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Gestão do uso de água na bacia do Rio Paraíba, PB, Brasil com base em modelos de outorga e cobrança

Management of water use in the Paraíba River, PB, Brazil basin based on water grants and charge models

Resumos

O avanço nos mecanismos de alocação de água é um dos desafios no gerenciamento dos recursos hídricos para que se possam compatibilizar as disponibilidades hídricas de uma bacia aos usos da água em seus diversos setores econômicos. A presente pesquisa visa avaliar o uso conjunto de um modelo de otimização de outorga com outro proposto para a cobrança, para auxiliar os tomadores de decisão na alocação de água do reservatório Acauã, localizado na bacia hidrográfica do Rio Paraíba, PB, Brasil. O modelo de outorga permitiu otimizar a garantia do atendimento às demandas adequando-as às disponibilidades da água, segundo prioridades de seu uso definidas em quatro cenários. Ficou demonstrado que esse modelo pode ser utilizado nos processos decisórios de inserção e avaliação de novos pedidos de outorga para bacias controladas por reservatórios. O modelo de cobrança proposto incorporou diversos perfis de usuários de água, por meio de vários coeficientes que possibilitaram definir o valor cobrado, de forma que o modelo possa incentivar o uso racional da água, e não tenha apenas uma finalidade arrecadatória.

Palavras-chave:
gerenciamento; recursos hídricos.


One of the challenges in the management of water resources is to advance water distribution mechanisms to allow them to balance the basin's available water with the demands of its various economic sectors. This research evaluated the combined use of a model of grant optimization with a proposed model of charging for the use of raw water in order to assist decision makers in the distribution of water of the Acauã Reservoir, located in the basin of the Paraiba River in the State of Paraiba, Brazil. The grant model allowed optimizing the achievement of the demand requests according to water use priorities defined in four scenarios, balancing demand and availability. It was shown that it can be used in decision-making processes in the evaluation of new grant requests in basins controlled by reservoirs. The proposed charging model incorporated various profiles of water users using various coefficients which enabled the definition of the amount to be charged to encourage the rational use of water, not just a tax collection mechanism.

Keywords:
management; water resources.


1. INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97 (Brasil, 1997BRASIL. Casa Civil. Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 09 jan. 1997.), por meio de seus instrumentos, quando efetivamente implementados, assegura a gestão integrada dos aspectos quantitativos e qualitativos da água, de forma a garantir o atendimento às demandas com a preservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento socioeconômico de uma região.

Dentre os instrumentos de gestão, objetos de pesquisa deste trabalho, estão a outorga de direito de uso da água e a cobrança pelo uso da água bruta, os quais, segundo Rodrigues e Aquino (2013RODRIGUES, M. V. S.; AQUINO, M. D. de. Estrutura legal da gestão das águas no Estado do Rio Grande Norte. Revista de Gestão de Águas da América Latina, v. 10, n. 1, p. 17-28, 2013.) devem ser tratados em conjunto já que a outorga sempre precede a cobrança.

A outorga pode ser considerada como essencial para evitar conflitos entre os usos atuais e futuros da água, realizando um controle quantitativo e qualitativo (Ribeiro et al., 2014RIBEIRO, M. A. de F. M.; BARBOSA, D. L.; BATISTA, M. L. de C.; ALBUQUERQUE, J. do P. T.; ALMEIDA, M. A. de; RIBEIRO, M. M. R. Simulação da prioridade de uso das águas superficiais como um critério para o instrumento da outorga. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 19, n. 2, p. 135-145, abr./jun. 2014. ).

Porto e Porto (2008PORTO, M. F. A.; PORTO, R. L. L. Gestão de Bacias Hidrográficas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, p. 43-60, 2008.) destacam o poder disciplinador que a outorga representa para o poder público garantir a equidade entre os usuários de água. Os autores ainda afirmam: "[...] a outorga pode ser também utilizada como um instrumento de implantação de sistemas de gestão de demanda e uso racional da água, além de permitir que se faça o disciplinamento do tipo de atividade a ser implantada na bacia e, portanto, também auxiliar na gestão territorial".

Já a cobrança pelo uso da água soma como um valioso instrumento de gestão por incentivar o uso racional da água e arrecadar recursos para dar suporte financeiro ao sistema de gerenciamento (Magalhães Filho et al., 2015MAGALHÃES FILHO, L. N. L.; VERGARA, F. E.; RODRIGUES, W. Cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio Formoso - TO: Estudo de Viabilidade Financeira. Revista de Gestão de Águas da América Latina, v. 12, n. 1, p. 53-61, jan./jun. 2015.).

Apesar dos avanços, existe uma necessidade de se aprofundar no desenvolvimento de metodologias que auxiliem na integração dos dois instrumentos para a gestão quali-quantitativa dos recursos hídricos da bacia.

Dentro deste contexto, a presente pesquisa visa avaliar o uso conjunto de um modelo de otimização para outorga, que considera a ordem de prioridade de atendimento aos usos da água, em conjunto com um modelo de cobrança pelo uso da água bruta, que além de levar em consideração os volumes outorgados, permite aumentar a diferenciação dos perfis de usuários, objetivando não só otimizar a alocação de água do reservatório Acauã, situado na bacia hidrográfica do Rio Paraíba (PB), mas também prover instrumentos de incentivo ao seu uso racional.

