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RETÓRICA, ARGUMENTAÇÃO E ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO

RESUMO:

Este texto propõe um diálogo entre a antiga retórica e análise dialógica do discurso, baseada na obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo. Busca observar como os ensinamentos retóricos ecoam no pensamento bakhtiniano, buscando convergências e divergências entre ambos. Primeiramente, o diálogo proposto é com a retórica aristotélica, a seguir com as críticas de Platão a seu uso e funcionamento. Nosso objetivo é compreender as relações e possibilidades dialógicas entre a retórica e a obra do Círculo, defendendo a produtividade da aliança entre esses dois aportes teóricos na compreensão e produção do discurso e da argumentação. Considerando que são várias as concordâncias, mas também as críticas em relação à retórica encontradas naquela obra, é importante compreendê-las para que a aliança teórica se dê em bases epistemológicas confiáveis e seja produtiva.

PALAVRAS-CHAVE:
Retórica; Argumentação; Bakhtin e o Círculo; Aristóteles; Platão

ABSTRACT:

This paper proposes a dialogue between ancient rhetoric and the dialogic analysis of discourse, based on the oeuvre of Mikhail Bakhtin and the Circle. It aims to examine how teachings of rhetoric echo in the Bakhtinian thought, seeking consonances and dissonances between them. We propose a dialogue with Aristotle’s rhetoric and then with Plato’s criticism to its use and functioning. Our goal is to understand the relations and dialogic possibilities between rhetoric and the Circle’s oeuvre, arguing for the productivity of their alliance to the understanding and production of discourse and argumentation. Taking into account that they agree on several points, but also acknowledging the criticisms in the works of the Bakhtin Circle as regards rhetoric, we find it important to understand them so that this theoretical alliance can be grounded on reliable epistemological bases and be productive.

KEYWORDS:
Rhetoric; Argumentation; Bakhtin and the Circle; Aristotle; Plato

Natureza dialógica da consciência, natureza dialógica da própria vida humana. A única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida do homem é o diálogo inconcluso. A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

Mikhail Bakhtin

A dialogia, ou o dialogismo, é conceito amplamente aceito nas teorias da linguagem há um bom tempo. Sob diferentes nomes, ainda que com nuances diversas – polifonia, dialogismo, heterogeneidade constitutiva ou mostrada, intertextualidade, interdiscursividade, o dialogismo como princípio constitutivo de sentidos de diferentes discursos tem sido bastante estudado sob variadas perspectivas teóricas. Marco no reconhecimento da importância da noção foi a descoberta da obra bakhtiniana no Ocidente, especialmente por meio dos escritos da semioticista búlgara Julia Kristeva – os primeiros, em 1967 (cf. FIORIN, 2008FIORIN, J. L. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p.161-193.). Compreendido de forma ampla - não apenas a interação face a face –, o diálogo é a realidade fundamental da língua, ocorrendo na interação discursiva entre enunciados concretos, tanto orais como impressos. Como afirma Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.219-220, grifo do autor):

Todo enunciado, por mais significativo e acabado que seja, é apenas um momento da comunicação discursiva ininterrupta (cotidiana, literária, científica, política). No entanto, essa comunicação discursiva ininterrupta é, por sua vez, apenas um momento da constituição ininterrupta e multilateral de uma dada coletividade social. Disso surge um problema importante: o estudo do elo entre a interação concreta e a situação extraverbal mais próxima e, por meio desta, a situação mais ampla. As formas desse elo são diversas e cada uma delas condiciona as diferentes significações que as situações adquirem em momentos variados (por exemplo, esses elos variam em conformidade com cada um dos momentos das situações da comunicação artística ou científica). A comunicação discursiva nunca poderá ser compreendida nem explicada fora dessa ligação com a situação concreta.

Ao propormos este diálogo entre a obra bakhtiniana e a retórica, é importante iniciarmos com o destaque a esse conceito, pois, em ambos os aportes teóricos, estamos tratando de comunicações discursivas - tidas como ações, situadas cultural, histórica e socialmente. Nas trocas de discursos entre enunciados/enunciadores, os sentidos se constroem e se constituem por meio de relações dialógicas, sempre avaliativas, visto que os enunciados expressam posicionamentos (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M.; DUVAKIN, V Mikhail Bakhtin em diálogo – Conversas de 1973 com Viktor Duvakin. Trad. de Daniela Miotello Mondardo, a partir da edição italiana. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008.).

Muito se tem estudado e comentado a respeito das fontes filosóficas do pensamento de Bakhtin e o Círculo; ou de seus interlocutores. Menos se tem falado acerca de suas possíveis filiações e/ou aproximações com a retórica. É numa linha de tradição e permanência, ainda que com rupturas e agora sob novos olhares, que se insere este estudo, propondo um diálogo entre o pensamento bakhtiniano e a antiga disciplina. A retórica é a mais antiga disciplina do mundo ocidental que se interessou pelos estudos do discurso, exercendo uma forte influência também na literatura ao longo do tempo. Por mais de dois mil e quinhentos anos, desde o séc. V aC, constituiu-se o centro da educação do homem livre, tanto na Grécia como em Roma. Ainda durante todo o Império Romano, vamos reconhecer os estudos retóricos vivos e presentes, parte do Trivium, ao lado da Gramática e da Dialética, ora nos mosteiros e abadias medievais, ora nas chancelarias reais; mais adiante, nas universidades. Reconhecidos como essenciais à educação do homem, tais estudos nasceram intimamente ligados à democracia grega, mas raramente evoluíram em conexão com a ideia de que a palavra e seu uso pudessem ser acessíveis a todos.

De fato, no decorrer de sua existência de mais de dois milênios e meio, a retórica se alterou continuamente, imbricando-se ora com a dialética, ora com a lógica, ora com a poética. No alvorecer dos modernos estados, após a Idade Média, a retórica continua ativa e presente até, ao menos, meados do séc. XIX. Se, a partir daí, contudo, o desprestígio da antiga disciplina se acentua – é preciso reconhecer que desde Platão é vista com desconfiança! -, o que indubitavelmente se enfatiza a partir das luzes e o reconhecimento da razão cartesiana, baseada na evidência racional, isso não significou necessariamente seu desaparecimento. Permanece na educação por mais um longo tempo, identificada como tal ou influenciando grandemente o ensino da escrita até o princípio do séc. XX (ou até hoje…).1 1 No Brasil, a eliminação da retórica e poética como matérias de ensino ocorre na última década do séc. XIX, mas “resíduos e sobrevivências” são claramente discerníveis no século XX, conforme aponta o minucioso estudo de Acízelo de Souza (1999). Na França, Philippe Breton (1999, p.133) acusa seu desaparecimento como disciplina de ensino nos liceus em 1902.

Também já se falou suficientemente de sua deslegitimação ao longo dos séculos e posterior ressurgimento, refundação ou mesmo revitalização. Ou ainda sobre como vem readquirindo, se não o antigo prestígio, ao menos o reconhecimento de sua importância a partir, sobretudo, de 1958, com o Tratado da argumentação, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, e Os usos do argumento, de Stephen Toulmin, da mesma data. E é nesse ponto que começamos a promover um diálogo entre a antiga disciplina e a análise dialógica do discurso, concebida a partir da obra de Bakhtin e o Círculo2 2 Há importantes traduções recentes da obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo. De modo geral, aqui optamos pelas citações das traduções diretamente do russo, a partir das traduções recentes. Algumas vezes, no entanto, especialmente nas referências de O discurso no romance (BAKHTIN, 1993b, 2015), utilizamos a tradução mais antiga, também realizada a partir do russo. . Vivendo na mesma época e partilhando praticamente um mesmo meio filosófico e acadêmico, a rejeição a uma herança racionalista e cartesiana - e mais especificamente positivista, constitui-se um primeiro aspecto comum a Mikhail Bakhtin (1895-1975)3 3 Em 1929, data de publicação de Marxismo e filosofia da linguagem, Valentin Volóchinov (1895-1936), do assim chamado Círculo de Bakhtin, já rejeitava o positivismo, ao criticar a “[…] compreensão positivista do empírico: o culto do ‘fato’ que não é compreendido do ponto de vista dialético, mas como algo inabalável e firme.” (VOLÓCHINOV, 2017, p.84; cf. ainda a nota de rodapé 3). Cf. ainda: “Nos domínios da poética, da história da literatura (da história em geral, das ideologias), e também num grau significativo na filosofia da palavra, nenhum outro enfoque é possível. Nestes domínios, o mais árido, o mais plano positivismo não pode tratar a palavra de um modo neutro como uma coisa e aqui eu devo não apenas me referir à palavra, mas também falar com ela, a fim de penetrar no seu sentido ideológico, acessível apenas a uma cognição dialógica - que inclui tanto sua valorização como sua resposta.” (BAKHTIN, 1993b, p.151). e a Chaïm Perelman (1912-1984)4 4 Perelman, no ensaio Lógica jurídica e nova retórica afirma: “A concepção positivista tinha como consequência inevitável restringir o papel da lógica, dos métodos científicos e da razão a problemas de conhecimento puramente teóricos, negando a possibilidade de um uso prático da razão. Opunha-se, por isso, à tradição aristotélica, que admitia uma razão prática, que se aplica a todos os domínios da ação, desde a ética até a política, e justifica a filosofia como a busca da sabedoria.” (PERELMAN, 1998, p.136). Ou ainda ao opor Lógica ou retórica (PERELMAN, 1997, p.89): “Hoje que perdemos as ilusões do racionalismo e do positivismo, e que nos damos conta da existência das noções confusas e da importância dos juízos de valor, a retórica deve voltar a ser um estudo vivo, uma técnica da argumentação nas relações humanas e uma lógica dos juízos de valor.” , criador da nova retórica. Realmente, segundo Brandist (2015)BRANDIST, C. A virada histórica de Bakhtin e seus antecedentes soviéticos / Bakhtin's Historical Turn and Its Soviet Antecedents. Trad. B.L-D. E MHCP. Bakhtiniana, São Paulo, v.11, n.1, p.18-41, jan./abr. 2015., era de rigueur rejeitar o positivismo na URSS, onde era tratado como algo análogo a fetiche, por coletar fatos a partir de interesses próprios e impor um determinismo natural vulgar aos fenômenos sociais.

Filósofos ambos5 5 Bakhtin se define como filósofo e pensador a Duvakin (não filólogo) (BAKHTIN; DUVAKIN, 2008, p.45). - Bakhtin e Perelman -, na busca de uma lógica dos julgamentos de valor, Perelman parte da filosofia moral para os estudos que dão origem à nova retórica, o que o leva ao encontro das antigas retórica e dialética aristotélicas. Segundo ele, é o modelo cientificista do conhecimento que se esgota, motivando a ruptura e a não aceitação do cientificismo como adequados a sua investigação. Os primeiros estudos de Bakhtin também são dedicados à filosofia moral, ao projeto de desenvolvimento de uma filosofia primeira, que rejeita como verdade uma concepção composta de momentos gerais e universais, separada e contraposta ao singular e subjetivo, irreiterável e irrepetível (cf. PONZIO, 2010PONZIO, A. A concepção bakhtiniana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos, SP: Pedro & João, 2010. p.9-38., p.16-17): “Cada valor que apresente validade geral se torna realmente válido somente em um contexto singular.”, afirma Bakhtin (2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. [1920-1924]., p.90).

Na realidade, se numa rápida apreensão de suas obras esses autores podem nos revelar similaridades, examinando-as mais detidamente observamos que caminham em direções distintas, mas com um destaque contínuo e bastante acentuado no que se refere à importância dada aos valores: a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996)PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: A nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. expressa a preocupação de um lógico desejoso de compreender, sobretudo, um raciocínio fundado em valores do preferível, do provável e do razoável, tão válido como aquele baseado na lógica racional. O pensamento bakhtiniano também é todo estruturado em torno da questão dos valores, em relação à cultura, à vida, ao conhecimento: “Viver significa ocupar uma posição axiológica em cada momento da vida, significa firmarse axiologicamente.” (BAKHTIN, 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927]., p.174). Poderíamos continuar traçando esses paralelos, mas, daqui em diante, nosso diálogo será com a retórica, a antiga disciplina, que tanto serviu de ponto de partida para os estudos perelmanianos como, sem dúvida, participou da formação dos membros do Círculo. E afirmamos isso levando em consideração as vezes em que é mencionada com pouco entusiasmo na obra bakhtiniana.

