Acessibilidade / Reportar erro

CLAVIS SINICA: BREVE HISTÓRIA DA LONGA BATALHA PELO SISTEMA DE ESCRITA CHINESA NO OCIDENTE ENTRE OS SÉCULOS XVI E XIX1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (152017/2016-0).

RESUMO

Este artigo tem por objetivo expor uma breve história das ideias na Europa, entre 1550 e 1900, sobre a língua falada e escrita na China. Seguindo o partido teórico do historicismo moderado de Sylvain Auroux (2004), sugerimos como fio condutor os discursos na disputa pela natureza da escrita chinesa: ideográfica ou fonográfica. Recusando-nos a tomar partido de uma ou outra alternativa, mostramos que este debate se desenvolve em torno de questões revisitadas ao longo destes mais de três séculos e que os estudos publicados pelos europeus encontram-se profundamente enraizados em seu contexto cultural, social e ideológico de produção. O status precário da escrita na história das ideias linguísticas se sobressai e aponta para o papel protagonista da escrita chinesa nas concepções de escrita desenvolvidas no ocidente, em particular sobre suas possibilidades representativas. Propomos, por fim, que os debates sobre o tema hoje reproduzem muitas das questões exploradas ao longo desta história, cuja resolução permanece ainda longe de um consenso.

História das Ideias Linguísticas; Chinês; Europa; Escrita

ABSTRACT

This paper aims to present a brief history of ideas in Europe between 1550 and 1900 on the spoken and written languages of China. With the support of Sylvain Auroux moderate historicism (2004), I have chosen as a guideline to focus on the discussions regarding the nature of Chinese writing: ideographic or phonographic. While refusing to take sides, I intend to show that this debate has developed around recurring issues that have been revisited throughout this period of more than three centuries and that the studies published by the Europeans are deeply rooted in their cultural, social and ideological context of production. The precarious status of writing in the history of linguistic ideas is an outstanding evidence that is related to the historical leading role of the written Chinese influencing the development in the West of the concepts pertaining to writing, in particular in its representational possibilities. Finally, I propose that the ongoing debates on the subject still reproduce many of the issues explored throughout this history, the resolution of which is still far from being reached.

History of Linguistics Ideas; Chinese; Europe; Writing

Introdução

A escrita chinesa sempre exerceu um fascínio no ocidente por sua beleza e exotismo. Embora inicialmente pareça ser formado por um conjunto impossivelmente complexo de centenas ou mesmo milhares de pequenos “desenhos” aleatórios, o sistema da escrita chinesa (hànzì 漢字, “caracteres chineses”) é dotado de uma intricada estrutura que organiza espacialmente os componentes gráficos dos sinógrafos. Os caracteres são “construídos” a partir de um repertório limitado da ordem de uma dezena de traços (ponto, traço vertical, traço horizontal, com “gancho” na ponta, etc.), que são combinados em caracteres simples (dútǐzì 独体字, literalmente “caracteres de corpo único”) indecomponíveis (exceto pelos traços que o formam2 2 Isto significa que as partes gráficas (os traços) dos caracteres simples não compõem outros caracteres, apenas unidades gráficas sem importe semântico ou fonético. ), da ordem de algumas centenas. Estes caracteres simples poderão ser usados em pareamentos de dois ou mais para formarem caracteres complexos (hétǐzì 合体字, literalmente “caracteres de corpo juntado”) e podem ter um claro importe icônico, algum tipo de indicação semântica estilizada ou simbólica e/ou uma indicação mais ou menos precisa acerca de sua pronúncia. É sobre a natureza e organização destes componentes gráficos e suas combinações em caracteres simples e complexos que se debruça o debate sobre a escrita chinesa entre sinólogos e curiosos pela China há mais de 500 anos.

O interesse da própria China pela organização de sua escrita remonta pelo menos a seu primeiro dicionário formal, o Ěryǎ 爾雅, datado entre os séculos V e I a.C. (BOTTÉRO, 2011BOTTÉRO, F. Écriture et Linguistique Autochtone en Chine. Mémoire d’Habilitation à diriger des recherches sous la direction d’Alain Peyraube. Paris: EHESS, 2011., p.41; AUROUX, 1995aAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a., p.435). Uma obra ainda mais fundamental foi compilada por volta de 123 d.C. por Xǔ Shèn 許慎 (c. 58 d.C. – c. 147 d.C.), o Shuōwén Jiězì 說文解字 que serviu de modelo para os futuros dicionários da China. O Shuōwén foi a primeira obra a propor uma classificação dos caracteres chineses em seis categorias3 3 As categorias são: 1) 象形 xiàngxín, pictogramas, lit. “aparece na forma”; 2) 指示 zhǐshì, caracteres indicativos, lit. “indicar e mostrar”; 3) 會意 huìyì, caracteres associativos, lit. “juntar o significado”; 4) 形聲 xíngshēng, caracteres formados de um radical e um elemento fonético, lit. “aparência e som”; 5) 轉注 zhuǎnzhù, caracteres derivativos, lit. “mover e concentrar”; e 6) 假借 jiǎjiè, caracteres emprestados, lit. “emprestar e tomar emprestado.” e ordená-los de acordo com seus radicais (bùshǒu 部首, lit. “primeira parte”), uma lista de 540 componentes de caracteres – posteriormente esta lista diminuiu e o padrão atual mais disseminado conta com 214 radicais – cada um com uma alusão semântica. Os trabalhos lexicais tradicionais na China utilizaram os radicais de base semântica como guias classificatórios, exceto naqueles trabalhos com uma preocupação particular sobre os sons da(s) língua(s) chinesa(s).4 4 Para mais detalhes da emergência dos estudos fonológicos na China, veja-se Elman (1982), Lepschy (1994), Auroux (1995), e Wang (2010).

A escrita chinesa não só impressiona no seu aspecto visual, mas também por sua longa história que apresenta uma notável estabilidade diacrônica a partir da dinastia Qín 秦 (221-206 a.C.), quando foi reformada durante o reino do imperador Qín Shǐhuáng 秦始皇. O estilo que foi então padronizado da dinastia Hàn 漢 (206 a.C-220 d.C.), após o fim dos Qín, chamou-se lìshū 隸書, ou “escrita clerical”, e já era empregado nos Qín em certas funções especiais. Desde então os caracteres chineses apresentaram uma variação basicamente caligráfica e mantiveram uma extraordinária constância estrutural. Uma consequência fundamental da reforma dos Qín para os estudos sobre a escrita chinesa está ligada ao “apagamento” da grande inconsistência e falta de regularidade nos usos e desenhos dos caracteres antes de sua reformulação, o que acabou tornando-se uma impressionante barreira que dificulta até hoje o deciframento dos textos pré-Qín.5 5 Para introduções sobre a escrita chinesa, veja-se Wendan (2009), Alleton (2010) ou Barros Barreto (2011).

O presente artigo aborda a longa e complexa história dos pontos de vista do Ocidente6 6 O termo “ocidente” usado no presente artigo não significa qualquer intenção em minimizar ou essencializar as vidas, histórias e culturas de nenhuma das regiões correspondentes às áreas de influência das línguas Indo-Europeias e da cultura chinesa no extremo-oriente. Historicamente há uma forte tendência dos estudiosos na Europa em ver a China como uma entidade monolítica, o mesmo se aplicando à própria Europa e o “mundo ocidental.” Para maiores informações, veja-se Nancy (1997, p.6), Norman (1988, p.16), Zhang (1998), Casacchia (InAUROUX, 1995) e Porter (2001). sobre língua chinesa falada e escrita – especialmente essa última – desde as expedições jesuítas após as últimas décadas do século XVI até o nascer do século XX. Uma das noções mais populares nos trabalhos europeus sobre a língua chinesa durante os séculos XVII e XVIII foi a chamada clavis sinica, a “chave” para uma decifração mais rápida e direta da escrita chinesa. O conhecimento da clavis possibilitaria um aprendizado muito mais rápido dos caracteres chineses e consequentemente de sua língua. Seu princípio estava inicialmente baseado na possibilidade de uma língua universal e do chinês como seu candidato par excellence, seja porque intimamente relacionada como a língua primitiva original – antecedendo à confusão pós-Babel, – seja através do conceito de caractere real, que prescrevia a possibilidade de uma “escrita [que] represente não meras letras, mas também coisas e ideias” (MUNGELLO, 2013MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800. London: Rowman & Littlefield, 2013., p.100).7 7 Todas as citações do presente artigo foram traduzidas pelo autor. Os princípios da clavis sinica e do caractere real foram apoiados por um certo igualitarismo e relativismo característico do Racionalismo europeu que pré-datou o desenvolvimento do eurocentrismo e da superioridade cultural e tecnológica na Europa, mostrando alguma abertura às ideias chinesas, ainda que para servir às motivações europeias (LEE, 1991LEE, T. H. C. China and Europa: images and influences on sixteenth to eighteenth centuries. Hong Kong: The Chinese University Press, 1991., p.49). Gradualmente, ao longo dos séculos XVIII e XIX a ideia da clavis sinica evoluiu de uma chave para o aprendizado rápido da escrita e língua falada chinesas para constituir-se na gramática do chinês – momento em que a escrita progressivamente perde espaço nos estudos “sérios” da sinologia.

Trata-se de um tema muito vasto e complexo, aqui abordado de forma introdutória, direcionado pelo objetivo primário de apresentar uma história dos questionamentos sobre o status da escrita chinesa em relação à sua fala, destacando a recorrência dos padrões argumentativos que, ainda que dentro de um contexto histórico pré-moderno, terão profunda influência sobre a formação do pensamento ocidental sobre a China, sua escrita e fala até os tempos atuais.

Observamos também que o status da escrita dentro dos estudos da linguagem sempre nos pareceu precário. Os estudos ocidentais calcados na visão de origem grega representacionista da linguagem – o signo linguístico significa ideias ou as coisas do mundo8 8 O locus classicus desta visão é a breve passagem 16a3 no tratado Da Interpretatione de Aristóteles. – em geral tomam a escrita como representação visível da fala sonora, uma sub-ferramenta parasiticamente dependente de discurso falado. Esta abordagem convencionou-se chamar aqui da teoria foneticista da escrita ou, de uma maneira mais sucinta, foneticismo. Em linhas bem gerais, a escrita “ideal” propõe-se ser aquela que oferece de maneira mais transparente possível através de seus grafemas a pronúncia que é relevante à fala, esta sim objeto primário de interesse da linguística.9 9 Para maiores detalhes, veja-se Barros Barreto (2011).

Por outro lado, como já observado, a língua falada e escrita da China sempre cativou a imaginação do Ocidente. Uma vez que este sistema de escrita consiste no único atualmente em uso disseminado que parece utilizar caracteres semanticamente informados – e esta é a questão ao redor da qual se digladiam os estudiosos da escrita chinesa, – ele torna-se objeto de especial interesse para a gramatologia ocidental10 10 O termo “gramatologia” tem várias acepções e seu uso por Derrida no texto homônimo de 1967 é particularmente influente. Neste artigo ele está sendo empregado de uma maneira mais geral como “estudo dos sistema de escrita no mundo.” Como nos informa Daniels (1990), foi I. G. Gelb que primeiro usou este termo no seu prestigioso Study of Writing de 1952. e se apresenta como um desafio para a teoria foneticista da escrita. O chinês, portanto, oferece a possibilidade de afigurar-se um “cisne negro”, que poderia, teoricamente, falsificar o partido foneticista da escrita, pelo menos em suas versões mais extremadas, abrindo assim espaço para uma visão semanticista da escrita.