1.1. Critérios de outorga pelo uso da água

As formas de se alocar quantitativamente a água entre os usuários podem ser separadas em pelo menos dois grupos: vazão referencial e quantidade de falhas pré-determinadas. O critério de falhas pré-determinadas evita grandes restrições ao usuário, fixando a quantidade de falhas de atendimento para cada nível de prioridade. No critério da vazão referencial são estabelecidos percentuais de uma vazão pré-fixada, obtida através de séries históricas, que são disponibilizados para outorga. Desta forma, a vazão de referência é considerada a vazão máxima outorgável sazonalmente.

A vantagem de se usar o critério da vazão referencial é que se obtêm maiores garantias de que não ocorrerão falhas, pois a vazão de referência mais utilizada é uma vazão mínima que caracteriza uma condição de escassez hídrica no manancial.

Por outro lado, uma desvantagem do critério da vazão referencial é que este tende a limitar o crescimento dos sistemas de uso da água pois, em grande parte do tempo, as vazões ocorridas superam a vazão de referência. Outra desvantagem é a consideração de vazões referenciais como vazões mínimas constantes mensais, como normalmente ocorre no caso de vazões regularizadas por açudes; no entanto, as demandas variam mensalmente. Esta situação agrava-se ainda mais quando há outros açudes a montante, ou seja, sua regularização depende da operação de outros açudes.

Os conflitos pelo uso da água entre usuários geralmente se agravam à medida que o estoque disponível de água se aproxima do limite outorgável, o qual geralmente é estabelecido de forma impositiva pela legislação, que se baseia em vazões de referência bastante reduzidas (Santos, 2010SANTOS, A. A. M. Alocação territorial de longo prazo de vazões outorgáveis com diferentes garantias. 2010. 202f. Doutorado (Tese em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos) - Universidade de Brasília, Brasília - DF, 2010.). Neste sentido, em parte do período definido para a alocação da água existe um excedente de disponibilidade que pode ser outorgado para diversas necessidades humanas, mesmo que associado a um risco de falhas de atendimento (Curi et al., 2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.; Ribeiro e Lanna, 2001RIBEIRO, M. M. R.; LANNA, A. E. L. Instrumentos regulatórios e econômicos - aplicabilidade à gestão de águas e à bacia do Rio Pirapama, PE. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 6, n. 4, p. 41-70, 2001.).

Santos (2010SANTOS, A. A. M. Alocação territorial de longo prazo de vazões outorgáveis com diferentes garantias. 2010. 202f. Doutorado (Tese em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos) - Universidade de Brasília, Brasília - DF, 2010.) afirma: "o modelo de alocação de água amplamente adotado no Brasil tem, como padrão, a manutenção de uma vazão mínima no corpo hídrico, sem preocupação quanto aos prejuízos de montante ou quanto à possibilidade de uso de parte da água excedente".

Estudos de Silveira et al. (1998SILVEIRA, G. L.; ROBAINA, A. D.; GIOTTO, E.; DEWES, R. Outorga para uso dos recursos Hídricos: aspectos práticos e conceituais para o estabelecimento de um sistema informatizado. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 3, n. 3, p. 5-16, jul./set. 1998.) e Ribeiro e Lanna (2001RIBEIRO, M. M. R.; LANNA, A. E. L. Instrumentos regulatórios e econômicos - aplicabilidade à gestão de águas e à bacia do Rio Pirapama, PE. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 6, n. 4, p. 41-70, 2001.), referentes a critérios de outorga, defendem que a estratégia da sazonalidade resulta em melhores alocações, quando comparada à utilização de um único valor de referência anual. A vantagem dessa metodologia está na possibilidade de outorgar maiores valores em épocas mais úmidas.

Conforme Santos e Cunha (2013SANTOS, P. V. C. J.; CUNHA, A. C. Outorga de recursos hídricos e vazão ambiental no Brasil: perspectivas metodológicas frente ao desenvolvimento do setor hidrelétrico na Amazônia. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 18, n. 3, p. 81‐95, 2013.), cada estado regulamenta a outorga individualmente, utilizando sempre os mesmos critérios hidrológico-estatísticos, desprezando variáveis referentes às características sociais, econômicas e ecossistêmicas da utilização da água.

As outorgas em bacias de domínio da União, conforme o artigo 13 da Lei n. 9433/97, está condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deve respeitar a classe em que o corpo de água está enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando necessário. Exemplos de vazão de referência são: a Q7,10, vazão mínima de 7 dias de duração com dez anos de recorrência; Q90 e Q95, vazões cujas probabilidades de superação são respectivamente de 90% e 95%, definidas através da estimativa da curva de permanência das vazões naturais; e para bacias controladas por reservatórios, a QR90, vazão regularizada com 90% de garantia.