Nós fomos formados pela retórica. Perelman, Bakhtin e os membros do Círculo também. Na contemporaneidade, alguns, como Mosca (2001)MOSCA, L. Velhas e novas retóricas: convergências e desdobramentos. In: MOSCA, L. (org.). Retóricas de ontem e de hoje. 2.ed. São Paulo: Humanitas: FFLCH/USP, 20101. p.17-54., vão abordar as diferentes disciplinas da linguagem, aquelas que buscam os efeitos de sentido por ela criados, ou as ações que ela promove, ou novas classificações de figuras, ou mesmo novas compreensões do fenômeno argumentativo, como desdobramentos da velha retórica. Segundo a autora, seriam as retóricas de ontem e de hoje. Mais recentemente, Fiorin apresenta uma obra que retoma os estudos sobre a argumentação, destacando que vai estudá-la no discurso e que o modo de funcionamento real de todo discurso é o dialogismo. Sem descartar a antiga disciplina, ele ressalta a importância de “herdar a retórica”, o que significa “lê-la à luz dos problemas teóricos enunciados na atualidade” nos estudos discursivos (FIORIN, 2015FIORIN, J. L. Argumentação. São Paulo: Contexto, 2015., p.26). É na esteira desses dois autores que empreendemos este estudo, mostrando que a obra bakhtiniana e, especialmente, a vertente que tem sido chamada de Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2006BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n.20, p.47-62, 2006., 2008BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: outros conceitoschave. São Paulo: Contexto, 2008. p.9-31.), também poderia ser considerada um novo desdobramento da retórica.

A intensa revitalização dos estudos retóricos que temos vivido ultimamente tem produzido inúmeros trabalhos acadêmicos em áreas como a filosofia, o direito e as letras (linguística, literatura e letras clássicas), e suas interfaces. Mas, se ao longo de sua história a prática retórica foi considerada (1) uma técnica (arte, no sentido clássico), isto é, um conjunto de regras para a criação do discurso persuasivo; (2) um objeto de ensino; (3) uma ciência, no sentido de um estudo sistemático dos recursos da linguagem (cf. GUIRAUD, 1970GUIRAUD, P. A estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970., p.35-36); (4) um “[…] corpo de prescrições morais, cujo papel é policiar (isto é, permitir ou limitar) os ‘distanciamentos’ da linguagem passional.” (BARTHES, 1975BARTHES, R. A retórica antiga. In: COHEN, J. et al. Pesquisas de retórica: Seleção de ensaio da revista Communications, n.10. Trad. Leda Pinto Mafra Iruzum. Petrópolis: Vozes, 1975. p.172-231., p.149); (5) uma prática social, que dá às classes privilegiadas o poder da palavra; (6) uma prática lúdica, composta de “[…] jogos, paródias, alusões eróticas, brincadeiras escolares e costumes próprios dos estudantes.” (cf. BARTHES, 1975BARTHES, R. A retórica antiga. In: COHEN, J. et al. Pesquisas de retórica: Seleção de ensaio da revista Communications, n.10. Trad. Leda Pinto Mafra Iruzum. Petrópolis: Vozes, 1975. p.172-231., p.148-149), são os dois (ou três) primeiros aspectos que sobressaem no ensino da retórica na Antiguidade grega e romana, e são eles que os ligam a uma prática da cidadania democrática. No entanto, hoje as diferentes teorias do discurso que têm estudado a argumentação, fazem-no preferentemente sob um viés mais teórico que prático, visando à sua compreensão e funcionamento e menos às questões de formação para a cidadania, tão presente em suas origens (VIDAL, 2011VIDAL, G. La dimensión política de la retórica griega. Rétor, Buenos Aires, v. 1, n. 1, p. 85-104, 2011.). Assim, ao constatarmos a penetração atual e constante do pensamento bakhtiniano6 6 Considera-se “obra bakhtiniana” o conjunto de textos produzidos por Mikhail Bakhtin e um grupo de estudiosos de diferentes áreas, dentre os quais se destacam, no âmbito dos estudos da linguagem, Valentin N. Volóchinov e Pavel Medviédev (Cf. BRAIT, 2008, entre outros). em nossa educação, consideramos importante examinar como a obra bakhtiniana dela trata e as contribuições que podem oferecer aos estudos da argumentação. E a primeira constatação seria, talvez, que muito provavelmente a viram, nas palavras de Barthes (1975BARTHES, R. A retórica antiga. In: COHEN, J. et al. Pesquisas de retórica: Seleção de ensaio da revista Communications, n.10. Trad. Leda Pinto Mafra Iruzum. Petrópolis: Vozes, 1975. p.172-231., p.149), como “[…] uma prática social, que dá às classes privilegiadas o poder da palavra.” Desenvolveremos adiante esse ponto.

Neste estudo, pois, nosso foco será a apresentação das possibilidades dialógicas entre a retórica e a teoria do discurso do Círculo de Bakhtin, buscando as contribuições que a segunda pode oferecer aos estudos da argumentação. Inicialmente é importante lembrar que, muito do que aparece no trabalho de Aristóteles como específico da comunicação retórica aparece em Bakhtin como característico de toda comunicação discursiva. Na obra do Círculo, o discurso é compreendido em sua integridade concreta e viva, situado espacial e temporalmente, com um autor e um destinatário; seu sentido é dado na interação do verbal com o extraverbal (Cf. BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., 2016bBAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016b. p.71-110. [1951-1953].; VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.). Quase o mesmo acontecia na retórica antiga, que também tratava do discurso situado, cada gênero se dedicando a situações, interlocutores, tema e finalidades concretas e definidas. Para ambas a linguagem é ação. E o discurso (ou enunciado concreto), no sentido bakhtiniano, está fora do alcance da linguística, conforme bem lembra Volóchinov (2017VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.194): “O máximo que a linguística pode abarcar é a construção de um período composto. Já a construção de um enunciado inteiro, a linguística deixa para outras disciplinas: a retórica e a poética.”

No entanto, não são apenas as aproximações que permitem o diálogo proposto entre a teoria dialógica do discurso e a retórica. Há importantes conceitos na obra do Círculo que se revelam especialmente úteis na compreensão e análise da argumentação e persuasão discursivas, como entonação apreciativa, discurso autoritário e internamente persuasivo, bivocalidade, entre outros. Quanto ao último, é preciso lembrar a crítica de Bakhtin à bivocalidade nos gêneros retóricos que, segundo ele, não é profunda, “permanecendo nos limites de sistema linguístico único” (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935]., p.128; 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.114) e construindo-se basicamente sobre discordâncias (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935].; 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927]., 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963].). Isto é, segundo o Círculo, o fato de o discurso retórico partir de controvérsias constituiria apenas um dos aspectos da argumentação, pois o fenômeno discursivo comporta uma visão mais ampla e contextualizada social, espacial e historicamente, com o reconhecimento das ideologias em jogo. Além disso, Bakhtin critica o fato de a retórica não admitir o heterodiscurso (plurilinguismo)7 7 Sobre a importância do heterodiscurso (na tradução anterior, de Fornoni Bernardini et al, plurilinguismo), diz ele: “É necessário que o heterodiscurso sacuda a consciência cultural e sua linguagem, penetre em seus núcleos, relativize e livre da ingênua indiscutibilidade o sistema basilar de linguagem da ideologia e da literatura.” (BAKHTIN, 2015, p.169). , o que redunda numa visão estática da língua, tomada como um sistema linguístico único sem relação com as “forças históricas que estratificam a linguagem” (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935]., p.128; 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.114); e destaca o monologismo das formas composicionais retóricas8 8 A questão do monologismo do discurso retórico continua sendo bastante polêmica, ou seja, depende de como compreendemos dialogismo/monologismo e, ainda, de como compreendemos aquilo que vai se denominar o “discurso retórico”, questão para a qual também não existe consenso, lembra-nos Bialostosky (2004, p.393): “O fato de Bakhtin ter colocado o discurso retórico do lado do monologismo em sua distinção fundamental entre discursos monológicos e dialógicos provocou Halasek (1998) a demonstrar como a retórica é mais dialógica do que Bakhtin admite; Walzer (1997) e Murphy (2001) a reafirmar seu monologismo essencial, e Dentith (1997) a negar a distinção entre discurso dialógico e monológico”. [His placement of rhetoric on the monologic side of his fundamental distinction between dialogic and monologic discourse has provoked Halasek (1998) to show that rhetoric is more dialogic than Bakhtin allows, Walzer (1997) and Murphy (2001) to reaffirm its essential monologism, and Dentith (1997) to deny the distinction between dialogic and monologic discourse altogether]. , por vezes fundamental e constitutivo delas, “direcionadas para o ouvinte e sua resposta” (BAKHTIN, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.53). Ainda assim, em outros trechos da obra, ele relativiza o monólogo, apontando a não existência do monólogo absoluto, e destaca as diferenças entre monólogo9 9 Sobre as diferenças entre monólogo e diálogo, vale consultar o ensaio Diálogo I. A questão do discurso dialógico, escrito por Bakhtin em 1950, e recentemente traduzido para o português por Paulo Bezerra (BAKHTING, 2016b, p.113-124). e diálogo.

Naturalmente, há diferentes abordagens possíveis quando se propõe este diálogo, mas há um primeiro aspecto que pode deixar o pesquisador um tanto desconfortável: é o fato de Bakhtin e os autores do Círculo se expressarem, muitas vezes, com desconfiança em relação à retórica. Abordaremos este ponto na primeira parte deste artigo, na proposição do diálogo bakhtiniano com a tradição retórica aristotélica10 10 Parte deste item foi publicada anteriormente no periódico argentino Rétor (PISTORI, 2013, p.60-85). No entanto, como o objetivo deste artigo é recuperar tanto a tradição aristotélica quanto a platônica no diálogo da retórica com a obra bakhtiniana, optamos por manter, neste item, parte essencial daquele texto. ; na segunda parte, propomos um diálogo com a crítica de Platão à retórica, e ainda possíveis relações com a dialogia.

Ao propor tais diálogos, nosso objetivo será observar como essas diferentes contribuições teóricas podem, em conjunto, ser produtivas para se compreender a produção, circulação e recepção de discursos expressos verbal ou verbo-visualmente. Esta aliança, porém, deve ser feita cuidadosamente, levando em consideração o modo como os membros do Círculo entenderam a retórica. Por isso, a proposta de verificação da tradição retórica na obra bakhtiniana, tanto a retórica aristotélica como a de Platão. De fato, defendemos que, embora possamos nos surpreender, em alguns momentos, com um posicionamento mais negativo e crítico em relação à antiga disciplina (ou até por causa dele…), essa eventual aliança certamente pode contribuir para a análise e compreensão de enunciados concretos; e, por consequência, cooperar para o ensino da argumentação no sentido de formadora de uma cidadania crítica e responsável.

Diálogo I: o pensamento bakhtiniano e a tradição retórica aristotélica

Iniciamos o diálogo pela retórica aristotélica, sobre a qual se alicerça tudo o que foi desenvolvido posteriormente, na medida em que o Estagirita foi o responsável tanto por sua sistematização quanto por reconhecer-lhe um espaço entre a dialética e a analítica, conciliando os pares antitéticos sobre os quais disputavam Platão e os sofistas: verdadeiro-verossímil, episteme-doxa11 11 Em sua Retórica, o Estagirita reuniu e organizou em uma totalidade coerente as descobertas de seus antecessores, procurando reparar os danos a ela causados pela posição de Platão. Os conhecimentos necessários – a Analítica; dos prováveis – da Dialética; e da opinião – a Retórica, dando à última um estatuto próprio: ela assume características de uma arte/techne, no sentido que a Antiguidade dá ao termo, sem prejudicar a filosofia e distinguindo-se dela. Fica claro, então, que o objetivo da retórica não é encontrar a verdade, necessária ou provável, mas persuadir um determinado público a partir da verossimilhança. Ela passa a comportar, a partir daí, um estudo lógico e não mais empírico da argumentação, uma psicologia das paixões e dos caracteres, e uma estilística, tudo visto sob uma perspectiva filosófica. Desprega-se a episteme, objeto da filosofia, da doxa, objeto da retórica. E Aristóteles delas separa ainda a dialética, tratada nos Tópicos, que também é da competência de todos os homens, mas baseia-se no provável, nas opiniões “geralmente aceitas”, que “todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes.” (100 b 20). Cf. Crítica de Platão, em Pistori (2001, p.43-47). . Observamos alguns aspectos de coerência e complementaridade entre a antiga disciplina e a teoria do discurso do Círculo de Bakhtin, sem deixar de reconhecer a especificidade e a contextualização de cada uma delas; depois, as discordâncias. Inicialmente, notemos que, em sua Retórica, Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) define a antiga disciplina apenas no capítulo II: “a capacidade de descobrir os meios de persuasão no tratamento de qualquer assunto” (ARISTÓTOLES, 1355b), pois o primeiro, além de observações introdutórias ao tratado, é dedicado justamente a mostrar-lhe a utilidade no convívio social. E, nessa medida, são questões valorativas que a justificam:

A retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que seus contrários. Donde se segue que, se as decisões não forem proferidas como convém, o verdadeiro e o justo serão necessariamente sacrificados: resultado este digno de censura. (ARISTÓTELES, 1355a).

