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Morfopedologia aplicada à concepção de obras em microbacia do perímetro urbano de Várzea Grande-MT

Morphopedological approach applied to construction in the urban perimeter of Várzea Grande watershed, MT

Resumos

Este trabalho, fundamentado na abordagem morfopedológica, foi realizado em área do perímetro urbano de Várzea Grande-MT, onde será instalado o novo Campus da Universidade Federal de Mato Grosso, tendo por objetivo subsidiar a concepção do projeto de obras de infraestrutura para minimizar impactos nos recursos hídricos. Por meio da elaboração de um diagnóstico integrado dos elementos que compõem o meio físico foi possível interpretar o funcionamento hídrico das vertentes e a dinâmica dos processos responsáveis pelos impactos ambientais. A análise dos resultados, sintetizados em um mapa com cinco compartimentos morfopedológicos sobreposto ao projeto de obras do Campus, permitiu levantar os problemas ambientais potenciais e identificar ações necessárias para a minimização dos impactos nos recursos hídricos superficiais.

abordagem morfopedológica; impactos ambientais; suscetibilidade a erosão


This paper is based on a morphological approach applied to construction in the urban perimeter of Várzea Grande-MT, where the new campus of the Federal University of Mato Grosso will be installed, with the objective of supporting the infrastructure construction project in order to minimize the impact on water resources. The development of an integrated diagnosis of the components of the physical environment allowed interpreting the water operation in the hillside and the dynamics of the processes associated with environmental impacts. The results, summarized in a map with five morphopedologic compartments, superimposed on the construction project of the campus, enabled us to detect potential environmental problems and to identify support actions necessary to minimize the impact on surface water resources.

environmental impact; morphopedological approach; susceptibility to erosion


1. Introdução

A abordagem morfopedológica concebida por Tricart e Killian (1982TRICART, J.; KILLIAN, J. La Eco-Geografia y la Ordenación del médio natural. Barcelona: Anagrama, 1982. 288 p.) permite a análise integrada dos componentes do terreno, contribuindo para a compreensão da dinâmica hídrica e funcionamento dos processos responsáveis por impactos ambientais (Salomão, 1994SALOMÃO, F. X. de T. Processos erosivos lineares em Bauru (SP): regionalização cartográfica aplicada ao controle preventivo urbano e rural. 1994. 200f. Tese (Doutorado em Geografia Física) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.).

Os compartimentos morfopedológicos resultantes da aplicação dessa abordagem apresentam fisionomias que podem ser reconhecidas e delimitadas em função do modelado do relevo, das estruturas litológicas e pedológicas. Os estudos desses compartimentos podem constituir uma importante base para os estudos ambientais integrados de uma determinada paisagem. Eles se traduzem em produto de síntese das relações naturais produzidas por seus fatores de formação e de evolução, relacionáveis ao seu histórico de ocupação, revelando-se como instrumentos para os programas de controle preventivo de uso do solo (Castro e Salomão, 2000CASTRO, S. S.; SALOMÃO, F. X.T. Compartimentação morfopedológica e sua aplicação: considerações metodológicas. Revista GEOUSP, São Paulo, n. 7, p. 27-37, 2000.). Segundo Cavalheiro et al. (2002CAVALHEIRO, F.; RUEDA, J. R. J.; JESUS, N. de. Compartimentação do meio físico da área da Serra do Japi - Jundiaí (SP) em zonas de fragilidade quanto à degradação. Revista GEOUSP,São Paulo, n. 11, p. 85-100, 2002.), os compartimentos morfopedológicos podem auxiliar na determinação de diferentes capacidades de uso das terras e de suscetibilidade ao desenvolvimento de processos erosivos.

Assim, a análise morfopedológica constitui-se um procedimento metodológico eficaz para o entendimento do comportamento do meio físico diante da possibilidade de ocupação e uso antrópico, por funcionar como ferramenta capaz de contribuir para o uso racional de recursos naturais.