Em relação ao Estado da Paraíba, o Decreto nº. 19.260/97 estabelece os seguintes condicionantes para a outorga: disponibilidade hídrica; prioridades de uso para abastecimento humano e animal; comprovação de que o uso da água não causa poluição ou desperdício dos recursos hídricos; volume máximo outorgável não superior a 9/10 da vazão regularizada anual com 90% de garantia, em bacias controladas por reservatório.

Curi et al. (2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.), desenvolveram um modelo de otimização que permite a inclusão de demandas de água variáveis no tempo, adequando a disponibilidade local de acordo com sua dinâmica temporal, possibilitando ainda a análise de pedidos de outorga com base em prioridades para concessão e na forma incremental, sem comprometer as outorgas já concedidas.

O modelo já foi empregado em estudo desenvolvido por Rodrigues et al. (2011RODRIGUES, A. C. L.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, R. L.; CURI, W. F. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: 2 - aplicação do modelo na bacia hidrográfica do Rio Piancó-PB. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, n. 4, p. 83-94, 2011.) na bacia hidrográfica do rio Piancó e foi aplicado neste estudo para analisar a garantia de atendimento às outorgas na área definida, localizada no Rio Paraíba.

1.2. Critérios de cobrança pelo uso da água bruta

As experiências internacionais e as propostas brasileiras para a cobrança pelo uso da água seguem o critério do usuário-pagador ou do poluidor-pagador, pelo qual o usuário é compelido a internalizar os custos que impõe a terceiros ao usar o recurso natural (Ribeiro e Lanna, 2001RIBEIRO, M. M. R.; LANNA, A. E. L. Instrumentos regulatórios e econômicos - aplicabilidade à gestão de águas e à bacia do Rio Pirapama, PE. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 6, n. 4, p. 41-70, 2001.). Quanto à formação do preço básico, duas óticas podem ser adotadas: a arrecadatória e a econômica. A primeira busca apenas a recuperação dos custos associados à gestão dos recursos hídricos (Modelos Ad Hoc) e a segunda, a eficiência econômica no uso da água (Modelos de Otimização), conforme argumentação teórica apresentada por Carrera-Fernandez e Garrido (2002CARRERA-FERNANDEZ, J.; GARRIDO, J. R. Economia dos recursos hídricos. Salvador: Edufba, 2002. 120 p.).

No Brasil, a cobrança pelo uso da água bruta, em conformidade com a Lei 9.433/97 (Brasil, 1997BRASIL. Casa Civil. Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 09 jan. 1997.), objetiva: (i) reconhecer a água como bem econômico; (ii) dar a ela o seu real valor; (iii) incentivar a racionalização do seu uso; e (iv) obter recursos para o financiamento dos programas e intervenções previstos nos planos de recursos hídricos (Art. 19).

O valor da cobrança pelo uso da água bruta, com base nas diversas formulações empregadas em bacias hidrográficas federais e estaduais, é determinado a partir de uma base de cálculo estabelecida pelas quantidades de água captada, consumida e lançada nos corpos hídricos multiplicados pelo preço unitário (PU), cujo valor monetário assume diferentes grandezas correspondentes ao tipo de uso da água. Esses valores podem ser alterados por coeficientes multiplicadores (K's), que assumem diferentes valores dependendo do tipo de uso (captação, consumo ou lançamento) e de outros elementos incorporados ao modelo e que afetam os preços ou as quantidades iniciais.

Os comitês de bacias hidrográficas, órgãos colegiados da gestão de recursos hídricos, com atribuições de caráter normativo, consultivo e deliberativo, definem o preço unitário do metro cúbico da água com a finalidade de incentivar o uso racional e obter recursos financeiros para financiar as ações de recuperação das bacias. Os coeficientes, por sua vez, visam adaptar os mecanismos de cobrança a objetivos específicos definidos pelos comitês.

As ações para cobrança pelo uso dos recursos hídricos em rios de domínio da União vêm sendo desenvolvidas sob a coordenação da Agência Nacional de Águas (ANA), desde 2001. A cobrança foi implantada na bacia do Rio Paraíba do Sul, nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, na bacia do rio São Francisco e na bacia do Rio Doce.

Algumas diferenciações entre as metodologias apresentadas são identificadas. Conforme Amorim et al. (2011AMORIM, M. A. M.; CARVALHO, G. B. B.; THOMAS, P. T.; FREITAS, N. N.; ALVES, R. F. A cobrança pelo uso de recursos hídricos na bacia hidrográfica do Rio Doce. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HIDRÍCOS, 19., 2011, Maceió. Anais... Maceió: SBRH, 2011.), os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos para a bacia do rio Doce não consideram a parcela do consumo, como ocorre nas bacias do Rio Paraíba do Sul, dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, e do rio São Francisco, que seria a diferença entre a vazão de água outorgada para captação e a vazão de efluentes lançada no corpo hídrico.