A discussão sobre a representação fonética ou semântica na escrita não está restrita ao chinês. Embora existam outros exemplos de sistemas de escrita que tenham um componente semântico, como as escritas suméria e asteca e sistemas mistos, como as escritas egípcia e maia, o chinês, devido à sua milenar história, oferece um retrato muito mais rico dos contextos históricos de utilização. Adicionalmente, os caracteres chineses (em chinês e em japonês) podem ser observados em uso, aplicando técnicas contemporâneas de análise de escrita e leitura. Finalmente, seu uso para diversas línguas tipologicamente muito diversas, como o próprio japonês e o coreano, torna mais complexa a sua aplicação.

O debate sobre se a escrita chinesa representaria principalmente os sons da(s) língua(s) chinesa(s) ou mais diretamente o seu significado permanece em curso e está longe de atingir um consenso. Esta discussão muitas vezes coloca sinólogos de um lado e linguistas do outro e seus resultados podem ter implicações importantes para a teoria da escrita e até mesmo para a teoria linguística.

O presente artigo toma o partido teórico historicista moderado de Sylvain Auroux (2004)AUROUX, S. La Philosophie du langage. Paris: Ed. Presses Universitaires de France, 2004. e assume como pressuposto que o que se escreveu no Ocidente sobre a China foi motivado por seus contextos ideológicos e histórico-sociais específicos e precisa ser levado em consideração na formação das representações ocidentais sobre a escrita chinesa na Europa e Américas. A alteridade do olho ocidental oferece, por um lado, a oportunidade de se pensar a cultura chinesa do ponto de vista do “estrangeiro” e, por outro, o ensejo de um vislumbre sobre os preconceitos etnocêntricos em suas ambições universalistas. Adicionalmente, com base em Auroux, devemos reconhecer que nossas interpretações atuais sofrem a influência de nossa história e da consolidação de pontos de vistas e teses que se solidificaram na formação de nosso senso-comum.

O aumento radical da importância da China no cenário econômico – mas também político e cultural – mundial tem gerado paralelamente um aumento recente no Ocidente do interesse em discussões teóricas sobre sistema de escrita chinesa.11 11 Veja-se, por exemplo, Alleton (1997, 2008), Mair (2002), Galambos (2006), Bottéro e Djamouri (2006), Wendan (2009) e Branner et al. (2011). Entretanto trata-se de um olhar “menos para o seu desenvolvimento histórico do que uma crítica metadiscursiva de certos conceitos do sistema da escrita chinesa” (LURIE, 2006LURIE, D. Language, writing, and disciplinarity in the Critique of the ‘‘Ideographic Myth’’: Some proleptical remarks. Language & Communication, 26, p.250-268, 2006., p.251). O presente artigo, ao contrário, segue autores como Porter (2001)PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., Lurie (2006)LURIE, D. Language, writing, and disciplinarity in the Critique of the ‘‘Ideographic Myth’’: Some proleptical remarks. Language & Communication, 26, p.250-268, 2006. e Zhiqun (2008)ZHIQUN, C. Ideographic versus Phonetic: A Debate over the Nature of Chinese writing in the 1930s. Chinese Studies Review, n.1, v.3, may. 2008. ao favorecer o ponto de vista histórico. Suas metas principais são: 1) apresentar um breve panorama histórico dos textos no Ocidente sobre a língua falada e escrita chinesa entre os séculos de XVI e XIX; 2) dar evidência da continuidade das perguntas e pressupostos teóricos subjacentes a essa discussão, que se mantém até hoje, embora se configurem em um discurso totalmente diferente e; 3) mostrar a íntima relação entre o momento histórico-cultural na Europa e suas representações sobre a China, em particular as visões sobre a escrita chinesa e seu papel naquela língua.

A escrita chinesa como solução para a escrita ideal

As impressões sobre a China na Europa passaram por constantes e radicais correções de rumo desde que o conhecimento sobre os chineses e seu país se disseminou no continente a partir da expansão marítima comercial europeia no século XVI. A China foi admirada por sua milenar história, escala, enormes realizações culturais e humanas e pela própria extensão de seus domínios. Por outro lado, sua civilização foi também frequentemente vista como aquela associada a um império retrógrado, impermeável às ideias modernas, tomado por uma visão obscurantista de mundo em desarmonia com o iluminismo que tomava conta da Europa. No centro deste debate encontrava-se a absoluta alteridade de seu idioma e escrita.12 12 Desde sua “redescoberta” no século XVI e XVII a escrita chinesa foi muitas vezes chamada de “hieroglífica” devido aos paralelos pictóricos que os estudiosos europeus percebiam em relação à escrita do Egito Antigo. Os dois sistemas de escrita foram portanto frequentemente estudados em conjunto. Para maiores detalhes, veja-se Hudson (1994), Auroux (1995), Lepschy (2014a,b).

Os jesuítas foram os primeiros europeus no século XVI que trouxeram relatos da vida e dos costumes chineses à medida que, motivados por seus anseios proselitistas, tentaram compatibilizar crenças cristãs e confucionistas, procurando assimilar conceitos e valores ocidentais à língua chinesa e cruzar as aparentemente intransponíveis sendas que cortavam a floresta alienígena dos caracteres chineses. Embora estas tentativas, em última instância tivessem encontrado a derrota,

[a] história das primeiras reações ocidentais à escrita chinesa [...] revelou um longo e quase compulsivo desejo em interpretá-la como uma impossível forma pura de significação e sistematizar sua notação na procura incansável por uma ordem originária transcendente. (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.9)

Enquanto o latim na Europa seguia inexoravelmente em direção ao ocaso, a escrita chinesa se mostrou candidata a um novo modelo potencial de estabilidade e de “significado universal”, para ser admirada em seu contraste com a imprevisibilidade das novas línguas vernáculas europeias. Destarte, historiadores europeus voltaram-se para a imensa tarefa que tinha o objetivo de encaixar a visão de mundo chinesa na ordem universal do Ocidente cristão (RAMSEY, 2001RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001., p.483).

A ideografia – o conceito de que a escrita poderia representar as ideias sem a mediação do discurso – pode ser lida neste quadro, “como a domesticação do signo estrangeiro, processo pelo qual o ininteligível torna-se legível e interpretado dentro de uma matriz de significados mais familiar [...]” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.20). Os caracteres chineses ofereceram-se como sinais de “ideias”, conceitos transcendentais e universais, que viabilizariam a possibilidade de uma tradução e comunicação interlingual perfeita. Seria a solução definitiva para os problemas identificados por autores como Francis Bacon e John Locke, a eliminação dos “nomes mal definidos” e do “abuso de palavras” através da identificação natural do signo linguístico oferecido pelo caractere real, em flagrante contraste com o arbitrário do signo linguístico ocidental aristotélico.13 13 Sobre a procura pelo caractere real na Europa após o século XVIII, veja-se Hudson (1994), Lepschy (1994b) e Harris e Taylor (1997). Na busca de autores como Locke, Wilkins e Leibniz pela “linguagem perfeita”, “a língua chinesa atraiu muita atenção, [para] além do pequeno círculo de missionários e viajantes associados à China” (TONG, 2007TONG, Q. S. Between knowledge and ‘plagiarism,’ or, how the Chinese language was studied in the West. Language Sciences, 30, p.499-511, 2008., p.502). Os ideogramas chineses mostravam para os olhos europeus sua direta e perene relação com os conceitos transcendentes por eles representados, mesmo que a chave desta relação – a lendária clavis sinica – permanecesse um mistério para os estudiosos europeus.

O entendimento ocidental sobre a escrita chinesa foi, portanto, basicamente marcado por duas forças opostas: primeiramente, pesaram os mitos da ideografia total e da tradutibilidade perfeita, de origem tão antiga e imersa na névoa do tempo ao ponto que sua solução (chave) estaria perdida e necessitava ser resgatada. Posteriormente – particularmente a partir do século XVIII – à ideografia opôs-se o desejo de inserção da escrita chinesa no quadro da representação linguística universalista do discurso através da escrita.

Com o passar do tempo, rotulada pelo signo do “mito”, a ideografia chinesa tornou-se cada vez mais uma anacronia para o racionalismo dos tempos modernos que aos poucos superava a influência das soluções herméticas, cuja influência decairia expressivamente após o século XVIII. Assim tornou-se o novo trabalho de linguistas e sinólogos após o século XIX, e principalmente no século XX, a erradicação desta “mácula retrógrada” nos estudos linguísticos e culturais sobre a China.

O ocidente e a língua chinesa nos séculos XIII-XVII

As motivações elencadas na seção anterior irão direcionar boa parte das especulações na Europa sobre a língua e escrita chinesas, que principiaram com os primeiros contatos de europeus com a China após a Antiguidade Clássica. Esta longa tradição de trabalhos escritos por ocidentais e publicados na Europa e na própria China iniciou-se com os relatos de viajantes do século XIII e XIV durante o Império Mongol, com nomes como o dos franciscanos Giovani del Carpine (c. 1240) e William de Rubruck (1253) e o famoso Marco Polo (c. 1300). Estes autores, entretanto, lidaram muito brevemente com a questão da escrita chinesa (AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b., p.300). Com a derrocada dos Mongóis e a fundação da dinastia Míng明, os cristãos foram expulsos da China em 1369, adiando por quase 200 anos novos contatos e troca de conhecimento entre leste e oeste.

A partir das últimas décadas do século XVI diversos missionários europeus, desta vez liderados pela ordem jesuíta, retornaram à China e escreveram importantes tratados sobre aquela civilização, onde a questão da escrita e da língua falada chinesas finalmente começou a ser abordada em algum detalhe. É nesta época, de uma intensa exploração ultramarina europeia que se estenderá pelos séculos seguintes, que foram editadas cada vez mais compilações das línguas faladas e escritas do mundo conhecido e a escrita chinesa gradativamente assumiu um papel mais proeminente.

O primeiro livro mencionado com algumas referências mais detalhadas sobre a escrita chinesa foi publicado em 1569 por Gaspar da Cruz (1520-1570), Tractado em que se co[n]tam muyto por este[n]so as cousas de China... (UNGER, 1990UNGER, J. M. The Very Idea. The Notion of Ideogram in China and Japan. Monumenta Nipponica, v.45, n.4, p.391-411, winter, 1990.; DeFRANCIS, 1984DeFRANCIS, J. The Chinese Language: fact and fantasy. Honolulu: University of Hawai’i Press, 1984.), escassos seis anos após a chegada dos primeiros jesuítas em Macau (WITEK, 2001RUGGIERI, M.; RICCI, M. Dicionário Português-Chinês. WITEK, J. (Ed.). Ed. Trilingue. Macau: Biblioteca Nacional Portugal, Ricci Institute for Chinese-Western Cultural History, University of San Francisco e Instituto Português do Oriente, 2001.). Menos de duas décadas depois em 1585, o espanhol Juan González de Mendoza (1545-1618) escreveu seu grande livro, Historia de las cosas de mas notáveis, ritos y costumbres, del gran Reyno Dela China. Mendoza foi um monge agostiniano que transmitiu histórias contadas por sacerdotes espanhóis e portugueses no Oriente e na China. Até 1600 seu livro teve 46 edições em sete idiomas europeus e muitos o consideram o primeiro livro desde Marco Polo sobre a China a alcançar um público amplo na Europa, onde os “leitores europeus encontraram caracteres chineses reais pela primeira vez” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.35). Mendoza dedicou o capítulo XIII aos caracteres chineses, de onde foi retirado o trecho a seguir:

[a escrita chinesa] não tem número de letras, do mesmo modo que nós, senão que tudo o que se escreve é através de figuras, e eles o aprendem ao longo de muito tempo e com grande dificuldade, porque quase cada palavra tem seu caractere [...] usam-se mais de seis mil caracteres diferentes, que eles sinalizam com grande presteza [...] É uma língua que se entende melhor escrita do que falada, como a hebraica, devido aos traços com os quais significa um caractere diferente de outro, o qual falando não se pode distinguir tão facilmente. [...] É coisa admirável que, embora se falem naquele reino muitas línguas, e umas diferentes das outras, se entendem todos geralmente por escrito, mesmo que não se entendam falando [...] (MENDOZA, 1585GONZÁLEZ DE MENDOZA, J. Historia de las cosas mas notables, ritos y costumbres, del gran reyno dela China, sabidas assi por los libros delos mesmos Chinas, como por relacion de Religiosos y otras personas que an estado en el dicho Reyno. Roma: [s.n.], 1585., p.104-105)

Este trecho já aponta três propriedades recorrentes fundamentais da escrita: 1) a escrita chinesa é de difícil aprendizagem e poucos atingem sua maestria; 2) a escrita tem primazia sobre a língua falada (ou seja, a língua é melhor compreendida quando escrita do que falada devido a sua alta homofonia) e; 3) através da escrita chinesa povos que falam línguas diferentes mas compartilham este sistema de escrita podem entender uns aos outros. Estes atributos retornarão, de uma forma ou outra, na maioria dos livros sobre a China nos séculos subsequentes.14 14 O livro de Mendoza e também a edição Historia natural y moral de las Indias de José de Acosta de 1590 terão uma influência direta sobre Francis Bacon (1561-1626) quando da publicação do seu prestigioso The Advancement of Learning em 1605. Em uma importante passagem (livro 6, capítulo 1) Bacon recorre à escrita chinesa para questionar a ideia tradicional de origem grega da escrita como representação da fala, supondo que a escrita chinesa possa ser um possível candidato para um caractere real, forma universal de comunicação entre os povos de diferentes línguas.