[…] seria absurdo que a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e o não fosse a incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é mais próxima do homem do que o uso da força física. (ARISTÓTELES, 1355a).

No pensamento bakhtiniano, as questões valorativas ligam-se não apenas à palavra, mas à própria vida: “Viver significa ocupar uma posição axiológica em cada momento da vida, significa firmar-se axiologicamente.” (BAKHTIN, 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927]., p.174), afirma Mikhail Bakhtin em O autor e a personagem na atividade estética (BAKHTIN, 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927].); além disso, elas percorrem intensamente todos os textos do Círculo. Exemplificando brevemente: em Marxismo e filosofia da linguagem, publicado na Rússia em 1929, Volóchinov (2017)VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. trata do conteúdo do signo e da ênfase valorativa que acompanha todo conteúdo. Afirma ainda: “Não existe um enunciado sem avaliação. Todo enunciado é antes de tudo uma orientação avaliativa. Por isso, em um enunciado vivo, cada elemento não só significa mas também avalia.” (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: Problema fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017., p.236, grifo do autor). Afirmações como essas, que atestam a concepção do Círculo a respeito da inseparabilidade entre expressão e avaliação, encontram-se em diferentes momentos da obra bakhtiniana. Desde os textos da década de 1920 a encontramos, como vemos abaixo, em trecho de Para uma filosofia do ato responsável (1920/1924):

[…] a palavra não somente denota um objeto como de algum modo presente, mas expressa também com a sua entonação (uma palavra realmente pronunciada não pode evitar de ser entoada, a entonação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada) a minha atitude avaliativa em relação ao objeto […] (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. [1920-1924]., p.85).

No conhecido ensaio, O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas, publicado em 1976, lemos:

Todo enunciado pretende a justiça, a veracidade, a beleza e a verdade (o enunciado figurado), etc. Esses valores dos enunciados também não são determinados por sua relação com a língua (como sistema puramente linguístico), mas por diferentes formas de relação com a realidade, com o sujeito falante e com outros (alheios) enunciados (particularmente com aqueles que são avaliados como verdadeiros, belos, etc.). (BAKHTIN, 2006cBAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006c. p.307-336. [1959-1961]., p.329; 2016bBAKHTIN, M. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016b. p.71-110. [1951-1953]., p.100).

Esse destaque e ligação entre entonação e avaliação, presente em toda a obra bakhtiniana, também pode ser conferido na Retórica de Aristóteles. Como sabemos, os primeiro e segundo livros tratam da descoberta das provas, dos argumentos – é a inventio; no livro III, o filósofo grego trata das outras três operações de construção do discurso persuasivo: a dispositio, a elocutio e a actio (ou pronunciatio). Destaca, então, a importância da entonação no proferimento do discurso, afirmando que, embora tal questão possa ser considerada “vulgar”12 12 “Vulgar” no sentido de que “o juiz [é] uma pessoa simples” e a “arte” é tão comum que a “maioria das pessoas fazemno [o discurso retórico] um pouco ao acaso, sem discernimento” (Retórica, 1354a). , ela é necessária, pois “[…] a retórica está relacionada com a opinião pública … Pois o que é justo é que deve ser almejado num discurso, mais do que não desagradar ou agradar.” (Retórica, 1404a):

A pronunciação assenta na voz, ou seja, na forma como é necessário empregá-la de acordo com cada emoção (por vezes forte, por vezes, débil ou média) e como devem ser empregues os tons, ora agudos, ora graves ou médios, e também quais os ritmos de acordo com cada circunstância. Daí que, em qualquer método de ensino, seja necessário que haja algo referente à expressão; pois, no que respeita a demonstrar algo com clareza, há uma certa diferença entre exprimirmo-nos deste ou daquele modo. (ARISTÓTELES, 1404a).

A esse respeito, Bialostosky (2004)BIALOSTOSKY, D. Aristotle's Rhetoric and Bakhtin's Discourse Theory. In: JOST, W.; OLMSTED, W. (ed). A companion to rhetoric and rhetorical criticism. Malden: Oxford; Carlton: Blackwell Publishing, 2004. p.383-408. 13 13 Cf. Bialostosky (2004, p.383-408). Na realidade, o autor ainda mostra interessantes conexões entre a Poética e a análise que Bakhtin realiza da obra de Dostoiévski, a partir das próprias relações que Aristóteles produz entre a retórica e a poética. A esse respeito, ver Bialostosky (2016). realiza um paralelo bastante interessante entre o pensamento bakhtiniano e o aristotélico, afirmando que, em sua teoria do discurso, Bakhtin inverte a hierarquia das operações da retórica aristotélica, reabilitando a operação que ela menos valoriza - a actio, e subordinando a mais importante – a inventio, às demais, dispositio, elocutio e actio (delivery). Ele dá primazia à enunciação em si mesma, o que significa que poderíamos afirmar que elabora uma teoria da actio/pronunciatio, mais do que uma teoria da inventio, como fez o filósofo grego. Outro importante aspecto a discernir é que, se a retórica foi primeiramente oral, na obra bakhtiniana não há uma separação rígida entre a cultura oral e escrita, vinculando os autores a linguagem ao ato ético e responsável, com qualidade sonora – a entonação (cf. BUBNOVA, 2011BUBNOVA, T. Voz, sentido e diálogo em Bakhtin. Trad. Roberto Leiser Baronas e Fernanda Tonelli. Bakhtiniana, São Paulo, v.6, n.1, p.268-280, ago./dez. 2011.).

Outra questão que observamos, ainda no primeiro capítulo da Retórica, são as atribuições ao discurso de uma função de resposta a uma situação dada: diz Aristóteles que tal compreensão se liga à “justiça”: “[…] para que nos não escape o real estado da questão e para que, sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios estejamos habilitados a refutar os seus argumentos.” (ARISTÓTELES, 1355a). Aliás, tal recomendação é evocada por Bakhtin (2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.53, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.89): “Todas as formas retóricas, monológicas estão, por sua construção composicional, direcionadas para o ouvinte e sua resposta. Costuma-se até considerar essa diretriz fixada no ouvinte como peculiaridade constitutiva basilar do discurso retórico.” Na sequência do mesmo texto, Bakhtin equipara essa característica do discurso retórico ao diálogo corrente:

São próprios do diálogo corrente e da retórica também o registro composicionalmente expresso e a resposta do ouvinte, assim como toda e qualquer palavra direcionada para a interpretação responsiva, mas essa diretriz não se particulariza num ato independente e não é ressaltada em termos composicionais. A interpretação responsiva é uma força essencial que participa da formação do discurso, sendo ainda uma interpretação ativa, sentida pelo discurso como resistência ou apoio que o enriquecem. (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.89, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.53-54, grifo nosso).

Também há, no ensaio que se denominou Diálogo I., a questão do discurso dialógico:

A questão é bem mais complexa com o discurso dialógico: ao analisarmos uma réplica, devemos considerar a influência determinante do interlocutor e seu discurso, que se exprime na relação do próprio falante com o interlocutor e sua palavra. O elemento lógico-objetal da palavra torna-se o palco do encontro de interlocutores, a arena da formação dos seus pontos de vista e apreciações. (BAKHTIN, 2016cBAKHTIN, M. Diálogo I: a questão do discurso dialógico. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016c. p.113-124. [1997], p.123, grifo nosso).

No entanto, é bom lembrar que, como Aristóteles, na compreensão do posicionamento do outro Bakhtin amplia a questão, mais uma vez recorrendo à questão axiológica: “É impossível uma compreensão sem avaliação. Não se pode separar compreensão e avaliação: elas são simultâneas e constituem um ato único integral” (BAKHTIN, 2006eBAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006e. p.367-392. [1970-1971]., p.378; 2017BAKHTIN, M. Fragmentos dos anos 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Bocharov. São Paulo: Ed. 34, 2017. p.21-56. [1970-1971]., p.36), porque essa compreensão é dialógica, é resposta a outros enunciados na cadeia ininterrupta de enunciados concretos, ainda que não seja expressa de forma nítida (BAKHTIN, 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927]., p.298; 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016a. p.11-69. [1951-1953]., p.59).

Outra noção que relaciona e aproxima a retórica e a teoria dialógica do discurso é a de gêneros do discurso, claramente exposta no conhecido ensaio Os gêneros do discurso, de 1951-1953 (BAKHTIN, 2006aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p.3-192. [1924-1927]., p.261-306; 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016a. p.11-69. [1951-1953]., p.11-70), mas presente nos textos bakhtinianos desde a década de 192014 14 Ver Brait e Pistori (2012). . Atualmente é adotada no ensino de línguas nos documentos oficiais e, consequentemente, nos manuais didáticos. Pesquisadores como Machado (2008)MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p.151-166. e Rojo (2008)ROJO, R. Gêneros de discurso/texto como objeto de ensino de línguas: Um retorno ao trivium? In: SIGNORINI, I. (org.). [Re]Discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 73-108. já se debruçaram sobre o modo como as concepções de gêneros retóricos e poéticos da Antiguidade dialoga com a noção bakhtiniana, que retoma aspectos como tema, finalidade, situacionalidade e auditório, também tratados pelos gregos.

Quanto ao modo como os sentidos se constituem no enunciado, num artigo de 1926, “A palavra na vida e na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica”, cuja autoria é disputada (VOLOCHÍNOV/BAKHTIN), novamente encontramos ecos da antiga retórica:

[…] a situação extraverbal não é tão somente a causa externa da enunciação, nem atua sobre esta como uma força mecânica externa. Não; a situação forma parte da enunciação como a parte integral necessária de sua composição semântica. Portanto, uma enunciação da vida real, enquanto um todo pleno de sentido, se compõe em duas partes: 1) de uma parte realizada verbalmente e 2) do subentendido. É por isso que se pode comparar uma enunciação da vida real com um “entimema” (VOLOCHÍNOV/BAKHTIN, 2011VOLOCHÍNOV, V. (BAKHTIN, M. M.). A palavra na vida e na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica. In: VOLOCHÍNOV, V N.; BAKHTIN, M. M. Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro & João Editores, 2011. p.147-181., p.157, grifo do autor).

É a abordagem bakhtiniana do discurso como enunciado concreto, situado espacial e temporalmente, com um autor e destinatário, cujo sentido emana da interação do verbal com o extraverbal. Mas, nesse trecho, ela é apresentada por meio de uma terminologia retórica. Evoca-se o entimema, o silogismo retórico e mais simples, em que uma das premissas está subentendida: “o ouvinte restabelece-a por si próprio”' (ARISTÓTELES, Retórica, 1357a, 10-21), afirmava Aristóteles. Como mais uma vez podemos perceber, o enunciado retórico, que pode ser feito um pouco ao acaso por pessoas comuns (ARISTÓTELES, Retórica, 1354a), aproxima-se bastante do conceito de enunciado concreto, da língua viva, objeto de reflexão na obra bakhtiniana.

Neste diálogo de concordâncias e coerências, poderíamos ainda lembrar como tanto para a retórica antiga como para a teoria dialógica conteúdo/forma (res/verba) não se separam na constituição do sentido. No livro III, Aristóteles afirma: “Será necessário, agora, discorrer sobre a expressão. É que, na verdade, não basta possuir o que é preciso dizer, mas torna-se também forçoso expor o assunto de forma conveniente; e isto contribui em muito para mostrar de que tipo é o discurso” (ARISTÓTELES, 1404a, grifo nosso). Novamente, em A palavra na vida e na poesia, Volochínov afirma que “A forma em si não deve ser forçosamente agradável […]; a forma deve ser uma valoração convincente do conteúdo” (VOLOCHÍNOV/BAKHTIN, 2011VOLOCHÍNOV, V. (BAKHTIN, M. M.). A palavra na vida e na poesia. Introdução ao problema da poética sociológica. In: VOLOCHÍNOV, V N.; BAKHTIN, M. M. Palavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro & João Editores, 2011. p.147-181., p.169). E Bakhtin, tratando justamente de O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária, afirma:

O conteúdo representa o momento constitutivo indispensável do objeto estético, ao qual é correlativa a forma estética que, fora dessa relação, em geral, não tem nenhum significado (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.35, grifo do autor).

