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Características espaço-temporais do andar para trás em indivíduos com hemiparesia

Spatial temporal characteristics of backward walking in individuals with hemiparesis

Resumos

O objetivo do presente estudo foi comparar as variáveis espaço-temporais entre o andar para frente (AF) e para trás (AT) em indivíduos com hemiparesia. Dez participantes com hemiparesia crônica (30,6±25,1 meses), comprometimento motor leve (20-31 pontos no Fugl-Meyer-membro inferior), bom equilíbrio (escore=50±7 na escala de Berg) e marcha independente (capaz de caminhar 10 metros sem auxilio) foram filmados caminhando em velocidade confortável, com marcadores reflexivos nos maléolos laterais. As variáveis comprimento, duração e velocidade da passada, bem como duração do apoio foram analisadas pela ANOVA com 2 fatores: tarefa e membro inferior. O comprimento da passada foi menor (~44cm) no AT do que no AF (F(1,18)=130,94; p≤0,001), assim como a velocidade da passada (F(1,18)=163,78;p≤0,001) e da marcha (t19=10,99;p≤0,001). A duração da passada e do apoio foram respectivamente maiores, ~0,18s e ~8%, no AT do que no AF, (F(1,18)=11,98; p=0,003; F(1,18)=32,00; p≤0,001, respectivamente). Embora o comprimento da passada do AT seja reduzido, o maior tempo do MI parético suportando o peso do corpo no AT pode ser um indicador relevante na reabilitação motora.

Andar para trás; Acidente Vascular Encefálico; Cinemática


The present study aimed to compare spatial temporal variables between forward (FW) and backward walking (BW) in individuals with hemiparesis. Ten adults with chronic hemiparesis (30.6±25.1 months), mild motor impairment (20-31 points on Fugl-Meyer lower limb test), good balance (score=50±7 in the Berg scale) and independent walking (able to walk 10 meters without aid) were videotaped walking at comfortable speed with reflexive markers placed on lateral malleolus. The variables stride length, duration and speed and stance phase duration were analyzed with a two-way ANOVA: task and lower limb (LL). Stride length was lower (~44cm) in BW than in FW (F(1,18)=130,94; p≤0,001), as well as for stride (F(1,18)=163,78;p≤0,001) and walking speed (t19=10,99;p≤0,001). Stride and stance duration were ~0,18s e ~8%, respectively larger in BW than in FW (F(1,18)=11,98; p=0,003; F(1,18)=32,00; p≤0,001, respectively). Although the stride length in BW was reduced, the fact that the affected LL remained longer in stance in BW compared to FW indicates that the BW might be a relevant parameter in motor rehabilitation.

Backward walking; Stroke; Kinematics


ARTIGO ORGINAL ORIGINAL ARTICLE

Características espaço-temporais do andar para trás em indivíduos com hemiparesia

Spatial temporal characteristics of backward walking in individuals with hemiparesis

Vanessa HerberI; Stella Maris MichaelsenI; Angélica Cristiane OvandoI

ICentro de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço : Vanessa Herber Av. Eng. Max de Souza, 1370/32 Coqueiros Florianópolis SC Brasil 88080-700 Telefone: (48) 8428.0240 e-mail: vane_herber@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi comparar as variáveis espaço-temporais entre o andar para frente (AF) e para trás (AT) em indivíduos com hemiparesia. Dez participantes com hemiparesia crônica (30,6±25,1 meses), comprometimento motor leve (20-31 pontos no Fugl-Meyer-membro inferior), bom equilíbrio (escore=50±7 na escala de Berg) e marcha independente (capaz de caminhar 10 metros sem auxilio) foram filmados caminhando em velocidade confortável, com marcadores reflexivos nos maléolos laterais. As variáveis comprimento, duração e velocidade da passada, bem como duração do apoio foram analisadas pela ANOVA com 2 fatores: tarefa e membro inferior. O comprimento da passada foi menor (~44cm) no AT do que no AF (F(1,18)=130,94; p≤0,001), assim como a velocidade da passada (F(1,18)=163,78;p≤0,001) e da marcha (t19=10,99;p≤0,001). A duração da passada e do apoio foram respectivamente maiores, ~0,18s e ~8%, no AT do que no AF, (F(1,18)=11,98; p=0,003; F(1,18)=32,00; p≤0,001, respectivamente). Embora o comprimento da passada do AT seja reduzido, o maior tempo do MI parético suportando o peso do corpo no AT pode ser um indicador relevante na reabilitação motora.

