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Habitus e capitais migratórios de haitianos no Paraná. Trajetória educacional e inserção profissional em contextos de mobilidades

Habitus and migratory capitals of Haitians in Paraná. Educational trajectory and professional insertion in mobility contexts

Resumo

Este artigo analisa a trajetória de pequeno grupo de haitianos que concluíram cursos superiores na Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre 2019 e 2021. Em termos concretos, examinamos a relação entre habitus e capitais de cada migrante que frequentou as aulas de português, concluiu os cursos superiores e iniciou sua carreira profissional. A seleção dos entrevistados foi realizada a partir da base de dados de alunos imigrantes e refugiados disponibilizada pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFPR. Como referencial teórico, utilizamos os conceitos de habitus imigrante e capital migratório, desenvolvidos a partir da Teoria da Prática (Pierre Bourdieu, 1930-2002). Em síntese, percebe-se que aqueles imigrantes providos de habitus adequados e de capitais específicos foram mais exitosos em seus percursos educacionais e inserção no mercado de trabalho.

Palavras-Chave:
Haitianos; Paraná; Universidade Federal do Paraná; habitus; capital

Abstract.

This article analyzes the trajectory of a small group of Haitians who completed higher education courses at the Federal University of Paraná (UFPR), between 2019 and 2021. In concrete terms, we examine the relationship between habitus and capital of each migrant who attended Portuguese classes, completed higher education and started his professional career. The selection of interviewees was carried out from the database of immigrant and refugee students made available by the Pro-Rectory of Student Affairs at UFPR. As a theoretical framework, we used the concepts of immigrant habitus and migratory capital, developed from the Theory of Practice (Pierre Bourdieu, 1930-2002). In summary, it is clear that those immigrants with adequate habitus and specific capital were more successful in their educational paths and insertion in the labor market.

Keywords:
Haitians; Paraná; Federal University of Paraná; habitus; capital

Introdução

Os fluxos haitianos iniciados na década de 2010 para diferentes localidades da América Latina evidenciam como esses migrantes vêm produzindo sistemas múltiplos de mobilidade regional em conexão com seus destinos tradicionais nos Estados Unidos e Canadá. Em estudos específicos, Audebert e Calmont (2003AUDEBERT, Cédric; CALMONT, André. Logique, réseaux, enjeux des migrations internationales dans le baissn Caraibe. Mappemonde, v. 72, n. 3, p. 25-28, 2003.), Audebert e Domenach (2008) AUDEBERT, Cédric; DOMENACH, Hervé. Editorial. Caribbean Migrants: Networks and Descendants.Revue européenne des migrations internationales, v. 24, n. 1, p. 7-11, 2008.e Audebert e Joseph (2022) AUDEBERT, Cédric; JOSEPH, Handerson. El Sistema migratorio haitiano en América del Sur: recientes desarollos y nuevos planteamientos. In: AUDEBERT, Cédric; JOSEPH, Handerson (eds.). El sistema Migratorio haitiano en América del Sur. Proyectos, movilidades y políticas migratórias. Buenos Aires: CLACSO, 2022, p. 17-52.vêm demonstrando como os vínculos transnacionais e as transferências de diversas ordens afetam e articulam aqueles haitianos que emigram e remigram com aqueles que permanecem nos novos e tradicionais destinos.

Por outro lado, os conceitos de habitus e de capitais passaram a ser empregados na análise dos processos de migração e de integração de migrantes de diversas nacionalidades em diferentes sociedades (McKay, 2001McKAY, Deirdre. Migration and masquerade: gender and habitus in the Philippines. Geography Research Forun, v. 21, p. 44-56, 2001.; Kelly, Lusis, 2005KELLY, Philip; LUSIS, Tom. Migration and the transnational habitus: evidence from Canada and the Philippines. Environment and Planning, v. 38, p. 831-847, 2006.; Durand, Massey, Riosmena, 2006DURAND, Jorge; MASSEY, Douglas S.; RIOSMENA, Fernando. Capital social, política social y migración desde comunidades tradicionales y nuevas comunidades de origen em México. Reis, v. 6, n. 116, p. 97-121, 2006.; Oliver, O’Reilly, 2010OLIVER, Caroline; O’REILLY, Karen. A Bourdieusian analysis of class and migration: habitus and the individualizing process. Sociology, v. 44, n. 1, p. 49-66, 2010.; Nedelcu, 2012NEDELCU, Mihaela. Migrants' New Transnational Habitus: Rethinking Migration Through a Cosmopolitan Lens in the Digital Age. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 38, n. 9, p. 1339-1356, 2012, DOI: 10.1080/1369183X.2012.698203.
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; Nowicka, 2013NOWICKA, Magadelena. Positioning Strategies of Polish Entrepreneurs in Germany: Transnationalizing Bourdieu’s Notion of Capital. International Sociology, v. 28, n. 1, p. 29-47, 2013. ; Carrasco, Narciso, 2017CARRASCO, Sílvia; NARCISO, Laia. Mariana on the move. Capital migratório y segundas generaciones en la emigración juvenil. Migraciones, n. 43, p. 147-174, 2017.; Zechner, 2017ZECHNER, Minna. Transnational Habitus at the Time of Retirement. Identities: global studies in culture and power, v. 24, n. 5, p. 573-589, 2017.; Oliveira, 2019______. P-C. La trajectoire d’un jeune Haitien au Brésil: habitus immigrant, distinction et capital. L’Ordinaire des Amériques, v. 226, p. 1-15, 2019. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/orda/4556 Acesso: 04.12.2021.
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; Radogna, 2019RADOGNA, Rosa-Maria. The concept of habitus in migration studies. A literature review. Journal of Comparative Research in Anthropology and Sociology, v. 10, n. 2, p. 59-68, 2019.; Araújo, 2020ARAÚJO, Adriano A. de A. Família, capital social e migração: a diáspora haitiana. Revista Ideias, v. 11, p. 1-20, 2020. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8658548/22269 . Acesso: 07.08.2022.
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). As comunicações frequentes, redes e vínculos diversos têm permitido que as famílias migrantes1 1 Entendendo a família em um sentido mais amplo em que as relações familiares se caracterizam por um comprometimento mútuo, contatos sociais regulares e um fluxo intra e inter-doméstico de benefícios materiais e não-materiais (Lobo, 2011). reatualizem habitus específicos que, por sua vez, balizam decisões sobre às diversas etapas da migração, como socialização para a prática migratória, escolha de rotas e destinos, gestão financeira, práticas pessoais, dentre outras. Além disso, certas trajetórias migratórias têm revelado que a possibilidade de aquisição de novos e específicos capitais pesam sobre as escolhas e permanência em destinos sul-americanos onde sistemas de saúde e de educação de qualidade parecem compensar a baixa remuneração e o mercado de trabalho pouco atrativo.

Oliveira (2019______. P-C. La trajectoire d’un jeune Haitien au Brésil: habitus immigrant, distinction et capital. L’Ordinaire des Amériques, v. 226, p. 1-15, 2019. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/orda/4556 Acesso: 04.12.2021.
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) e Marchioro (2021LOBO, Andréa S. Making Families: Child mobility and familiar organization in Cape Verde. Vibrant, v. 1, p. 197-219, 2011.), analisando a trajetória de alguns haitianos residentes em Curitiba e Região, indicaram que seus habitus e diversos capitais trazidos e acumulados durante as trajetórias migratórias permitem explicar algumas de suas escolhas educacionais. Segundo Oliveira (2019)______. P-C. La trajectoire d’un jeune Haitien au Brésil: habitus immigrant, distinction et capital. L’Ordinaire des Amériques, v. 226, p. 1-15, 2019. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/orda/4556 Acesso: 04.12.2021.
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, foi possível perceber que a inculcação de habitus voltado à migração (habitus imigrante) e a posse prévia de capital específico (em especial o capital educacional) mantém estreita relação com as escolhas migratórias, as estratégias educacionais e com a capacidade de aproveitar oportunidades no Brasil.

