Acessibilidade / Reportar erro

A Proteção dos “Refugiados Ambientais” no Direito Internacional

The protection of “environmental refugees” in international law

Claro, Carolina de Abreu Batista. A Proteção dos “Refugiados Ambientais” no Direito Internacional. 2015. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo: Tese de Doutorado em Direito Internacional.327

As migrações humanas induzidas por causas ambientais não são novidade na história humana. A novidade, porém, é o aumento exponencial desse tipo de movimento migratório pelo mundo. De acordo com dados do International Displacement Monitoring Centre (IDMC, 2015), apenas no ano de 2014 novas 19,3 milhões de pessoas foram forçadas a migrar em todo mundo em decorrência de fatores ambientais, sem contar as pessoas que já haviam migrado nos anos anteriores por razões relacionadas ao meio ambiente.

Embora o tema não seja novo, os questionamentos jurídicos recentes preocupavam-se mais com a nomenclatura a ser utilizada para esse grupo de migrantes do que propriamente com formas de se buscar ampará-los nos instrumentos normativos de direito interno e internacional. Por esse motivo, a tese de doutorado defendida e aprovada com distinção na Faculdade de Direito da USP buscou aprofundar o tema a partir das formas pelas quais o direito internacional pode, efetivamente, conferir direitos aos “refugiados ambientais” ao invés de se limitar a discutir se eles são ou não refugiados nos termos da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados (1951).

A tese analisou a proteção jurídica dos “refugiados ambientais” a partir de (i) sete áreas específicas do Direito Internacional; (ii) sob a ótica das fontes primárias de direito internacional contidas no artigo 38(1) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça – quais sejam: os tratados, o costume e os princípios de direito internacional; (iii) a partir das boas práticas da proteção jurídica internacional já aplicada aos “refugiados ambientais” no mundo; e (iv) propôs o estabelecimento de uma governança migratória-ambiental global para essa categoria de migrantes.

A definição terminológica defendida é de que “’refugiados ambientais’ são refugiados não convencionais e são migrantes forçados, interna ou internacionalmente, temporária ou permanentemente, em situação de vulnerabilidade e que se veem obrigados a deixar sua morada habitual por motivos ambientais de início rápido ou de início lento, causados por motivos naturais, antropogênicos ou pela combinação de ambos” (CLARO, 2015, p. 16).

Eles são refugiados não convencionais ou não estatutários uma vez que a Convenção de 1951limita a proteção como refugiados às pessoas que se encontrem em situação de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a grupo social ou opiniões políticas.Deve-se notar que o vocábulo “refúgio” é proveniente de refugiare, que indica “buscar abrigo ou proteção”, não podendo, por isso, ser de uso exclusivo de um tratado internacional que, mesmo que fundamental sobre o tema a que se refere, limita a proteção a situações específicas diante de um contexto histórico, político e social peculiar.

Nesse sentido, ao indicar no seu artigo 1(A) que “para os fins da presente Convenção, o termo 'refugiado' se aplicará a qualquer pessoa que [...]” se encontrar nas situações descritas no seu texto, ela expressa que apenas e tão somente nessas hipóteses poderá haver proteção jurídica de pessoas sob seu manto, o que não significa, da mesma forma, que não possam existir outras categorias de refugiados no direito internacional ou que a terminologia de “refugiados” seja exclusiva do seu texto ou do Protocolo de 1967 à essa mesma Convenção.

Embora ainda não exista proteção jurídica específica e tampouco reconhecimento dessa categoria de pessoas no direito internacional em escala global, é possível encontrar formas de amparo jurídico para os “refugiados ambientais” em algumas áreas específicas do direito internacional como forma de proteção jurídica ampla ou específica e normas de alcance regional ou mesmo na legislação interna de determinados países.

É possível vislumbrar-se, então, proteção jurídica global não específica (ou seja, de caráter geral) para os “refugiados ambientais” no Direito Internacional dos Direitos Humanos, no Direito Internacional das Migrações, no Direito Internacional dos Refugiados, no Direito Internacional Humanitário, no Direito Internacional do Meio Ambiente, no Direito das Mudanças Climáticas e no Direito dos Desastres Ambientais. Isso significa que, enquanto sujeitos de direito, os “refugiados ambientais” poderão ser protegidos por todas as normas jurídicas devido à sua condição humana, estejam eles em situação de migrantes ou não.

No plano regional, existe reconhecimento da categoria migratória e proteção jurídica específica para os “refugiados ambientais” na Convenção de Kampala (2009), no âmbito da União Africana, e também na Convenção da Liga Árabe sobre a Regulação da Condição de Refugiados (1994), embora esta última não esteja vigente no plano jurídico.

No direito interno estatal, legislações de países como Argentina, Bolívia, Costa Rica, Cuba, Finlândia e Suécia proporcionam alguma forma de proteção jurídica voltada para os “refugiados ambientais”, sendo que Bolívia e Cuba expressamente reconhecem a categoria jurídica do “refugiado ambiental”, respectivamente como “migrantes climáticos” e como “refugiados”.Tais leis internas demonstram o vanguardismo do reconhecimento e da proteção jurídica desses migrantes e servem de exemplo para os demais países e para o próprio Direito Internacional.

Sob outra perspectiva, foram propostas na tese de doutorado as sete vias da proteção jurídica dos “refugiados ambientais”a partir de boas práticas da proteção jurídica de migrantes e de pessoas em alguma situação específica de vulnerabilidade, a saber: (i) via da ação humanitária, (ii) via da proteção complementar, (iii) via da legislação nacional, (iv) via da justiça climática, (v) via da responsabilidade compartilhada, (vi) via da judicialização do “refúgio ambiental” e (vii) via do tratado internacional. Essas formas de proteção aos “refugiados ambientais” podem ser aplicadas individual ou conjuntamente como meio de suprir lacunas jurídicas e políticas domésticas e internacionais.

Seja qual for a maneira pela qual os “refugiados ambientais” são juridicamente amparados, é imperativo que tanto o direito internacional quanto o direito interno estatal sejam capazes de garantir a acolhida e o exercício de direitos para essas pessoas, cujo número cresce exponencial e rapidamente no mundo.

Nesse sentido, a tese propõe o estabelecimento de uma governança migratória-ambiental global que não apenas estipule direitos aos “refugiados ambientais” e deveres aos Estados, mas que proteja, de fato, esses migrantes por meio de instituições coordenadas em assistência humanitária nas três fases do desastre ambiental – antes, durante ou depois de uma determinada ruptura ambiental que ensejou a migração forçada de pessoas dentro ou fora do seu país de origem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016
Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios SRTV/N Edificio Brasília Radio Center , Conj. P - Qd. 702 - Sobrelojas 01/02, CEP 70719-900 Brasília-DF Brasil, Tel./ Fax(55 61) 3327-0669 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: remhu@csem.org.br