[…] o conteúdo e a forma se interpenetram são inseparáveis, porém, também são indissolúveis para a análise estética, ou seja, são grandezas de ordem diferente: para que a forma tenha um significado puramente estético, o conteúdo que a envolve deve ter um sentido ético e cognitivo possível, a forma precisa do peso extra-estético do conteúdo, sem o qual ela não pode realizar-se enquanto forma (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.37).

As ressonâncias da retórica no pensamento bakhtiniano, tal como vimos apresentando, são várias e variadas. Há ainda muitas referências diretas e positivas, como no ensaio “O discurso no romance” (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935].) escrito entre 193435, cujo destaque aos estudos retóricos é evocado como prescrição e base da crítica literária e da estilística tradicional. Acreditamos, então, que os diálogos até aqui apresentados comprovam a afirmação anterior de que a antiga retórica, sem dúvida, foi uma das fontes de formação e pesquisa dos membros do Círculo. Contribuíram para ela também, sem dúvida, a convivência que mantiveram com intelectuais classicistas, e até o interesse pela oratória neste primeiro período da revolução russa, assim como a criação do Instituto Palavra Viva (Institut zhivogo slova, IZhS): no título, slovo mais uma vez aproxima a retórica dos membros do Círculo, pois o vocábulo é utilizado com o sentido do grego logos15 15 Sobre esse aspecto ver Pistori (2013) e Brandist (2012). .

Tratemos, agora, de forma mais pontual, das discordâncias entre o pensamento bakhtiniano e a retórica. E, para isso, nada melhor, a nosso ver, do que buscarmos a compreensão de um texto bastante fragmentário, de 1943. Sem tradução para o português, é mencionado pelos estudiosos de Bakhtin por meio da frase que o inicia: “Retórica, na medida de sua falsidade…” No espanhol, a tradutora Tatiana Bubnova o nomeou: Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943].)16 16 Esse título, a nosso ver, ofusca uma parte importante de seu conteúdo, justamente a parte que se refere à retórica. . Esses apontamentos fragmentários, escritos depois de O discurso no romance, constam da publicação das obras completas em russo editadas por Bocharov e Gogotishvili a partir de 1996: Sobranie sochinenii, tom 5: Raboty 1940-kh – nachala 1960—kh godov -12/X/194317 17 BAKHTIN, Mikhail. [Ritorika, meru svoei Izhivosti…] In Sobranie sochinenii, tom 5: Raboty 1940-kh – nachala 196——kh godov [Obras Completas em Sete Volumes, vol.5. Trabalhos da década de 1940 ao começo de década de 1960], ed. S. G. Bocharov; L. A. Gogotishvili, Moscow, 1996]. (BAJTIN, 1997). , onde também aparecem sem título, reconhecidos também pela primeira frase [Ritorika, meru svoei Izhivosti…]. O texto é riquíssimo, mas vamos tratar apenas de alguns pontos dele neste espaço. De início, é a oposição entre discurso retórico e discurso romanesco que se estabelece.

Retórica, na medida de sua falsidade [lzhivost'], tende a produzir justamente o medo ou a esperança. Isso pertence à essência das palavras retóricas (já a retórica antiga realçava os afetos semelhantes). A (verdadeira) arte e o conhecimento buscam, ao contrário, uma liberação desses sentimentos. Ainda que de modos distintos, a tragédia e o riso realizam essa liberação.

A fusão do louvor e da injúria como a suprema objetividade artística (a voz da totalidade) (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.138, tradução nossa)18 18 Na tradução espanhola: La retórica, en la medida de su falsedad [lzhivost'], tiende a producir justamente el miedo o la esperanza. Lo cual es parte de la esencia de la palabra retórica (ya la retórica antigua subrayaba los afectos semejantes). El arte (verdadero) y el conocimiento buscan, por el contrario, una liberación de tales sentimientos. Aunque por caminos distintos, la tragedia ya la risa realizan esta liberación. La fusion de la alabanza y la injuria como suprema objetividad artística (la voz de la totalidad) (BAJTIN, 1997, p.138). .

Bakhtin destaca negativamente a capacidade retórica de causar medo ou esperança, “na medida de sua falsidade”. O apelo às emoções – ao pathos - é uma das possibilidades de prova na retórica, um argumento (ao lado do ethos e do logos). Logo, realmente “pertence à essência das palavras retóricas” desde a Antiguidade. De forma diferente, o conhecimento e a arte, segundo Bakhtin, buscam a “liberação desses sentimentos”, a tragédia e o riso são libertadores, têm a capacidade de fundir “louvor e injúria” e “neutralizar a mentira”, afirma ele adiante (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.141). O discurso da arte - da literatura - se opõe à “falsidade”, à “mentira, [que é] diretamente proporcional à violência” (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.141, tradução nossa)19 19 Na tradução espanhola: El elemento de la mentira, diretamente proporcional a la violencia. (BAJTIN, 1997, p.141). . O texto dialoga fortemente com aqueles da década de 1920, Arte e responsabilidade [1919], O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária [1923/1924] e O autor e o herói na atividade estética [1924/1927], nos quais Bakhtin relaciona intensamente conhecimento, ética e estética. Ao longo do texto, a “falsidade” retórica, a violência e a mentira continuam distantes da arte (da literatura):

A palavra quer influir de fora, determinar desde o exterior. Na própria tarefa de convencimento está incluído um elemento da pressão externa […]

A palavra não sabe a quem serve, chega da obscuridade e desconhece suas raízes. Sua seriedade está vinculada ao medo e à violência. O homem autenticamente bom, desinteressado e amoroso, porém, não tomou a palavra, não se realizou nas esferas da vida cotidiana, não tocou a palavra organizada, infectada pela violência e a mentira, este homem não se fez escritor. (…) A palavra era mais forte do que o homem, ele não poderia ser responsável, enquanto permanecia no poder da palavra, ele se sentia um estranho porta-voz da verdade alheia, permanecia sob um poder supremo (…). O processo criativo é sempre um processo de violência, realizado pela verdade sobre a alma. A verdade nunca esteve próxima do ser humano até agora, ela nunca veio a ele a partir de dentro, [sempre veio] de fora, ela sempre foi propriedade. Sendo revelação, nunca foi sincera, sempre silenciava algo, se rodeava de mistério e, consequentemente, de violência. Triunfando sobre o homem, a verdade era a violência, o homem não era seu filho. Não se sabe quem tem a culpa disso, a verdade ou o homem? O homem se encontra com a verdade acerca de si mesmo como se fosse com uma força débil. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.142-143, tradução nossa)20 20 Na tradução espanhola: La palavra quiere influir desde fuera, determinar desde fuera. En la própria tarea de convencimento está incluído un elemento de la presión exterior (…) La palavra no sabe a quién sirve, llega de la oscuridad y desconhoce sus raíces. Su seriedade está vinculada cone l miedo y la violência. El hombre autenticamente bueno, desinteressado y amoroso todavia no há tomado la palabra, no se ha realizado en las esferas de la vida cotidiana, no há tocado la palabra organizada, infectada por la violência y a la mentira, este hombre no se hace escritor. (…) La palabra solía ser más fuerte que el home, él no podia ser responsable, al encontrarse en el poder de la palabra; se sentia el vocero de la verdade ajena, en cuyo poder supremo se encontraba (…). El processo creativo es sempre el processo de violencia que la verdade comete sobre el ama. La verdade nunca ha sido, has ahora, consanguínea del hombre, nunca le há llegado desde su interior, sempre desde el exterior. Siempre ha sido una posesa. Siendo revelación, la verdade nunca ha sido sincera; sempre callaba algo, se rodeaba de mistério y, por lo tanto, de violência. Triunfando sobre el hombre, la verdade era violência, el hombre no era su hijo. No se sabe quién tiene la culpa de eso, la verdade o el hombre. El hombre se encuentra con la verdade acerca de si mismo como con una fuerza mortecina. (BAJTIN, 1997, p.142-143). .

Como podemos observar, o texto continua colocando em oposição à arte uma palavra que é mais forte que o homem, que não lhe pertence, que vem do exterior e o domina, uma palavra pela qual ele não é responsável: é a palavra autoritária, do poder, da Igreja, tratada por Bakhtin em A pessoa que fala no romance (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935].). O homem (bom) ainda não tem a palavra, ela lhe é estranha, porque “infectada pela violência e a mentira”, e pertence a poucos. Na continuação, Bakhtin apresenta também o processo criativo como um processo de violência, mas exercido pela verdade sobre a alma. Essa ética da verdade, possibilitada pela arte, se opõe à mentira e à violência da palavra autoritária que ameaça. Assim, de um lado há o poder, com a pretensão de definir a verdade do mundo a partir do exterior, a partir dele mesmo, sem perceber que os sentidos ocorrem em situação; um poder que carece de dialogicidade e de inconclusibidade, pois “um todo concluído não pode ser visto desde o interior, apenas do exterior” (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.145, grifo do autor, tradução nossa)21 21 Na tradução espanhola: un todo concluído no puede ser visto desde el interior, sino tan sólo desde el exterior. (BAJTIN, 1997, p.145). . É desse lado, do poder institucionalizado que nomeia o mundo, que Bakhtin posiciona a retórica, na medida em que a vê como palavra organizada, da falsidade, propriedade de poucos:

A mentira retórica. A mentira em uma imagem artística. A mentira nas formas da seriedade (sua fusão com o medo, a ameaça e a violência). No entanto, não existe uma forma de força (poderio, poder) sem um ingrediente necessário da mentira. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.146, tradução nossa)22 22 Na tradução espanhola: La mentira retórica. La mentira em uma imagen artística. La mentira en las formas de la seriedade (su fusión com el miedo, la amenaza y la violência). Todavia no existe una forma de fuerza (poderio, poder) sin un ingrediente necesario de la mentira. (BAJTIN, 1997, p.146). .

Do outro lado, Bakhtin coloca a arte, que liberta e permite a possibilidade de participação dialógica de todos na realidade ética. E esse posicionamento se coaduna com seu interesse por obras surgidas em momentos de desintegração de sistemas ideológicos verbais estáveis, onde pôde germinar a prosa romanesca justamente por ter ocorrido a transformação histórica; coaduna-se ainda com seu interesse pelo heterodiscurso e pela interação poliglótica, e com sua crítica ao “caráter ingenuamente irrefutável do sistema linguístico básico da ideologia e da literatura” (BAKHTIN, 1993bBAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993b. p.71-210. [1934-1935]., p.165; 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; Organização da edição russa Serguei Bocharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Ed. 34, 2015. p.19-241. [1934-1935]., p.169), que trata a língua como única, “ptolomaica”, excluindo o plurilinguismo. Coaduna-se, enfim, com o momento em que viveu Bakhtin, um tempo de transformações históricas na nascente URSS, que não conheceu procedimentos políticos democráticos tais como vividos no Ocidente, mas que possibilitou o diálogo entre novos setores da população, camadas anteriormente sem acesso à alfabetização e à arte.

E, para finalizar este item, retomamos aqui dois trechos da importante leitura que Ken Hirschkop (1999)HIRSCHKOP, K. Mikhail Bakhtin: an aesthetic for democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999. realiza da obra bakhtiniana em Mikhail Bakhtin. An aesthetic for democracy [Mikhail Bakhtin. Uma estética para democracia], que, a nosso ver, bem expressam a ligação entre o pensamento bakhtiniano e a democracia:

Bakhtin não escreve sobre língua e cultura sub specie aeternitatis mas sobre língua e cultura que decididamente romperam com as formas tradicionais: uma língua vernácula, por meio da qual todos têm o direito de falar, e na qual nenhum falante detém a autoridade absoluta; por meio dela os sujeitos devem aderir a um código moral que elaboraram juntos (HIRSCHKOP, 1999HIRSCHKOP, K. Mikhail Bakhtin: an aesthetic for democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999., p.viii, tradução nossa).