Tendo como fundamento teórico a Teoria da Prática e os conceitos de habitus e capital desenvolvidos por Bourdieu (1979______. Les trois états du capital culturel. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 30, n. 1, p. 3-6, 1979., 1980______. Le sens pratique. Paris: Les Éditions Minuit, 1980., 1994______. Raisons pratiques. Sur la théorie de l’action. Paris: Éditions du Seuil, 1994., 2000BOURDIEU, Pierre. Esquisse d´une théorie de la pratique. Paris: Éditions du Seuil, 2000., 2015______. Sociologie Générale. Les concepts élémentaires de la sociologie. 1. Habitus - Champ. Cours au Collège de France (1981-1983). Edition établie par Patrick Champagne, Julien Duval, Franck Poupeau et Maris-Christine Rivière. Paris: Raisons d’Agir/Seuil, 2015., 2016______. Sociologie Générale. Les concepts élémentaires de la sociologie. 2. Capital. Cours au Collège de France (1983-1986). Edition établie par Patrick Champagne, Julien Duval, Franck Poupeau et Maris-Christine Rivière. Paris: Raisons d’Agir/Seuil, 2016.), investiga-se aqui como habitus2 2 Segundo Bourdieu (1980, p. 88-89), “Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus, sistemas de disposições duráveis e aplicáveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores das representações e das práticas que podem ser objetivamente adaptadas a seu objetivo; não supõem de forma consciente o alcance dos fins e o controle claro das operações, objetivamente “regradas” e “regulares”, necessárias para atingi-los; [as disposições] não são assim o produto da obediência a regras; são coletivamente orquestradas sem ser, porém, o produto da ação organizadora de um chefe de orquestra” (tradução livre dos autores). e capitais trazidos e acumulados em espaços e redes transnacionais modulam os processos de inserção, produzindo impactos diversos na trajetória educacional, inserção profissional, e mesmo na organização de novos projetos migratórios, permitindo melhor compreender a resiliência da mobilidade haitiana nas Américas. Em termos concretos, investigamos em que medida um tipo particular de habitus, o habitus imigrante - sistema de disposições que funcionam como um princípio gerador de representações e práticas migratórias -, capitais migratórios - conjunto de bens (simbólicos e materiais, como documentos e vistos) que facilitam a migração3 3 Para um maior aprofundamento dos conceitos de habitus imigrante e capital de mobilidade, ver Kulaitis e Oliveira (2017). -, impacta o momento seguinte, ou seja, as trajetórias educacionais e profissionais trilhadas por haitianos que concluíram a formação superior na Universidade Federal do Paraná (UFPR) nos últimos anos4 4 O grupo nos concedeu entrevistas nas dependências da UFPR ou por plataforma. O tempo das entrevistas não superou 60 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas e lhes foi solicitado um termo de consentimento, conforme explicamos mais tarde. . Graças a um conjunto de depoimentos coletados, exploramos a relação entre o projeto migratório (habitus imigrante), a posse e acúmulo de novos capitais (capital migratório), a obtenção do diploma superior (capital educacional) e a inserção profissional.

Imigrantes haitianos nos sociais e em cursos superiores da UFPR

A estratégia de procura por serviços educacionais por haitianos e haitianas encontra exemplos em diferentes países (Debandi, 2017DEBANDI, Natalia. Diagnóstico regional sobre migración haitiana. Buenos Aires: OIM/FCCAM, 2017.; Trabalón, 2022TRABALÓN, Carina. Proyectos migratorios, educación y control estatal: jóvenes haitianxs em Argentina en tempos de “cambio”. In: AUDEBERT, Cédric; JOSEPH, Handerson (eds.). El sistema Migratorio haitiano en América del Sur. Proyectos, movilidades y políticas migratórias. Buenos Aires: CLACSO, 2022, p. 359-392.). De maneira geral, um conjunto de fatores próprios aos migrantes (vínculos sociais e redes5 5 Sobre a importância das redes, ver Nieto (2014), Oliveira (2016b), Silva (2017) e Córdova (2019). , laços de dependência6 6 Sobre a chamada “migração de dependência”, ver Baeninger e Magalhães (2017). e envio de remessas7 7 Ver Cavalcanti e Oliveira (2022). ), ao país de origem (diáspora estrutural8 8 Sobre a “migração de crise”, ver Baeninger (2017). Sobre a problemática da diáspora, ver Audebert (2012), Joseph (2015) e Bersani (2016). , crise econômica permanente, custo e ausência de perspectivas de retorno) e à sociedade de acolhimento (obtenção de visto de residência, expectativas econômico-educacionais e de proteção social, inclusive para a segunda geração) parecem explicar tanto a permanência do trabalhador haitiano quanto a manutenção dos fluxos para o Brasil e para o Paraná. Dentre as expectativas educacionais, pesquisadores debruçaram-se sobre o acesso à formação nos diversos espaços escolares, como cursos de português gratuitos e programas institucionais de acesso ao ensino superior9 9 Em 2010, a CAPES, agência de fomento do Ministério da Educação, através da Portaria nº 92 (27/04/2010), criou o Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior, cujo objetivo foi contribuir para “a reconstrução do Haiti por meio de apoio à formação de recursos humanos”, com bolsas de pós-graduação entre outras atividades. (Contiguiba, Pimentel, 2014CONTIGUIBA, Geraldo C.; PIMENTEL, Maria L. Imigração haitiana para o Brasil: os desafios no caminho da educação escolar. Revista Pedagógica, v. 17, n. 33, p. 61-87, 2014., Abramovich, Alexandre, 2017ABRAMOVICH, Ivone J.; ALEXANDRE, Anete. Inserção escolar. Crianças migrantes do Haiti nas creches de Sinop (MT). Périplos. Revista de Estudos Sobre Migrações, v. 1, n. 1, p. 184-197, 2017.; Alphonse, Macedo, 2017ALPHONSE, Fritznel; MACEDO, José R. O Programa Pró-Haiti nas Universidades Públicas Brasileiras (2011-2016). Temáticas, v. 25, n. 49-50, p. 233-269, 2017.; Barbosa, Bernardo, 2017BARBOSA, Lúcia M de A.; BERNARDO, Mirelle de A. S. A importância da língua na integração dos/as haitianos no Brasil. Périplos. Revista de Estudos Sobre Migrações, v. 1, n. 1, p. 58-67, 2017., Roldão, Souza, 2019ROLDÃO, Sandra F.; SOUZA, Sirlei de. A inserção escolar de imigrantes haitianos na cidade de Joinville (SC). Revista Científica Interdisplinar Interlogos, v. 6, n. 1, p. 101-116, 2019.; Déus, 2021DÉUS, Frantz R. O Paradoxo Haitiano. Identidade Negra e “Branqueamento” na Contemporaneidade. Curitiba: Appris Editora, 2021., Furman, 2021FURMAN, Alan. Crianças e adolescentes filhos de migrantes haitianos nas escolas públicas do Paraná: ações e experiências de inclusão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Sociologia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021.; Vinha e Yamaguchi, 2021VINHA, Luís G.; YAMAGUCHI, Isabela H. O. Migrações e educação: a inserção educacional dos migrantes e refugiados no Brasil. In: CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Tadeu; SILVA, Bianca G.. Imigração e refúgio no Brasil: Retratos da década de 2010. Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília: OBMigra, 2021, p. 255-290. ). Como mostram Ruano (2019RUANO, Bruna P. Programa Reingresso-UFPR - aproveitamento de vagas remanescentes para a reinserção acadêmica de migrantes e refugiados: ações de acolhimento. Tese de Doutorado em Letras. Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.), Troitinho (2019TROITINHO, Bruna R. Política de Acesso ao Ensino Superior e o Sonho do Diploma. Monções. Revista de Relações Internacionais da UFGD, v. 8, n. 16, p. 225-254, 2019.), Barbosa, Gediel e Savariego (2020)BARBOSA, Fernando C. M.; GEDIEL, José A. P.; SAVARIEGO, Tânia. O Recomeço da Vida Profissional e a Revalidação de Diplomas de Estrangeiros na UFPR. In: FRIEDRICH, Tatyana S.; GEDIEL, José A. P. S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sergio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 68-77., Bertoldo e Friedrich (2020FRIEDRICH, Tatyana; KYLE, Hall. Cátedra Sérgio Vieira de Mello na UFPR (CSVM) and Programa Política Migratória e Universidade Brasileira na UFPR (PMUB): na experience report. In: FRIEDRICH, Tatyana S.; GEDIEL, José A. P. S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 264-271.), Friedrich (2017FRIEDRICH, Tatyana et al. Política Migratória e Universidade Brasileira: a experiencia do atendimento a haitianos e outros migrantes na UFPR. Périplos, v. 1 , n. 1, 2017, p. 73-91., 2020FRIEDRICH, Tatyana S. As múltiplas portas de entrada: Processo Seletivo Especial. In: FRIEDRICH, Tatyana S., GEDIEL, José A. P. S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 48-53.), Francisco, Gutierrez e Ruano (2020FRANCISCO, Bruna F. M.; GUTIERREZ, Maiker; RUANO, Bruna P. Acolhimento linguístico e acadêmico, os primeiros passos na UFPR. Projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH-interno). In: GEDIEL, José A. P.; FRIEDRICH, Tatyana S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sergio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 32-41.), os cursos de português gratuitos, os programas de acolhimento, de ingresso e reingresso nas universidades brasileiras10 10 No correr da segunda metade dos anos 2010, diversas universidades brasileiras começaram a criar programas de ingresso específicos para migrantes humanitários e refugiados. Uma lista completa dessas universidades e seus programas pode ser encontrada no sítio do ACNUR: https://www.acnur.org/portugues/catedra-sergio-vieira-de-mello/universidades-conveniadas/. e, finalmente, de revalidação de diplomas vêm agindo positivamente nos processos integrativos gerais e de inserção no mercado de trabalho. Em sentido inverso, em monografias de graduação realizadas por imigrantes haitianos, notam-se como situações de superexploração no trabalho e baixo salário (Patrice, 2017PATRICE, Jean René. Migrantes haitianos em São Paulo e superexploração da força de trabalho. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Belém: Universidade Federal do Pará, 2017.; Bien-Aimé, 2019BIEN-AIMÉ, Carl Alain. Haitianos no Brasil. Mediação, trabalho e dependência: o caso dos frigoríferos o Oeste Paranaense. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal doa Integração Latino-Americana, 2019.) e luta por moradia (Cenatus, 2020CENATUS, Wilzort. A luta pelo direito a moradia: a atuação dos próprios migrantes e refugiados. Um relato sobre a situação geral e a horta comunitária criada pelos haitianos na Vila Nova Esperança, em Campo Magro - Paraná. In: FRIEDRICH, Tatyana S.; GEDIEL, José A. P. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sergio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 244-251. ) dificultam a integração e favorecem o desejo de retorno ou saída do Brasil (Ledix, 2017LEDIX, Wendy. Inserção e participação de imigrantes haitianos em universidades brasileiras.Temáticas, v. 25, n. 49, p. 271-298, 2017.; Teuvenot, 2021TEUVENOT, Elisias. Diáspora haitiana no Brasil a partir de 2010: aspectos migratórios gerais e dificuldades da integração dos haitianos à sociedade brasileira. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Direito. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.). A trajetória (exitosa ou não) do migrante haitiano no Brasil é influenciada pela obtenção de emprego. Contudo, o acesso aos postos de trabalho com maior rendimento parece efetivamente determinado por um conjunto de dispositivos e capitais próprios e/ou acumulados por cada imigrante11 11 Como mostraram Hallak Neto e Simões (2020, p. 92), a partir de dados de 2019, enquanto o rendimento médio dos migrantes com fundamental completo era de R$ 2.283, o rendimento médio daqueles com nível superior (ou acima) era de R$ 14.889,00. .