Trinta anos após a publicação de Mendoza, em 1615, será editado o segundo livro que, junto àquele de Mendoza, consolidará a representação inicial da língua e dos costumes chineses junto aos europeus nos próximos duzentos anos (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.36). Naquele ano Nicolas Trigault (1577-1628) publicou uma longa e detalhada versão dos diários de Matteo Ricci (1552-1610) sobre a China na obra intitulada De Christiana expeditione apud Sinas suscepta ab Societate Jesu, que trará à Europa pela primeira vez um conhecimento mais rigoroso e aprofundado sobre o país e seu idioma:

A chegada do livro de Trigault em 1615TRIGAULT, N. De Christiana expeditione apud Sinas suscepta ab Societate Jesu. Edição de Paris, 1615. pegou a Europa de surpresa. Ela reabriu a porta para a China, que foi aberta pela primeira vez por Marco Polo, três séculos antes, e então fechada para um público incrédulo, que recebeu a maior parte de suas narrativas fabulosas como contos cativantes de um viajante caprichoso. (GALLAGHER, 1953GALLAGHER, L. J. China in the Sixteenth Century: The Journals of Matthew Ricci, 1583 – 1610. New York: Random House, 1953., xvii)

A primeira edição de 1615 foi seguida nos dez anos seguintes de diversas reedições, em latim, francês, alemão, espanhol, italiano e inglês. O exame dos manuscritos atribuídos a Ricci e seu superior Michelle Ruggieri levou a descoberta em 1934 de um dicionário português–chinês em 189 fólios, com a mais antiga romanização conhecida dos sons chineses no que foi, provavelmente, o primeiro dicionário bilíngue europeu-chinês, escrito na década de 1580 (WITEK, 2001RUGGIERI, M.; RICCI, M. Dicionário Português-Chinês. WITEK, J. (Ed.). Ed. Trilingue. Macau: Biblioteca Nacional Portugal, Ricci Institute for Chinese-Western Cultural History, University of San Francisco e Instituto Português do Oriente, 2001.), evidenciando a profundidade do conhecimento dos dois italianos sobre a língua e escrita chinesas. Infelizmente o dicionário não foi publicado contemporaneamente na Europa no livro de Trigault e assim teve influência limitada no conhecimento europeu sobre a língua chinesa àquela época.

As obras dos jesuítas baseados em Macau caracterizaram o início da “primeira fase” do processo de aprendizado na Europa sobre a China, marcada por impressões sobre uma escrita chinesa que aparece cada vez mais adequada aos desejos europeus em corrigir os “erros” das línguas naturais. A Europa foi influenciada pela publicação em 1660 da Grammaire générale et raisonnée em Port-Royal e pelos trabalhos publicados na Inglaterra que promoviam a procura pela língua universal e pelo caractere real da escrita, de autores como Francis Bacon (The Advancement of Learning, 1605), Cave Beck (The Universal Character, 1657), George Dalgarno (Ars Signorum, 1661), John Wilkins (An Essay towards a Real Character, and a Philosophical Language, 1668), Francis Lodowick (Of an Universall Real Character, 1686) até John Locke (An Essay Concerning Human Understanding, 1689)15 15 O trabalho de Locke sob certos aspectos sinaliza o começo do fim da procura pelo ideal da pureza linguística quando o autor admite que as incorreções da linguagem são inevitáveis. Para Locke o mito da linguagem perfeita era devido à equivocada noção de que a linguagem se referia às coisas do mundo, quando na verdade as línguas seriam motivadas pelas ideias subjetivas que cada um tem sobre o mundo (LOCKE, 1690[1894]; HARRIS; TAYLOR, 1997; PORTER, 2001). Todavia, como veremos, o projeto da escrita chinesa como alternativa para esta ligação natural (e não arbitrária) permanecerá ainda vivo muitas décadas após Locke. (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.; HARRIS; TAYLOR, 1997HARRIS, R.; TAYLOR, T. Landmarks in Linguistic Thought. v. 1. London e New York: Routledge, 1997.; LEPSCHY, 2014aLEPSCHY, G. History of Linguistics vol 2: Classical and Medieval Linguistics. Routledge, 2014a.,bLEPSCHY, G. History of Linguistics vol 3: Renaissance and Early Modern Linguistics. Routledge, 2014b.; AUROUX 1995aAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a.,bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.). Para estes autores, a língua ideal (e idealizada) é aquela que deve ser antiga, simples, geral, modesta, com vitalidade e brevidade (RAMSEY, 2001RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001.). Estes traços foram frequentemente associados no século XVII à língua falada e escrita na China.

Como argumentarão os estudiosos sobre a China do período, a ideografia chinesa apresentou-se como a alternativa ideal contra o cenário imprevisível das formas vernaculares que brotaram e rapidamente se expandiram na Europa. Ao mesmo tempo, a alternativa sínica oferecia uma aparente relação direta e inquebrável entre as palavras (escrita) e seus significados. E como último ponto a seu favor, as elites letradas na China sempre pareceram aos europeus bem-sucedidas na manutenção da pureza da sua linguagem literária, algo que não estava acontecendo na Europa (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.).

Meio século após o livro editado por Trigault, em 1667, será publicado um dos livros mais marcantes para as representações europeias sobre a China: China Monumentis, qua sacris qua profanis, nec non variis naturae e artis Spectaculis, aliarumque rerum memorabilium argumentis illustrata, comumente conhecido como China Illustrata, do alemão Athanasius Kircher (1601/2–1680). Embora Kircher – um estudioso jesuíta baseado em Roma com especial interesse na decifração de escritas antigas – nunca tenha visitado a China, ele foi o primeiro a iniciar na Europa a discussão sobre as origens da cultura chinesa e da linguagem (SZCZESNIAK, 1952SZCZESNIAK, B. The Origin of the Chinese Language According to Athanasius Kircher’s Theory. Journal of the American Oriental Society, v.72, n.1, p.21-29, jan.-mar. 1952., p.21). Sua obra angariou enorme prestígio e sua sugestão de vincular a origem chinesa e egípcia foi defendida por alguns pensadores até o século XIX e uniu por muito tempo a escrita chinesa e aquela do Egito antigo sob o rótulo comum de “escrita hieroglífica”.16 16 Para uma leitura crítica sobre o impacto da obra de Kircher, veja Szczesniak (1952), Hudson (1994), Porter (2001) e Lepschy (2014).

Outra influente obra na discussão na Europa sobre a origem da língua chinesa foi An historical essay endeavoring a probability that the language of the Empire of China is the primitive language, do arquiteto inglês John Webb, publicada em 1669, considerada por alguns autores como o primeiro tratado específico sobre a língua chinesa de grande difusão na Europa (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.; AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b., MUNGELLO, 1985MUNGELLO, D. E. Curious Land: Jesuit accomodation and the origins of sinology. University of Hawai'i Press, 1985.). Webb (1669)WEBB, J. An historical essay endeavoring a probability that the language of the Empire of China is the primitive language. London, 1669. desenvolveu sua longa discussão sobre as origens da linguagem com base nas escrituras sagradas baseando-se em muitas referências ao trabalho de Kircher. Para o autor inglês, a intacta e perfeita língua chinesa estava por trás da imensa fortuna e milenar história de sua civilização: “porque a China possuía uma língua primitiva, sua sociedade nunca perdeu o domínio sobre a natureza” (RAMSEY, 2001RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001., p.488-489). Sua influência no pensamento europeu sobre a China foi profunda uma vez que Webb “resolve” o problema da acomodação da escrita chinesa preservada desde os tempos de Adão e Eva – e portanto antecedendo e sobrevivendo ao colapso de Babel – colocando-a dentro de uma narrativa bíblica revisada. O autor supôs que Noé tivesse construído sua arca na própria China e que, após o dilúvio, ele e sua família tivessem voltado para aquelas terras. A língua chinesa teria escapado da confusão causada pela queda da torre de Babel devido à distância geográfica de seu povo e continuaria a preservar traços da língua primitiva da humanidade (VAN KLEY, 1971VAN KLEY, E. J. Europe’s “Discovery” of China and the Writing of World History. The American Historical Review, v.76, n.2, p.358-385, apr. 1971.; RAMSEY, 2001RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001.).

O orientalista e teólogo Andreas Müller (1630-1694), também inspirado pela China Illustrata de Athanasius, publicou um curto anúncio em 1674 intitulado Inventum Brandenburgicum sive Andreae Mulleri Greiffenhagi, Praepositi Berlinensis, Proposito super Clave sua Sinica que se tornou renomado por ser a primeira obra a formular o problema da clavis sinica. Frustrado por não conseguir o que considerava suficiente remuneração pelos seus esforços, Müller se recusou a revelar a sua “chave” e acabou queimando seus escritos sobre o assunto pouco antes de morrer (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., MUNGELLO, 1985MUNGELLO, D. E. Curious Land: Jesuit accomodation and the origins of sinology. University of Hawai'i Press, 1985.). O trabalho de Müller foi seguido por Christian Mentzel (1622-1701) que em 1685 publicou Sylloge minutiarum lexici latino-sinici-characteristici, considerado o primeiro léxico chinês publicado na Europa.

As bases do conhecimento construído sobre a linguagem e da escrita chinesa no século XVII afetarão profundamente os estudos ocidentais sobre a China até pelo menos o século XIX e alguns de seus conceitos serão mantidos praticamente inalterados. Porter (2001)PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001. propõe três pontos de vista que serviram como base para a preservação da fantasia ocidental sobre a legitimidade linguística do chinês: 1) o momento de origem de uma língua legítima é aquele que associa com autoridade o sentido às suas palavras, e quanto mais antiga a origem, maior é esta autoridade; 2) o sentido autêntico é aquele revestido pela imutabilidade, com resistência excepcional contra as forças mutantes da história; 3) o nexo de causalidade entre a autoridade e a imutabilidade de tal língua é o seu código interno, que no caso do chinês é solucionado pela a clavis sinica. O reconhecimento de que o chinês teria uma privilegiada legitimidade sobre as outras línguas teve seu pico com Joseph de Prémare – como veremos na seção seguinte – já no início do século XVIII e cinquenta anos depois do livro de Webb.

Entretanto, as mudanças políticas e culturais na Europa, a evolução das ideias linguísticas e o progressivo conhecimento sobre a escrita e fala chinesas ao longo da metade do século XVII e início do XVIII começavam a fragilizar o projeto de criar na língua chinesa a “língua ideal” e apontar para a “crise” da escrita chinesa na Europa a partir do século XVIII.