O comportamento hídrico ao longo das vertentes, envolvendo a infiltração, o escoamento, tanto em superfície como em subsuperfície, das águas da chuva, e o posicionamento e a migração do aquífero freático, representa fator de significativa importância para a interpretação dos processos do meio físico, dos quais se destacam a erosão, os movimentos de massa, o alagamento, as subsidências e colapsos, constituindo-se, assim, na chave de interpretação utilizada para a definição e delimitação cartográfica dos compartimentos morfopedológicos (Salomão et al., 2012SALOMÃO, F. X. T; MADRUGA E. L; MIGLIORINI, R. B. Carta Geotécnica do perímetro urbana da Chapada dos Guimarães: subsídios ao plano diretor. Revista do Instituto de Geociências/USP, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 5-15, 2012.).

Neste trabalho os estudos morfopedológicos foram realizados com o intuito de subsidiar o planejamento de ocupação da área onde será implantado o novo Campus da UFMT, que tem uma área total de 82,46 ha, localizada entre as coordenadas geográficas 15°34'54,5" S; 56°12'33,3" O e 15°35'37,3" S; 56°11'32,4" O, numa altitude média aproximada de 163 m (Figura 1), no município de Várzea Grande-MT, de maneira a minimizar os impactos ambientais.

O clima da região é do tipo Aw, tropical semiúmido, segundo a classificação de Köppen. Caracteriza-se por apresentar duas estações bem definidas: estação seca, de abril a outubro e estação chuvosa, de novembro a março (Maitelli, 2005MAITELLI, G. T. Interações Atmosfera-Superfície. In: MORENO, G.; HIGA, T. C. S. (orgs.). Geografia de Mato Grosso: território, sociedade, ambiente. Cuiabá: Entrelinhas, 2005. p. 238-249.). A temperatura média anual é de 26ºC, com temperaturas mínimas próximas a 15ºC e máximas superiores a 32ºC. A umidade relativa do ar varia muito, com média anual em torno de 74% (Brasil, 2007BRASIL. Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Cemitérios como fonte potencial de contaminação das águas subterrâneas. Região de Cuiabá e Várzea Grande (MT). Relatório final. Brasília, 2007. 118 p. ).

A vegetação da área de estudo é classificada como Savana Arborizada com floresta de galeria, conforme o projeto RadamBrasil (Brasil, 1982BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto RADAMBRASIL. Levantamentos de recursos naturais. Folha SD 21 Cuiabá. Rio de Janeiro, 1982. v. 26.). Segundo a SEPLAN-MT (Mato Grosso, 2007MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral - SEPLAN-MT. Solos e paisagens. Cuiabá, 2007.), o solo predominante da região é do tipo Concrecionário Câmbico Álico - SCCa. Destaca-se que a área de estudo faz divisa a sudeste com o Rio Pari e apresenta em seu interior dois córregos, sendo o principal deles o córrego Parizinho.

Do ponto de vista geomorfológico, a região possui topografia rebaixada, com altitude variando de 150 a 200 m, desenvolvido sobre rochas pré-cambrianas pertencentes ao Grupo Cuiabá (Brasil, 2007BRASIL. Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Cemitérios como fonte potencial de contaminação das águas subterrâneas. Região de Cuiabá e Várzea Grande (MT). Relatório final. Brasília, 2007. 118 p. ).

Figura 1.
Mapa de localização da área de estudo.

2. Material e Métodos

As atividades foram organizadas por etapas de trabalho, cujos métodos e procedimentos são descritos a seguir.

2.1. Primeira etapa: Revisão bibliográfica, delimitação da área e elaboração do mapa base

Inicialmente, por meio de revisão bibliográfica foram compilados dados secundários relativos às características de relevo, solo e substrato geológico da região que compreende a área de estudo, com o objetivo de subsidiar a compartimentação morfopedológica e interpretar a suscetibilidade à erosão laminar e linear, estas identificadas como o principal problema ambiental da área de estudo.

Para a delimitação da microbacia do córrego Parizinho foram analisadas imagens do software Google Earth, cartas cartográficas da região e imagens de satélite, sensor TM (Thematic Mapper) do Landsat 8, cedidas pelo INPE, permitindo, por esses meios, o reconhecimento da região.

A partir das informações preliminares foi efetuado um reconhecimento e levantamento de campo auxiliado por GPS - Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global), via caminhamento na área, contornando os limites topográficos da microbacia, sendo que após esse procedimento as imagens de satélite foram reinterpretadas, permitindo sua delimitação georreferenciada e a elaboração do mapa base.