A presença de imigrantes haitianos em espaços escolares da UFPR tem sua origem na criação do curso de Português para Estrangeiros, organizado em 2013, respondendo a um pedido da Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC) e da ONG Casa Latino-americana (CASLA) para atender a demanda emergencial de cerca de 120 imigrantes haitianos de aprendizado da língua portuguesa, considerada pelos próprios haitianos, como condição básica para inserção no mercado de trabalho (Grahl, Pereti, Ruano, 2016GRAHL, João A.; PERETI, Emerson; RUANO, Bruna P. Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH): construindo um projeto de integração linguística, cultural e social. In: RUANO, Bruna P.; SALTINI, Lygia; SANTOS, Jovania P. (orgs.). Cursos de português como língua estrangeira no Celin-UFPR: práticas docentes e experiências em sala de aula. Curitiba: Editora UFPR, 2016, p. 291-320. , p. 289-293). Após reunião com a presidente da Associação dos Haitianos de Curitiba, o Centro de Línguas e Interculturalidade (CELIN) e o Departamento de Letras da UFPR organizaram uma chamada geral convocando professores e alunos interessados em participar, de forma voluntária, na formatação e execução de um curso intitulado Português como Língua Estrangeira (PLE).

A demanda da PMC e da CASLA somarem-se às ações extensionistas então realizadas por professores da UFPR e, assim, surgiu o projeto de extensão Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH) que ficaria responsável pelo PLE (Daher, Gabriel, Pereira, Silva, 2020DAHER, Cláudia H.; GABRIEL, Maria; PEREIRA, Viviane A. A. da C.; SILVA, Maria C. F. Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH): Ações, reflexões e reverberações. In: FRIEDRICH, Tatyana S.; GEDIEL, José A. P. S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sergio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 104-111.)12 12 O curso receberia imigrantes de várias nacionalidades. Naquele mesmo ano, a UFPR firmaria um acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR-Brasil), dando origem à Cátedra Sérgio Vieira de Mello e ao projeto de extensão Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB), que, dentre outras atividades, incorporaria o curso de PLE. . Pouco mais de um ano após de sua criação, 499 imigrantes estavam matriculados nas diversas turmas abertas. Entre os anos de 2015 e 2016, 514 novos alunos foram matriculados. O número de matrículas continuou crescendo e o final do ano de 2017, o PBMIH tinha atendido o impressionante número de 1.563 alunos de diversas nacionalidades, dentre os quais 1.162 haitianos (Ruano, 2019RUANO, Bruna P. Programa Reingresso-UFPR - aproveitamento de vagas remanescentes para a reinserção acadêmica de migrantes e refugiados: ações de acolhimento. Tese de Doutorado em Letras. Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019., p. 31). Em 2018 e 2019, últimos anos de funcionamento13 13 Devido à pandemia COVID-19, o PBMIH deixou de funcionar nos anos de 2020 e 2012. Segundo seus coordenadores nos informaram, o projeto está em reformulação e não há, até este mês de agosto de 2022 quando escrevemos estas linhas, previsão de retomada das atividades. , 142 e 143 novos imigrantes haitianos matricularam-se em suas turmas. Em resumo, entre 2014 e 2019, 1.447 haitianos haviam sido matriculados nos diversos níveis do curso.