O ocidente e a língua chinesa nos séculos XVIII-XIX

Gottfried Leibniz (1646-1716), além de uma mente genial e autor prolífico em diversas áreas do pensamento humano, demonstrou um especial interesse pela língua e escrita chinesas. Em 1679 Leibniz, um apaixonado pela possibilidade de uma língua universal, tomou conhecimento da clavis sinica de Müller (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.; MUNGELLO, 1985MUNGELLO, D. E. Curious Land: Jesuit accomodation and the origins of sinology. University of Hawai'i Press, 1985.) e viu no chinês seu candidato mais provável. “Se Deus tivesse ensinado ao homem uma língua, esta língua seria parecida com o chinês” parece em 1715 na Lettre sur la philosophie chinoise de Leibniz para Nicolas de Remond. O filósofo alemão escreveu que os europeus, devido a seu conhecimento científico e espírito de análise mais avançados, poderiam oferecer aos chineses o caminho para que eles conseguissem desvendar sua própria antiguidade perdida. A escrita chinesa, raciocinou Leibniz, por sua natureza é a que mais convém como base para uma língua universal, e o que parece faltar nela é um princípio racional subjacente, as mesmas conclusões de Wilkins e Webb (AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.; RAMSEY, 2001RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001.).

Assim Leibniz se mostrou um autor de transição, que pertenceu ao que chamamos aqui da “primeira fase” da representação da China na Europa, a fase fundadora caracterizada pelo trabalho dos missionários jesuítas, quando ainda não se conhecia na Europa uma gramática estruturada do chinês, marcada pelo trio de propriedades da escrita destacado acima, pela forte influência de autores como Kircher e Webb e pelo ensejo de equacionar o chinês à língua universal. Por outro lado, Leibniz igualmente é parte da “segunda fase”, que se consolidou ao longo da primeira metade do século XVIII. Este é um momento mais complexo e ambíguo, para o qual Mungello (2013)MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800. London: Rowman & Littlefield, 2013. nos propõe a identificação de três “tipos” de estudos sobre a China realizados à época. O primeiro se constituiu dos trabalhos jesuítas, cada vez menos influentes, com um conhecimento mais profundo sobre a língua falada e escrita e um interesse basicamente voltado para a acomodação das crenças chineses àquelas da Europa. O segundo foi representado pelo número cada vez maior de “proto-sinólogos”, que também possuíam um conhecimento sobre o chinês em certa profundidade, e, entretanto, mostravam-se ainda motivados por ideias de uma língua universal (Leibniz seria um destes). O contraste desta nova época surge principalmente com a influência crescente do terceiro grupo, formado pelos “popularizadores”, motivados pela esperança de achar na China apoio para ideias e movimentos políticos e intelectuais na Europa, principalmente aqueles voltados para o Iluminismo. Eles formaram o grupo com um conhecimento mais superficial da cultura e línguas chinesas e foram aqueles com maior capacidade em produzir distorções das informações sobre o Oriente que chegavam ao europeu médio. Em relação à escrita chinesa – foco do presente artigo – os popularizadores estiveram entre os responsáveis por manter viva e pujante a ideia da representação semântica na escrita em detrimento de uma língua falada que foi considerada como “simplória”, e, portanto, limitada em sua capacidade de articulação. Tais conceitos foram construídos sobre bases frágeis e superficiais, tornando-se alvo fácil para os sinólogos “sérios” desmontarem posteriormente o que chamaram de mitos sobre a escrita chinesa. Leibniz, quando elogiou a escrita chinesa ao mesmo tempo em que acreditou nas limitações do gênio cultural chinês e de sua língua falada é um autor ligada às duas fases discutidas aqui.

O avanço tecnológico europeu abriu ao longo do século XVIII uma distância cada vez mais pronunciada em relação à técnica do império chinês, firmemente ancorada no seu passado milenar. O desprezo pelo império chinês acabou por limitar o fascínio do público europeu ao exotismo de sua cultura (o Orientalismo), movimento reforçado pelo trabalho dos popularizadores, cujo resultado afastou-se progressivamente dos estudos dos sinólogos, por sua vez voltados para a inserção da China e do chinês nas categorias europeias de mundo. O movimento de rejeição à China que gradualmente tomou força à época deu-se em um cenário de crescente eurocentrismo e do abandono progressivo das tentativas jesuítas de acomodação das ideias Confucionistas à teologia cristã (MUNGELLO, 2013MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800. London: Rowman & Littlefield, 2013.).

Em relação aos trabalhos dos sinólogos (primeiro e segundo grupo de Mungello), a presença dos jesuítas – como Joseph de Prémare (1666–1736), Jean Baptiste du Halde (1674-1743) – deu espaço para os estudiosos laicos – por exemplo, Étienne Fourmont (1683-1745) e Nicolas Fréret (1688-1749). A medida que os estudos linguísticos europeus gradativamente optaram pela primazia teórica da fala sobre a escrita, a ideografia chinesa foi perdendo seu lugar privilegiado entre os sinólogos. Embora ainda se tratasse de uma época em que os europeus em sua larga maioria consideravam a escrita chinesa como representante direta de ideias e coisas, no novo cenário intelectual na Europa ela passou a ser identificada como mero passo inicial dentro da cadeia evolutiva dos sistemas de escrita, que culminaria nos alfabetos. Essa ideia tomou enorme impulso depois da publicação em 1737 do The Divine Legation of Moses, o influente livro do inglês William Warburton.17 17 Um trecho que livro de Warburton que trata das escritas “hieroglíficas” – inclusive o chinês – será logo traduzido para o francês em 1744 por Marc-Antoine Léonard des Malpeines, com um artigo sobre o chinês escrito por Nicolas Fréret.

O trabalho do jesuíta Joseph de Prémare (1666-1736), Notitia Lingua Sinicae, publicado em 1720, constituiu-se o derradeiro pináculo do antigo movimento pela legitimação da escrita chinesa como a ideografia perfeita, cujas bases ainda remontavam a Kircher. Prémare se apoiou basicamente no antigo dicionário chinês do Shuōwén para revestir a sinografia com a legitimidade necessária, propondo uma ordenação pseudo-sistemática dos caracteres. Motivada por “especulações quase místicas sobre as origens proto-cristãs dos símbolos [chineses]” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.71), Prémare quis mostrar que a solução para a escrita chinesa só poderia ser redescoberta através da interveniência do conhecimento cristão europeu.18 18 Prémare pertenceu ao chamado grupo dos “figuristas” na China (MUNGELLO, 2013; LEE, 1991), autores influenciados pelo seu professor, o padre Joachim Bouvet (1656-1730) e que estavam convencidos que os livros canônicos chineses escondiam a verdade da revelação cristã original através de formas figurativas e simbólicas. Contrário a autores que viram no chinês uma verdade universal emanando de seu próprio sistema de escrita e fala, para Prémare a verdade dos caracteres chineses baseava-se na palavra do Deus cristão, e era portanto inacessível aos chineses do seu tempo. Cabe observar que, a despeito destas especulações errôneas sobre a escrita chinesa, Prémare foi considerado o mais avançado gramático da língua chinesa de seu século (AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.; PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.; ALLETON, 2004ALLETON, V. Traduction et conceptions chinoises du texte écrit. Études chinoises, v.XXIII, 2004. p.9-43.), com uma didática muito superior à maioria das gramáticas chinesas produzidas pelos europeus no século XVIII.

Foi fundamental para a argumentação de Prémare que os chineses da sua época tivessem “esquecido” a “verdadeira natureza” do seu sistema de escrita, tornando-se portanto necessária a ajuda dos missionários ocidentais equipados com a sua análise “científica” para que estes recuperassem o conhecimento perdido. Desta forma, se instaura uma versão do mito de Babel no contexto da língua chinesa, fortemente calcada no aspecto pictográfico e simbólico da escrita chinesa.

A hipótese de Prémare paradoxalmente levou a escrita chinesa a uma situação de fraqueza diante dos olhos europeus. Considerando que a legitimidade da escrita chinesa se baseava em sua origem cristã, a perda de seu “significado original perfeito” pelos chineses do século XVIII tornaria a língua chinesa daquele tempo (“pós-babélica”) um pálido reflexo e filho bastardo da língua original, esta sim a verdadeiramente “legítima”.

Esta inversão dos pontos de vista sobre a escrita chinesa (e sua língua falada) será fundamental para entendermos os estudos sobre a China ao longo do século XVIII. O interesse na escrita foi marcado por uma frustração com a falta de sistematicidade que agora Prémare justifica com um “conhecimento perdido”, cuja redescoberta dependeria de um conhecimento exclusivamente acessível aos ocidentais. A despeito da íntima ligação da escrita “hieroglífica” chinesa com as verdades universais cristãs, Prémare viu na escrita chinesa contemporânea um sistema pouco eficiente e mostrou sua clara preferência pelo sistema alfabético. Prémare é assim um dos autores que inaugurou a separação dos estudos da escrita e da fala para o chinês.

Portanto, se a escrita moderna perdeu sua pureza com o passar dos séculos, será então na gramática que se concentrarão os estudos sobre a língua chinesa. Aquele que é considerado o primeiro livro dedicado exclusivamente à gramática do chinês foi publicado em 1703 – ou seja, quase vinte anos antes da obra de Prémare – em Cantão, Arte de la lengua mandarina de Francisco Varo (COBLIN; LEVI, 2000COBLIN, W. S.; LEVI, J. A. Francisco Varo’s Grammar of the Mandarin Language (1703): an English Translation of ‘Arte de la Lengua Mandarina’. Amsterdam: John Benjamins, 2000.). Ainda assim, com os caracteres chineses monopolizando o interesse aos olhos do público europeu, livros como o de Varo – que não tinham nenhum caractere chinês em seu texto – tiveram um impacto imediato pouco expressivo à época de sua publicação.

Um dos primeiros autores a escrever de forma consistente no século XVIII sobre a língua chinesa foi Nicolas Fréret (1688-1749), um historiador eminente e crítico mordaz das teorias de Athanasius Kircher, que promoveu um novo escrutínio racional de antigas “teorias históricas”, sob forte influência das ideias de Leibniz. Fréret publicou em 1718 seu De la langue des Chinois: reflexions sur les principes généraux de l’art d’écrire, et en particulier sur les fondements de l’écriture chinoise, onde construiu uma breve história da escrita sem qualquer apoio das histórias clássicas ou bíblicas. Fréret foi muito influenciado pelo livro de Warburton, e identificou a escrita chinesa dentro do esquema do autor inglês como pertencendo à categoria das “pinturas e símbolos”. Em outras palavras, não seria uma escrita verbal por que não dava sinais da pronúncia associada e seus caracteres “são signos imediatos das ideias que eles expressam” (MALPEINES, 1744MALPEINES, M-A. L. de. Essai sur les hiéroglyphes des Égyptiens. 2 vols. Paris, 1744.). Por outro lado, trata-se apenas de mais um sistema de escrita, sendo desprovidos do caráter extraordinário que lhe deu Leibniz.

Se autores com Fréret e o jesuíta Jean Baptiste du Halde19 19 Du Halde escreveu Description géographique, historique, chronologique, politique, et physique de l’empire de la Chine et de la Tartarie chinoise [...] em 1736 e advogou uma clara separação entre a escrita e a fala chinesa, argumentando que a segunda não poderia ser limitada pela primeira. ainda viam o chinês como uma língua eminentemente “filosófica” – no sentido de que cada caractere representaria um conceito ou uma coisa “universal” – Thomas Percy em seus Miscellaneous Pieces Relating to the Chinese de 1762 considerou a total ausência de uma relação entre a fala e escrita no chinês não como sinal de uma origem especial, mas sim a marca de um primitivismo, uma escrita fundada por “bárbaros”. A língua falada chinesa, sem afinidade com a escrita, para o autor inglês, apresentaria um caráter “não cultivado”, como uma deficiência fonêmica em poucas monossílabas não declináveis.