O mapa base foi elaborado em escala de detalhe de 1:5.000 com representação da rede de drenagem, curvas de nível e demais referências cartográficas para o auxílio nos trabalhos em campo, utilizando a interpretação de imagens do Google Earth e confeccionado no SIG ArcGis.

2.2. Segunda etapa: Levantamento em campo para identificação das litologias, caraterísticas topográficas e cobertura pedológica

A segunda etapa, envolvendo levantamento em campo, permitiu a identificação das litologias presentes na área, as formas de relevo das respectivas declividades e os tipos de solo dispostos ao longo das vertentes.

As litologias foram descritas em afloramentos rochosos, existentes em encosta de colinas, por meio da caracterização táctil visual de amostras, conforme procedimento proposto por Serra Júnior e Ojima (1998SERRA JUNIOR, E.; OJIMA, L. M. Caracterização e classificação de maciços rochosos. In: OLIVEIRA, A. M.; BRITO, S. N. A. Geologia de Engenharia. São Paulo: ABGE, 1998. p. 211-226.). As formas de relevo foram descritas com base nas características morfométricas das vertentes, em conformidade com Moreira e Pires Neto (1998MOREIRA, C. V. R.; PIRES NETO, A. G. Clima e relevo. In: OLIVEIRA, A. M.; BRITO, S. N. A. Geologia de engenharia. São Paulo: ABGE, 1998. p. 89-99. ). Com a utilização de altímetro de precisão, foi determinada a declividade das vertentes.

O caminhamento em campo priorizou os fundos de vale, as áreas de encostas e topos de colina. Para cada uma dessas porções do terreno foram identificadas as litologias existentes e respectivas relações com a declividade e forma de vertentes, tipos de solo, ocorrências erosivas, tipo de vegetação predominante, quando existente, e forma de uso do solo.

Com o auxílio do trado, GPS, altímetro, máquina fotográfica e Tabela de Munsell, fez-se a investigação do solo por meio de tradagens ao longo das vertentes. Os solos foram classificados de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos (EMBRAPA, 1999EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema brasileiro de classificação de solo. Rio de Janeiro: Embrapa solos, 1999. 412 p.), e a descrição dos horizontes pedológicos realizados conforme as normas do Manual de descrição e coleta de solo no campo (Lemos e Santos, 2002LEMOS, R. C.; SANTOS, R. D. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 4. ed. Viçosa: SBCS, 2002. 83p.).

Características morfológicas dos horizontes pedológicos, envolvendo a textura, cor e feições pedológicas associadas ao comportamento hídrico (gleização, plintitas, concreções) foram descritas e caracterizadas, permitindo a identificação da classe de solo e interpretação do comportamento das águas, tanto infiltradas como escoadas.

Foram também registradas as diferentes formas de ação antrópica que vêm provocando processo de degradação ambiental no curso d'água do Córrego Parizinho.

2.3. Terceira etapa: Elaboração da Carta Morfopedológica

As características da área foram analisadas de forma conjunta, relacionando a cobertura pedológica, formas e feições do relevo, funcionamento hídrico e processos erosivos. A metodologia adotada para a compartimentação morfopedológica baseou-se nos conceitos e roteiros simplificado proposto por Castro e Salomão (2000CASTRO, S. S.; SALOMÃO, F. X.T. Compartimentação morfopedológica e sua aplicação: considerações metodológicas. Revista GEOUSP, São Paulo, n. 7, p. 27-37, 2000.).

Com as investigações em campo, foi possível identificar os diferentes tipos de solos existentes na área de estudo, e elaborar o mapa de solo. Esse mapa foi sobreposto às informações de declividade do terreno e substrato rochoso, o que permitiu estabelecer critérios para distinguir e delimitar cartograficamente os compartimentos morfopedológicos, que compreendem áreas relativamente homogêneas em relação às formas de relevo, substrato geológico e tipos pedológicos.