Não obstante a grande variação no tempo de frequência nas atividades regulares do PLE, entre um mês e 6 anos, os matriculados, além das aulas regulares organizadas sob a forma de “porta giratória”14 14 Por este sistema, o aluno poderia entrar ou sair do curso a qualquer momento, pois todas as aulas tinham um começo, meio e fim. Para maiores detalhes, ver Ruano (2019). , tiveram a oportunidade de participar de atividades sociais e culturais que ultrapassaram os espaços da UFPR. A título de exemplo, entre janeiro de 2014 e 2019, foram promovidas diversas atividades culturais, algumas delas em parceria com a Prefeitura de Curitiba, como visitas aos museus da cidade, comemoração do “Dia da Bandeira do Haiti”, organização do “Dia da Mobilização pelos Direitos dos Migrantes”, “Dia do Refugiado”, “Círculo de Literatura Migrante”, além da produção de diversos materiais audiovisuais. Segundo, Albuquerque, Anunciação e Gabriel (2016ALBUQUERQUE, Jeniffer; ANUNCIAÇÃO, Renata F. de M.; GABRIEL, Maria. O papel do entorno no acolhimento e na integração de populações migrantes para o exercício pleno da cidadania. In: GEDIEL, José A. P.; GODOY, Gabriel G. de (orgs.). Refúgio e Hospitalidade. Curitiba: Edições Kairós, 2016, p. 359-380., p. 372), as atividades extraclasse levaram ao acúmulo de capital cultural e social, ativos importantes no processo de integração e na capacidade de se apoderar de novas oportunidades. Ao final, entre 2014 e 2020, do conjunto de mais de 1.000 haitianos que frequentaram as aulas do PLE, em torno de 8% deles ingressou em cursos regulares na UFPR através dos vários programas de ingresso criados15 15 Os programas de reingresso na UFPR foram inicialmente propostos por professores ligados às atividades do PMUB incorporadas à Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), através de convênio firmado entre o ACNUR e a UFPR. A partir do trabalho da CSVM junto aos órgãos colegiados da UFPR, estes programas foram paulatinamente normatizados graças às Resoluções 13 (2014), 63 (2018) e 10 (2019) (Friedrich et al., 2017; Friedrich, Kyle, 2020; Friedrich, Gediel, 2020, p. 272-307). , como detalhamos a seguir.

Habitus imigrante e Capital Migratório nas estratégias educativas e trajetórias profissionais.

Marchioro (2021LOBO, Andréa S. Making Families: Child mobility and familiar organization in Cape Verde. Vibrant, v. 1, p. 197-219, 2011., p. 177) afirma que, “[...]a totalidade dos haitianos do PBMIH conformam um tempo médio de permanência de menos de um ano de curso”. A obtenção de trabalho ou outras formas de geração de renda, a realização do curso aos sábados no período vespertino, considerado tempo livre, o custo do transporte para se deslocar até a UFPR, o fato de julgarem que já compreendiam o suficiente da língua portuguesa e o sentimento de êxito podem explicar o tempo investido. Do conjunto daqueles que frequentaram o curso, apenas 81 haitianos (25 mulheres e 56 homens) ingressaram na universidade. Vários fatores podem explicar isso. Por um lado, deve-se levar em conta as limitações no currículo escolar de cada um. Com efeito, o ingresso em um curso superior implica o atestado de conclusão do Ensino Médio e, em alguns casos, o reconhecimento legal desse por entidade escolar brasileira. Por outro, temos as dificuldades em se conciliar o trabalho com os horários de aula. Finalmente, o ingresso em cursos regulares da UFPR depende dos programas institucionais especiais criados para migrantes e refugiados. Finalmente, segundo Marchioro (2021MARCHIORO, Pedro F. Migração Haitiana em Curitiba: um estudo sobre os usos estratégicos dos capitais pelos migrantes no PBMIH/UFPR. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Sociologia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021., p. 178), o sucesso na obtenção da vaga na UFPR era reflexo da capacidade própria e do incentivo recebido durante as aulas no PLE, fatores que indicam a relação entre certo acúmulo de capital cultural e a crença na importância do título escolar16 16 Com efeito, dos 134 migrantes e refugiados matriculados em cursos de graduação da UFPR nos últimos anos, 81 são haitianos. .

Segundo dados da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PRAE-UFPR), um conjunto de 81 haitianos ingressaram em cursos de graduação da UFPR a partir de 2015. Desse grupo, 14, todos homens pretos, ingressaram na universidade entre 2015 e 2016, sendo, portanto, o grupo que deveria estar efetivamente formado. Contudo, algumas dificuldades, como ambientação, relacionamento com colegas e aprendizado da cultura universitária local, se interpuseram, atrasando ou impedindo a diplomação17 17 Estas dificuldades foram identificadas por professores ligados à CSVM (UFPR-ACNUR) e tiveram como resultado a criação do Programa “Ano Zero”, normatizado pela Resolução nº 56 (2019). Este Programa prevê um ano letivo extra cujo objetivo é ensinar português e ambientar o imigrante ou o refugiado à vida acadêmica da UFPR. A íntegra da Resolução pode ser consultada em: http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2020/02/cepe5619.pdf. . Além dessas, esses alunos enfrentaram a pandemia e o formato das aulas híbridas nos anos de 2020, 2021 e 2022, e os inúmeros impactos econômicos causados, em especial na população migrante18 18 Para uma análise sobre o impacto da pandemia na população migrante ainda no ano de 2020, ver Baeninger e Duval (2020). Para um acompanhamento geral do impacto da COVID-19 no mundo, ver os relatórios produzidos pela OIT, disponíveis em: https://www.ilo.org. . Em consequência, desse grupo de 14 haitianos aptos a se formarem, apenas 7 se graduaram, 6 deles ainda estão matriculados e um aluno abandonou definitivamente a UFPR. Por outro lado, dos 67 restantes, temos hoje 55 haitianos com registro ativo na UFPR, dos quais 4 estão matriculados em curso distinto daquele que ingressaram, 8 estão com a matrícula trancada e 4 evadiram19 19 Os dados sobre o número de imigrantes matriculados nos diversos cursos da UFPR são organizados e nos foram disponibilizados pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE-UFPR), a quem registramos aqui nossos agradecimentos. . Desse grupo de 7 que conseguiram se diplomar, dois deles graduaram-se em Direito, um no curso de Administração, um no curso de Turismo, um no curso de Ciência da Computação, um no curso de História da Imagem e um no curso de Letras (Francês), sendo assim o grupo aqui entrevistado20 20 À exceção destes, a UFPR graduou um jovem que entrou no curso de Odontologia em 2019, já havendo cursado grande parte das disciplinas em seu país de origem. Ele formou-se em 2022. . Em resumo, as entrevistas foram realizadas junto a esses 7 haitianos, todos eles homens pretos que preferiram não ser identificados. Todos eles frequentaram as aulas de PLE, ingressaram na UFPR entre 2015 e 2016 e concluíram cursos superiores, conforme mostrado no quadro a seguir.

Quadro 1 -
QUADRO 1: Haitianos matriculados e formados na UFPR, por frequência no curso PLE, ano de ingresso, curso, situação atual e ano de formatura, 2022

O roteiro de questões semiestruturadas consistiu em 3 blocos, a saber: Projeto Migratório, Instalação no Brasil e frequência dos espaços escolares da UFPR, 3) Trajetória e Inserção Profissional. Em cada um dos blocos, investigou-se a relação entre elementos cotidianos e vivências que levariam à preparação do projeto migratório (habitus imigrante), a presença de capitais (econômico, cultural, social e migratório), a frequência nas aulas de PLE, a obtenção de diplomas e a inserção profissional.

Conforme demonstrou Oliveira (2016aOLIVEIRA, Márcio de. Imigrantes haitianos no Paraná em 2015. In: GEDIEL, José A. P.; GODOY, Gabriel G. (orgs.). Refúgio e Hospitalidade. Curitiba: Kairós, p. 249-276, 2016a.; 2019______. P-C. La trajectoire d’un jeune Haitien au Brésil: habitus immigrant, distinction et capital. L’Ordinaire des Amériques, v. 226, p. 1-15, 2019. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/orda/4556 Acesso: 04.12.2021.
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), haitianos que efetivamente conquistaram oportunidades educacionais e profissionais no Brasil apresentavam elementos de socialização no qual o projeto migratório, apoiado financeiramente por familiares ou próximos, foi lentamente transformado em uma realidade exequível, motivo pelo qual empregamos o conceito de habitus imigrante. A presença desse habitus atuava no sentido de naturalizar, respaldar a decisão de migrar e facilitar a organização do projeto migratório. Finalmente, o sucesso desse projeto era alavancado pela posse de capitais, herdados e/ou acumulados no processo migratório, além de circunstâncias próprias ao país de destino, em especial sua política de migratória de acolhimento.