Palavras-chave: Andar para trás. Acidente Vascular Encefálico. Cinemática.

ABSTRACT

The present study aimed to compare spatial temporal variables between forward (FW) and backward walking (BW) in individuals with hemiparesis. Ten adults with chronic hemiparesis (30.6±25.1 months), mild motor impairment (20-31 points on Fugl-Meyer lower limb test), good balance (score=50±7 in the Berg scale) and independent walking (able to walk 10 meters without aid) were videotaped walking at comfortable speed with reflexive markers placed on lateral malleolus. The variables stride length, duration and speed and stance phase duration were analyzed with a two-way ANOVA: task and lower limb (LL). Stride length was lower (~44cm) in BW than in FW (F(1,18)=130,94; p≤0,001), as well as for stride (F(1,18)=163,78;p≤0,001) and walking speed (t19=10,99;p≤0,001). Stride and stance duration were ~0,18s e ~8%, respectively larger in BW than in FW (F(1,18)=11,98; p=0,003; F(1,18)=32,00; p≤0,001, respectively). Although the stride length in BW was reduced, the fact that the affected LL remained longer in stance in BW compared to FW indicates that the BW might be a relevant parameter in motor rehabilitation.

Key-words: Backward walking. Stroke. Kinematics.

Introdução

O acidente vascular encefálico (AVE) é definido como uma síndrome de desenvolvimento rápido, com sinais clínicos de distúrbios da função cerebral, com sintomas que persistem por 24 horas ou mais, e nenhuma causa aparente senão de origem (WHO, 2006). O AVE apresenta-se como um importante agravo à saúde da população em nível mundial, sendo a razão mais comum de incapacidade neurológica do adulto no mundo e a principal causa de morte em adultos no Brasil (BRASIL, 2010; BROWN et al., 2002) Nos casos em que a morte não acontece, o indivíduo fica com diferentes sequelas, dentre elas, alterações motoras (PONTES-NETO, et al., 2008). Dentre as diversas sequelas decorrentes do AVE, em geral, a mais evidente é o comprometimento motor de origem central caracterizado por hemiplegia ou hemiparesia. A hemiparesia apresentada por estes indivíduos caracteriza-se por perda parcial de força no hemicorpo contralateral ao da lesão cerebral, gerando inabilidade de níveis normais de força muscular (OLNEY, RICHARDS, 1996).

As consequências do AVE, tais como a diminuição de força muscular, a espasticidade e o sinergismo anormal tendem a dificultar a realização de várias tarefas de vida diária, reduzindo a independência funcional dos indivíduos com hemiparesia (TEXEIRA-SALMELA et al., 2000). Segundo Lin (2005) a incapacidade funcional que mais afeta a vida dos indivíduos após um AVE é o déficit da marcha. Este caracteriza-se por baixa velocidade, menor cadência, comprimento da passada, amplitude articular, além de assimetria em variáveis espaço-temporais e aumento de custo energético mecânico(CHEN et al., 2005; OLNEY, RICHARDS, 1996).