Na esfera estadual, atualmente 26 Estados e o Distrito Federal já aprovaram suas Leis sobre Política e Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Todas as leis já aprovadas incluíram a cobrança pelo uso dos recursos hídricos como instrumento de gestão. Observa-se, então, que são várias as oportunidades para se implantar a cobrança. Porém, persistem questões técnicas e metodológicas, assim como dificuldades de integração com outros instrumentos de gestão. Na Tabela 1, estão apresentadas as bacias hidrográficas federais e estaduais com os instrumentos de outorga e cobrança implementados.

A cobrança pelo uso da água bruta de domínio do Estado da Paraíba está regulamentada por meio do Decreto Nº 33.613, de 14 de Dezembro de 2012. Estarão sujeitas à cobrança, conforme estabelece o Art. 3º do referido decreto, as demandas registradas nas outorgas para os seguintes tipos de uso:

  1. (i) as derivações ou captações de água por concessionária ou outras entidades responsáveis pela prestação de serviço público de abastecimento de água e esgotamento sanitário, cujo somatório das demandas seja igual ou superior a duzentos mil metros cúbicos por ano;

  2. (ii) as derivações ou captações de água por indústria, cujo somatório das demandas seja igual ou superior a duzentos mil metros cúbicos por ano;

  3. (iii) as derivações ou captações de água para uso agropecuário, por empresa ou produtor rural, cujo somatórios dos volumes demandados estão estabelecidos pelos Comitês;

  4. (iv) o lançamento em corpo de água de esgotos e demais efluentes, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

  5. (v) outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.

No Estado da Paraíba, a cobrança pelo uso da água bruta está em fase de implantação, e o seu sistema de gerenciamento deverá estar preparado para enfrentar os desafios nos aspectos técnicos, político e administrativo, mediante a necessidade de interação entre a cobrança pelo uso da água em rios ou reservatórios de domínio estadual e federal, que se fazem presentes em suas bacias.

Tabela 1
Bacias hidrográficas federais e estaduais com cobrança e outorga implementadas.

Outro grande desafio para o estado está em estabelecer metodologias de cobrança e preços com base na teoria econômica, para que a cobrança cumpra totalmente o seu papel de promover o uso racional e sustentável dos recursos hídricos por parte dos usuários, e não apenas sua função financeira.

Atualmente, a cobrança no estado é determinada multiplicando-se o volume outorgado pelo preço unitário definido pelo Comitê de bacia, para cada tipo de uso.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho serão aplicados dois modelos: o Modelo de Outorga (Curi et al., 2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.) para verificar a garantia de atendimento às outorgas da sub bacia estudada segundo uma ordem de prioridades e analisado o comportamento do sistema ao longo do tempo. Em seguida será aplicado um modelo de cobrança proposto neste trabalho pelo uso da água bruta, onde é possível diferenciar os valores a serem cobrados por usuário com base na ponderação de coeficientes. Os dois modelos utilizados são apresentados a seguir.

A área de estudo é a sub bacia que representa a área de drenagem do reservatório Acauã, pertencente a bacia hidrográfica do Rio Paraíba. A bacia hidrográfica do Rio Paraíba está entre as onze bacias hidrográficas que compõem a divisão oficial do Estado da Paraíba, o qual se situa entre as latitudes de 06º00'11,1" e 08º19'54,7" Sul, e as longitudes de 34º45'50,4" e 38º47'58,3" Oeste, conforme mostrado na Figura 1, totalizando uma área de 20.069,82 km2. Entre os principais açudes públicos da bacia, destacam-se: Epitácio Pessoa (Boqueirão); Argemiro de Figueiredo (Acauã); Cordeiro e Camalaú. Foi escolhido para a pesquisa o reservatório de Acauã, localizado no município de Itatuba, com capacidade de armazenamento de 253 milhões de metros cúbicos. Sendo classificado como barragem de grande porte, o reservatório represa as águas do Rio Paraíba em seu curso médio e pereniza o baixo curso do rio. O açude de Acauã é responsável pelo abastecimento urbano de municípios ribeirinhos, entre eles: Itabaiana, Salgado de São Félix, Natuba e Itatuba, além de atender demandas para a irrigação, indústria, piscicultura e diluição de efluentes (AESA, 2006AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA - AESA. PERH-PB: Plano Estadual de Recursos Hídricos. João Pessoa: SECTMA; AESA, 2006.).

Figura 1
Localização do reservatório de Acauã, na bacia hidrográfica do rio Paraíba.

2.1. Modelo de Outorga

O modelo de outorga desenvolvido por Curi et al. (2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.) em ambiente MatLab é um modelo baseado em programação linear a ser aplicado em sub bacias controladas por reservatórios, que utiliza vazões mensais variáveis. Está baseado na aplicação da equação do balanço hídrico através de uma função objetiva sujeita a restrições para diferentes cenários, tendo como resposta a garantia de atendimento às demandas solicitadas. A partir dessa garantia, pode-se analisar a viabilidade de concessão da outorga de água para o usuário. O modelo permite priorizar o atendimento. Logo, uma segunda demanda só é atendida caso exista a garantia de atendimento da demanda anterior. Uma descrição detalhada do modelo está apresentada em Curi et al. (2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.).