O habitus imigrante encontra paralelo na tese defendida por Audebert (2012AUDEBERT, Cédric. La diaspora haïtienne. Territoires migratoires et réseaux transnationaux. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012.), segundo a qual o Haiti é um “país diáspora”. As razões da diáspora encontram-se, num plano mais geral, na permanente crise econômico-política21 21 Segundo dados do Human Development Report 2021/2022 (UNDP, 2022, p. 2010), o Haiti é o país com a mais baixa renda nas Américas. Segundo dados do Banco Mundial, 87,6% da população haitiana ganha até US$ 6,85 por dia. Para maiores detalhes, ver os sítios da ONU: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22 e do Banco Mundial: https://www.banquemondiale.org/fr/country/haiti/overview. Acesso: 21.01.2023. , aliada à violência disseminada22 22 Para maiores detalhes, ver o relatório da ONU sobre a questão publicado em 2021. Disponível em: https://news.un.org/fr/story/2021/01/1087072. Acesso: 13.01.2022. , fazendo do país uma espécie de “Estado fantasma” (Feldmann, 2013FELDMANN, Andreas E. El ‘Estado fantasma’ de Haiti. Revista Migraciones Forzadas, n. 43, p. 32-34, 2013.). Em que pesem os fatores estruturais de expulsão, a diáspora haitiana repercutiu internamente. Realizado o projeto migratório, a instalação e geração de renda nos países de destino se traduzem algumas vezes na aquisição de propriedades - a posse de um imóvel residencial no próprio país, maison locale, e um outro no exterior, maison aletranger - que tornaram-se critério de estratificação social na sociedade de origem23 23 Segundo Dalmaso (2014, p. 43), a posse de outra residência seria uma evidência da mobilidade horizontal e social, com repercussões nas representações culturais e na semântica da própria língua. Assim, viver, ficar, habitar, partir e dormir se tornaram “[...] termos que fazem parte do campo semântico das casas (kay) e da mobilidade inerente [...]”. . Como afirma Joseph (2015JOSEPH, Handerson. Diáspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.), a prática migratória é tão fundamental, que serve mesmo como elemento de categorização dos nacionais do Haiti. Segundo este autor “[...] é comum os haitianos no Haiti usaram a palavra diáspora para chamar o outro compatriota que parte, reside aletranger, envia remessas etc.: 'Diaspora ki jan ou ye?' (Diáspora, como vai você?), 'Sa k’ap fèt diaspora?' (O que tem feito, diáspora? Como está indo, diáspora) [...]” (Joseph, 2015, p. 352).

Em termos hipotéticos, ao longo dos anos e gerações, os fluxos de partida podem ser pensados como a expressão do habitus imigrante e do modo diáspora historicamente gestado pela sociedade haitiana. Seu fundamento e sua amplitude materializam-se na presença de migrantes haitianos em vários países nos 3 continentes americanos (Audebert, 2012AUDEBERT, Cédric. La diaspora haïtienne. Territoires migratoires et réseaux transnationaux. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012., p. 33-45; IPPDH, 2017; Dieme, 2017DIEME, Kassoum. O Haiti e suas migrações. Temáticas, v. 25, n. 49-50, p. 17- 48, 2017.; Cerino, 2019CERINO, Luz M. C. Gobernabilidad por niveles: el caso del flujo de migración haitiano en América. Migraciones Internacionales, v. 10, Art. 11, 2019. Disponível em Disponível em https://migracionesinternacionales.colef.mx/index.php/migracionesinternacionales/article/view/2155/1432 . Acesso: 14.12.2022.
https://migracionesinternacionales.colef...
). No caso em tela, a trajetória de acontecimentos apresentaria os seguintes elementos. Realizada a migração, a posse de certo capital aliado à frequência no curso de PLE e às atividades anexas socializam e permitem aos entrevistados se habilitarem para as oportunidades que se apresentam, tais como o ingresso na UFPR. As escolhas realizadas refletem a capacidade subjetiva de estimar o sucesso da estratégia adotada, que se apresenta como o fruto da relação de certo habitus e dos capitais acumulados, como afirma Bourdieu (2000BOURDIEU, Pierre. Esquisse d´une théorie de la pratique. Paris: Éditions du Seuil, 2000., p. 259)24 24 Segundo Bourdieu (1980), o habitus confere ao agente ajustar as chances objetivas e as expectativas subjetivas de sucesso em cada escolha. . Além disso, a prática migratória, como veremos abaixo, demonstra-se exitosa quando também assenta-se sobre capitais econômico e social trazidos, além de certo capital de migratório, materializado sob a forma da posse (bens disponíveis) de conhecimentos de formalidades administrativas, linguísticos e de costumes, procedimentos e rotas de viagens e documentos de migração (passaportes, vistos, contratos ou promessas de contratos de trabalho). Assim, uma vez colocadas a política de acolhimento, as oportunidades laborais e educativas no país ou cidade de destino, a soma de habitus e capitais funciona como uma espécie de chancela prévia para o resultado exitoso da migração, medido em termos de inserção educacional e profissional.

A título de exemplo, David chegou ao Brasil em 2014 sem ter concluído seu curso superior no Haiti. Em seu depoimento, afirmou que em sua família todos irmãos falavam francês e eram incentivados a deixar o Haiti. Migrar para o Brasil nunca foi a primeira opção, mas surgiu graças à informação de um amigo. Afirmou em seguida que havia migrado para o Brasil auxiliado financeiramente por seus pais após ter se desfeito de pequena empresa que possuía, e que seu objetivo era retornar ao Haiti25 25 Segundo nos declarou, o retorno ao Haiti não é mais desejado, sobretudo após o nascimento de seu filho. , elementos que indicam a posse de certo capital econômico, capital educacional e habitus imigrante. Durante os dois semestres que frequentou as aulas de PLE, participou de diversas atividades extracurriculares, conheceu o trabalho dos professores da UFPR e foi informado da possibilidade de ingressar em curso superior na UFPR através do Programa de Reingresso. David declarou que seu interesse era ingressar no curso de Direito. Contudo, naquele ano não havia vagas para migrantes naquele curso, mas sim no curso de Administração. Percebendo a porta que se abria, aceitou a possibilidade oferecida uma vez que a formação superior era o principal móbile de seu projeto migratório: “[...] concluir um curso superior era meu objetivo desde que cheguei ao Brasil” e que “[...] com fé em Deus, conseguiria”. Afirmou ainda que após ter ingressado no curso de Administração, aceitou um trabalho em período noturno, numa fábrica de sorvetes, para poder dedicar-se aos estudos durante o dia. Neste caso, habitus imigrante aparece modulado por referências religiosas. Contudo, é o capital linguístico (domínio da língua francesa) associado ao capital educacional (ter concluído o ensino médio e ter iniciado um curso superior) que efetivamente mostraram-se decisivos para o sucesso da estratégia de acumular novo capital educacional.