A marcha em esteira com suporte de peso corporal tem sido proposta para o treino locomotorde indivíduos com hemiparesia e tem demonstradoefeitos positivos em diversos parâmetros, dentre eles, aumento da velocidade de marcha (HESSE et al.,1994). Entretanto considerando os custos deste sistema, formas alternativas para o treino locomotor devem ser exploradas. Um ensaio clínico randomizado concluiu que um treinamento adicional do andar para trás no solo aumenta a velocidade e diminui o padrão assimétrico da marcha em indivíduos com hemiparesia (YANG, 2005). O estudo de Yang (2005), no entanto, examinou somente o efeito do treinamento de marcha para trás sobre as variáveis espaço-temporais da marcha para frente, sem explorar as características espaço-temporais da tarefa do andar para trás nos indivíduos com hemiparesia. Outro estudo recente relatou os benefícios do andar para trás em esteira rolante em indivíduos com hemiparesia aguda (até cinco semanas após AVE) na melhora da mobilidade, mas também não descreveu as características espaço-temporais do andar para trás (TAKAMI, WAKAYAMA, 2010).

Na prática clínica da reabilitação neurológica, o andar para trás é comumente empregado. A literatura sugere que dar passos para trás pode melhorar os componentes da marcha de indivíduos com hemiparesia (DAVIES, 2008). Além disso, o andar para trás é empregado como uma forma alternativa de treinamento e reabilitação no tratamento de circunstâncias ortopédicas (KIM et al., 2010). A tarefa do andar para trás auxilia no aumento da força muscular do quadríceps, aplicada principalmente, para lesões onde o andar para frente agrava a dor no joelho(LAUFER, 2005). Além disso, auxilia na força dos membros inferiores e na transferência de peso para os mesmos (THRELKELD et al., 1989).

Ainda que alguns estudos (Vilensky et al.,1987; Grassoet al.,1998) tenham explorado as características cinemáticas do andar para trás em indivíduos saudáveis, pouco se sabe a respeito desse assunto em indivíduos com hemiparesia. Conhecer as características espaço-temporais do andar para trás em indivíduos com hemiparesia, considerando a existência de literatura limitada sobre a temática, pode auxiliar na compreensão dos mecanismos subjacentes do controle motor do andar, bem como na avaliação dos efeitos do treino de andar para trás. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi comparar as variáveis espaço-temporais entre o andar para frente e o andar para trás em solo, em indivíduos com hemiparesia.

Método

Participantes do estudo

Participaram do estudo 10 indivíduos com idade entre 34 a 64 anos, com hemiparesia crônica (> seis meses após o episódio do AVE). Foram incluídos na amostra indivíduos com marcha independente, com atestado médico liberando-os para a prática de atividade física. Foram excluídos indivíduos com deformidades em flexão de coxo femoral maior que 0º de amplitude de movimento (ADM) passiva e/ou de flexão de joelho menor que 100° com quadril em extensão de 0°, histórico de lesão em membros inferiores, ou histórico de outra patologia neurológica. Todos assinaram o TCLE e foram informados do direito de deixar de participar da coleta de dados a qualquer momento, caso assim desejassem. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade onde foi realizado, sob o parecer nº 88/2007.

Aquisição dos dados

Antes da aquisição dos dados do andar para frente e para trás, um conjunto de testes motores foi realizado para caracterizar a amostra. Os testes motores aplicados foram: (1) Escala de Ashworth para graduação da espasticidade do membro inferior parético(BOHANNON, SMITH, 1987); (2) Teste de Fugl-Meyer visando avaliar o nível de recuperação motora do membro inferior parético (MICHAELSEN et al., 2011); (3) Escala de BERG com o objetivo de mensurar o equilíbrio (MIYAMOTO et al., 2004); e (4) Teste de velocidade de marcha em 10 metros visando avaliar a velocidade de marcha(SALBACH et al., 2001).

A aquisição de dados para as tarefas de andar para frente (AF) e para trás (AT) foi realizada em ambiente laboratorial dois dias após os testes motores descritos anteriormente. Foi solicitado aos participantes que vestissem roupas de banho pretas de uso próprio e permanecessem descalços. A seguir foram fixados, com fita adesiva dupla face, marcadores reflexivos no maléolo lateral em ambos os lados, membro inferior (MI) parético e MI não parético. A aquisição dos dados foi realizada com uma câmera digital MiniDV, com frequência de aquisição de 30Hz, posicionada perpendicularmente ao plano sagital do movimento, a uma altura de 50cm em relação ao chão e a uma distância de 3 metros do espaço onde os participantes caminhavam (SCHÜTZ, 2006). As tarefas de AF e AT foram realizadas em um espaço de oito metros de comprimento e um metro de largura coberto por um tapete rígido. A imagem da passada para análise de dados foi capturada na região central do mesmo. A velocidade da tarefa foi mensurada através de fotos células, colocadas nos quatro metros centrais do espaço.