Os tipos de solo e declividade da vertente foram, para cada compartimento morfopedológico, analisados de forma integrada, procurando interpretar o funcionamento hídrico ao longo da vertente, envolvendo a infiltração e o escoamento das águas pluviais, assim como a presença e o posicionamento do lençol freático. Essa análise integrada e a interpretação do funcionamento hídrico constituíram a chave para a compreensão do comportamento dos terrenos em relação ao desenvolvimento dos processos erosivos. A elaboração final do mapa morfopedológico foi auxiliado pela aplicação do SIG ArcGis, que possibilitou delimitação cartográfica dos compartimentos morfopedológicos. O mapa final contém legenda e quadro explicativo de cada compartimento morfopedológico.

2.4. Quarta etapa: Interpretação da suscetibilidade à erosão dos compartimentos morfopedológicos

Após a confecção do mapa morfopedológico, cada compartimento foi analisado em seu funcionamento hídrico, suas tendências de escoamento, de infiltração das precipitações e posição do lençol freático, conforme metodologia proposta por Salomão (2010SALOMÃO, F. X. T. Controle e prevenção dos processos erosivos. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M. (Orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 229-265.) que valoriza as características morfológicas dos diferentes horizontes que compõem o perfil do solo, em que se destacam a textura, estrutura, porosidade e feições pedológicas ligadas ao comportamento da água no solo, tais como presença de gleização, plintitas e concreções ferruginosas.

A suscetibilidade à erosão laminar foi interpretada com base na metodologia proposta por Salomão (2010SALOMÃO, F. X. T. Controle e prevenção dos processos erosivos. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M. (Orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 229-265.) que apresenta critérios para a definição das classes de suscetibilidade com base no cruzamento entre a erodibilidade dos solos e a declividade da vertente. O Quadro 1 apresenta as classes de erodibilidade dos principais solos no Brasil, sendo que o Quadro 2, por sua vez, mostra o critério adotado para a determinação das classes de suscetibilidade à erosão laminar que foram compatibilizadas com as potencialidades e limitações ao uso do solo.

Quadro 1.
Classes de Erodibilidade

Quadro 2.
Critério adotado na determinação das classes de suscetibilidade à erosão laminar

O Quadro 3 apresenta as classes de suscetibilidade à erosão laminar em relação às suas potencialidades e limitações ao uso do solo.

Quadro 3.
Classes suscetibilidade à erosão laminar

A suscetibilidade à erosão linear dos terrenos que compõem os compartimentos morfopedológicos foi interpretada conforme Salomão (2010SALOMÃO, F. X. T. Controle e prevenção dos processos erosivos. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M. (Orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 229-265.), com base nas características hidráulicas dos materiais da zona de percolação das águas superficiais e subsuperficiais e nas características do gradiente hidráulico, ou seja, do comportamento piezométrico do aquífero freático (Quadro 4). Essas características podem ser interpretadas com base no conhecimento da cobertura pedológica e substrato rochoso, desde que a abordagem contemple a vertente, considerando perfil topo/vertente/fundo de vale e conhecendo-se os diferentes materiais que a constituem, assim como suas características direta e indiretamente relacionadas com a circulação da água. Esse conhecimento pode ser adquirido com apoio da compartimentação morfopedológica, ponderando-se o comportamento das águas no terreno em relação às características físico-hídricas dos horizontes pedológicos, declividades da vertente, propriedades hidráulicas do substrato rochoso e as formas de uso e manejo do solo. Obtém-se, assim, um conhecimento adequado que permite a configuração do funcionamento hídrico das vertentes e determinação de diferentes classes de suscetibilidade ao desenvolvimento de erosões lineares na forma de sulcos, ravinas e voçorocas.

Quadro 4.
Classes de suscetibilidade à erosão linear

2.5. Quinta etapa: Análise do projeto de ocupação da área em relação aos compartimentos morfopedológicos

A ocupação antrópica inadequada gera uma cadeia de impactos ambientais negativos, decorrentes de processos derivados da impermeabilização do solo, das alterações na topografia, da erosão das margens e assoreamento dos cursos d'água, da perda das matas ciliares, da diminuição da biodiversidade e do aumento do escoamento superficial. Estas alterações modificam o ambiente natural influenciando na qualidade e quantidade dos recursos hídricos e na degradação da qualidade de vida da população.

O planejamento do uso do solo é um importante instrumento para o desenvolvimento, bem como para a ocupação do meio físico por meio da expansão urbana, minimizando os impactos que poderão ocorrer. Em vista disso, realizou-se o cruzamento de dados do projeto da construção do Campus UFMT, Várzea Grande-MT, com o mapa morfopedológico, a fim de avaliar possíveis interferências ao ambiente natural e apresentar sugestões que possam colaborar para uma melhor ocupação da região.