A trajetória de Bernardo guarda paralelos com àquela de David. No Haiti, havia concluído o Ensino Médio, onde havia aprendido a língua francesa26 26 O Haiti é um país oficialmente bilíngue. Contudo, a língua corrente é o créole enquanto que apenas os escolarizados apresentam algum grau (pequeno ou elevado) de conhecimento da língua francesa. A este respeito, ver Bentolila (1981) e Caisse (2012). . Chegou ao Brasil e a Curitiba em 2013 e logo foi informado das aulas do PLE. Em seu depoimento, comentou que havia migrado para o Brasil com amigos que partilhavam do interesse em montar um grupo de música. Nesse caso, o processo de formação do habitus imigrante ocorreu no interior desse grupo de amigos que migraram juntos, à diferença de David, cujo habitus foi construído no interior de seu grupo familiar. Contudo, devido às dificuldades em concretizar o sonho musical, os amigos decidiram por nova migração aos EUA, mesmo sem ter visto de entrada. O risco desse projeto associado às possibilidades que se abriram durante o curso de PLE, levaram-no a renunciar a pretendida carreira musical pela vaga recém-aberta especificamente para migrantes haitianos, no curso de Direito, e a permanecer no Brasil. No entanto, devido ao contato permanente com esses amigos que migraram, Bernardo soube que seus amigos lograram sucesso na tentativa de entrar ilegalmente nos EUA, e segundo afirmou, eles estão se estabelecendo. A comunicação mantida facilitou a acumulação de novos capitais, o que aumenta as chances de nova migração. Esta se eventualmente apresentará agora de um país de destino para outro país de destino. Bernardo, contudo, conseguiu se formar e está trabalhando numa empresa multinacional. Além disso, recém ingressou em um programa de mestrado da UFPR, fato que arrefeceu seu desejo de nova migração. É possível esperar que, em consequência de seu processo exitoso de integração e dos capitais acumulados, sua permanência no Brasil possa ser duradoura.

A prática migratória era comum na família (habitus imigrante) de Francisco. Um de seus irmãos já havia emigrado e outro encontra-se organizando sua migração nesse momento. O Brasil não era, para Francisco, como de resto várias pesquisas demonstraram para outros haitianos e haitianas, um destino imaginado, mas surgiu como uma possibilidade devido à presença brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) e, sobretudo, devido ao terremoto de 2010, que provocou enorme destruição do país e mais de 200 mil mortos27 27 As atas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), entre o mês de outubro de 2010 e 2011, mostram como a política de acolhimento, através do visto humanitário, organizada pelo governo brasileiro para os haitianos levava em consideração fatores como a instabilidade política, a situação socioeconômica e o terremoto ocorrido no Haiti. As atas do CNIg podem ser consultadas em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/atas-de-reunioes. . Como Francisco tinha amigos que estavam no Brasil instalados em Curitiba, decidiu-se por essa cidade onde chegou em 2014. Em Curitiba, conheceu a possiblidade de ingressar na UFPR durante as aulas de PLE no ano de 2015. Portador do diploma de Ensino Médio, ingressou na UFPR em 2016 no curso de História da Imagem, à época com grande evasão. Seu objetivo, como declarou, era fazer o curso “para contribuir”, ou seja, para adquirir algum diploma superior, considerando que com isso aumentaria suas chances de sucesso no Brasil, uma vez que não tinha interesse em ser “historiador”. Sua estratégia indica como a posse de capital escolar influencia na capacidade de reconhecimento de possibilidades abertas. Contudo, apesar de ter se formado, não vem trabalhando em seu campo profissional, que é efetivamente bem restrito e, no momento, quer fazer um curso de mestrado com bolsa de estudos.

Os entrevistados David e Bernardo confirmaram que o desejo de sair do Haiti está disseminado na sociedade: “a maioria [das] pessoas mais jovens quer sair do país” (David). “Migrar sempre foi uma opção familiar; meu pai foi para os EUA em 1990. Mantinha contato com ele, sempre insistiu para eu ir para os EUA. Tinha duas possibilidades: México ou Brasil” (Bernardo). David mencionou o apoio da família em termos de recursos para comprar a passagem de avião até a cidade de São Paulo, rota migratória que o diferencia da maioria absoluta dos haitianos e haitianas que chegaram ao Brasil na última década através das fronteiras norte do país.

A frequência às aulas de PLE associada aos capitais trazidos e adquiridos ao longo da jornada migratória levaram alguns migrantes a vislumbrarem e a abraçarem as opções de formação que se apresentaram. Alberto demonstrou reconhecimento com a formação recebida: “Foi uma grande oportunidade de frequentar, acho que a única oportunidade”. Já Bernardo mencionou como os capitais social e escolar adquiridos nos espaços escolares da UFPR, juntamente com o capital linguístico, o impulsionaram: “Conheci muita gente fazendo curso de português. Veio a oportunidade de estudar, me formei e hoje ganho US$ 400,0028 28 Para esse cálculo, utilizamos a taxa de câmbio atual que está em torno de U$1 = R$ 5,20. + benefícios numa empresa multinacional que atua junto ao mercado francês”. “Formei em Direito. Conheci a possibilidade de ingressar na UFPR no curso de PLE. Isso foi essencial para colocação no mercado de trabalho”. Hélio, que se formou em Ciência da Computação, afirmou: “[...] em 2020, após o término do curso, comecei a especialização em Direitos Humanos e já terminei. E tô fazendo mestrado em Filosofia (UFPR), após ter concluído um curso de especialização em gestão social e política pública no Instituto Federal do Paraná”. Hélio trabalha hoje como trainee na Defensoria Pública do estado do Paraná. Refletindo sobre a experiência nos espaços escolares da UFPR (PLE e graduação) afirmou: “Sim, aprendi muitas coisas durante a formação. Até disse para mim que se não houvesse essas complicações na sociedade [referindo-se sobre ao desemprego, mas também ao governo do então Presidente Bolsonaro], eu poderia fazer muitas coisas”.

De maneira geral, as falas dos entrevistados combinam uma socialização para a migração com a posse de capitais trazidos (educacional em todos os casos) que permitiram o acúmulo de novos capitais. No caso de Bernardo, o capital linguístico trazido (domínio da língua francesa) lhe permitiu ser contratado por uma empresa que atua no mercado francês. Por outro lado, o caso de David demonstra a preparação para a migração, apoiada pela família, o capital social adquirido no curso de PLE que o permitiu conhecer a possibilidade de se formar na UFPR (capital adquirido), e finalmente o emprego.

A posse de novo capital educacional (diploma na UFPR) efetivamente expandiu o leque de possibilidades que se abre para novas estratégias pessoais. Assim, Alberto vem tentando se matricular em alguma universidade francesa, tendo inclusive nos solicitado cartas de apresentação. Bernardo oscila entre continuar trabalhando no Brasil ou noutro país. Dentre os entrevistados, apenas Paulo não conseguiu se estabelecer. Tendo se formado em Turismo, trabalha de maneira intermitente e quer cursar pós-graduação.

De maneira geral, as trajetórias dos entrevistados indicam que habitus e capitais trazidos ou acumulados no Brasil pesaram sobre a escolha das oportunidades oferecidas nos espaços escolares frequentados. A título de exemplo, nota-se a importância conferida às oportunidades surgidas durante o curso de PLE, presente nos relatos. As escolhas nem sempre são aquelas imaginadas, mas as estratégias tomadas refletem a capacidade de aproveitar as opções reais oferecidas. Ao final, o acúmulo do novo capital educacional, o diploma no Brasil, é visto como essencial, o verdadeiro diferencial para as novas oportunidades que surgiram, seja no campo educacional - fazer mestrado ou um curso de especialização - seja no campo profissional.