Os participantes foram instruídos a caminhar em uma velocidade confortável e com os braços cruzados a frente na altura do peito (GRASSOet al., 1998). A padronização da posição dos membros superiores foi definida em estudo preliminar com indivíduos com hemiparesia, com o objetivo de minimizar a influência da assimetria dos membros superiores na realização da tarefa do andar para trás. Os participantes realizaram 10 tentativas consecutivas em cada tarefa, totalizando 20 tentativas válidas. A ordem de execução das tarefas foi aleatória entre os participantes. Como a filmagem para o lado direito e esquerdo não foi realizada simultaneamente, cinco tentativas de cada tarefa, serviu para a filmagem do lado direito e as outras cinco tentativas para a do lado esquerdo. Dessa forma, as tarefas de AF e AT eram realizadas nas duas direções dentro do espaço determinado. Foi estabelecido um período de descanso a cada 10 tentativas, onde o participante permanecia sentado durante cinco minutos. Os participantes realizaram uma tentativa antes do início de cada tarefa para adaptação e familiarização.

Tratamento dos dados

As imagens capturadas foram digitalizadas utilizando-se o software DgeeMe™ version 0.98b. Este programa permitiu o desdobramento de quadros para análise da realização das tarefas em uma frequência de 60 Hz e a obtenção das coordenadas (2D) x e y do ponto anatômico selecionado (maléolo lateral). Foi utilizado um calibrador composto por 4 pontos de referência com dimensões conhecidas (1,2mX1,2m) dispostos em um plano formando um quadrado para definir a escala linear a ser utilizada. A digitalização dos pontos foi realizada de forma manual. Após a digitalização da imagem, os dados foram expostos a um filtro passa-baixa do tipo Butterworth de quarta ordem com a freqüência de corte estabelecida em 6 Hz.

A passada do AF foi definida iniciando com o contato do membro inferior a ser analisado com o solo e terminando com o segundo contato do mesmo membro. No AT considerou-se como início da passada a perda de contato do membro inferior a ser analisado com o solo, e término com posterior perda de contato do mesmo membro (GRASSOet al., 1998).

As variáveis espaço-temporais analisadas em cada passada foram: (1) Comprimento da passada: para o AF é definido como a distância entre dois pontos seqüenciais do contato pelo mesmo pé (PERRY, 2005). Para o AT foi definida como a distância entre dois pontos sequenciais de retirada pelo mesmo pé. O comprimento da passada foi mensurado pela diferença entre a coordenada horizontal (x) no instante do contato (AF) e de retirada (AT) inicial seqüencial do mesmo pé. (2) Duração da passada: para o AF é definido como o intervalo de tempo no ciclo da marcha entre dois contatos iniciais seqüenciais com o mesmo pé(PERRY, 2005). No AT foi definida como o intervalo de tempo no ciclo da marcha entre dois pontos sequenciais de retirada pelo mesmo pé. Operacionalmente foi mensurada pelo número de quadros entre o início e o final da passada e multiplicado por 0,016s (duração de cada quadro). (3) Velocidade da passada: mensurada dividindo o comprimento da passada pela duração da passada. (4) Duração do apoio: mensurada contando o número de quadros da fase de apoio e multiplicado por 0,016s (duração de cada quadro). A fase de apoio foi considerada pelos quadros onde os valores não mudam em relação à coordenada em x.