3. Resultados e Discussão

3.1. Compartimentação morfopedológica

A carta morfopedológica do Campus da UFMT no município de Várzea Grande (Figura 2) apresenta os compartimentos morfopedológicos representados pelo símbolo MP seguidos de um número.

Figura 2.
Carta morfopedológica do Campus da UFMT, Várzea Grande, MT.

Os compartimentos morfopedológicos mapeados são descritos valorizando suas características em relação ao funcionamento hídrico, suscetibilidade aos processos erosivos e ao assoreamento e em relação às potencialidades e limitações ao uso do solo, como descrito a seguir.

3.1.1. Compartimento Morfopedológico - MP1: Fundo de Vale e Planície de Inundação

Área localizada ao longo dos cursos d'água, abrangendo um trecho do Rio Pari e parte de dois de seus afluentes. O Rio Pari corresponde a um curso perene, entretanto, seus afluentes são intermitentes, secando no período de estiagem, mas com alguns trechos apresentando surgências de água em função de nascentes provenientes de embaciados. Constitui-se predominantemente de Gleissolo e Neossolo Flúvico que, em geral, se encontram assoreados por sedimentos procedentes da erosão. Esse compartimento apresenta escoamento concentrado das águas pluviais escoadas pelas vertentes e se dirigem ao fundo de vale. São margens sujeitas ao assoreamento que devem ser preservadas com manutenção da vegetação natural.

A baixa declividade (<6%), associada à presença de cobertura vegetal, favorece a infiltração das águas da chuva, reduzindo o desenvolvimento de processos erosivos. No entanto, a retirada da vegetação natural poderá contribuir para a ocorrência de processos erosivos uma vez que são áreas muito sensíveis ao escoamento concentrado das águas de chuva.

Parte desse compartimento morfopedológico, que está fora da área de estudo, se encontra assoreado em consequência de ações antrópicas ocorridas a montante do córrego Parizinho. É composto por sedimentos fluviais que contém rejeitos de mineração de ouro em veios de quartzo, ocorrida no passado. Esse processo de assoreamento promoveu a mudança do curso natural do córrego.

As águas de chuvas provenientes do escoamento das vertentes acumulam-se nessa área, provocando o transbordamento do curso d'água e formação de alagados.

3.1.2. Compartimento Morfopedológico - MP2: Embaciados

Compartimento caracterizado por planície de inundação, ligeiramente deprimida, com acúmulo de sedimentos transportados das partes mais elevadas e depositados durante a inundação dos cursos d'água. Apresenta áreas com ocorrência de Plintossolo Pétrico e Neossolo Quartzarênico, não muito profundos, cerca de 60 cm, que acumulam água, possibilitando a formação de um lençol suspenso.

As áreas com Plintossolo Pétrico em sua parte superior, aproximadamente 20 cm, possuem material muito argiloso, provavelmente derivado dos sedimentos de filitos oriundos das encostas. A cerca de 25 cm de profundidade esse solo apresenta um horizonte plíntico, atingindo a couraça ferruginosa por volta de 30 cm.

As áreas com Neossolo Quartzarênico integram ecossistemas de campo úmido com murundus que se encontram assoreadas por sedimentos arenosos com aproximadamente 5 cm de espessura, soterrando o horizonte A preservado e abaixo deste encontra-se o horizonte C, ambos arenosos.

As águas de chuva se infiltram apenas na cobertura superficial arenosa dos solos e se acumulam em subsuperfície ao atingir a camada de couraça ferruginosa formando alagados. As áreas de Plintossolo Petrico alagam-se com maior facilidade em relação às áreas de Neossolo Quartzarênico. O alagamento em condições naturais desse compartimento morfopedológico favorece o abastecimento da água para o curso tornando-o de importância capital para a manutenção do Córrego Parizinho, sendo fundamental a preservação dessas áreas com sua vegetação natural.

