incomum, que só encontrou justificativa no sentimento. É este interesse deliberado e voluntário que parece levar os treinadores a persistirem nos seus objetivos e a refletirem sobre o quanto de atenção deverá ser destinada para alcançá-los. Pode-se sugerir que a variedade de fontes de conhecimento utilizadas por cada treinador representa um pouco desta persistência, ou seja, importa menos o "como" ou "onde" existam as ferramentas para solucionar problemas, importa mais, obtê-las.

Acredita-se que o exame na atribuição dos valores sociais de cada treinador, com o seu sentido avaliativo e de juízo do que seja preferível ou prioritário, pode fornecer algum indicador inicial para que se compreenda melhor o porquê desse impulso ao esforço voluntário dos treinadores.

A observação de treinadores experientes ou de modelos pessoais foi um fator destacado na construção do conhecimento, sendo citado de forma explícita por três treinadores investigados. Os resultados são similares ao estudo com treinadores de futebol desenvolvido por Stephenson e Jowett (2009). De fato, a observação de outros treinadores permanece ainda como uma das primeiras fontes de conhecimento para treinadores, apesar das iniciativas na criação de programas de educação formal de treinadores (CUSHION et al., 2003).

O tradicional estudo de Daniel Lortie (SCHEMPP, 1987; MEWBORN; TYMINSKI, 2004) sugere que a aprendizagem de professores, via observação, pode ser mais intuitiva e imitativa do que explícita e crítica, baseada mais em uma disposição individual do que em princípios pedagógicos. Além disso, destacou que antes de se tornar professor, uma pessoa passa por milhares de horas na escola em exposição ao ensino de seus professores. No estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) para determinar padrões de desenvolvimento de treinadores de sucesso, Gilbert et al., (2006) verificaram que treinadores de softbol, futebol e voleibol possuem cerca de 6.000 horas de envolvimento no contexto esportivo, antes de se tornarem treinadores. Assim, os treinadores investigados podem ter aprendido muito mais com a observação, do que eles mesmos possam se recordar.

A preocupação central para a formação de professores e treinadores, relativamente a estas experiências, está na possibilidade do ensino ou treino vir a tornar-se uma mera repetição de rotinas de aula, repassadas de geração em geração, baseada apenas em critérios afetivos, mais ligados a relação professor (treinador) e aluno, sem um processo de reflexão que compreenda e transforme estas importantes experiências. De qualquer modo, esta preocupação remete igualmente a proposição de Schön (2000), Gilbert e Trudel (2001), Gilbert e Trudel (2005) e Trudel e Gilbert (2006) na qual sugerem que a reflexão é o elo entre a experiência vivida e um novo conhecimento.

Ao recordar das duas vertentes relativamente à metáfora da participação de Trudel e Gilbert (2006), um tipo de aprendizagem por observação pode ser interpretada, em um primeiro plano, a partir do fenômeno da modelação ou da teoria de aprendizagem social (BANDURA, 1986; BANDURA, 1977), na qual a aprendizagem pode ocorrer de um modo inconsciente e o jovem treinador vem a tornar-se um treinador, depois de ser jogador, assistente e treinador.

Nesta perspectiva, considera-se que a aprendizagem da maioria dos comportamentos (e pensamentos) das pessoas decorre da observação de outras pessoas tidas pelo próprio observador como modelo ou exemplo (pessoas mais velhas; pessoas mais prestigiadas; pessoas bem sucedidas; pessoa de mesmo sexo; pessoas com afinidades). Na modelação ou aprendizagem de comportamentos torna-se necessário considerar também as características dos observadores e as suas expectativas e recompensas intrínsecas. Ou seja, a "imitação" é uma deliberação do observador, que ele prefere/tende ou não "imitar", em função de suas crenças e expectativas do resultado dessa "imitação" (CUSHION et al., 2003; BANDURA et al., 2008).

Esta abordagem pode ser uma via para interpretar as primeiras fases de aprendizagem profissional de T1, T2 e T3, nas quais suas práticas pedagógicas tiveram por base as orientações e a observação dos seus antigos treinadores para iniciar sua carreira. De fato, três treinadores identificaram e nomearam seus ex-treinadores e outros treinadores como suas fontes de observação, demonstrando sentimentos de orgulho, carinho e respeito por eles. No estudo com treinadores de jovens, Lemyre et al., (2007) verificaram igualmente que, nos anos iniciais da carreira, os treinadores têm acesso a algum tipo de mentorização. Neste sentido, Wright et al., (2007), Lemyre et al., (2007), Gilbert e Trudel (2004) sugerem que a aprendizagem por modelos de treinadores competentes deveria ser alvo de ponderações na formação de treinadores de jovens.