[…] concepções de linguagem e discurso [bakhtinianos] estruturam princípios democráticos de dentro, informando os próprios padrões críticos que utilizamos no acesso às democracias existentes reais. (HIRSCHKOP, 1999HIRSCHKOP, K. Mikhail Bakhtin: an aesthetic for democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999., p.45, tradução nossa)23 23 No original: Bakhtin does not write about language and culture sub specie aeternitatis but a language and culture which have decisively broken with traditional forms: a vernacular language, in which all have a right to speak, in which no speaker holds absolute authority, and where subjects should adhere to a moral code they elaborate together. … conceptions of language and discourse structure democratic principles form within, informing the very critical standards we use in assessing actually existing democracy. (HIRSCHKOP, 1999, p.viii e p.45). .

Se considerarmos esses aspectos, encontramos mais um ponto de convergência entre a retórica, em seus primórdios fortemente ligada à democracia grega, e o pensamento bakhtiniano. As transformações sofridas pela antiga disciplina ao longo dos séculos, principalmente sua institucionalização, podem justificar o modo como essa herança foi absorvida e integrada aos estudos bakhtinianos.

Diálogo II: o pensamento bakhtiniano e a retórica em Platão

[… ] quem não conhece a verdade mas só alimenta opiniões, transformará naturalmente a arte retórica numa coisa ridícula que não merece o nome de arte.

Platão (1996PLATÃO. Fedro. In: PLATÃO. Diálogos. Tradução direta do grego por Jorge Paleikat. 20. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p.129-183., 262 c)

Se pensamos no diálogo que estamos propondo entre a antiga retórica e o pensamento bakhtiniano, devemos, ainda que brevemente, examinar também como os textos de Platão ecoam na obra dos russos. E, inicialmente, não podemos ignorar que, em termos de retórica, Aristóteles responde a seu mestre Platão de forma discordante; complementar, talvez. E esse diálogo se reflete e refrata no modo como Bakhtin e o Círculo também respondem aos gregos (e a tantos que os sucederam), constituindo novos elos na cadeia constitutiva do pensamento retórico. Num primeiro momento, porém, lendo o início do texto citado no item anterior: “Retórica, na medida de sua falsidade, aspira a causar exatamente medo ou esperança […]” (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.138), imaginamos que é à imagem da retórica como um discurso emocional e manipulador, vazio e mentiroso que Bakhtin se refere. Aliás, àquele já criticado por Platão… Mas, com certeza, não é apenas a esse aspecto da retórica que Bakhtin e o Círculo se referem ao longo de sua obra, nem é apenas esse o aspecto com o qual dialogam com a antiga disciplina. Esse, porém, é o primeiro ponto que vamos aqui destacar; o segundo será a própria concepção bakhtiniana de dialogia, por meio do exame da retórica de Platão ou, mais propriamente, da retórica em Platão.

Retórica, na medida de sua falsidade…

Na realidade, nos tempos de Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.), há pouca clareza nas definições dos termos filosofia, retórica e sofistica, pouco se distinguindo as duas últimas entre si24 24 Edward Schiappa (1990) propõe que o próprio termo “retórica” foi cunhado por Platão durante a composição do Górgias, por volta de 385 aC. Justifica sua posição afirmando que a arte retórica não foi conceituada como tal até o séc. IV aC. Lembra ainda que o termo não foi utilizado por Protágoras, Górgias, cujos trabalhos tinha como foco o logos, nem por Heródoto, que era muito conhecedor do trabalho dos sofistas. . A distinção parece ocorrer por meio das “virtudes da alma do filósofo”, que encarna as virtudes morais (McCOY, 2010McCOY, M. Platão e a retórica de filósofos e sofistas. Trad. Lívia Oushiro. São Paulo: Madras, 2010., p.13). “Platão parece menos preocupado em oferecer definições do filósofo e do sofista do que contrastar, por meio do conflito dramático, a pessoa do filósofo, Sócrates, com uma série de sofistas e retóricos” (McCOY, 2010McCOY, M. Platão e a retórica de filósofos e sofistas. Trad. Lívia Oushiro. São Paulo: Madras, 2010., p.11)25 25 Ver Bréhier (2004, p.99): Na Grécia de então, o filósofo não se definia absolutamente na relação com outros gêneros de especulações científicas ou religiosas, mas sim por sua relação e suas diferenças com o orador, o sofista, o politico. A filosofia é a descoberta de uma nova forma de vida intelectual que não pode afinal se separar da vida social. [Dans la Grèce d'alors, le philosophe ne se définit nullement par rappor aux autres genres de speculations, scientifiques ou religieuses, mais bien para son rapport et se differences avec l'orateur, le sophiste, le politique. La philosophie est la découverte d'une nouvelle forme de vie intellectuelle, qui ne peut au reste se séparer de la vie sociale.] Ver ainda Pagotto-Euzebio (2018, p.5) [sobre o papel de Isócrates no ensino de retórica, que denominava filosofia: “O mais fácil, aparentemente óbvio, seria dizer que Isócrates era um professor de retórica. No entanto, não foi assim que ele denominou sua atividade. Sem nunca ter utilizado a palavra retórica (rhetoriké) em suas obras, o fato de Isócrates usar o termo philosophía para definir seu trabalho nos obriga, de algum modo, a reconsiderar o sentido dessas palavras no contexto educativo e cultural da Atenas do século IV a.C.” .

A personagem Sócrates, tal como o herói dostoievskiano analisado por Bakhtin (2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., p.87), “[…] não é apenas um discurso sobre si mesmo e sobre seu ambiente imediato, mas também um discurso sobre o mundo […]” Da mesma forma, tanto para o Sócrates de Platão como para Dostoiévski, segundo Bakhtin (2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., p.87), a “verdade sobre o mundo […] é inseparável da verdade do indivíduo.”

As polêmicas em torno da retórica, sobre seu papel social e, sobretudo, a respeito do conteúdo ensinado pelos retores, ocorrem desde a época em que se inicia seu ensino (séc. V a.C.), com os sofistas. Nosso conhecimento a respeito dos sofistas, todavia, é composto de poucos fragmentos e notícias doxográficas e, sobretudo, por meio dos diálogos de Platão, como nos lembra Henri-Irinée Marrou (1990)MARROU, H.-I. História da educação na Antiguidade. Trad. Mário Leônidas Casanova. São Paulo: EPU, 1990., historiador da educação na Antiguidade. Platão admite a retórica, mas considera a busca da verdade - a episteme, muito superior à opinião – a doxa, que é propensa a enganos, está a serviço da maioria e suas seduções levam à degenerescência. Conforme Sócrates afirma no Fedro, “[…] quem não conhece a verdade mas só alimenta opiniões, transformará naturalmente a arte retórica numa coisa ridícula que não merece o nome de arte.” (PLATÃO, 1996PLATÃO. Fedro. In: PLATÃO. Diálogos. Tradução direta do grego por Jorge Paleikat. 20. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p.129-183., 262 c). Poderíamos dizer que é a “boa retórica” que Platão admite, uma retórica “filosófica”, que busque a verdade26 26 Segundo Barilli (1985), o objetivo de Platão é precisamente tirar à maioria o direito de arbitrar, de escolher, de decidir; seu posicionamento é antidemocrático, investe contra o senso comum. Para ele, o papel do filósofo é prioritário, e o único digno do sábio, pois a doxa não pode ser ciência nem técnica, na medida em que é propensa a enganos; ela está a serviço da maioria e suas seduções levam à degenerescência. .

Na defesa da “boa” retórica, em Górgias ou A oratória - diálogo da juventude (ou de transição à maturidade, o primeiro da segunda fase de seus trabalhos)27 27 De modo geral, os diálogos de Platão são classificados em três ou quatro períodos, por ordem de juventude, maturidade e velhice. Do primeiro período, os diálogos da juventude, são: Hípias Menor, Laques, Cármides, Lísias, Entipron, Íon, Hípias maior, Protágoras, Apologia, Críton e o primeiro livro da República, Górgias, Mênon, Eutidemo, Crátilo, Menexeno. Do segundo período, os diálogos da maturidade: Fédon, Banquete, Fedro, A República, Teeteto, O sofista (às vezes, considerado da velhice); da velhice: Crítias, Leis, Filebo, Politico, Timeu (cf. CHAUÍ, 2002). - cujo tema é exatamente a retórica, essa questão se apresenta com bastante clareza. Górgias define sua arte como o poder de, pela palavra, convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho e os eclesiastas. Sócrates, também personagem do diálogo, afirma, então, que ela é produtora de persuasão e lhe indaga sobre o objeto da persuasão. Deixa o sofista embaraçado, pois ele acaba afirmando que a oratória pode servir a fins justos e injustos; que é “uma prática que não se conta absolutamente entre as atividades nobres” (PLATÃO, 1970PLATÃO. Górgias ou A oratória. Tradução, apresentação e notas de Jaime Bruna. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970., 463 a); “…uma prática não racional” (PLATÃO, 1970PLATÃO. Górgias ou A oratória. Tradução, apresentação e notas de Jaime Bruna. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970., 465 a); “… visa ao mais agradável e não ao melhor…” (PLATÃO, 1970PLATÃO. Górgias ou A oratória. Tradução, apresentação e notas de Jaime Bruna. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970., 464 e). Em resumo, a finalidade desse diálogo de Platão é mostrar, pelas palavras de Sócrates, que a formação cultural alicerçada na eloquência política, ao invés de educar, destrói todo o senso moral. Outros, ainda, como O sofista (s/d), retomam essa crítica.

E é esse aspecto dos diálogos socráticos de Platão - de ação ética e responsável sobre a formação do outro - que nos evoca posicionamentos encontrados nos textos iniciais de Mikhail Bakhtin, aqueles que buscam uma prima filosofia, como Arte e responsabilidade e Para uma filosofia do ato responsável, mais axiológicos que ontológicos (FARACO, 2017FARACO, C. A. Bakhtin e filosofia. Bakhtiniana, São Paulo, v.12, n.2, p.45-56, maio/ago. 2017.). No diálogo que propomos, sabemos que a questão do ato com valor ético em Bakhtin certamente não se relaciona diretamente com a questão da boa e da má retórica em Platão. No entanto, corroborando a possibilidade e pertinência de tal aproximação, lembramos suas palavras: “(H)historicamente a linguagem desenvolveu-se a serviço do pensamento participante e do ato, e somente nos tempos recentes de sua história começou a servir o pensamento abstrato.” (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. [1920-1924]., p.84).

O ato ético e responsável, o pensar de modo participante (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. [1920-1924]., p.67, p.69, p.79, entre outras passagens) estão presentes nos diálogos socráticos e nesses textos bakhtinianos, que defendem ser o próprio juízo cognitivo valorativo, não separando ética, conhecimento e estética: “[…] aquilo que o conhecimento pressupõe não é uma res nullius, mas a realidade do ato ético em todas as suas variantes e a realidade da visão estética.” (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.30). É na “[…] integração do domínio ético e do domínio cognitivo no interior do seu objeto que se encontra a bondade singular da estética, sua benevolência: a estética como que nada seleciona, divide, abole, nada repele, de nada se desvia.” (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.33). Nas palavras de Faraco,

Interessa-lhe [a Bakhtin] a vida vivida na perspectiva de uma consciência que age responsável e participativamente. (…) Assim, viver é agir responsavelmente a partir de si e em correlação com o outro (cf. PFA), é posicionar-se axiologicamente (cf. A&H), é participar do diálogo aberto, do simpósio universal (cf. PFA). Três verbos ativos – agir, valorar, interagir – tecem o viver.

[…]

Na interação vista pelo olhar bakhtiniano, não se trocam mensagens, mas se dialogizam axiologias. (FARACO, 2017FARACO, C. A. Bakhtin e filosofia. Bakhtiniana, São Paulo, v.12, n.2, p.45-56, maio/ago. 2017., p.52 e p.55).

Para Bakhtin (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.138), o diálogo sempre axiológico que ocorre na interação verbal perderia o sentido de contribuição ao juízo cognitivo (ético e estético) se fundamentado na “falsidade” retórica, pois as concepções teórico-filosóficas expressas num objeto estético ligam-se ao mundo concreto do ato humano - “estão obrigatoriamente ligadas ao elemento ético do conteúdo, ao mundo do ato, ao mundo do acontecimento […] o que é verdadeiro do ponto de vista cognitivo torna-se elemento da realização ética” (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.41, grifo nosso).