Considerações finais

O grupo de haitianos que se graduou na Universidade Federal do Paraná nos anos de 2019 a 2021 é muito pequeno. Como comentado, vários fatores explicam isso, em especial o ano do ingresso e tempo de curso. Da mesma forma, o habitus inculcado e os capitais trazidos e/ou acumulados ao longo da trajetória migratória não podem, exclusivamente, ser considerados a chave explicativa de um processo de mobilidade, no geral, ascendente, nem mesmo do desejo de permanecer ou de partir do Brasil. Dentre os capitais trazidos, o capital escolar é um dos mais importantes porque o diploma de ensino médio ou haver iniciado algum curso de graduação no Haiti ou em outro país são os critérios básicos para ingressar em qualquer curso superior no Brasil. Contudo, os depoimentos colhidos indicam a presença de habitus inculcado para a migração e a existência de capitais anteriormente adquiridos. Em termos concretos encontramos uma situação na qual um tipo de habitus e um conjunto de capitais trazidos e/ou acumulados no Brasil os fizeram reconhecer oportunidades, no campo da formação, oferecidas pela UFPR. A consequência disso apresentou-se sob a forma de uma maior facilidade em acumular novo capital escolar (novos diplomas) e um maior acesso às oportunidades no mercado de trabalho, o que impactava diretamente nos processos integrativos gerais. Não é possível afirmar que o acúmulo desse novo capital educacional implicará na decisão de permanecer no país. Ao contrário, a noção de “sistema migratório”, apresentada por Audebert e Joseph (2022AUDEBERT, Cédric; JOSEPH, Handerson. El Sistema migratorio haitiano en América del Sur: recientes desarollos y nuevos planteamientos. In: AUDEBERT, Cédric; JOSEPH, Handerson (eds.). El sistema Migratorio haitiano en América del Sur. Proyectos, movilidades y políticas migratórias. Buenos Aires: CLACSO, 2022, p. 17-52., p. 17-50), indica que o sistema migratório haitiano nas Américas se apresenta multilocalizado, unindo várias origens e destinos, o que pode levar a novas migrações. Além disso, qualquer novo processo migratório implica em novos custos e de possibilidades que se apresentem.

Em resumo, habitus imigrante e capital educacional parecem preparar o início do processo de integração. Porém, agem sobretudo produzindo no migrante a capacidade de reconhecer as oportunidades com as quais se deparam, o que de fato ocorreu quando do ingresso na UFPR. As decisões tomadas, dali em diante, certamente dependem de fatores aqui não analisados; ainda assim, surgem como estratégias a que se permite o agente a partir dos novos capitais acumulados e da reatualização de seus habitus de origem. De maneira geral, os depoimentos indicam que o diploma obtido na UFPR surge como o reflexo de estratégias e um divisor de águas em suas trajetórias.