Os dados de entrada do modelo são volume do reservatório, evaporação, afluxos e demandas, obtidos a partir de uma planilha em formato XLS (MS Excel). Utilizou-se no modelo séries sintéticas de vazões afluentes ao reservatório Acauã gerados pelo modelo Tank Model (AESA, 2006AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA - AESA. PERH-PB: Plano Estadual de Recursos Hídricos. João Pessoa: SECTMA; AESA, 2006.), e o período de estudo foi de 1935 a 1989 (55 anos). Os valores de evaporação média mensal foram obtidos do posto climatológico de Campina Grande (AESA, 2006AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA - AESA. PERH-PB: Plano Estadual de Recursos Hídricos. João Pessoa: SECTMA; AESA, 2006.). O reservatório Acauã tem, como volumes máximo e mínimo, 253 milhões e 14,5 milhões, respectivamente, e o volume inicial adotado é igual a 50% do volume máximo.

As informações sobre as outorgas foram adquiridas para estudo junto a AESA (2015AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA - AESA. Outorga - Consulta de Usuários. 2015. Disponível em: http://www.aesa.pb.gov.br/consultas/. Acesso em: set. 2015
http://www.aesa.pb.gov.br/consultas/....
) e ANA (2015AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA (Brasil). Outorgas emitidas pela ANA. 2015. Disponível em: http://www2.ana.gov.br/Paginas/institucional/SobreaAna/uorgs/sof/geout.aspx. Acesso em: set. 2015
http://www2.ana.gov.br/Paginas/instituci...
), com detalhes sobre o volume outorgado por usuário, tipo de uso, sistema utilizado, tipo de cultura, área irrigada, entre outros aspectos pertinentes.

2.2. Modelo de Cobrança

São apresentadas, a seguir, as formulações para a modelo de cobrança vigente e o modelo proposto neste estudo.

2.2.1. Modelo de cobrança vigente no Estado da Paraíba Decreto nº 33.613/2012

O valor da cobrança pelo uso da água bruta no Estado da Paraíba é determinado a partir de uma base de cálculo estabelecida pelas quantidades de água captada e lançada nos corpos hídricos multiplicados pelo preço unitário (P), definido pelo Comitê de bacia, que é um valor monetário que assume diferentes grandezas correspondentes ao tipo de uso da água. Esses valores podem ser alterados por um coeficiente multiplicador (K), conforme Equação 1.

em que:

Valores de entrada

K=1 para todos os usos, conforme legislação atual (análises poderiam ser feitas com variações deste K)

Os valores cobrados por metro cúbico da água outorgado anualmente, por tipo de uso, deliberados pelos Comitês das Bacias Hidrográficas do Estado da Paraíba (Deliberação nº 01/2008):

I - para irrigação e outros usos agropecuários:

a) R$ 0,003 por m3 - no primeiro ano;

b) R$ 0,004 por m3- no segundo ano;

c) R$ 0,005 por m3- no terceiro ano;

II - R$ 0,005 por m3- piscicultura intensiva e carcinicultura;

III - R$ 0,012 por m3- abastecimento público;

IV - R$ 0,012 por m3- setor do comércio;

V - R$ 0,012 por m3- lançamento de esgotos e demais efluentes;

VI - R$ 0,015por m3- uso na indústria;

VII - R$ 0,005por m3- agroindústria.

Essa metodologia não leva em consideração as reservas de água, bem como não proporciona diferenciações com o emprego de coeficientes que considere a classe de uso dos corpos hídricos, a disponibilidade hídrica local, a eficiência do uso da água, entre outros aspectos. Observa-se ainda, que não são consideradas as diferenças entre os volumes captados outorgados e medidos. Neste sentido, para inserir estas questões na metodologia da cobrança pelo uso da água bruta no Estado da Paraíba, é proposta a metodologia definida a seguir.

2.2.2. Modelo proposto de cobrança para o Estado da Paraíba

O valor total anual pago pelos diversos usuários é calculado considerando captação e lançamento de efluentes.

O modelo proposto segue a seguinte formulação (Equações 2, 3 e 4):

O primeiro termo (Equação 5) visa desestimular pedidos de outorga muito acima das reais necessidades dos usuários. O segundo termo (Equação 6) visa desestimular o uso de água acima dos volumes outorgados.

em que:

= valor anual de cobrança pela captação de água, em R$ por ano, para o usuário j com tipo de uso i;

valor anual de cobrança pelo lançamento de carga poluente k, em R$ por ano, para o usuário j;

é o volume outorgado no mês t para o j-ézimo usuário para tipo de uso i (m3 mês-1);

é o preço unitário por tipo de uso i cobrado pela captação (R$ m-3);

é a fração máxima do volume de água captado medido em relação ao volume outorgado para o tipo de uso i;

é o volume captado medido ou informado pelo usuário j para tipo de uso i no mês t (m3 mês-1);

é a variável conforme a relação ou seja, conforme percentual da reservação de água via outorga;

para:

quando:

em que:

representa o percentual do volume de efluentes k tratados em relação ao volume total de efluentes produzidos do usuário j, ou a razão entre a vazão efluente tratada e a vazão efluente bruta;

representa a eficiência de redução da carga poluente k (no caso em estudo será a medida em demanda bioquímica de oxigênio - DBO) do efluente tratado pelo usuário j, e

representa a eficiência de redução da carga poluente k (no caso em estudo será a medida em demanda bioquímica de oxigênio - DBO) do efluente tratado pelo usuário j.