Análise estatística dos dados

Para análise estatística, foram utilizados, software de cálculo estatístico (SPSS 14.0) e planilha eletrônica (Excel 2007). Como estatística descritiva foi utilizada média aritmética e desvio-padrão (DP). Para verificar a normalidade dos dados foi utilizado o teste Shapiro Wilk. A comparação da velocidade de marcha entre AF e o AT foi realizada com teste t-Student. Os demais resultados foram submetidos à Análise de Variância 2 X 2, tendo como fatores tarefa (AF e AT) e membro inferior (parético e não-parético). O nível de significância adotado foi de p<0,05 para todas as análises.

Resultados

Avaliação motora

Os resultados da avaliação motora apresentados na Tabela 1 mostram que os participantes apresentaram espasticidade leve nos extensores de joelho e um comprometimento motor leve (20-31) no MI parético. A maioria dos participantes apresentou um bom equilíbrio com escore na Escala de Berg > 43, com exceção de uma participante que apresentou escore de 34. Com relação à velocidade de marcha confortável no solo, todos os participantes foram capazes de percorrer 10 metros sem auxílio, sendo a classificação do comprometimento motor de acordo com a velocidade de marcha considerada muito leve (velocidade >1m/s) em quatro participantes, leve (0,72-1m/s) em cinco e severo em somente um participante (0,30m/s) (SALBACH et al., 2001), sendo este o mesmo participante que apresentou menor escore na Escala de Berg (34), citado anteriormente.

Variáveis espaço-temporais

A velocidade na tarefa do AT (0,29±0,15m/s) foi menor (t19=10,99; p≤0,001) comparativamente ao AF (0,64±0,19 m/s).

O comprimento da passada foi maior no AF em relação ao AT (F(1,18)=130,94;p≤0,001), conforme apresentado na Tabela 2. Não houve diferença entre os membros inferiores, tampouco houve interação entre os fatores tarefa e membro inferior.

A duração da passada foi maior no AT em relação ao AF (F(1,18)=11,98;p=0,003), porém não houve diferença significativa na duração da passada entre o MI não parético e MI parético e não houve interação entre os fatores.

A velocidade da passada foi 54% maior no AF comparativamente ao AT (F(1,18)=163,78;p≤0,001). Além disso, não houve diferença significativa quando comparado o MI não parético e MI parético. Não houve interação entre os fatores tarefa e membro inferior.

O percentual de apoio da passada (Figura 1) foi maior no AT em relação ao AF (F(1,18)=32,00;p≤0,001) e o MI não parético permaneceu mais tempo apoiado durante a passada comparativamente ao MI parético (F(1,18)=7,31;p=0,015).


Discussão

Os resultados indicaram que o comprimento e a velocidade da passada foram menores no AT do que no AF. Além disso, a duração e o percentual de apoio da passada foram maiores no AT comparativamente ao AF. Os resultados para as variáveis espaço-temporais no AF do presente estudo são similares aos estudos que não apresentaram diferenças significativas entre membros, para comprimento da passada (TEXEIRA-SALMELA et al., 2001), para duração da passada (LAMONTAGNE; FUNG, 2004) e para velocidade da passada(SOUSA et al., 2009). Somente os resultados relativos ao percentual de apoio indicaram diferenças entre MI não parético e MI parético, de modo que o MI não parético permaneceu mais tempo apoiado em ambas as tarefas, AT e AF. Tais resultados estão em conformidade com os estudos que relataram a dificuldade de indivíduos com hemiparesia para realizar o suporte de peso sobre o MI parético no AF, os quais demonstraram que a duração do apoio é maior no MI não parético (CHEN et al., 2005; VISINTIN et al., 1998; TEXEIRA-SALMELA et al., 2001; OLNEY, et al., 1994; HARRIS-LOVE et al., 2001; BARELA et al., 2000).