3.1.3. Compartimento Morfopedológico - MP3: Terraço

Caracteriza-se pelo acúmulo de sedimentos de transbordamento observado em épocas passadas quando o nível de base do curso d'água encontrava-se em posição superior ao atual. Constitui-se predominantemente de Neossolo Flúvico de textura areno-argilosa.

As águas de chuvas infiltram-se com facilidade nas porções superiores e aplainadas do terreno, mas escoam de maneira concentrada a jusante da ruptura nas bordas do terraço, contribuindo para o desenvolvimento do processo erosivo por erosão laminar em sua porção superior, bem como erosão linear, a partir de suas bordas. Desta forma, sugere-se que a área seja preservada com manutenção da cobertura vegetal, a fim de evitar processos erosivos e impossibilitar a degradação das nascentes existentes ao longo do curso d'água.

3.1.4. Compartimento Morfopedológico - MP4: Terço Médio e Inferior de Vertente de Colina

Caracteriza-se por apresentar vertentes de colinas constituídas predominantemente por Plintossolo Pétrico no terço médio e Neossolo Litólico no terço inferior, estabelecidos sobre metarenitos alterados e filitos do Grupo Cuiabá. Esses solos apresentam-se rasos, no máximo com 50 cm de espessura.

Em função dessas características, a água da chuva não infiltra efetivamente no solo, fazendo com que o escoamento se concentre no fundo de vale.

Em algumas áreas desse compartimento verifica-se a presença de pequenas elevações originadas pela concentração na rocha de veios de quartzo, que são extremamente sensíveis à erosão laminar e linear por ravinas, tendo em vista a baixa infiltração das águas de chuva e o intenso escoamento superficial. Podem ser destinadas à ocupação, com algumas restrições, pois exigem controle de processos erosivos que podem ser feitos, dentre outras medidas, com obras de drenagem.

3.1.5. Compartimento Morfopedológico - MP5: Topo de Colina

Corresponde a uma superfície aplainada, constituído predominantemente por Plintossolo Pétrico com camada superficial cascalhenta. Tendo em vista a declividade muito baixa (inferior a 6%), a velocidade do escoamento das águas de chuva é reduzida, o que torna esse compartimento morfopedológico pouco suscetível a processos erosivos. Neste caso ocorre uma pequena infiltração das águas de chuva, tendendo à acumulação superficial e escoamento proporcionando uma alta taxa de escoamento superficial ao longo da vertente.

Esse compartimento apresenta características favoráveis à ocupação e urbanização, com o devido planejamento, de maneira a evitar a instalação de processos erosivos.

O Quadro 5 sintetiza os resultados da caracterização morfopedológica, ressaltando as características de substrato litológico, forma e feição de relevo, solo, funcionamento hídrico, suscetibilidade à erosão, potencialidades e limitação ao uso, além da área e percentual referente à área total de cada compartimento.

Quadro 5.
Síntese da compartimentação morfopedológica do campus UFMT, Várzea Grande-MT

3.2. Minimização dos impactos ambientais

A Figura 3 apresenta o cruzamento de dados do projeto da construção do Campus UFMT, Várzea Grande-MT, com o mapa morfopedológico. Nota-se que a área é cortada por um curso d'água e em suas margens pela Planície de Inundação, sendo esta um local de captação natural do deflúvio superficial que escoa de maneira concentrada das áreas de maior declividade, vindo a se acumular nas regiões de menor altitude, formando alagados e favorecendo o surgimento de nascentes intermitentes. Representada pelo compartimento morfopedológico MP1, constituída de solos hidromórficos, a superfície do entorno do fundo de vale, mesmo apresentando características de degradação, constitui importante área de recarga de aquíferos, colaborando significativamente para manutenção e preservação do fluxo de córrego. Dessa forma, para preservação da quantidade e qualidade da água e manutenção do ambiente natural, é aconselhável que a área do compartimento MP1 não sofra intervenções humanas, sendo necessário que se mantenha preservada a vegetação nativa, inclusive onde ultrapassa a Área de Preservação Permanente (APP) traçada pelo projeto em conformidade com a Lei n. 10.651/12, dado que a referida legislação desconsidera as características naturais topográficas, pedológicas, hidrológicas e hidrogeomorfológicas das faixas marginais ao estabelecer as APPs a partir de distância do canal, não assegurando a completa funcionalidade do ambiente (Brasil, 2012BRASIL. Código Florestal. Disposições contidas na Lei nº 12.651, de 2012 com alterações promovidas pela MP nº 571, de 2012. Brasília, DF: Senado Federal, 2012. ; Siefert e Santos, 2012SIEFERT, C. A. C.; SANTOS, I. Mecanismos de geração de escoamento e áreas hidrologicamente sensíveis: uma abordagem hidrogeomorfológica para delimitação de áreas de preservação permanente. RA´E GA, v. 24, p. 227-257, 2012.).