Os valores dos coeficientes X1j, X2j, X5j e Y1j, Y2j, Y4j, e K3kj estão definidos na Tabela 2. Valores de X, variando de 1 a 5, são fornecidos para cada usuário j.

Tabela 2
Coeficientes propostos para a metodologia da cobrança.

Na parcela da cobrança pelo lançamento de carga orgânica, seguindo os critérios determinados em outros comitês, a cobrança pelo lançamento, diluição, e assimilação de efluentes utilizará o parâmetro DBO5,20 (quantidade de oxigênio consumido em processos biológicos, medida durante um período de 5 dias a uma temperatura de 20°C). Os coeficientes de ponderação consideram características diversas que permitem a diferenciação dos valores a serem cobrados entre usuários que causem maiores impactos ambientais. A metodologia ainda permite beneficiar o usuário que apresentar redução no valor de Ktratamentkj em relação ao Ktratamentoutkj da outorga anterior solicitada.

Coeficientes de ponderação

Os coeficientes de ponderação tiveram por base os estudos apresentados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tietê Jacaré (CBH-TJ, 2009COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO TIETÊ - JACARÉ - CBH-TJ. Fundamentos para cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia do Tietê - Jacaré. ARARAQUARA, 2009. Disponível em: http://www.sigrh.sp.gov.br/public/uploads/documents/7406/fundamentacao_cobranca_tj.pdf. Acesso em: jan. 2014.
http://www.sigrh.sp.gov.br/public/upload...
) e estudos da Sabesp - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP e São Paulo, 2008COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (SABESP); SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de recursos Hídricos. Processo de cobrança pelo uso de recursos hídricos. Ciclo de Conferências de Gestão Ambiental. São Paulo, 2008. Disponível em: http://www.sabesp.com.br/sabesp /filesmng.nsf/043128E9E6F43F23832575D9005593A7/$File/laura_stella.pdf. Acesso em: dez. 2013.
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), por estes considerarem as parcelas de captação e de lançamento de efluentes na cobrança além dos sugeridos pela autora, relacionados à garantia de atendimento definida pelo modelo de outorga e eficiência do sistema, de forma a considerar características diversas que permitem a diferenciação dos valores a serem cobrados, servindo de mecanismos de incentivo aos usuários para o uso racional da água.

Cenários estudados

O modelo de outorga aqui apresentado tem a finalidade de avaliar a capacidade de atendimento às demandas outorgadas e a novos pedidos de outorga para o reservatório de Acauã, estabelecendo garantias de atendimento dentro de prioridades estabelecidas. Com base nos volumes outorgados e na garantia de atendimento, estimou-se os valores a serem arrecadados com a cobrança pelo uso da água bruta, conforme metodologia e critérios estabelecidos na legislação estadual (Equação 1) e pelo modelo proposto, que visa induzir o usuário a fazer um uso mais racional da água (Equações 3 e 4).

As análises foram realizadas para cenários variados de prioridade de atendimento, denominados de C1, C2, C3 e C4. Nos cenários C1 e C2, as demandas estão agrupadas por tipo de usos, e nos Cenários C3 e C4, as demandas são as outorgas solicitadas por usuários. As prioridades de atendimento estão assim descritas:

C1(agrupadas) -1-abastecimento humano; 2-aquicultura; 3-indústria; 4-irrigação; 5- lançamento de efluentes; 6-novas solicitações para aquicultura; 7-novas solicitações para irrigação;

C2(agrupadas) - 1-abastecimento humano; 2-irrigação; 3-aquicultura; 4-indústria; 5-lançamento de efluentes; 6- novas solicitações para irrigação; 7- novas solicitações para aquicultura;

C3(por usuário) - 1-abastecimento humano; 2-aquicultura; 3-indústria; 4-irrigação; 5-lançamento de efluentes; 6- novas solicitações para aquicultura; 7- novas solicitações para irrigação, e

C4 (por usuário) - 1-abastecimento humano; 2-irrigação; 3-aquicultura; 4-indústria; 5-lançamento de efluentes; 6- novas solicitações para irrigação; 7- novas solicitações para aquicultura.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise do Cenário C1

Neste Cenário, as prioridades de atendimento após o abastecimento humano são, respectivamente, a aquicultura, indústria, irrigação e lançamento de efluentes. Em seguida, priorizaram-se as novas solicitações para a aquicultura e a irrigação. As demandas foram totalizadas por tipo de uso, e a demanda para irrigação é destinada a atender o cultivo de culturas sazonais. Os resultados da simulação estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados das garantias de atendimento as demandas do Cenário C1.