A dialogia e a “superação do modelo monológico de mundo; seus embriões no diálogo socrático”

O segundo aspecto do diálogo entre Platão e o pensamento bakhtiniano refere-se a possíveis conexões entre a noção de dialogia e, especialmente, os diálogos socráticos, tantas vezes abordados por Bakhtin em seus estudos do romance. Na realidade, alguns dos diálogos socráticos tratam da retórica, mas nenhum se constitui um dos gêneros retóricos tradicionais. Bakhtin trata deles, em vários momentos de sua obra, por considerá-los uma das raízes do gênero romanesco28 28 Na coletânea denominada Questões de Literatura e estética. A teoria do romance, encontramos vários deles: Especialmente em Formas do Tempo e do Cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). Mas também em Da pré-história do discurso romanesco; Epos e romance; em O discurso no romance (Duas linhas estilísticas do romance europeu); em Reformulação do livro sobre Dostoiévski (2006d; Adendo 2, 2008). É preciso lembrar que o tradutor Paulo Bezerra, com a Editora 34, tem dado nova organização aos artigos e ensaios bakhtinianos. Assim, a Teoria do romance I. A estilística constitui-se atualmente a versão mais recente da tradução diretamente do russo do ensaio O discurso no romance. . Segundo ele, o gênero diálogo socrático pertencia a um campo especial da literatura, denominado sério-cômico (em oposição aos gêneros sérios, como a epopeia, a tragédia, a história…). Dele o filósofo russo afirma: “O diálogo socrático, que substituiu o diálogo da tragédia, é o primeiro passo na história do gênero romanesco. Mas ele era só um diálogo, quase uma forma apenas externa de dialogismo” (BAKHTIN, 2006dBAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006d. p.337-357. [1977]., p.346, grifo nosso).

Como sabemos, a prática do diálogo, que funcionou como gênero na disseminação da filosofia e da própria retórica, por muitos séculos esteve ausente das reflexões filosóficas, mas o reconhecimento de sua importância ressurge no séc. XX não apenas na Rússia, mas também em diferentes autores como Hans-Georg Gadamer, Martin Buber e Mikhail Bakhtin e o Círculo, que é o que aqui nos interessa. Em termos da utilização do conceito de diálogo para a compreensão da linguagem, Irina Ivanova (2011)IVANOVA, I. O diálogo na linguística soviética dos anos 1920-1930. Trad. Dóris Arruda C. da Cunha e Heber de O. Costa e Silva. Bakhtiniana, São Paulo, v.6, n.1, p.239-267, ago./dez. 2011., no artigo “O diálogo na linguística soviética dos anos 1920-1930”, mostranos as aproximações entre os trabalhos de Voloshínov, Jakubinsky e Brait (2013) retoma o conceito de diálogo para mostrar de que maneira, no século XX, ele passa a integrar os estudos da linguagem, ganhando consistência e diversidade em diferentes tendências. Acrescenta aos autores citados o nome de Emile Benveniste, alertando para o fato de que

[…] encontrar a valorização de diálogo dentro dos estudos da linguagem, assim como sua metamorfose em dialogismo, significa, portanto, discutir a passagem de uma linguística da língua para uma linguística do discurso, momento em que esses dois conceitos desempenham papel decisivo. Considerando que o conceito de diálogo e a necessidade de teorizar sobre ele é uma das marcas da linguística do século XX, presente em várias tendências teóricas, o recorte aqui estabelecido busca apoio em alguns fundadores dessa concepção: Émile Benveniste (1906-1976), Lev Jakubinskij (1892-1945), Valentin Voloshinov (1895-1936) e Mikhail Bakhtin (1895-1975). O contato com alguns dos trabalhos desses autores oferece elementos para observar como a concepção de diálogo produz uma nova visão de língua, de linguagem, explicitando-se, num certo momento, como dialogismo. (BRAIT, 2013BRAIT, B. Tradição, permanência e subversão de conceitos nos estudos da linguagem. Revista da Anpoll, Florianópolis, n.34, p.91-121, jan./jun. 2013., p.98).

O gênero “diálogo socrático”, estudado por Bakhtin, foi praticado não apenas por Platão, mas ainda por Xenofonte, Antístenes, Ésquines, Alexameno e outros, embora tenham chegado até nós apenas aqueles escritos por Platão, Xenofonte e fragmentos dos escritos por Antístenes. No prefácio de uma das edições dos Diálogos de Platão (NUNES, 1980NUNES, C. A. Prefácio. In: PLATÃO. Diálogos. Vol. III-IV. Protágoras. Górgias. O banquete. Fedão. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1980. p.5-39., p.6, grifo nosso), Nunes também esclarece:

Não foi ele [Platão] o criador do diálogo socrático, senão um dos primeiros a cultivar esse gênero literário e o seu mais notável representante. Depois dele, a partir de Aristóteles, digamos, Sócrates cede o seu posto de diretor dos debates e desaparece do cenário, assumindo o autor da peça a responsabilidade da exposição corrida de suas ideias, sem o recurso das perguntas e respostas concisas, tão do gosto de Sócrates e tão bem ilustrado nos primeiros escritos de Platão. Da obra de Aristóteles perdeuse toda essa parte literária; mas, por intermédio de Cícero, que ainda chegou a conhece-la, podemos fazer uma ideia de como seriam redigidas. A parte dialogada é muito reduzida; de regra, o autor da peça expõe em discursos longos suas próprias ideias.

Quase um gênero memorialístico, o diálogo socrático registra a lembrança das palestras reais proferidas por Sócrates, organizadas numa breve narração; é dessa forma que Bakhtin o compreende como uma das fontes do romance, uma “variedade dialógica de desenvolvimento do romance”, ao lado da sátira menipeia. Não é um gênero retórico, mas “carnavalesco-popular”, nitidamente enraizado no estágio oral daquela sociedade grega.

Bakhtin (1993e) se aprofunda no tratamento dos diálogos socráticos e mostra entusiasmo e admiração pelo gênero, por exemplo, no ensaio Epos e romance (Sobre a metodologia do estudo do romance). Segundo ele, o diálogo socrático alia à filosofia a incipiente formação romanesca: “Temos um documento notável que reflete o nascimento simultâneo do conceito científico e da nova personagem romanesca na arte literária em prosa. Trata-se dos ‘diálogos socráticos’. Tudo é característico neste gênero magnífico, nascido no final da Antiguidade clássica.” (BAKHTIN, 1993e, p.414). Nas palavras de Bréhier (2004BRÉHIER, E. Histoire de la philosophie. Paris: Quadrige: Presses Universitaires de Frances, 2004., p.96, tradução nossa): “Os diálogos socráticos são tanto um exame das pessoas quanto um exame de suas opiniões; muitas vezes, o interesse é maior na pessoa.”29 29 No original: Les dialogues socratiques sont, en effet, pour le moins autant un examen des personnes qu'un examen de leurs opinions: l'interêt porte même plutôt sur le premier que sur le second (BRÉHIER (2004, p.96). . Em Platão a própria composição dialógica está em contraposição à retórica: os diálogos se constituem como o encontro de almas através de intervenções curtas, sem digressões ou elementos estranhos, num esforço analítico de decomposição dos discursos, sem o objetivo de vencer o adversário. Seu papel é apenas inquirir ou pôr à prova o interlocutor, fazendo-o ver se está ou não de acordo consigo mesmo, diferentemente do discurso retórico, pronunciado por uma só pessoa.

No entanto, em termos de dialógica, essas reflexões são válidas, sobretudo, para os diálogos da primeira e segunda fase, pois, nos diálogos tardios, o método se aproxima mais da retórica, ainda que a estrutura se mantenha: isto é, os diálogos não mais são inconclusos, como os dos primeiros períodos, mas chegam a uma “verdade” ética e moral. A esse respeito, assim se expressa Bakhtin (2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., p.125):

Nos diálogos do primeiro e do segundo período da obra de Platão, o reconhecimento da natureza dialógica da verdade ainda se mantém na própria cosmovisão, filosófica, se bem que em forma atenuada. Por isso, os diálogos desse período ainda não se convertem em método simples de exposição das ideias acabadas (com fins pedagógicos) e Sócrates ainda não se torna o “mestre”. Mas no último período da obra de Platão isso já se verifica: o monologismo do conteúdo começa a destruir a forma do “diálogo socrático”. Mais tarde, quando o gênero do diálogo socrático” passa a servir a concepções dogmáticas do mundo já acabadas de diversas escolas filosóficas e doutrinas religiosas, ele perde toda a relação com a cosmovisão carnavalesca e se converte em simples forma de exposição da verdade já descoberta, acabada e indiscutível, degenerando completamente numa forma de perguntas-respostas de ensinamento de neófitos (catecismo).

Em Protágoras, diálogo socrático do primeiro período entre os que poderiam ser considerados antes éticos que filosóficos, encontramos:

- Parece-me bem o que o dizes, Crítias. É, de facto, necessário que, aqueles que assistem a discussões destas ouçam ambos os interlocutores, de modo imparcial, mas não passivo - é que são coisas diferentes. É preciso ouvir os dois do mesmo modo, mas não atribuir a cada um o mesmo valor, antes mais ao mais sábio e menos ao mais ignorante. Pela minha parte, Protágoras e Sócrates, suponho que concordarão em discutir sobre os argumentos mas sem contender. (PLATÃO, 337, 337b, grifo nosso).

Percebemos aí tanto a crítica de Platão à retórica que busca vencer o adversário, como mesmo um embrião do que Bakhtin chamará de “compreensão responsivo ativa”. De fato, os diálogos do primeiro e segundo períodos de Platão são menos monológicos ou dogmáticos do que aqueles dos períodos seguintes. São conhecidos como “diálogos aporéticos”, ou seja, fazem o levantamento de diferentes modos de se conceituar as virtudes – como a coragem, a piedade, a amizade… - o tema principal deles, denunciam a fragilidade dessas conceituações, mas deixam a questão aberta, inconclusa. Isto é, além de mais éticos que filosóficos, eles parecem ao leitor textos inacabados. No estudo de Protágoras, inclusive, era comum que se abordassem as duas posições a respeito das virtudes – a de Sócrates e a de Protágoras, pois uma não se sobrepõe à outra, eram equipolentes. Dessa forma, percebia-se que tanto Sócrates como os sofistas contribuíam para o resultado do questionamento, um híbrido cultural que junta a virtude traditional da coragem à sabedoria e também (implicitamente) às outras virtudes cívicas. Lembrando Bakhtin, ao tratar do problema do conteúdo da obra de arte: “A realidade do conhecimento não é acabada e está sempre aberta.” (BAKHTIN, 1993aBAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3.ed. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Unesp: Hucitec, 1993a. p.13-70. [1924]., p.32).

James P. Zappen (2004)ZAPPEN, J. P. The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition. Albany: State University of New York Press, 2004., em The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition nos lembra de que o Sócrates de Bakhtin é diferente da visão que dele temos na tradição filosófica ocidental. Não é um retor, mas é um “respondente, não um perguntador, mas um questionador.” (ZAPPEN, 2004ZAPPEN, J. P. The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition. Albany: State University of New York Press, 2004., p.37, grifo nosso)30 30 No original: “Bakhtin's Socrates is not a rhetor but a respondent, not an answerer but a questioner.” (ZAPPEN, 2004, p.37). .

Bakhtin nos convida para uma leitura alternativa do diálogo socrático como uma interação livre e criativa das ideias de Sócrates e dos sofistas contra o cenário dialogizado de outras ideias – como uma interação de ideias dentro dos textos, entre os textos em sua relação contextual mútua, e dentro dos textos, situados em seu contexto histórico extratextual. Assim, neles ressoam as vozes de Homero, Simonides, Péricles, Tucídides, do próprio Platão… (ZAPPEN, 2004ZAPPEN, J. P. The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition. Albany: State University of New York Press, 2004., p.67)31 31 No original: “Bakhtin, however, invites an alternative reading of the Socratic dialogue as a free and creative interplay of the ideas — as an interplay of ideas within the texts, between the texts in their contextual relationships to each other, an within the texts as situated in their extratextual historical context. Thus situated, the Socratic dialogues resonate with the voices of other people — of Homer and Simonides, Pericles and (perhaps Plato) Thucydides.” (ZAPPEN, 2004, p.67). .

Vejamos um pequeno trecho em que Bakhtin coloca esta questão:

O ponto de partida [do diálogo socrático] é a atualidade, as pessoas da época e as suas opiniões. A partir disto, desta atualidade de muitas vozes e línguas, da experiência e do conhecimento pessoais, realiza-se a orientação no mundo e no tempo (inclusive no passado absoluto da lenda). Mesmo um pretexto fútil e fortuito (e isto era canônico para o gênero) serve como ponto de partida aparente e imediato para o diálogo: como que realçando o ‘dia de hoje’ e a sua conjuntura fortuita (um encontro fortuito, etc.). (BAKHTIN, 1993e, p.415-416).