O compartimento de terraço (MP3) é uma superfície com moderada vulnerabilidade à erosão e devem ser preservados com manutenção da cobertura vegetal.

No sistema viário do projeto localiza-se um traçado principal que segue uma linha de transmissão de energia, permeando em linha reta todos os compartimentos, tornando-se necessária a intervenção com técnicas de drenagem ao longo desse traçado, a interceptação ao longo do traçado por meio de obras, tais como praças e contornos associados à cobertura vegetal no Topo de Colina (MP5) e Vertente (MP4), controlando a energia do fluxo hídrico e, assim, prevenindo processos erosivos que eventualmente possam ocorrer. Do mesmo modo, para evitar a degradação das áreas sensíveis (Embaciados e Fundo de Vale), devem ser feitas obras como pontes ou vias elevadas, o que impossibilitará a deposição dos sedimentos carreados nessas áreas.

No compartimento Terço Médio e Inferior da Vertente da Colina (MP04), foram projetadas ruas secundárias de acesso interno às infraestruturas do Campus. Essa área é constituída de solos rasos que tendem a ter maior escoamento hídrico do que infiltração, sendo favorável à ocupação, desde que medidas preventivas de controle de erosão sejam realizadas. Essas ruas secundárias estão seguindo traçados tortuosos, retas curtas e curvas com raios reduzidos, que permitem conter a concentração e a energia do escoamento superficial em seu percurso. No entanto, obras de drenagem e bacias de acumulação de águas pluviais, necessitam ser implantadas para impossibilitar erosão ao longo das vias e porção das vertentes, que podem vir a prejudicar a qualidade e quantidade de água que chega ao fundo de vale.

Com o cruzamento dos dados do projeto do campus com o mapa morfopedológico foi possível identificar que as futuras edificações se localizarão no compartimento MP05, onde as águas de chuva infiltram-se apenas no horizonte superficial do solo. Este compartimento é favorável à ocupação sem restrições, devido ao comportamento do escoamento superficial ser reduzido, apresentar pouca suscetibilidade a processos erosivos e não receber influência de cursos d'água, por estar localizado na parte alta da área.

A área do compartimento MP05, onde serão ocupadas com edificações, constituem porções de terreno mais favorável à ocupação tendo em vista a baixa declividade, entanto, tendo em vista a pequena profundidade do solo e tendências ao escoamento superficial com a instalação de processos erosivos, cuidados com a implantação de obras de drenagem devem ser priorizados.

Figura 3.
Sobreposição cartográfica dos compartimentos morfopedológicos com a planta do Campus da UFMT, Várzea Grande-MT.

4. Conclusão

A metodologia utilizada permitiu identificar, delimitar e interpretar as unidades relativamente homogêneas no que diz respeito à interação entre o substrato geológico, o relevo e ocorrências erosivas, denominadas de compartimentos morfopedológicos correspondendo a cinco compartimentos morfopedológicos (MP).

Os cinco MPs analisados em relação à planta do projeto de obras para a construção do novo Campus da UFMT, mostraram-se úteis para um diagnóstico de suscetibilidade e riscos à erosão e assoreamento.

Dessa forma, obteve-se um quadro síntese que se tornou base para a compreensão de áreas que podem sofrer ocupação urbana e as que devem ser totalmente preservadas.

Os compartimentos MP4 e MP5 cobrem a maioria da área estudada e apresentam condições favoráveis à ocupação, desde que haja o controle dos processos erosivos por meio de obras de drenagem. Entretanto, os compartimentos MP1, MP2, MP3 contêm porções muito frágeis como nascentes e findos de vale que devem manter sua vegetação natural e o plantio de espécies nativas para recomposição de espaços degradados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2015
  • Aceito
    25 Maio 2015
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