Considerando a comparação entre AF e AT no MI não parético, dada a escassez de pesquisas sobre a tarefa analisada em indivíduos com hemiparesia, os resultados do presente estudo foram comparados com estudos de indivíduos saudáveis (GRASSOet al., 1998; THORSTENSSON, 1986; VILENSKY et al., 1987), dando ênfase às comparações com estudos de indivíduos idosos (LAUFER, 2005; MORAES, MAUERBERG-DECASTRO, 2001), devido ao fato de apresentarem uma idade mais próxima da população estudada.

No presente estudo, o comprimento e a velocidade da passada no AT foram 48% e 54% menores comparativamente ao AF, respectivamente. Estes resultados são similares aos resultados de estudos comparando jovens e idosos, deslocando-se em velocidade confortável no solo (GRASSOet al., 1998; LAUFER, 2005; MORAES, MAUERBERG-DECASTRO, 2001). Semelhantemente, o comprimento do passo, que consiste na distância entre o ponto de contato de um dos membros inferiores com o solo e o ponto de contato do membro inferior contralateral com o solo, analisado em alguns estudos, é menor no AT do que no AF em indivíduos jovens e saudáveis, com velocidade controlada em esteira rolante (THORSTENSSON, 1986; VILENSKY et al., 1987). Nestes estudos todos os parâmetros temporais, apresentaram tendência, a serem menores no AT comparativamente ao AF em mesma velocidade. Os autores sugerem que o AT em qualquer velocidade é alcançado por uma maior cadência, porém com um comprimento de passo menor do que o AF (VILENSKY et al., 1987).

A diminuição do comprimento da passada e da velocidade da passada no AT, mais acentuada nos idosos comparativamente aos jovens, pode estar associada ao fato dos mesmos serem mais sensíveis às demandas de tarefas não usuais, neste caso o andar para trás(MORAES, MAUERBERG-deCASTRO, 2001). O mesmo princípio pode estar associado aos indivíduos com hemiparesia, que apresentam além das limitações da idade, as seqüelas motoras, o que pode contribuir para diminuir o desempenho na realização de atividades não habituais.

Para Laufer (2005) a inabilidade para aumentar o comprimento da passada com o aumento da velocidade, parece ser um indicativo da característica do AT de idosos. De acordo com o autor, indivíduos idosos seriam capazes de aumentar as variáveis espaço-temporais no AT se tivessem capacidade de aumentar a velocidade de marcha nesta direção, da mesma forma como fazem os indivíduos jovens.

Enquanto adultos jovens aumentam a amplitude de extensão do quadril conforme aumenta a velocidade no andar, os idosos apresentam uma reduzida amplitude de extensão do quadril, limitando o comprimento da passada tanto em velocidade confortável quanto rápida(KERRIGANet al., 1998). Estas limitações biomecânicas podem igualmente limitar a capacidade dos indivíduos com hemiparesia no AT. Os indivíduos com hemiparesia são capazes de aumentar substancialmente a velocidade do andar para frente (LAMONTAGNE; FUNG, 2004), entretanto, a capacidade dos indivíduos com hemiparesia em aumentar a velocidade do AT ainda precisa ser explorada.

Apesar do comprimento da passada ser menor no AT em relação ao AF no presente estudo, a duração da passada foi maior no AT (12% maior) do que no AF. O comportamento esperado era de que se o comprimento da passada diminuísse a duração da passada também diminuiria, pois se o MI percorre uma distância menor, o tempo para percorrer essa distância também passa a ser menor (MORAES, MAUERBERG-deCASTRO, 2001). Porém, esse comportamente pode dever-se ao fato do percentual de apoio da passada no AT ser maior. Os resultados do presente estudo corroboram com os do estudo de Moraes e Mauerberg-deCastro (2001) para o grupo de idosos, mas não para o grupo de adultos jovens, onde os autores relataram menor duração da passada no AT do que no AF. O estudo citado anteriormentecomparou jovens com idosos no AT e foi observado que enquanto os participantes idosos exibiram uma duração da passada maior no AT, os jovens exibiram uma duração da passada maior no AF. Diante disso, ressalta-se que a idade parece ter maior influência nos resultados espaço-temporais dos membros inferiores do que a velocidade, pois as diferenças entre o AF e AT permaneceram, mesmo quando estudados jovens saudáveis em velocidade controlada em esteira rolante (THORSTENSSON, 1986; VILENSKY et al., 1987)