Observamos, portanto, que o contraste entre a “simplicidade” de gramática do chinês juntamente com a “complexidade” extrema de sua escrita provocou percepções contraditórias sobre a China e a língua chinesa. De candidata provável para o idioma de Adão ou escrita perfeita, como vimos no influente livro de John Webb, décadas mais tarde ela seria rejeitada por autores como Percy como uma língua simplista servindo a um povo atrasado e um império retrógrado.

A (lenta) ascensão do foneticismo

Embora Du Halde e Fréret tenham sido alguns dos primeiros autores a chamar a importância para a fala chinesa, eles continuaram a considerar a escrita chinesa como “ideográfica”. Ao longo da segunda metade do século XVIII, entretanto, veremos a presença cada vez maior de sinólogos especializados na língua e nos costumes chineses que procuraram desmontar o mito da escrita chinesa independente da sua fala, autores que abrirão espaço para o trabalho fundamental de Abel Rémusat no século XIX.

Contemporâneo de Du Halde, Theophilus Bayer (1694-1738) (Museum Sinicum 1730) foi considerado como “o mais eminente sinólogo do século XVIII” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.59), que usou os trabalhos de Müller e Mentzel como ponto de partida para o seu próprio, escrevendo o primeiro livro didático do chinês a ser impresso na Europa. Bayer teve o apoio de Étienne Fourmont (1683-1745) – Meditationes Sinicae (1737) e Linguae Sinarum Mandarinicae hieroglyphicae grammatica duplex […] (1742) – para propor que um sistema lógico estivesse subjacente à escrita chinesa. Fourmont, um dos poucos estudiosos de sua época que utilizaram a gramática de Varo, foi um influente orientalista francês membro da Académie des Inscriptions e Belles Lettres e um dos primeiros franceses a estudar seriamente a língua chinesa. Um dos responsáveis pela divulgação da ideia de uma origem separada da língua escrita e falada na China (BRANNER; FENG, 2011BRANNER, D.; FENG, Li. (Ed.). Writing and Literacy in Early China. Seattle: University of Washington Press, 2011.), ele teria também confirmado que a clavis sinica do tipo imaginada por Leibniz “realmente existia” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.), misturando, portanto, ideias seiscentistas sobre a clavis com os novos conhecimentos desenvolvidos sobre a gramática do chinês.

A despeito das propostas inovadoras destes autores, em realidade não houve um movimento contínuo de divórcio entre a escrita e a fala chinesas. Joseph de Guignes (1721-1800) (Mémoire dans lequel on prouve que les chinois sont une colonie égyptienne, 1759) foi estudante e sucessor de Fourmont na Bibliothèque Royal de France defendeu obstinadamente as ideias de que a nação chinesa teria sido originada pelos egípcios e que os dois sistemas de escrita eram intimamente relacionados (HOOKER, 1990HOOKER, J. T. (Ed.). Reading the Past: ancient writing from cuneiform to the alphabet. Los Angeles: University of California Press, 1990.; AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.). A resistência no ideário europeu contra o abandono da ideia de escrita ideográfica chinesa também estava evidente no trabalho de Joseph Hager (1757-1819), historiador e arabista austríaco naturalizado italiano. Seu livro, An explanation of the elementary Characters of the Chinese with an analysis of their ancient symbols and hieroglyphics, de 1801 teve uma ótima acolhida na Europa e foi repleto de caligrafias e modelos de caracteres baseados no I-Ching (Yìjīng易經). Como vimos, o público europeu em geral rejeitava os livros mais “abstratos” como os de Fourmont e Varo, abraçando aqueles, como o de Hager, que eram ilustrados com os desenhos dos caracteres chineses (AUROUX, 1995bAUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.). Mesmo durante boa parte do século XIX trabalhos que consideram a escrita chinesa estritamente uma ideografia (ou pictografia) continuam a gozar de grande prestígio e público na Europa.

Este cenário em que o destino das representações da escrita chinesa na Europa permanecia muito incerto tomou uma mudança radical de rumo com a revolução na linguística que ocorreu no continente especialmente a partir da segunda metade do século XIX. A Europa foi tomada pela onda romântica originada da Alemanha e, a partir da segunda metade do século, pelas ideias evolucionistas de Darwin. Com o movimento do Romantismo, a dialética da cultura e da natureza começou a influenciar todas as ciências humanas.

O evolucionismo deu grande impulso às teorias que consideraram que os sistemas de escrita seguiam um processo evolutivo, da pictografia aos alfabetos, este último – pináculo do gênio humano – o princípio considerado mais eficiente e superior às outras formas de escrita e assim reforçaram sua aversão à ideografia. Hegel, figura intelectual dominante no Período Romântico criticou a admiração de Leibniz sobre as escritas hieroglíficas e defendeu arduamente os alfabetos e a primazia da fala como a base para as comunicações humanas. (HUDSON, 1994HUDSON, N. Writing and European Thougth – 1600-1830. Cambridge University Press, 1994.). Desta forma, aos poucos a escrita foi cedendo à fala sua importância nos estudos da linguagem, não como uma ameaça, mas por sua inocuidade.

Os caracteres chineses, que durante os séculos atraíram as atenções como objeto privilegiado de interesse de leigos e estudiosos e foram considerados por muitos europeus como sinal de uma língua perfeita perdida no passado longínquo, passaram a ocupar um espaço secundário na pesquisa dos sinólogos. O objetivo agora estava voltado para a procura de sua sistematicidade através de alguma forma de representação fonética em seus grafemas e da reconstrução das formas históricas do chinês falado. Foi principalmente através do cuidadoso estudo dos sinólogos e da nova ambição da linguística em instituir-se como ciência que o chinês – e todas as línguas naturais do mundo – terão sua respeitabilidade restaurada no seio da linguística comparativa e do estruturalismo já no início do século XX.

Neste contexto vemos o influente livro A Dissertation on the Nature and Character of the Chinese System of Writing de Peter DuPonceau (1760-1844) publicado em 1838, chamado de “a primeira síntese verdadeiramente moderna sobre a escrita chinesa” (ALLETON, 1994ALLETON, V. L’oubli de la langue et l’‘invention’ de l’écriture chinoise en Europe. Études Chinoises, v.XIII, n.1-2, printemps-automne, 1994.; veja-se também CHAO, 1940CHAO, Y. R. A Note on an Early Logographic Theory of Chinese Writing. Harvard Journal of Asiatic Studies, v.5, n.2, p.189-191, jun. 1940.; DeFRANCIS, 1984DeFRANCIS, J. The Chinese Language: fact and fantasy. Honolulu: University of Hawai’i Press, 1984.). DuPonceau, nascido na França, foi um prestigioso linguista franco-americano, que presidiu por 17 anos a American Philosophical Society. Na sua visão os caracteres chineses são a representação das palavras chinesas (e, portanto, da fala), e, portanto, sua “modernidade” é marcada pelo rompimento com as especulações ultrapassadas sobre a escrita chinesa na sua relação direta com o abstrato mundo das “ideias”.20 20 Dois autores percursores em sua abordagem foneticista foram o português Joaquim Afonso Gonçalves (1781-1834) e o franco-italiano JM Callery (1810-1862). Gonçalves escreveu Arte China: constante de alphabeto e grammatica (1829) e criou um “alfabeto” para os caracteres chineses, sinais gráficos nos caracteres a que chamou de diferenças, em um total de 1411 grupos fonéticos, no que poderia ser o mais antigo silabário chinês construído por um europeu. O livro de Gonçalves foi logo seguido pelo de Callery com seu Systema phoneticum scripturae sinicae de 1841. Callery foi um missionário católico que também fez a proposta de um silabário para a escrita chinesa, com 1.040 caracteres representando fonemas na língua falada chinesa.

É sem dúvida notável que, na ausência de dados mais concretos sobre a fonologia histórica chinesa, autores como DuPonceau e J.M. Callery foram capazes de postular esta ligação entre a escrita chinesa e sua fala. DuPonceau baseou muito de sua pesquisa no estudo do sinólogo francês Abel Rémusat e seu principal livro Elements de la grammaire chinoise de 1822, aquele que “fundou a sinologia acadêmica moderna” (PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001., p.73), “a primeira tentativa de uma síntese lógica e bem arrazoada construção da língua chinesa” (PEYRAUBE, 2001PEYRAUBE, A. Some reflections on the sources of the Mashi Wentong. In: LACKNER, M.; AMELUNG, I.; KURTZ, K. (Ed.). New Terms for New Ideas. Western Knowledge and Lexical Change in Late Imperial China. Leiden, 2001. p.341-356.), quando pela primeira vez o “conhecimento sobre a China na França deixou a esfera da filosofia [para a da linguística]” (LEE, 1991LEE, T. H. C. China and Europa: images and influences on sixteenth to eighteenth centuries. Hong Kong: The Chinese University Press, 1991., p.161). DuPonceau foi categórico na ligação entre os caracteres escritos e as palavras faladas ao escrever: “Cada uma destas sílabas ou palavras significativas tem um ou mais caracteres apropriados para ela, e cada caractere de um palavra correspondente” (DuPONCEAU, 1838DuPONCEAU, P. S. A Dissertation on the Nature and Character of the Chinese System of Writing. Philadelphia, 1838., p.109).21 21 DuPonceau faz essa afirmação se apoiando em citação ao trabalho de Rémusat, entretanto o texto do sinólogo francês é menos assertivo e chega mesmo a afirmar que “os signos de sua escrita [chinesa], tomados em geral, não exprimem sua pronúncia, mas sim ideias. A língua falada e a escrita são portanto bem distintas e separadas”. (RÉMUSAT, 1822, p.1)

DuPonceau foi claro ao destacar a primazia da fala chinesa como a única verdadeira língua chinesa: “A língua chinesa, eu quero dizer é aquela que é falada, uma vez que eu não chamo nenhuma escrita de linguagem, exceto metaforicamente” (DuPONCEAU, 1838DuPONCEAU, P. S. A Dissertation on the Nature and Character of the Chinese System of Writing. Philadelphia, 1838., p.108).

A teoria de DuPonceau e sua influência no desenvolvimento de uma teoria de representação fonética na escrita chinesa fica clara neste trecho escrito por Stephen Andrews em 1854ANDREWS, S. Discoveries in Chinese or the Symbolism of the Primitive Characters of the Chinese Writing System. New York: Charles B Norton, 1854.:

Desde então, o mundo letrado aprendeu o extremo oposto, chamada de teoria fonética, defendida por Sr. Duponceau [...] Esta teoria afirma que a massa de caracteres chineses não são ideográficos, os são apenas parcialmente, ao passo que também são fonéticos; isso é, que eles foram formados sobre um esquema que denota os sons das palavras faladas. (ANDREWS, 1854ANDREWS, S. Discoveries in Chinese or the Symbolism of the Primitive Characters of the Chinese Writing System. New York: Charles B Norton, 1854., p.33)

Todavia faz-se necessário observar que o semanticismo na escrita chinesa continuou muito presente mesmo após o livro de DuPonceau.22 22 Alguns exemplos são: Léon de Roisny. Les écritures figuratives et hiéroglyphique des différent peoples. (1860); Frank Chalfant, Memoirs of the Carnegie Museum: Early chinese writing (1862) e John Chalmers. Origin of the Chinese […] (1866). Entretanto, cada vez mais obras foram publicadas nas últimas décadas do século XIX tratando da gramática chinesa e dos sons da língua falada, bem como propondo listas de indicadores fonéticos (“silabários”) para a escrita. Frequentemente manuais para o ensino da escrita chinesa usaram o apoio dos indicadores semânticos tradicionais,23 23 Um exemplo é: William Martin, The Analytical Reader: a Short Method for Learning to Read and Write Chinese (1897). ao passo que os estudos acadêmicos exploravam de uma maneira ainda tentativa modelos de representação fonética na escrita, procurando aplicar as ideias de DuPonceau.