Bakhtin nos lembra de que, no diálogo socrático, a busca dessa “verdade” não oficial e não acabada, por meio do diálogo, ocorre por meio da síncrise – confrontação de diferentes pontos de vista, e da anácrise, a provocação do outro para externar suas próprias ideias. Eram “os métodos pelos quais se provocavam as palavras do interlocutor, levando-o a externar sua opinião e externá-la inteiramente” (2008, p.126). Dessa forma, o teste das ideias, sua contestação e a criação de novas ideias por meio do diálogo desafia o discurso monológico das pessoas que simultaneamente sustentam ideais culturais conflitantes.

O gênero se baseia na concepção socrática da natureza dialógica da verdade e do pensamento humano sobre ela. O método dialógico de busca da verdade se opõe ao monologismo oficial que se pretende dono de uma verdade acabada, opondo-se igualmente à ingênua pretensão daqueles que pensam saber alguma coisa. A verdade não nasce nem se encontra na cabeça de um único homem; ela nasce entre os homens, que juntos a procuram no processo de sua comunicação dialógica. (BAKHTIN, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., p.125, grifo nosso)._

E esse modo de ver os diálogos socráticos de Platão os aproxima da concepção bakhtiniana de dialogia, que considera toda comunicação discursiva parte de um diálogo ininterrupto, cada enunciado o “elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN, 2016aBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução, organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2016a. p.11-69. [1951-1953]., p.26), englobando produções escritas ou orais de qualquer tipo. Da mesma forma, toda compreensão é ativa, avaliativa e contém o germe de sua resposta.

Enfim, ao retomar as reflexões acerca das concepções de retórica presentes em Bakhtin e Platão, podemos afirmar que, embora haja uma concordância entre ambos no tocante à rejeição de uma retórica que não esteja atenta aos preceitos éticos, essa concordância cessa quando, no Platão dos terceiro e quarto períodos, como diz Bakhtin (2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4.ed. rev. e amp. Trad. de Paulo Bezerra Rio de Janeiro: Forense, 2008. [1963]., p.125), o dogmatismo e “o monologismo do conteúdo começa a destruir a forma do ‘diálogo socrático’.” Por outro lado, a compreensão dos diálogos socráticos do Platão do primeiro e segundo períodos, tal como Bakhtin os apresenta, com certeza constitui-se uma contribuição à compreensão da dialogia bakhtiniana e do próprio diálogo inconcluso que ele constata em toda comunicação.

Conclusão

Este estudo - um exercício dialógico - constituiu-se como uma compreensão responsivo-ativa da obra bakhtiniana por quem teve, anteriormente, forte ligação com os estudos retóricos, preferentemente com a retórica antiga. Quer dizer, a cada leitura dos autores do Círculo, sempre pareceu haver neles essa possibilidade de diálogo com os ensinamentos retóricos, já que o discurso verbal é inevitavelmente orientado para discursos anteriores, tanto do próprio autor quanto de outros, como parte da ininterrupta cadeia de comunicação discursiva ao longo da história. Como visto, é um estudo realizado a partir do ponto de vista discursivo, e não filosófico (o que também poderia ser feito).

Destacamos que, a nosso ver, essa abordagem permite a compreensão dos estudos dialógicos em continuidade com os estudos retóricos, incorporando-os32 32 Alguns exemplos: Pistori (2018, 2016, 2015, 2013). . E permite, ainda, a compreensão do modo como o aporte teórico, levantado na obra do Círculo, tem a possibilidade de contribuir aos estudos da argumentação. Mais ainda, acreditamos que há, no pensamento bakhtiniano, apresentado como uma teoria dialógica do discurso, potencialidades evidentes para o ensino da argumentação, especialmente no sentido da proposição de visões e compreensões mais abertas (inacabadas) da realidade, não meramente dicotômicas (criticadas em Bakhtin como a bivocalidade pouco profunda dos gêneros retóricos). E isso é especialmente importante, tanto porque sabemos que tem sido constante a inserção do pensamento bakhtiniano nos estudos da educação, como porque frequentemente há uma tendência social à polarização de posicionamentos.

Se, na contemporaneidade, os estudos retóricos e argumentativos têm sido menos ligados aos aspectos práticos e educativos da antiga disciplina, um enfoque bakhtiniano levanta possibilidades de reflexões para a ampla formação da cidadania ética e responsável, com tentativas da superação dos aspectos negativos indicados por Platão (e Bakhtin), com a incorporação de aspectos positivos lembrados por Aristóteles (e Bakhtin). Além disso, se, para Bakhtin, conforme apontamos, o conhecimento e o manejo da retórica estavam ligados a uma cultura oficial, quando vista a partir do pensamento bakhtiniano em seu todo, o ensino da argumentação pode (e deve) levarnos à apropriação da palavra: a produtividade de aliança desses aportes teóricos na compreensão de discursos, em qualquer de suas expressões, deve ir além de uma prática social que confine o poder do discurso, em sua produção, circulação ou recepção, a uma pequena parcela da sociedade.

Agradecimentos

Este trabalho foi elaborado, em grande parte, durante o período de pós-doutorado (2010-2015) no Programa de Pós-Graduação Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – PEPG-LAEL – PUC/SP. Sendo assim, primeiramente agradeço ao LAEL, pelo acolhimento que permitiu a continuidade de meus estudos e, especialmente, à minha supervisora de Pós-Doutorado, Beth Brait; agradeço ainda à FAPESP e ao CNPq, cujo auxílio ampliou as possibilidades de pesquisa; aos colegas com quem debati meus trabalhos durante esses últimos anos, não só os do LAEL, mas também aqueles dos grupos de pesquisa: GP/CNPq Linguagem, Identidade e Memória e GERAR/USP, Grupo de Estudos de Retórica e Argumentação; e, finalmente, ao Prof. José Luiz Fiorin, que gentilmente leu e debateu comigo o trabalho.