As garantias de atendimento às demandas que ficaram abaixo do mínimo estabelecido pelo Decreto Estadual nº 19.260/97, que regulamenta a outorga no Estado da Paraíba (90% de garantia), foram àquelas encontradas para o lançamento de efluentes, e para as novas solicitações de outorga para a aquicultura e a irrigação, com valores de 49,55%, 31,21% e 15,60%, respectivamente. A demanda já outorgada para irrigação seria atendida com 99,10% de garantia.

Análise do Cenário C2

No cenário C2, a concessão de outorga de uso da água para a irrigação foi priorizada frente aos demais usos do Cenário C1, a exceção da demanda para abastecimento humano. Na Legislação Estadual, o uso para o abastecimento humano e dessedentação animal são prioritários. Contudo, neste estudo a aquicultura refere-se à piscicultura em tanques escavados, sendo uma atividade econômica de uso consuntivo. Os resultados estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Resultados das garantias de atendimento as demandas do Cenário C2.

Diferentemente do cenário C1, o atendimento às outorgas para irrigação ocorreu com 100% de garantia, considerando que neste cenário a prioridade de atendimento para este uso foi a segunda, enquanto que no anterior, foi a quarta. Isso demonstra que na simulação, quando o sistema é condicionado a atender as demandas pelas prioridades, um novo pedido só é atendido após o atendimento às outorgas com maior prioridade ou já outorgadas, que no cenário C1 era a aquicultura. Da mesma forma que no outro cenário, a alocação de água para o lançamento de efluentes encontra-se na posição 5 e apresentou falhas de atendimento, com garantia de 49,55%. As novas solicitações de outorga seriam atendidas com garantias ligeiramente superiores ao do cenário C1, com 47,12% para irrigação e 31,21% para a aquicultura, devido a mudança na ordem de prioridade. Contudo, com valores ainda abaixo do estabelecido pela Legislação Estadual.

Conforme Curi et al. (2011CURI, W. F.; CELESTE, A. B.; CURI, R. C.; BARBOSA, A. C. L. Um modelo de outorga para bacias controladas por reservatórios: Desenvolvimento do modelo que contempla demandas múltiplas e variáveis mensalmente. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 73-82, 2011.), o modelo de otimização de outorga aqui empregado determina a alocação e a garantia de atendimento para toda a série considerada e uma nova demanda só é atendida caso exista a alocação de água para as demandas anteriormente outorgadas. Neste sentido, observamos diferentes garantias de atendimentos para as mesmas demandas da barragem de Acauã, à medida que foi modificada a ordem de prioridades entre os dois cenários.

Para situações de escassez hídrica, a importância de se fazer simulações com base em prioridade de atendimento, a qual poderá ser definida por tomadores de decisão, está em fornecer subsídios aos órgãos gestores quanto à avaliação de cenários de concessão de novas outorgas, associada a uma garantia de atendimento.

Análise do Cenário C3

Para o cenário C3 foi considerada a mesma ordem de prioridade do cenário C1, sendo que as simulações foram realizadas por acréscimo individual de usuários. Com base nos resultados do modelo de outorga, foram feitas as análises da cobrança pelo uso da água, aplicando-se a metodologia estabelecida pela legislação estadual vigente com coeficiente constante K=1(Equação 1), e o modelo proposto pela autora (Equações 3 e 4). As duas metodologias foram descritas em Materiais e Métodos.

Os coeficientes (Tabela 2) utilizados no cálculo da cobrança para este cenário foram:

Kreserv=1,0; X1=1; X2 =1; X3=1,02 (a bacia hidrográfica na qual está inserida a barragem de Acauã possui IAD=1,0, (AESA, 2006AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA - AESA. PERH-PB: Plano Estadual de Recursos Hídricos. João Pessoa: SECTMA; AESA, 2006.));

X4=variável, X5=variável, Y1=1,0; Y2 =1,0, Y3=1,0; Y4=1,0; K2=1,0 e k3 =0,98. As variações dos coeficientes, das perdas e das reservas de água para cada outorga estão indicadas na Tabela 5. Nesta tabela, o número do pedido de outorga representa a sua ordem de prioridade na simulação realizada, que no cenário C3 foi por usuário.

Tabela 5
Resultados das garantias de atendimento as demandas do Cenário C3 e valor da cobrança calculado adotando-se diferentes coeficientes.

Para a análise do cenário C3, cuja simulação foi realizada por usuário, em um total de 50 pedidos de outorga ordenados por tipo de uso conforme definido no cenário C1, optou-se por apresentar os resultados da garantia das outorgas destinadas aos pedidos para o abastecimento humano, lançamento de efluentes e para os irrigantes com o mesmo volume outorgado (Tabela 5). Para a análise da cobrança pelo uso da água a partir dos volumes outorgados e das respectivas garantias de atendimento definidas pelo modelo de outorga, aplicou-se a Equação1, com K=1, e as Equações 3 e 4, variando os coeficientes definidos na Tabela 2 para representar perfis diferentes de usuários de água, obtendo-se os seguintes resultados:

- abastecimento humano: o pedido 1 de outorga não está sujeito a cobrança, pois o volume anual é menor que 200.000 m3ano-1 conforme determina o Decreto nº 33.613/2012; para o pedido 2 foi considerado reserva de água no percentual de 5%, ou seja, o valor medido corresponderia a 0,95 do valor outorgado, e no pedido 3 considerou-se que o sistema destinado ao abastecimento humano apresenta perdas em torno de 10%. Para os pedidos 2 e 3, obteve-se um acréscimo nos valores cobrados em relação ao modelo com K=1 de 5,21% e 9,96%, respectivamente.