Voltados para o interesse nos sons da fala chinesa e na sua representação na escrita, até o final do século XIX alguns autores realizaram o que mais tarde o famoso sinólogo sueco Bernhard Karlgren (1889-1978) chamaria de “tentativas algo amadores sobre história fonética” do chinês, especulando sobre as possibilidades de representação da fala diacrônica do chinês em sua escrita e assim procurando decifrar a famosa clavis sinica através do suporte da fala chinesa.24 24 Alguns trabalhos desta época foram, por exemplo, J. Edkins na sua Introduction to Chinese Characters de 1876 e Z. Volipicelli em 1896 com Chinese Phonology. Com o trabalho de Karlgren as ideias teóricas propostas por DuPonceau foram finalmente consolidadas sobre bases consideradas compatíveis com o novo método científico da linguística do século XX, focado no levantamento da relação diacrônica entre a escrita (um trabalho ortográfico de 2000 anos) e a fala chinesa desde a dinastia Hàn. Em 1915 Karlgren iniciou seus estudos pioneiros sobre a fonologia chinesa com o trabalho Études sur la phonologie chinoise logo após sua tese de doutorado em Uppsala, completando-os em 1926. O linguista sueco foi considerado por muitos o primeiro europeu a usar o método de linguística histórica aplicada ao chinês e revolucionou o conhecimento da fonologia histórica chinesa através de uma cuidadosa reconstrução do chinês médio e antigo, empregando dados das línguas siníticas e de outras línguas, bem como as leituras japonesa e chinesa dos caracteres chineses na escrita japonesa. Desta forma consolidou-se no mundo da sinologia a ideia deste momento científico fundador do conhecimento sobre a história da escrita e da fala chinesas: “O estudo científico dos dialetos chineses [e de sua diacronia] começou com o trabalho de Bernhard Karlgren e Y.R. Chao” (NORMAN, 1988NORMAN, J. Chinese. Cambridge University Press, 1988., p.5).25 25 A despeito da importância inestimável do trabalho de Karlgren ao fornecer os dados fonológicos históricos necessários à teoria do foneticismo na escrita chinesa, o sinólogo sueco manteve uma visão “antiquada” da escrita chinesa como ideográfica, como mostra em seu Sound & Symbol in Chinese (1923, p.16) (adaptado de Ordet och Pennan i Mittens Rike de 1918): “como eles [os caracteres chineses] não constituem uma escrita fonética mas sim ideográfica, eles não dão qualquer sugestão dos sons que formaram as palavras no chinês antigo”. Deve-se também observar porém que as reconstruções de Karlgren foram extensamente revisadas e criticadas por sinólogos modernos e contemporâneos, como em Baxter (1992) e Baxter e Sagart (2014).

A partir deste novo momento fundador, no amanhecer do século XX, a China ela mesma, oprimida política e economicamente pelas potências ocidentais, se voltou contra o que considerou seu passado retrógrado e abriu-se ao pensamento moderno e científico que lhe impunha o ocidente. A ocupação japonesa da China na 2a Guerra Mundial e a posterior vitória americana no Pacífico solidificou no ocidente a visão de uma China “doente” do século XIX, que somente seria curada pela transformação vinda da Europa e da América do Norte (MUNGELLO, 2013MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800. London: Rowman & Littlefield, 2013., p.2). Ao longo do século consolidou-se uma nova fase histórica de estudos sobre a língua falada e escrita chinesa, um novo mundo onde a retórica do descobrimento e do otimismo científico terá como objetivo a definitiva reconstrução fonética diacrônica do chinês e sua paralela representação na escrita chinesa. Embora incautos, os linguistas e sinólogos dos séculos XX e XXI estarão, contudo, ainda motivados pelas aspirações e visões dos missionários europeus na China séculos atrás e pelos perenes debates sobre a relação entre fala e escrita.

Conclusão: reflexos modernos e o foneticismo

O livro de divulgação do conhecido sinólogo americano John DeFrancis (1911-2009) intitulado The Chinese language — fact and fantasy (1984) foi um trabalho muito importante para a defesa das ideias foneticistas. Seu autor advogou a explícita intenção em desmantelar os “mitos” na língua chinesa (falada e escrita), resultante, em sua concepção, de séculos de equívocos sobre a China e sua linguagem. Ao apresentar a escrita chinesa, o autor afirmou claramente: “A fala é primária, a escrita é secundária” (DeFRANCIS, 1984DeFRANCIS, J. The Chinese Language: fact and fantasy. Honolulu: University of Hawai’i Press, 1984., p.37). O americano se apresentou como um linguista e sinólogo, aquele que estudou o chinês com a “ciência da linguagem” em mente e seus argumentos são expostos de forma clara, mostrando seu claro compromisso com a ciência da linguística. Munido de tal autoridade, DeFrancis rejeitou peremptoriamente o que não se mostrava de acordo com seus conceitos, rotulando-os como “mitos”, contra o qual reivindicou apresentar “fatos” incontestáveis. Como escreve Lurie (2006LURIE, D. Language, writing, and disciplinarity in the Critique of the ‘‘Ideographic Myth’’: Some proleptical remarks. Language & Communication, 26, p.250-268, 2006., p.262): “A ligação entre a insistência na natureza estritamente fonográfica da escrita e a natureza científica da linguística enquanto disciplina acadêmica é também uma marca da crítica do mito ideográfico”.

DeFrancis é um representante de um grupo de autores do século XX26 26 Entre outros, Peter Boodberg (1937, 1940), George Kennedy (1951), Marshal Unger (1990, 1993), William Boltz (1994), Victor Mair (2002) e Imre Galambos (2006). que, à despeito de seu imenso respeito e apego emocional à China e suas tradições trouxeram – talvez inadvertidamente – o aparato científico do ocidente para compreender os mecanismos da insondável escrita chinesa e elegeram o foneticismo e a fonografia, conceitos e usos eminentemente ocidentais, para julgá-la e organizá-la.

A China, separada pela distância física e cultural, fechada em suas fronteiras, era um império culturalmente relativamente homogêneo que já contava com milênios de história ao entardecer do século XVI, época em que foi redescoberta pelos missionários europeus. O conhecimento que se criou nesta época sobre a China foi fortemente influenciado pelos relatos de alguns visitantes e, posteriormente, “congelado” nos livros pelos jesuítas do século XVII. No que nos concerne no presente artigo, sua visão sobre a linguagem, como vimos, levou o chinês a ser reconhecido como uma língua difícil de aprender; monossilábico e altamente homófono. As dezenas de milhares de caracteres chineses de sua escrita representavam, cada um, um “pensamento” ou “conceito” e, desta forma, a escrita possibilitava o entendimento interlingual. A Europa, diante do ocaso do latim como sua língua franca, abraçou a língua chinesa como nova candidata a uma língua universal, considerando o chinês a mais antiga língua falada e escrita, aquela mantida pura e inalterada pelos séculos, protegida pelo poder central imperial, cuja autoridade e longevidade se assentaram sobre seu código externo, o vínculo direto de sua escrita e o mundo “real”, dos objetos, conceitos e ideias.

Todavia a reputação da China e de sua língua seguiu um caminho tortuoso. Após meados do século XVIII muitos estudiosos europeus, frustrados com a aparente inacessibilidade da clavis sinica e embalados pelo espírito libertário e progressista do Iluminismo, passaram a ver a escrita chinesa como símbolo do estorvo à alfabetização e repudiaram a falta de gramática de uma língua simplória. Progressivamente a ideia da ideografia, conquanto ainda fascinante para alguns pensadores e extremamente cativante ao leitor leigo europeu, tornou-se cada vez mais marcada no discurso acadêmico como um mero passo inicial na evolução na direção de uma escrita alfabética. Adicionalmente, estudiosos europeus, motivados religiosamente ou não, tornaram-se cada vez mais convencidos de que as nobres origens da língua falada e escrita chinesa somente poderiam ser decifradas pelas lentes ocidentais.

O atraso chinês no século XIX foi marcado dupla e simbolicamente por sua escrita ideográfica ultrapassada e seu império doente, devastado pelo vício do ópio e vulnerável à instalação forçada dos protetorados comerciais ocidentais no país. Sua superação, acreditavam europeus e americanos – e os chineses em sua maior parte também foram levados a esta crença – paradoxalmente só seria viabilizada se através da influência do próprio ocidente. O destino da escrita chinesa não poderia ser mais simbólico desta virada: sua escrita precisaria ser considerada uma fonografia, um “fala visível”. A submissão da escrita à fala orientou a reconstrução da língua falada correspondente ao chinês médio e antigo, que por sua vez norteou a “solução” do problema da representação fonética na escrita. A fonografia, aos olhos de um ocidente cada vez mais universal, se configurou na clavis sinica do século XX e XXI.