O processo reflexivo, outra faceta da metáfora da participação (TRUDEL; GILBERT, 2006), apresenta-se como elemento que permite ao treinador criar novas soluções ou novas estratégias, preparando-o para enfrentar os próximos desafios ou para continuar persistindo na busca de solução (GILBERT; TRUDEL, 2001; GILBERT; TRUDEL, 2005). O resultado desse processo é um tipo de conhecimento tácito (NASH; COLLINS, 2006), denominado por Schon (2000) de conhecimento na ação. Para Schön (2000), este conhecimento surge a partir de uma sequência de eventos caracterizados por contínuas ações de, detecções e correções de erros, na resolução dos problemas práticos. Configura-se portanto, a partir de um ciclo de reflexão-na-ação, na qual o professor ou treinador ao defrontar-se com um problema ou uma situação dilemática, cria espontaneamente uma estratégia para resolver o problema .

De modo geral, todos os treinadores investigados valorizam um tipo de conhecimento que Fenstermacher (1994) denomina de conhecimento prático e Ennis (1994), por sua vez, de conhecimento processual, o qual é muito útil na resolução de problemas cotidianos de treino. A partir da perspectiva de Fenstermacher (1994), Nash e Collins (2006) e Lyle (2002), pode-se sugerir que os treinadores possuem um misto de conhecimento teórico ou proposicional, validado pelos meios acadêmicos, somado a outro conhecimento, gerado pelos próprios treinadores na prática. A alusão a um misto de conhecimento decorre do fato dos treinadores investigados também mencionarem uma relativa participação dos conhecimentos teóricos na construção do conhecimento específico para o treino.

Conclusões

A aprendizagem profissional dos treinadores investigados decorreu de um processo contínuo e prolongado, que envolveu a experiência pessoal de prática esportiva e a experiência de prática profissional. O resultado desta aprendizagem é um misto de conhecimento teórico e prático, que utilizado de forma articulada, permite ao treinador realizar o seu trabalho na formação esportiva de jovens.

O cotidiano da prática profissional parece exigir um tipo de conhecimento processual e condicional (contextualizado), obtido principalmente a partir da resolução de problemas ou situações dilemáticas, razão pela qual os treinadores investigados valorizaram o conhecimento de natureza prática como necessário para prosseguir na profissão.

A aprendizagem e a busca de conhecimentos destes treinadores foram impulsionadas por um esforço voluntário muito pessoal, que encontra explicação nos sentimentos que nutrem ou na valorização que cada treinador atribui à prática e aos elementos contextuais do basquetebol. Este sentimento particular parece ter sido despertado em experiências de prática pessoal e exerce forte influência na definição de propósitos pessoais de treino.

O desenvolvimento do conhecimento dos treinadores investigados decorreu, portanto, de um processo de construção individual ou reconstrução das experiências, que pode ser denominado também como auto-aprendizagem. Contudo, esta auto-aprendizagem parece ser balizada por um processo subjetivo de aprendizagem social, na qual a ação de observação de outros treinadores em contextos informais e não-formais, foi essencialmente importante.

Recomendações

Para contribuir com a formação profissional dos treinadores, particularmente no Brasil, importa saber, por meio de investigações mais abrangentes, as percepções particulares de treinadores a respeito do papel das entidades formadoras, bem como da natureza e importância do conhecimento por elas disponibilizado. Ainda, as investigações necessitam abordar a dimensão curricular (programas) de entidades, professores ou treinadores em contexto natural de intervenção profissional.

Neste contexto aparentemente incerto de formação dos treinadores, cabe igualmente desenvolver iniciativas que permitam examinar e delinear um contexto de aprendizagem, mesmo informal, de modo que os treinadores possam exercer sua autonomia em busca de sua própria aprendizagem para o treino, ao ainda contribuir para um processo permanente de aprendizagem profissional. Além disso, torna-se importante investigar os processos de aprendizagem social vinculados à observação e à interação das pessoas, bem como a aplicação do conceito da modelação na aprendizagem profissional. Nesta perspectiva de investigação, impõe-se igualmente considerar o conceito de mentoring em programas de formação.

De fato, a natureza complexa da tarefa de ser treinador desportivo, implica na realização de funções igualmente complexas. Para além de protagonizar papéis ligados a gestão de atividades técnicas de treino, de preparação de jogadores e do desenvolvimento dos fatores de performance (tática, técnica, física, psicológica), o treinador tem, ao mesmo tempo, assumido funções de conselheiro, amigo, incentivador, professor, líder, gestor, empreendedor, planificador, visionário, vencedor, para suprir ausências e demandas de contextos e ambientes periféricos relacionados ao treino. Diante das incertezas e imprevisibilidades do mundo pós-moderno, entende-se que a abordagem da epistemologia da prática ou do treinador como pratico reflexivo tem sido uma importante e consistente opção para que se assegure um processo contínuo e permanente de formação profissional do treinador.

Recebido em: 22 de abril de 2010.

Aceito em: 10 de janeiro de 2011.

Origem do trabalho: Este trabalho é uma publicação parcial do texto de tese, defendida na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, para a obtenção do Título de Doutor em Ciências do Desporto, por um dos autores.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Abr 2010
    • Aceito
      10 Jan 2011
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