- irrigação: pode-se observar que para um mesmo volume outorgado, o usuário poderá pagar valores diferenciados pelo uso da água bruta, tendo em vista: a garantia do seu atendimento (99,67%), observado no pedido 21; as perdas no sistema de irrigação, conforme apresentado nos pedidos 16, 17 e 18; a classe do enquadramento do corpo d'água no local de captação para o pedido 19 e a reserva de água em 5% no pedido 20. O maior acréscimo para o valor cobrado pelo uso da água seria para o usuário outorgado correspondente ao pedido 18 (27,5%), para o qual adotou-se perdas de 25%.

- para o lançamento de efluentes, considerou-se que 100% do efluente é tratado e que a faixa de redução da carga orgânica está entre 0,70 e 0,80%. Pela metodologia, na renovação da outorga, caso haja melhorias na eficiência da redução da DBO, o usuário será cobrado a menos, e em situação contrária pagaria valores maiores, conforme será apresentado no cenário posterior.

Na metodologia vigente no Estado, a variação entre os valores cobrados se dá apenas pelo volume outorgado e pelo valor unitário cobrado por tipo de uso, não havendo diferenciação entre usuários com perfis de uso mais econômico da água ou menos poluidor.

Análise do Cenário C4

Neste cenário, a ordem de prioridade das finalidades das outorgas é a mesma do cenário C2, sendo simulado por usuário. Adotou-se para todos os coeficientes de cobrança para captação o valor 1 (um). Dos coeficientes de cobrança para o lançamento de efluentes, adotou-se K3=1,0, indicando uma melhoria em relação ao cenário anterior no que se refere ao tratamento do efluente a ser diluído, e fez-se outra avaliação considerando uma piora no tratamento, com K3=0,95. Os resultados estão apresentados na Tabela 6.

Em termos de garantia de atendimento das outorgas no cenário C4, da mesma forma que no cenário C2, a alocação de água foi priorizada para o abastecimento humano, seguida da irrigação, e obteve-se garantia de 100% no atendimento para os pedidos de outorga apresentados (Tabela 6). A alocação de água para diluição de efluentes deu-se com garantia de 49,55%.

Em relação à cobrança pelo uso da água bruta calculada sobre os volumes anuais outorgados, observam-se valores iguais a serem cobrados para o abastecimento humano e para a irrigação com a aplicação das duas metodologias (vigente e a proposta). Isso se deu por serem adotados todos os coeficientes iguais a 1 na metodologia proposta, o que indica sua flexibilidade para ser utilizada conforme definições adotadas pelos tomadores de decisão. Isto significa que o modelo de cobrança proposto permite diferenciar os perfis de usuários, ou considerá-los indiferentes entre si ao adotar coeficientes iguais a 1.

Tabela 6
Resultados das garantias de atendimento às demandas do Cenário C4 e valor da cobrança calculado adotando-se diferentes coeficientes.

Em relação à cobrança sobre o volume anual outorgado para a diluição de efluentes no cenário C3, o coeficiente que mede a eficiência na remoção da carga orgânica medida em DBO (k3), foi de 0,98. No cenário C4, realizaram-se duas análises: uma melhoria na eficiência do tratamento, K3=1,0, resultando no usuário de água pagar a menos na renovação da outorga - o correspondente a 1,96% - e no caso inverso, onde o K3=0,95, o usuário pagaria a mais 2,94% em relação ao cenário anterior.

O resultado demonstra o objetivo da metodologia em diferenciar o perfil dos usuários de água e incentivá-los a melhorar a qualidade do efluente a ser diluído para o qual a outorga é solicitada.

4. CONCLUSÃO

O modelo de outorga utilizado no desenvolvimento da pesquisa mostrou-se adequado para a finalidade de se garantir as outorgas concedidas segundo uma ordem de prioridade de atendimento, bem como avaliar a possibilidade de inserir novos pedidos para a sub bacia controlada pelo reservatório em estudo.

O modelo de cobrança proposto, incorporando vários perfis de usuários de água por meio de coeficientes variados, possibilita que a cobrança não tenha apenas uma finalidade arrecadatória, mas que exerça seu papel de incentivo ao uso racional, redução de perdas nos sistemas de abastecimento, melhorias no tratamento de efluentes, e desestimule as reservas de água, pois estas inviabilizam a entrada de novos usuários na bacia.

Os modelos apresentados, apesar de serem propostos e aplicados numa bacia hidrográfica do Estado da Paraíba, podem ser aplicados em outras bacias, inclusive em bacias federais cujas demandas se enquadrem na metodologia apresentada, para auxiliar na otimização de alocação de água.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2015
  • Aceito
    12 Set 2016
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