REFERÊNCIAS

  • ALLETON, V. L’oubli de la langue et l’‘invention’ de l’écriture chinoise en Europe. Études Chinoises, v.XIII, n.1-2, printemps-automne, 1994.
  • ALLETON, V. (Org.). Paroles à dire, parole à écrire Paris: Édition de l’école des hautes études en sciences sociales, 1997.
  • ALLETON, V. Traduction et conceptions chinoises du texte écrit. Études chinoises, v.XXIII, 2004. p.9-43.
  • ALLETON, V. L’écriture chinoise: le défi de la modernité. Paris: Éditions Albin Michel, 2008.
  • ANDREWS, S. Discoveries in Chinese or the Symbolism of the Primitive Characters of the Chinese Writing System. New York: Charles B Norton, 1854.
  • ARISTÓTELES. De Interpretatione. In: Ontologia e Predicação em Aristóteles, Lucas Angioni (introdução, tradução e comentário), coleção Textos Didáticos n.41. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, 2000.
  • AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1) Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a.
  • AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 2) Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995b.
  • AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 3) Liège: Pierre Mardaga Editeur, 2000.
  • AUROUX, S. La Philosophie du langage Paris: Ed. Presses Universitaires de France, 2004.
  • AUROUX, S. A Revolução Tecnológica da Gramatização Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Ed. Unicamp, 2009 [1992].
  • BACON, F. The Advancement of Learning Oxford: Joseph Devey, 1605.
  • BARROS BARRETO, C. Pensares sobre a escrita chinesa 213 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
  • BAXTER, W. A Handbook of Old Chinese Phonology Berlin: Mouton de Gruyter, 1992.
  • BAXTER, W.; SAGART, L. Old Chinese: a new reconstruction. Oxford University Press, 2014.
  • BAYER, T. S. Museum Sinicum in quo Sinicae Linguae et Litteraturae ratio explicatur St. Petersburg: [s.n.], 1730. 2v.
  • BOLTZ, W. Origin and Early Development of the Chinese Writing System v.78. New Haven: American Oriental Series, 1994.
  • BOODBERG, P. A. Some proleptical remarks on the evolution of Archaic Chinese. Harvard Journal of Asiatic Studies, 2, p.329-372, 1937.
  • BOODBERG, P. A. ‘Ideography’ or ‘iconolatry’, T’oung-pao, 35, p.266-288, 1940.
  • BOTTÉRO, F. Review of The Origin and Early Development of the Chinese Writing System, by William Boltz. Journal of the American Oriental Society, 116.3, 1996.
  • BOTTÉRO, F. Écriture et Linguistique Autochtone en Chine Mémoire d’Habilitation à diriger des recherches sous la direction d’Alain Peyraube. Paris: EHESS, 2011.
  • BOTTÉRO, F.; DJAMOURI, R. Écriture chinoise: données, usages et répresentations. Paris: EHESS, 2006.
  • BRANNER, D.; FENG, Li. (Ed.). Writing and Literacy in Early China Seattle: University of Washington Press, 2011.
  • CHAO, Y. R. A Note on an Early Logographic Theory of Chinese Writing. Harvard Journal of Asiatic Studies, v.5, n.2, p.189-191, jun. 1940.
  • COBLIN, W. S.; LEVI, J. A. Francisco Varo’s Grammar of the Mandarin Language (1703): an English Translation of ‘Arte de la Lengua Mandarina’. Amsterdam: John Benjamins, 2000.
  • DA CRUZ, G. Tractado em que se co[n]tam muyto por este[n]so as cousas de China com suas particularidades, e assi do Reyno de Dormuz dirigido ao muyto poderoso rey D. Sebastiam nosso senhor Évora: [s.n.], 1569
  • DANIELS, P. Fundamentals of Grammatology, Journal of the American Oriental Society 110, p.727-731, 1990.
  • DeFRANCIS, J. The Chinese Language: fact and fantasy. Honolulu: University of Hawai’i Press, 1984.
  • DeFRANCIS, J. Visible Speech: the diverse oneness of writing systems. Honolulu: University of Hawai’i Press, 1996.
  • DE PRÉMARE, J. H. M. Notitia Lingua Sinicae Malaga, 1831 [1720]. (Edição em inglês de 1847, Cantão).
  • DERRIDA, J. Gramatologia Tradução de Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
  • DuPONCEAU, P. S. A Dissertation on the Nature and Character of the Chinese System of Writing Philadelphia, 1838.
  • DU HALDE, J. B. Description géographique, historique, chronologique, politique, et physique de l'empire de la Chine et de la Tartarie chinoise, enrichie des cartes générales et particulières de ces pays, de la carte générale & des cartes particulières du Thibet, & de la Corée; & ornée d'un grand nombre de figures & de Vignettes gravées en Taille-douce Paris: [s.n.], 1735-1736. 2v.
  • ELMAN, B. From Value to Fact: The Emergence of Phonology as a Precise Discipline in Late Imperial China. Journal of the American Oriental Society, v.102, n.3, p.493-500, jul.-oct. 1982.
  • FOURMONT, É. Linguae Sinarum Mandarinicae Hieroglyphicae Grammatica Duplex : Latinè & cum Characteribus Sinensium. Item Sinicorum Regiae Bibliothecae Librorum Catalogus Paris : [s.n.], 1742.
  • FRÉRET, N. De la langue des Chinois: reflexions sur les principes généraux de l’art d’écrire, et en particulier sur les fondemens de l’écriture chinoise, 1718. Edição: Oeuvres Complètes de Fréret, tome VI Paris, 1796.
  • GALAMBOS, I. Orthography of Early Chinese Writing: evidence from newly excavated manuscripts. Budapest Monographs in East Asian Studies, 2006.
  • GALLAGHER, L. J. China in the Sixteenth Century: The Journals of Matthew Ricci, 1583 – 1610. New York: Random House, 1953.
  • GELB, I. J. A study of writing University of Chicago Press, 1963.
  • GONÇALVES, J. A. Arte China: constante de alphabeto e grammatica. Macau, 1829.
  • GONZÁLEZ DE MENDOZA, J. Historia de las cosas mas notables, ritos y costumbres, del gran reyno dela China, sabidas assi por los libros delos mesmos Chinas, como por relacion de Religiosos y otras personas que an estado en el dicho Reyno Roma: [s.n.], 1585.
  • GUIGNES, J. Mémoire dans lequel on prouve que les chinois sont une colonie égyptienne Paris, 1759.
  • HAGER, J. An explanation of the elementary Characters of the Chinese with an analysis of their ancient symbols and hieroglyphics London, 1801.
  • HARRIS, R.; TAYLOR, T. Landmarks in Linguistic Thought. v. 1. London e New York: Routledge, 1997.
  • HOOKER, J. T. (Ed.). Reading the Past: ancient writing from cuneiform to the alphabet. Los Angeles: University of California Press, 1990.
  • HUDSON, N. Writing and European Thougth – 1600-1830 Cambridge University Press, 1994.
  • KARLGREN, B. Ordet och Pennan i Mittens Rike, 1923 Adaptado para o inglês: Sound & Symbol in Chinese. London, 1923.
  • KENNEDY, G. The Monosyllabic Myth. Journal of the American Oriental Society, v.71, n.3, p.161-166, jul.-sep. 1951.
  • KIRCHER, A. La Chine d’Athanase Kirchere, De la Compagnie de Jesus, Illustrée de plusieurs Monuments tant Sacrés que Profanes, et de quantité de Recherchés de la Nature & de l’Art Amsterdam: [s.n.], 1670.
  • LACH, D. Leibniz and China. Journal of the History of Ideas, University of Pennsylvania Press, v.6, n.4, p.436-455, oct. 1945. .
  • LE COMTE, L. Nouveaux Mémoires sur l’état présent de la Chine Paris, 1696.
  • LEE, T. H. C. China and Europa: images and influences on sixteenth to eighteenth centuries. Hong Kong: The Chinese University Press, 1991.
  • LEHNER, G. China in European Encyclopedias – 1700-1850 Leiden: Brill, 2011.
  • LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 1: the eastern traditions of linguistics. New York: Longman Publishing, 1994.
  • LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 2: Classical and Medieval Linguistics. Routledge, 2014a.
  • LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 3: Renaissance and Early Modern Linguistics. Routledge, 2014b.
  • LOCKE, J. An Essay Concerning Human Understanding. 2 vols. Oxford, 1690.
  • LURIE, D. Language, writing, and disciplinarity in the Critique of the ‘‘Ideographic Myth’’: Some proleptical remarks. Language & Communication, 26, p.250-268, 2006.
  • MAFFEI, G. P. Ioannis Petri Maffeii Bergomatis e societate Iesu historiarum indicarum libri XVI: selectarum item ex India Epistolarum eodem interprete Libri IV: accessit Ignatii Loiolae vita postremo recognita. Et in opera singula copiosus index. Florença: [s.n.], 1588.
  • MAIR, V. Sound and Meaning in the History of Characters: Views of China’s Earliest Script Reformers. In: ERBAUGH, M. (Ed.). Difficult characters Interdisciplinary studies of Chinese and Japanese writing, 2002.
  • MALPEINES, M-A. L. de. Essai sur les hiéroglyphes des Égyptiens 2 vols. Paris, 1744.
  • MARTINI, M. Martini Martinii Sinicæ historiæ decas prima: res a gentis origine ad Christum natum in extrema Asia, sive magno Sinarum imperio gestas complexa. Munique: [s.n.], 1658.
  • MENTZEL, C. Sylloge minutiarum lexici latino-sinici-characteristici ex Auctoribus & Lexicis Chinefium Characterifticis eruta, inque Specimen Primi Laboris ulteriùs exantlandi Erudito & Curiofo Orbi Nuremberg: [s.n.], 1685.
  • MÜLLER, A. Inventum Brandenburgicum sive Andreae Mulleri Greiffenhagi, Praepositi Berlinensis, Proposito super Clave sua Sinica Brandenburg, 1674.
  • MUNGELLO, D. E. Curious Land: Jesuit accomodation and the origins of sinology. University of Hawai'i Press, 1985.
  • MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800 London: Rowman & Littlefield, 2013.
  • NANCY, J.-L. The Sense of the World Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997 [1993].
  • NORMAN, J. Chinese Cambridge University Press, 1988.
  • PAULUK, M. Sistemas de escrita: abordagens, tipologias, perspectivas em semiótica. 227 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
  • PERCY, T. Miscellaneous Pieces Relating to the Chinese v.1. London, 1762.
  • PEYRAUBE, A. Some reflections on the sources of the Mashi Wentong. In: LACKNER, M.; AMELUNG, I.; KURTZ, K. (Ed.). New Terms for New Ideas. Western Knowledge and Lexical Change in Late Imperial China Leiden, 2001. p.341-356.
  • PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.
  • RAMSEY, R. China and the Ideal of Order in John Webb’s “An Historical Essay...”. Journal of the History of Ideas, v.62, n.3, p.483-503, 2001.
  • RÉMUSAT, A. Elements de la grammaire chinoise Paris, 1822.
  • RUGGIERI, M.; RICCI, M. Dicionário Português-Chinês WITEK, J. (Ed.). Ed. Trilingue. Macau: Biblioteca Nacional Portugal, Ricci Institute for Chinese-Western Cultural History, University of San Francisco e Instituto Português do Oriente, 2001.
  • SZCZESNIAK, B. The Origin of the Chinese Language According to Athanasius Kircher’s Theory. Journal of the American Oriental Society, v.72, n.1, p.21-29, jan.-mar. 1952.
  • TONG, Q. S. Between knowledge and ‘plagiarism,’ or, how the Chinese language was studied in the West. Language Sciences, 30, p.499-511, 2008.
  • TRIGAULT, N. De Christiana expeditione apud Sinas suscepta ab Societate Jesu Edição de Paris, 1615.
  • UNGER, J. M. The Very Idea. The Notion of Ideogram in China and Japan. Monumenta Nipponica, v.45, n.4, p.391-411, winter, 1990.
  • UNGER, J. M. Communications to the editor. Journal of Asian Studies, 52 (4), p.949-954, 1993.
  • VAN KLEY, E. J. Europe’s “Discovery” of China and the Writing of World History. The American Historical Review, v.76, n.2, p.358-385, apr. 1971.
  • WANG, L. 汉语语音史 Hanyu yuyin shi (History of Chinese phonetics), 2010 [1985].
  • WEBB, J. An historical essay endeavoring a probability that the language of the Empire of China is the primitive language London, 1669.
  • WENDAN, L. Chinese Writing and Caligraphy Latitude 20 Book, University of Hawai’i Press, 2009.
  • ZHANG, L. Mighty Opposites Stanford University Press, 1998.
  • ZHIQUN, C. Ideographic versus Phonetic: A Debate over the Nature of Chinese writing in the 1930s. Chinese Studies Review, n.1, v.3, may. 2008.
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (152017/2016-0).
  • 2
    Isto significa que as partes gráficas (os traços) dos caracteres simples não compõem outros caracteres, apenas unidades gráficas sem importe semântico ou fonético.
  • 3
    As categorias são: 1) 象形 xiàngxín, pictogramas, lit. “aparece na forma”; 2) 指示 zhǐshì, caracteres indicativos, lit. “indicar e mostrar”; 3) 會意 huìyì, caracteres associativos, lit. “juntar o significado”; 4) 形聲 xíngshēng, caracteres formados de um radical e um elemento fonético, lit. “aparência e som”; 5) 轉注 zhuǎnzhù, caracteres derivativos, lit. “mover e concentrar”; e 6) 假借 jiǎjiè, caracteres emprestados, lit. “emprestar e tomar emprestado.”
  • 4