A tendência de aumento da duração da passada para os idosos no AT deve-se provavelmente a um receio na realização da tarefa, o fato de andar sem poder avaliar visualmente o que está atrás e planejar a posição de apoio dos pés na superfície gera um movimento mais lento. Uma possível insegurança no AT pode fazer com que o indivíduo mantenha o pé em contato com o solo por mais tempo antes de iniciar o balanço do membro(MORAES, MAUERBERG-DECASTRO, 2001).

O medo de cair pode induzir a rigidez do tronco, além das mudanças espaço-temporais, como menor velocidade e comprimento da passada, assegurando que o centro de massa não seja deslocado para longe da base de apoio, garantindo uma posição relativamente mais estável(LAUFER, 2005). Para os indivíduos com hemiparesia este receio e insegurança no momento de realizar a tarefa podem aumentar devido ao fato do MI parético não proporcionar total estabilidade e eficiência motora no momento da execução da tarefa. No entanto, estes fatores podem ser positivos para os indivíduos com hemiparesia, pois a tarefa em estudo favorece, através de uma maior duração da passada, uma maior permanência de apoio sobre pé no solo e, consequentemente, sustentação do peso do corpo, o que pode auxiliar para um maior equilíbrio e força muscular do MI parético.

O percentual de apoio foi maior no AT e foi a única variável espaço-temporal que evidenciou diferença significativa entre membros, com o MI não parético permanecendo mais tempo apoiado tanto no AT quanto no AF. Os resultados do presente estudo corroboram com os do estudo de Laufer (2005) que demonstrou maior duração de fase de apoio absoluta da passada em idosos no AT. Em seu estudo, o percentual de apoio para os jovens foi 2% e para os idosos 5% maior no AT e a diferença somente foi significativa para os idosos(LAUFER, 2005).

O percentual de apoio da passada apresentou diferenças significativas entre tarefa e MI. Quanto à tarefa, a porcentagem de apoio no MI parético foi 8,2% maior e no MI não parético foi 7,8% maior no AT do que no AF. A diferença entre os membros foi de 12,7% no AF e de 10,7% no AT, de modo que o percentual de apoio foi menor no AT do que no AF. Apesar da não diferença estatística entre os membros inferiores, no AT o MI parético permaneceu mais tempo apoiado que o MI não parético, característica inversa ao comportamento do AF de indivíduos com hemiparesia. Diversos estudos já relataram a dificuldade dos indivíduos com hemiparesia para realizar o suporte de peso no MI parético no AF, gerando desta forma maior apoio no MI não parético (CHEN et al., 2005; VISINTIN et al., 1998; TEXEIRA-SALMELA et al., 2001; OLNEY, et al., 1994; HARRIS-LOVE et al., 2001; BARELA et al., 2000). Este resultado, ainda que discrepante da literatura, parecer ser relevante em virtude do aumento do tempo de apoio do MI parético provocando uma diminuição da assimetria entre os membros.

O aumento na fase de apoio dos membros inferiores no AT, devido à maior duração da passada, pode ser considerado um indicador relevante da tarefa. Apesar da proporção de apoio do MI não parético continuar maior do que a do MI parético, a maior permanência do MI parético suportando o peso do corpo auxiliará para o seu fortalecimento muscular. Esse comportamento poderá contribuir na ação simétrica entre os membros e na definição dos parâmetros da organização temporal dos eventos no andar, como sugerido por Yang (2005). O fato do MI parético apresentar maior percentual de apoio durante o AT pode indicar que o AT pode ser uma modalidade de treinamento apropriada para somar aos programas convencionais de reabilitação da marcha em indivíduos com hemiparesia.

Recebido em: 22 de junho de 2010.

Aceito em: 15 de setembro de 2011.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2010
    • Aceito
      15 Set 2011
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