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  • ______. Resolução nº 63/18 Estabelece e aprova a criação de vagas suplementares destinadas a migrantes em condição de refugiados ou com visto humanitário em todos os cursos da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2018/11/cepe-63-18-vagas-suplementares-migrantes.pdf Acesso: 19.03.2022.
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  • ZECHNER, Minna. Transnational Habitus at the Time of Retirement. Identities: global studies in culture and power, v. 24, n. 5, p. 573-589, 2017.
  • 1
    Entendendo a família em um sentido mais amplo em que as relações familiares se caracterizam por um comprometimento mútuo, contatos sociais regulares e um fluxo intra e inter-doméstico de benefícios materiais e não-materiais (Lobo, 2011LOBO, Andréa S. Making Families: Child mobility and familiar organization in Cape Verde. Vibrant, v. 1, p. 197-219, 2011.).
  • 2
    Segundo Bourdieu (1980______. Le sens pratique. Paris: Les Éditions Minuit, 1980., p. 88-89), “Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus, sistemas de disposições duráveis e aplicáveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores das representações e das práticas que podem ser objetivamente adaptadas a seu objetivo; não supõem de forma consciente o alcance dos fins e o controle claro das operações, objetivamente “regradas” e “regulares”, necessárias para atingi-los; [as disposições] não são assim o produto da obediência a regras; são coletivamente orquestradas sem ser, porém, o produto da ação organizadora de um chefe de orquestra” (tradução livre dos autores).
  • 3
    Para um maior aprofundamento dos conceitos de habitus imigrante e capital de mobilidade, ver Kulaitis e Oliveira (2017KULAITIS, Fernando; OLIVEIRA, Márcio de. Habitus imigrante e capital de mobilidade. Mediações, v. 22, n. 1, p. 15-47, 2017.).
  • 4
    O grupo nos concedeu entrevistas nas dependências da UFPR ou por plataforma. O tempo das entrevistas não superou 60 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas e lhes foi solicitado um termo de consentimento, conforme explicamos mais tarde.
  • 5
    Sobre a importância das redes, ver Nieto (2014NIETO, Carlos. Migración haitiana a Brasil: redes migratorias y espacio social transnacional. Informe de Investigación. Buenos Aires: CLACSO, 2014.), Oliveira (2016b______. Immigrants Haitiens au Brésil: du multiculturalisme à l’oeuvre? Revista de Ciencias Humanas y Sociales. Al Irfan, Instituto de Estudios Hispano-Lusos, Universidade Mohammed V de Rabat, n. 2, p. 73-89, 2016b.), Silva (2017SILVA, Sidney A. da. Imigração e redes de acolhimento: o caso dos haitianos no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 99-117, 2017. ) e Córdova (2019CÓRDOVA, Lorena P. Migración haitiana en Brasil: una aproximación a través de las redes migratórias. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Estudos Latino-Americanos. Universidade de Brasília, Brasília, 2019.).
  • 6
    Sobre a chamada “migração de dependência”, ver Baeninger e Magalhães (2017BAENINGER, Rosana; MAGALHÃES, Luís F. Aires . Migração de Dependência: Considerações teóricas e metodológicas sobre a imigração haitiana no Brasil. In: SANTOS, Rafael Padilha dos (org.). Migrações Transnacionais no Estado de Santa Catarina. Itajaí: Univali, 2017, v. 1, p. 29-47.).
  • 7
    Ver Cavalcanti e Oliveira (2022CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Márcio de. As entradas e saídas de remessas monetárias no contexto das migrações internacionais no Brasil, 1995-2021. In: CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Tadeu; SILVA, Bianca G. Relatório Anual OBMigra 2022. Série Migração. Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília, DF: OBMigra, 2022, p. 139-157.).
  • 8
    Sobre a “migração de crise”, ver Baeninger (2017BAENINGER, Rosana. Migração de crise: a migração haitiana para o Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 119-143, 2017.). Sobre a problemática da diáspora, ver Audebert (2012AUDEBERT, Cédric. La diaspora haïtienne. Territoires migratoires et réseaux transnationaux. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012.), Joseph (2015JOSEPH, Handerson. Diáspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.) e Bersani (2016BERSANI, Ana E. Chache lavi Deyó: uma reflexão sobre a categoria refúgio a partir da disporá haitiana. Cadernos de Campo, n. 25, p. 383-399, 2016.).
  • 9
    Em 2010, a CAPES, agência de fomento do Ministério da Educação, através da Portaria nº 92 (27/04/2010), criou o Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior, cujo objetivo foi contribuir para “a reconstrução do Haiti por meio de apoio à formação de recursos humanos”, com bolsas de pós-graduação entre outras atividades.
  • 10
    No correr da segunda metade dos anos 2010, diversas universidades brasileiras começaram a criar programas de ingresso específicos para migrantes humanitários e refugiados. Uma lista completa dessas universidades e seus programas pode ser encontrada no sítio do ACNUR: https://www.acnur.org/portugues/catedra-sergio-vieira-de-mello/universidades-conveniadas/.
  • 11
    Como mostraram Hallak Neto e Simões (2020HALLAK NETO, João; SIMÕES, André. Desigualdade de rendimento do imigrante no mercado de trabalho formal brasileiro. In: CAVALCANTI, Leonardo; MACEDO, Marília; OLIVEIRA, Tadeu. Imigração e Refúgio no Brasil. Relatório Anual 2020. Série Migrações. Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília, DF: OBMigra, 2020, p. 81-110., p. 92), a partir de dados de 2019, enquanto o rendimento médio dos migrantes com fundamental completo era de R$ 2.283, o rendimento médio daqueles com nível superior (ou acima) era de R$ 14.889,00.
  • 12
    O curso receberia imigrantes de várias nacionalidades. Naquele mesmo ano, a UFPR firmaria um acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR-Brasil), dando origem à Cátedra Sérgio Vieira de Mello e ao projeto de extensão Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB), que, dentre outras atividades, incorporaria o curso de PLE.
  • 13
    Devido à pandemia COVID-19, o PBMIH deixou de funcionar nos anos de 2020 e 2012. Segundo seus coordenadores nos informaram, o projeto está em reformulação e não há, até este mês de agosto de 2022 quando escrevemos estas linhas, previsão de retomada das atividades.
  • 14
    Por este sistema, o aluno poderia entrar ou sair do curso a qualquer momento, pois todas as aulas tinham um começo, meio e fim. Para maiores detalhes, ver Ruano (2019RUANO, Bruna P. Programa Reingresso-UFPR - aproveitamento de vagas remanescentes para a reinserção acadêmica de migrantes e refugiados: ações de acolhimento. Tese de Doutorado em Letras. Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.).
  • 15
    Os programas de reingresso na UFPR foram inicialmente propostos por professores ligados às atividades do PMUB incorporadas à Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), através de convênio firmado entre o ACNUR e a UFPR. A partir do trabalho da CSVM junto aos órgãos colegiados da UFPR, estes programas foram paulatinamente normatizados graças às Resoluções 13 (2014)______. Resolução nº 13/14. Aprova normas para acesso de migrantes e portadores do estão de refugiado ou de visto humanitário que tenham iniciado cursos superiores em instituições de ensino no estrangeiro aos cursos de graduação da UFPR. Curitiba, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2016/07/resolucao_cepe_09072014-902.pdf Acesso: 19.03.2022.
    http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content...
    , 63 (2018)______. Resolução nº 63/18. Estabelece e aprova a criação de vagas suplementares destinadas a migrantes em condição de refugiados ou com visto humanitário em todos os cursos da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2018/11/cepe-63-18-vagas-suplementares-migrantes.pdf Acesso: 19.03.2022.
    http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content...
    e 10 (2019______. Resolução nº 10/19. Estabelece as normas para o Processo de Ocupação de Vagas Remanescentes (PROVAR) destinado aos cursos de graduação da Universidade Federal do Paraná a partir do ano letivo de 2020. Curitiba, 2019. Disponível em: Disponível em http://www.prograd.ufpr.br/portal/provar/wp-content/uploads/sites/11/2020/02/cepe-10-19-PROVAR.pdf. Acesso: 19.03.2022.
    http://www.prograd.ufpr.br/portal/provar...
    ) (Friedrich et al., 2017FRIEDRICH, Tatyana et al. Política Migratória e Universidade Brasileira: a experiencia do atendimento a haitianos e outros migrantes na UFPR. Périplos, v. 1 , n. 1, 2017, p. 73-91.; Friedrich, Kyle, 2020FRIEDRICH, Tatyana; KYLE, Hall. Cátedra Sérgio Vieira de Mello na UFPR (CSVM) and Programa Política Migratória e Universidade Brasileira na UFPR (PMUB): na experience report. In: FRIEDRICH, Tatyana S.; GEDIEL, José A. P. S. (coords.). Movimentos, memórias e refúgio: Ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná. Curitiba: InVerso, 2020, p. 264-271.; Friedrich, Gediel, 2020FURMAN, Alan. Crianças e adolescentes filhos de migrantes haitianos nas escolas públicas do Paraná: ações e experiências de inclusão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Sociologia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021., p. 272-307).
  • 16
    Com efeito, dos 134 migrantes e refugiados matriculados em cursos de graduação da UFPR nos últimos anos, 81 são haitianos.
  • 17
    Estas dificuldades foram identificadas por professores ligados à CSVM (UFPR-ACNUR) e tiveram como resultado a criação do Programa “Ano Zero”, normatizado pela Resolução nº 56 (2019). Este Programa prevê um ano letivo extra cujo objetivo é ensinar português e ambientar o imigrante ou o refugiado à vida acadêmica da UFPR. A íntegra da Resolução pode ser consultada em: http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2020/02/cepe5619.pdf.
  • 18
    Para uma análise sobre o impacto da pandemia na população migrante ainda no ano de 2020, ver Baeninger e Duval (2020)BAENINGER, Rosana; FERNANDES, Duval (coords.). Impactos da Pandemia de Covid-19 nas migrações internacionais do Brasil. Campinas: NEPO, 2020.. Para um acompanhamento geral do impacto da COVID-19 no mundo, ver os relatórios produzidos pela OIT, disponíveis em: https://www.ilo.org.
  • 19
    Os dados sobre o número de imigrantes matriculados nos diversos cursos da UFPR são organizados e nos foram disponibilizados pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE-UFPR), a quem registramos aqui nossos agradecimentos.
  • 20
    À exceção destes, a UFPR graduou um jovem que entrou no curso de Odontologia em 2019, já havendo cursado grande parte das disciplinas em seu país de origem. Ele formou-se em 2022.
  • 21
    Segundo dados do Human Development Report 2021/2022 (UNDP, 2022UNDP. Human Development report 2021/2022. NYC: UNDP, 2022., p. 2010), o Haiti é o país com a mais baixa renda nas Américas. Segundo dados do Banco Mundial, 87,6% da população haitiana ganha até US$ 6,85 por dia. Para maiores detalhes, ver os sítios da ONU: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22 e do Banco Mundial: https://www.banquemondiale.org/fr/country/haiti/overview. Acesso: 21.01.2023.
  • 22
    Para maiores detalhes, ver o relatório da ONU sobre a questão publicado em 2021. Disponível em: https://news.un.org/fr/story/2021/01/1087072. Acesso: 13.01.2022.
  • 23
    Segundo Dalmaso (2014DALMASO, Flávia F. Kijan moun yo ye. As pessoas, as casas e das dinâmicas de familiaridade em Jacmel/Haiti. Tese de Doutorado em Antropologia Social. Museu Nacional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014., p. 43), a posse de outra residência seria uma evidência da mobilidade horizontal e social, com repercussões nas representações culturais e na semântica da própria língua. Assim, viver, ficar, habitar, partir e dormir se tornaram “[...] termos que fazem parte do campo semântico das casas (kay) e da mobilidade inerente [...]”.
  • 24
    Segundo Bourdieu (1980______. Le sens pratique. Paris: Les Éditions Minuit, 1980.), o habitus confere ao agente ajustar as chances objetivas e as expectativas subjetivas de sucesso em cada escolha.
  • 25
    Segundo nos declarou, o retorno ao Haiti não é mais desejado, sobretudo após o nascimento de seu filho.
  • 26
    O Haiti é um país oficialmente bilíngue. Contudo, a língua corrente é o créole enquanto que apenas os escolarizados apresentam algum grau (pequeno ou elevado) de conhecimento da língua francesa. A este respeito, ver Bentolila (1981BENTOLILA, Alain; GANI, Léon. Langues et problèmes d'éducation en Haïti. Langages, v. XV, n. 61, p. 117-127, 1981.) e Caisse (2012CAISSE, Peter T. A vitalidade linguística dos crioulos do Haiti e da Luisiana. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, 2012.).
  • 27
    As atas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), entre o mês de outubro de 2010 e 2011, mostram como a política de acolhimento, através do visto humanitário, organizada pelo governo brasileiro para os haitianos levava em consideração fatores como a instabilidade política, a situação socioeconômica e o terremoto ocorrido no Haiti. As atas do CNIg podem ser consultadas em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/atas-de-reunioes.
  • 28
    Para esse cálculo, utilizamos a taxa de câmbio atual que está em torno de U$1 = R$ 5,20.

Editores do dossiê

Cédric Audebert, Handerson Joseph, Bruno Miranda (guest editors)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2023
  • Aceito
    06 Mar 2023
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