    Para mais detalhes da emergência dos estudos fonológicos na China, veja-se Elman (1982)ELMAN, B. From Value to Fact: The Emergence of Phonology as a Precise Discipline in Late Imperial China. Journal of the American Oriental Society, v.102, n.3, p.493-500, jul.-oct. 1982., Lepschy (1994)LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 1: the eastern traditions of linguistics. New York: Longman Publishing, 1994., Auroux (1995)AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a., e Wang (2010)WANG, L. 汉语语音史 Hanyu yuyin shi (History of Chinese phonetics), 2010 [1985]..
  • 5
    Para introduções sobre a escrita chinesa, veja-se Wendan (2009)WENDAN, L. Chinese Writing and Caligraphy. Latitude 20 Book, University of Hawai’i Press, 2009., Alleton (2010) ou Barros Barreto (2011)BARROS BARRETO, C. Pensares sobre a escrita chinesa. 213 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011..
  • 6
    O termo “ocidente” usado no presente artigo não significa qualquer intenção em minimizar ou essencializar as vidas, histórias e culturas de nenhuma das regiões correspondentes às áreas de influência das línguas Indo-Europeias e da cultura chinesa no extremo-oriente. Historicamente há uma forte tendência dos estudiosos na Europa em ver a China como uma entidade monolítica, o mesmo se aplicando à própria Europa e o “mundo ocidental.” Para maiores informações, veja-se Nancy (1997NANCY, J.-L. The Sense of the World. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997 [1993]., p.6), Norman (1988NORMAN, J. Chinese. Cambridge University Press, 1988., p.16), Zhang (1998)ZHANG, L. Mighty Opposites. Stanford University Press, 1998., Casacchia (InAUROUX, 1995AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a.) e Porter (2001)PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001..
  • 7
    Todas as citações do presente artigo foram traduzidas pelo autor.
  • 8
    O locus classicus desta visão é a breve passagem 16a3 no tratado Da Interpretatione de Aristóteles.
  • 9
    Para maiores detalhes, veja-se Barros Barreto (2011)BARROS BARRETO, C. Pensares sobre a escrita chinesa. 213 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011..
  • 10
    O termo “gramatologia” tem várias acepções e seu uso por Derrida no texto homônimo de 1967 é particularmente influente. Neste artigo ele está sendo empregado de uma maneira mais geral como “estudo dos sistema de escrita no mundo.” Como nos informa Daniels (1990)DANIELS, P. Fundamentals of Grammatology, Journal of the American Oriental Society 110, p.727-731, 1990., foi I. G. Gelb que primeiro usou este termo no seu prestigioso Study of Writing de 1952.
  • 11
    Veja-se, por exemplo, Alleton (1997ALLETON, V. (Org.). Paroles à dire, parole à écrire. Paris: Édition de l’école des hautes études en sciences sociales, 1997., 2008ALLETON, V. L’écriture chinoise: le défi de la modernité. Paris: Éditions Albin Michel, 2008.), Mair (2002)MAIR, V. Sound and Meaning in the History of Characters: Views of China’s Earliest Script Reformers. In: ERBAUGH, M. (Ed.). Difficult characters. Interdisciplinary studies of Chinese and Japanese writing, 2002., Galambos (2006)GALAMBOS, I. Orthography of Early Chinese Writing: evidence from newly excavated manuscripts. Budapest Monographs in East Asian Studies, 2006., Bottéro e Djamouri (2006)BOTTÉRO, F.; DJAMOURI, R. Écriture chinoise: données, usages et répresentations. Paris: EHESS, 2006., Wendan (2009)WENDAN, L. Chinese Writing and Caligraphy. Latitude 20 Book, University of Hawai’i Press, 2009. e Branner et al. (2011)BRANNER, D.; FENG, Li. (Ed.). Writing and Literacy in Early China. Seattle: University of Washington Press, 2011..
  • 12
    Desde sua “redescoberta” no século XVI e XVII a escrita chinesa foi muitas vezes chamada de “hieroglífica” devido aos paralelos pictóricos que os estudiosos europeus percebiam em relação à escrita do Egito Antigo. Os dois sistemas de escrita foram portanto frequentemente estudados em conjunto. Para maiores detalhes, veja-se Hudson (1994)HUDSON, N. Writing and European Thougth – 1600-1830. Cambridge University Press, 1994., Auroux (1995)AUROUX, S. Histoire des Idées Linguistiques (tome 1). Liège: Pierre Mardaga Editeur, 1995a., Lepschy (2014aLEPSCHY, G. History of Linguistics vol 2: Classical and Medieval Linguistics. Routledge, 2014a.,bLEPSCHY, G. History of Linguistics vol 3: Renaissance and Early Modern Linguistics. Routledge, 2014b.).
  • 13
    Sobre a procura pelo caractere real na Europa após o século XVIII, veja-se Hudson (1994)HUDSON, N. Writing and European Thougth – 1600-1830. Cambridge University Press, 1994., Lepschy (1994b)LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 3: Renaissance and Early Modern Linguistics. Routledge, 2014b. e Harris e Taylor (1997)HARRIS, R.; TAYLOR, T. Landmarks in Linguistic Thought. v. 1. London e New York: Routledge, 1997..
  • 14
    O livro de Mendoza e também a edição Historia natural y moral de las Indias de José de Acosta de 1590 terão uma influência direta sobre Francis Bacon (1561-1626) quando da publicação do seu prestigioso The Advancement of Learning em 1605. Em uma importante passagem (livro 6, capítulo 1) Bacon recorre à escrita chinesa para questionar a ideia tradicional de origem grega da escrita como representação da fala, supondo que a escrita chinesa possa ser um possível candidato para um caractere real, forma universal de comunicação entre os povos de diferentes línguas.
  • 15
    O trabalho de Locke sob certos aspectos sinaliza o começo do fim da procura pelo ideal da pureza linguística quando o autor admite que as incorreções da linguagem são inevitáveis. Para Locke o mito da linguagem perfeita era devido à equivocada noção de que a linguagem se referia às coisas do mundo, quando na verdade as línguas seriam motivadas pelas ideias subjetivas que cada um tem sobre o mundo (LOCKE, 1690LOCKE, J. An Essay Concerning Human Understanding. 2 vols. Oxford, 1690.[1894]; HARRIS; TAYLOR, 1997HARRIS, R.; TAYLOR, T. Landmarks in Linguistic Thought. v. 1. London e New York: Routledge, 1997.; PORTER, 2001PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001.). Todavia, como veremos, o projeto da escrita chinesa como alternativa para esta ligação natural (e não arbitrária) permanecerá ainda vivo muitas décadas após Locke.
  • 16
    Para uma leitura crítica sobre o impacto da obra de Kircher, veja Szczesniak (1952)SZCZESNIAK, B. The Origin of the Chinese Language According to Athanasius Kircher’s Theory. Journal of the American Oriental Society, v.72, n.1, p.21-29, jan.-mar. 1952., Hudson (1994)HUDSON, N. Writing and European Thougth – 1600-1830. Cambridge University Press, 1994., Porter (2001)PORTER, D. Ideographia: The Chinese Cipher in Early Modern Europe. Stanford, 2001. e Lepschy (2014)LEPSCHY, G. History of Linguistics vol 2: Classical and Medieval Linguistics. Routledge, 2014a..
  • 17
    Um trecho que livro de Warburton que trata das escritas “hieroglíficas” – inclusive o chinês – será logo traduzido para o francês em 1744 por Marc-Antoine Léonard des Malpeines, com um artigo sobre o chinês escrito por Nicolas Fréret.
  • 18
    Prémare pertenceu ao chamado grupo dos “figuristas” na China (MUNGELLO, 2013MUNGELLO, D. E. The Great Encounter of China and the West, 1500-1800. London: Rowman & Littlefield, 2013.; LEE, 1991LEE, T. H. C. China and Europa: images and influences on sixteenth to eighteenth centuries. Hong Kong: The Chinese University Press, 1991.), autores influenciados pelo seu professor, o padre Joachim Bouvet (1656-1730) e que estavam convencidos que os livros canônicos chineses escondiam a verdade da revelação cristã original através de formas figurativas e simbólicas. Contrário a autores que viram no chinês uma verdade universal emanando de seu próprio sistema de escrita e fala, para Prémare a verdade dos caracteres chineses baseava-se na palavra do Deus cristão, e era portanto inacessível aos chineses do seu tempo.
  • 19
    Du Halde escreveu Description géographique, historique, chronologique, politique, et physique de l’empire de la Chine et de la Tartarie chinoise [...] em 1736 e advogou uma clara separação entre a escrita e a fala chinesa, argumentando que a segunda não poderia ser limitada pela primeira.
  • 20
    Dois autores percursores em sua abordagem foneticista foram o português Joaquim Afonso Gonçalves (1781-1834) e o franco-italiano JM Callery (1810-1862). Gonçalves escreveu Arte China: constante de alphabeto e grammatica (1829) e criou um “alfabeto” para os caracteres chineses, sinais gráficos nos caracteres a que chamou de diferenças, em um total de 1411 grupos fonéticos, no que poderia ser o mais antigo silabário chinês construído por um europeu. O livro de Gonçalves foi logo seguido pelo de Callery com seu Systema phoneticum scripturae sinicae de 1841. Callery foi um missionário católico que também fez a proposta de um silabário para a escrita chinesa, com 1.040 caracteres representando fonemas na língua falada chinesa.
  • 21
    DuPonceau faz essa afirmação se apoiando em citação ao trabalho de Rémusat, entretanto o texto do sinólogo francês é menos assertivo e chega mesmo a afirmar que “os signos de sua escrita [chinesa], tomados em geral, não exprimem sua pronúncia, mas sim ideias. A língua falada e a escrita são portanto bem distintas e separadas”. (RÉMUSAT, 1822RÉMUSAT, A. Elements de la grammaire chinoise. Paris, 1822., p.1)
  • 22
    Alguns exemplos são: Léon de Roisny. Les écritures figuratives et hiéroglyphique des différent peoples. (1860); Frank Chalfant, Memoirs of the Carnegie Museum: Early chinese writing (1862) e John Chalmers. Origin of the Chinese […] (1866).
  • 23
    Um exemplo é: William Martin, The Analytical Reader: a Short Method for Learning to Read and Write Chinese (1897).
  • 24
    Alguns trabalhos desta época foram, por exemplo, J. Edkins na sua Introduction to Chinese Characters de 1876 e Z. Volipicelli em 1896 com Chinese Phonology.
  • 25
    A despeito da importância inestimável do trabalho de Karlgren ao fornecer os dados fonológicos históricos necessários à teoria do foneticismo na escrita chinesa, o sinólogo sueco manteve uma visão “antiquada” da escrita chinesa como ideográfica, como mostra em seu Sound & Symbol in Chinese (1923, p.16) (adaptado de Ordet och Pennan i Mittens Rike de 1918): “como eles [os caracteres chineses] não constituem uma escrita fonética mas sim ideográfica, eles não dão qualquer sugestão dos sons que formaram as palavras no chinês antigo”. Deve-se também observar porém que as reconstruções de Karlgren foram extensamente revisadas e criticadas por sinólogos modernos e contemporâneos, como em Baxter (1992)BAXTER, W. A Handbook of Old Chinese Phonology. Berlin: Mouton de Gruyter, 1992. e Baxter e Sagart (2014)BAXTER, W.; SAGART, L. Old Chinese: a new reconstruction. Oxford University Press, 2014..
  • 26
    Entre outros, Peter Boodberg (1937BOODBERG, P. A. Some proleptical remarks on the evolution of Archaic Chinese. Harvard Journal of Asiatic Studies, 2, p.329-372, 1937., 1940BOODBERG, P. A. ‘Ideography’ or ‘iconolatry’, T’oung-pao, 35, p.266-288, 1940.), George Kennedy (1951)KENNEDY, G. The Monosyllabic Myth. Journal of the American Oriental Society, v.71, n.3, p.161-166, jul.-sep. 1951., Marshal Unger (1990UNGER, J. M. The Very Idea. The Notion of Ideogram in China and Japan. Monumenta Nipponica, v.45, n.4, p.391-411, winter, 1990., 1993UNGER, J. M. Communications to the editor. Journal of Asian Studies, 52 (4), p.949-954, 1993.), William Boltz (1994)BOLTZ, W. Origin and Early Development of the Chinese Writing System. v.78. New Haven: American Oriental Series, 1994., Victor Mair (2002)MAIR, V. Sound and Meaning in the History of Characters: Views of China’s Earliest Script Reformers. In: ERBAUGH, M. (Ed.). Difficult characters. Interdisciplinary studies of Chinese and Japanese writing, 2002. e Imre Galambos (2006)GALAMBOS, I. Orthography of Early Chinese Writing: evidence from newly excavated manuscripts. Budapest Monographs in East Asian Studies, 2006..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2016
  • Aceito
    17 Jan 2017
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Quirino de Andrade, 215, 01049-010 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 5627-0233 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: alfa@unesp.br