  • 1
    No Brasil, a eliminação da retórica e poética como matérias de ensino ocorre na última década do séc. XIX, mas “resíduos e sobrevivências” são claramente discerníveis no século XX, conforme aponta o minucioso estudo de Acízelo de Souza (1999)ACÍZELO SOUZA, R. O império da eloquência: retórica e poética no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: EdUERJ: EdUFF, 1999.. Na França, Philippe Breton (1999, p.133) acusa seu desaparecimento como disciplina de ensino nos liceus em 1902.
  • 2
    Há importantes traduções recentes da obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo. De modo geral, aqui optamos pelas citações das traduções diretamente do russo, a partir das traduções recentes. Algumas vezes, no entanto, especialmente nas referências de O discurso no romance (BAKHTIN, 1993b, 2015), utilizamos a tradução mais antiga, também realizada a partir do russo.
  • 3
    Em 1929, data de publicação de Marxismo e filosofia da linguagem, Valentin Volóchinov (1895-1936), do assim chamado Círculo de Bakhtin, já rejeitava o positivismo, ao criticar a “[…] compreensão positivista do empírico: o culto do ‘fato’ que não é compreendido do ponto de vista dialético, mas como algo inabalável e firme.” (VOLÓCHINOV, 2017, p.84; cf. ainda a nota de rodapé 3). Cf. ainda: “Nos domínios da poética, da história da literatura (da história em geral, das ideologias), e também num grau significativo na filosofia da palavra, nenhum outro enfoque é possível. Nestes domínios, o mais árido, o mais plano positivismo não pode tratar a palavra de um modo neutro como uma coisa e aqui eu devo não apenas me referir à palavra, mas também falar com ela, a fim de penetrar no seu sentido ideológico, acessível apenas a uma cognição dialógica - que inclui tanto sua valorização como sua resposta.” (BAKHTIN, 1993b, p.151).
  • 4
    Perelman, no ensaio Lógica jurídica e nova retórica afirma: “A concepção positivista tinha como consequência inevitável restringir o papel da lógica, dos métodos científicos e da razão a problemas de conhecimento puramente teóricos, negando a possibilidade de um uso prático da razão. Opunha-se, por isso, à tradição aristotélica, que admitia uma razão prática, que se aplica a todos os domínios da ação, desde a ética até a política, e justifica a filosofia como a busca da sabedoria.” (PERELMAN, 1998PERELMAN, C. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p.136). Ou ainda ao opor Lógica ou retórica (PERELMAN, 1997PERELMAN, C. Lógica e retórica. In: PERELMAN, C. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.57-91., p.89): “Hoje que perdemos as ilusões do racionalismo e do positivismo, e que nos damos conta da existência das noções confusas e da importância dos juízos de valor, a retórica deve voltar a ser um estudo vivo, uma técnica da argumentação nas relações humanas e uma lógica dos juízos de valor.”
  • 5
    Bakhtin se define como filósofo e pensador a Duvakin (não filólogo) (BAKHTIN; DUVAKIN, 2008, p.45).
  • 6
    Considera-se “obra bakhtiniana” o conjunto de textos produzidos por Mikhail Bakhtin e um grupo de estudiosos de diferentes áreas, dentre os quais se destacam, no âmbito dos estudos da linguagem, Valentin N. Volóchinov e Pavel Medviédev (Cf. BRAIT, 2008, entre outros).
  • 7
    Sobre a importância do heterodiscurso (na tradução anterior, de Fornoni Bernardini et al, plurilinguismo), diz ele: “É necessário que o heterodiscurso sacuda a consciência cultural e sua linguagem, penetre em seus núcleos, relativize e livre da ingênua indiscutibilidade o sistema basilar de linguagem da ideologia e da literatura.” (BAKHTIN, 2015, p.169).
  • 8
    A questão do monologismo do discurso retórico continua sendo bastante polêmica, ou seja, depende de como compreendemos dialogismo/monologismo e, ainda, de como compreendemos aquilo que vai se denominar o “discurso retórico”, questão para a qual também não existe consenso, lembra-nos Bialostosky (2004BIALOSTOSKY, D. Aristotle's Rhetoric and Bakhtin's Discourse Theory. In: JOST, W.; OLMSTED, W. (ed). A companion to rhetoric and rhetorical criticism. Malden: Oxford; Carlton: Blackwell Publishing, 2004. p.383-408., p.393): “O fato de Bakhtin ter colocado o discurso retórico do lado do monologismo em sua distinção fundamental entre discursos monológicos e dialógicos provocou Halasek (1998) a demonstrar como a retórica é mais dialógica do que Bakhtin admite; Walzer (1997) e Murphy (2001) a reafirmar seu monologismo essencial, e Dentith (1997) a negar a distinção entre discurso dialógico e monológico”. [His placement of rhetoric on the monologic side of his fundamental distinction between dialogic and monologic discourse has provoked Halasek (1998) to show that rhetoric is more dialogic than Bakhtin allows, Walzer (1997) and Murphy (2001) to reaffirm its essential monologism, and Dentith (1997) to deny the distinction between dialogic and monologic discourse altogether].
  • 9
    Sobre as diferenças entre monólogo e diálogo, vale consultar o ensaio Diálogo I. A questão do discurso dialógico, escrito por Bakhtin em 1950, e recentemente traduzido para o português por Paulo Bezerra (BAKHTING, 2016b, p.113-124).
  • 10
    Parte deste item foi publicada anteriormente no periódico argentino Rétor (PISTORI, 2013PISTORI, M. H. C. Mikhail Bakhtin e Retórica: um diálogo possível e produtivo. Rétor, Buenos Aires, p.60-85, 2013. Disponível em: http://www.revistaretor.org/pdf/retor0301_pistori.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
    http://www.revistaretor.org/pdf/retor030...
    , p.60-85). No entanto, como o objetivo deste artigo é recuperar tanto a tradição aristotélica quanto a platônica no diálogo da retórica com a obra bakhtiniana, optamos por manter, neste item, parte essencial daquele texto.
  • 11
    Em sua Retórica, o Estagirita reuniu e organizou em uma totalidade coerente as descobertas de seus antecessores, procurando reparar os danos a ela causados pela posição de Platão. Os conhecimentos necessários – a Analítica; dos prováveis – da Dialética; e da opinião – a Retórica, dando à última um estatuto próprio: ela assume características de uma arte/techne, no sentido que a Antiguidade dá ao termo, sem prejudicar a filosofia e distinguindo-se dela. Fica claro, então, que o objetivo da retórica não é encontrar a verdade, necessária ou provável, mas persuadir um determinado público a partir da verossimilhança. Ela passa a comportar, a partir daí, um estudo lógico e não mais empírico da argumentação, uma psicologia das paixões e dos caracteres, e uma estilística, tudo visto sob uma perspectiva filosófica. Desprega-se a episteme, objeto da filosofia, da doxa, objeto da retórica. E Aristóteles delas separa ainda a dialética, tratada nos Tópicos, que também é da competência de todos os homens, mas baseia-se no provável, nas opiniões “geralmente aceitas”, que “todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes.” (100 b 20). Cf. Crítica de Platão, em Pistori (2001PISTORI, M. Argumentação jurídica: da antiga retórica a nossos dias. São Paulo: LTR, 2001., p.43-47).
  • 12
    “Vulgar” no sentido de que “o juiz [é] uma pessoa simples” e a “arte” é tão comum que a “maioria das pessoas fazemno [o discurso retórico] um pouco ao acaso, sem discernimento” (Retórica, 1354a).
  • 13
    Cf. Bialostosky (2004BIALOSTOSKY, D. Aristotle's Rhetoric and Bakhtin's Discourse Theory. In: JOST, W.; OLMSTED, W. (ed). A companion to rhetoric and rhetorical criticism. Malden: Oxford; Carlton: Blackwell Publishing, 2004. p.383-408., p.383-408). Na realidade, o autor ainda mostra interessantes conexões entre a Poética e a análise que Bakhtin realiza da obra de Dostoiévski, a partir das próprias relações que Aristóteles produz entre a retórica e a poética. A esse respeito, ver Bialostosky (2016)BIALOSTOSKY, D. Mikhail Bakhtin: Rhetoric, Poetics, Dialogics, Rhetoricality. Anderson: Parlor Press, 2016..
  • 14
    Ver Brait e Pistori (2012)BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C. A produtividade do conceito de gênero em Bakhtin e o Círculo. Alfa, São Paulo, v.56, n.2, p.371-401, 2012..
  • 15
    Sobre esse aspecto ver Pistori (2013)PISTORI, M. H. C. Mikhail Bakhtin e Retórica: um diálogo possível e produtivo. Rétor, Buenos Aires, p.60-85, 2013. Disponível em: http://www.revistaretor.org/pdf/retor0301_pistori.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
    http://www.revistaretor.org/pdf/retor030...
    e Brandist (2012)BRANDIST, C. Rhetoric, agitation and propaganda: reflections on the discourse of democracy (with some lessons from Early Soviet Russia) (Brandist). In: RADUNOVIĆ, D.; BAHUN, S(ed.). Language, ideology, and the human: new interventions DusanRadunovi? Sanja Bahun: Routledge, 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/288748315_Rhetoric_agitation_and_propaganda_Reflections_on_the_discourse_of_democracy_with_some_lessons_from_early_Soviet_Russia. Acesso em: 10 set. 2019.
    https://www.researchgate.net/publication...
    .
  • 16
    Esse título, a nosso ver, ofusca uma parte importante de seu conteúdo, justamente a parte que se refere à retórica.
  • 17
    BAKHTIN, Mikhail. [Ritorika, meru svoei Izhivosti…] In Sobranie sochinenii, tom 5: Raboty 1940-kh – nachala 196——kh godov [Obras Completas em Sete Volumes, vol.5. Trabalhos da década de 1940 ao começo de década de 1960], ed. S. G. Bocharov; L. A. Gogotishvili, Moscow, 1996]. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943].).
  • 18
    Na tradução espanhola: La retórica, en la medida de su falsedad [lzhivost'], tiende a producir justamente el miedo o la esperanza. Lo cual es parte de la esencia de la palabra retórica (ya la retórica antigua subrayaba los afectos semejantes). El arte (verdadero) y el conocimiento buscan, por el contrario, una liberación de tales sentimientos. Aunque por caminos distintos, la tragedia ya la risa realizan esta liberación.
    La fusion de la alabanza y la injuria como suprema objetividad artística (la voz de la totalidad) (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.138).
  • 19
    Na tradução espanhola: El elemento de la mentira, diretamente proporcional a la violencia. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.141).
  • 20
    Na tradução espanhola: La palavra quiere influir desde fuera, determinar desde fuera. En la própria tarea de convencimento está incluído un elemento de la presión exterior (…) La palavra no sabe a quién sirve, llega de la oscuridad y desconhoce sus raíces. Su seriedade está vinculada cone l miedo y la violência. El hombre autenticamente bueno, desinteressado y amoroso todavia no há tomado la palabra, no se ha realizado en las esferas de la vida cotidiana, no há tocado la palabra organizada, infectada por la violência y a la mentira, este hombre no se hace escritor. (…) La palabra solía ser más fuerte que el home, él no podia ser responsable, al encontrarse en el poder de la palabra; se sentia el vocero de la verdade ajena, en cuyo poder supremo se encontraba (…). El processo creativo es sempre el processo de violencia que la verdade comete sobre el ama. La verdade nunca ha sido, has ahora, consanguínea del hombre, nunca le há llegado desde su interior, sempre desde el exterior. Siempre ha sido una posesa. Siendo revelación, la verdade nunca ha sido sincera; sempre callaba algo, se rodeaba de mistério y, por lo tanto, de violência. Triunfando sobre el hombre, la verdade era violência, el hombre no era su hijo. No se sabe quién tiene la culpa de eso, la verdade o el hombre. El hombre se encuentra con la verdade acerca de si mismo como con una fuerza mortecina. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.142-143).
  • 21
    Na tradução espanhola: un todo concluído no puede ser visto desde el interior, sino tan sólo desde el exterior. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.145).
  • 22
    Na tradução espanhola: La mentira retórica. La mentira em uma imagen artística. La mentira en las formas de la seriedade (su fusión com el miedo, la amenaza y la violência). Todavia no existe una forma de fuerza (poderio, poder) sin un ingrediente necesario de la mentira. (BAJTIN, 1997BAJTIN, M. M. Acerca del amor y el conocimiento en la imagen artística. In: BAKHTIN, M. Hacia uma filosofia del acto ético: de los borradores y otros escritos. Comentários de Iris M. Zavala y Augusto Ponzio; Trad. del russo de T. Bubnova. Rubí. Barcelona: Anthropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. p.138-147. [1943]., p.146).
  • 23
    No original: Bakhtin does not write about language and culture sub specie aeternitatis but a language and culture which have decisively broken with traditional forms: a vernacular language, in which all have a right to speak, in which no speaker holds absolute authority, and where subjects should adhere to a moral code they elaborate together. … conceptions of language and discourse structure democratic principles form within, informing the very critical standards we use in assessing actually existing democracy. (HIRSCHKOP, 1999HIRSCHKOP, K. Mikhail Bakhtin: an aesthetic for democracy. Oxford: Oxford University Press, 1999., p.viii e p.45).
  • 24
    Edward Schiappa (1990)SCHIAPPA, E. Did Plato coin Rhetorike?. The American Journal of Philology, Baltimore, v.111, n.4, p. 457-470, Winter 1990. propõe que o próprio termo “retórica” foi cunhado por Platão durante a composição do Górgias, por volta de 385 aC. Justifica sua posição afirmando que a arte retórica não foi conceituada como tal até o séc. IV aC. Lembra ainda que o termo não foi utilizado por Protágoras, Górgias, cujos trabalhos tinha como foco o logos, nem por Heródoto, que era muito conhecedor do trabalho dos sofistas.
  • 25
    Ver Bréhier (2004BRÉHIER, E. Histoire de la philosophie. Paris: Quadrige: Presses Universitaires de Frances, 2004., p.99): Na Grécia de então, o filósofo não se definia absolutamente na relação com outros gêneros de especulações científicas ou religiosas, mas sim por sua relação e suas diferenças com o orador, o sofista, o politico. A filosofia é a descoberta de uma nova forma de vida intelectual que não pode afinal se separar da vida social. [Dans la Grèce d'alors, le philosophe ne se définit nullement par rappor aux autres genres de speculations, scientifiques ou religieuses, mais bien para son rapport et se differences avec l'orateur, le sophiste, le politique. La philosophie est la découverte d'une nouvelle forme de vie intellectuelle, qui ne peut au reste se séparer de la vie sociale.] Ver ainda Pagotto-Euzebio (2018PAGOTTO-EUZEBIO, M. S. Isócrates, professor de filosofia. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 44, p.1-13, 2018., p.5) [sobre o papel de Isócrates no ensino de retórica, que denominava filosofia: “O mais fácil, aparentemente óbvio, seria dizer que Isócrates era um professor de retórica. No entanto, não foi assim que ele denominou sua atividade. Sem nunca ter utilizado a palavra retórica (rhetoriké) em suas obras, o fato de Isócrates usar o termo philosophía para definir seu trabalho nos obriga, de algum modo, a reconsiderar o sentido dessas palavras no contexto educativo e cultural da Atenas do século IV a.C.”
  • 26
    Segundo Barilli (1985)BARILLI, R. Retórica. Trad. Graça Marinho Dias. Lisboa: Editorial Presença, 1985., o objetivo de Platão é precisamente tirar à maioria o direito de arbitrar, de escolher, de decidir; seu posicionamento é antidemocrático, investe contra o senso comum. Para ele, o papel do filósofo é prioritário, e o único digno do sábio, pois a doxa não pode ser ciência nem técnica, na medida em que é propensa a enganos; ela está a serviço da maioria e suas seduções levam à degenerescência.
  • 27
    De modo geral, os diálogos de Platão são classificados em três ou quatro períodos, por ordem de juventude, maturidade e velhice. Do primeiro período, os diálogos da juventude, são: Hípias Menor, Laques, Cármides, Lísias, Entipron, Íon, Hípias maior, Protágoras, Apologia, Críton e o primeiro livro da República, Górgias, Mênon, Eutidemo, Crátilo, Menexeno. Do segundo período, os diálogos da maturidade: Fédon, Banquete, Fedro, A República, Teeteto, O sofista (às vezes, considerado da velhice); da velhice: Crítias, Leis, Filebo, Politico, Timeu (cf. CHAUÍ, 2002CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia. 1 - Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.).
  • 28
    Na coletânea denominada Questões de Literatura e estética. A teoria do romance, encontramos vários deles: Especialmente em Formas do Tempo e do Cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica). Mas também em Da pré-história do discurso romanesco; Epos e romance; em O discurso no romance (Duas linhas estilísticas do romance europeu); em Reformulação do livro sobre Dostoiévski (2006d; Adendo 2, 2008). É preciso lembrar que o tradutor Paulo Bezerra, com a Editora 34, tem dado nova organização aos artigos e ensaios bakhtinianos. Assim, a Teoria do romance I. A estilística constitui-se atualmente a versão mais recente da tradução diretamente do russo do ensaio O discurso no romance.
  • 29
    No original: Les dialogues socratiques sont, en effet, pour le moins autant un examen des personnes qu'un examen de leurs opinions: l'interêt porte même plutôt sur le premier que sur le second (BRÉHIER (2004BRÉHIER, E. Histoire de la philosophie. Paris: Quadrige: Presses Universitaires de Frances, 2004., p.96).
  • 30
    No original: “Bakhtin's Socrates is not a rhetor but a respondent, not an answerer but a questioner.” (ZAPPEN, 2004ZAPPEN, J. P. The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition. Albany: State University of New York Press, 2004., p.37).
  • 31
    No original: “Bakhtin, however, invites an alternative reading of the Socratic dialogue as a free and creative interplay of the ideas — as an interplay of ideas within the texts, between the texts in their contextual relationships to each other, an within the texts as situated in their extratextual historical context. Thus situated, the Socratic dialogues resonate with the voices of other people — of Homer and Simonides, Pericles and (perhaps Plato) Thucydides.” (ZAPPEN, 2004ZAPPEN, J. P. The rebirth of dialogue. Bakhtin, Socrates and the rhetorical tradition. Albany: State University of New York Press, 2004., p.67).
  • 32
    Alguns exemplos: Pistori (2018PISTORI, M. H. Ethos e pathos no discurso do Ministro-Relator do Supremo Tribunal Federal. Bakhtiniana, São Paulo, v.13, n.1, p.71-93, jan./abr. 2018., 2016PISTORI, M. H. Relações dialógicas e persuasão. Linha D'Água, São Paulo, v.29, n.2, p.173-193, dez. 2016., 2015PISTORI, M. H. Discurso jurídico e imagens. Filologia e Linguística Portuguesa, São Paulo, v.17, n.2, p.597-618, jul./dez. 2015., 2013PISTORI, M. H. C. Mikhail Bakhtin e Retórica: um diálogo possível e produtivo. Rétor, Buenos Aires, p.60-85, 2013. Disponível em: http://www.revistaretor.org/pdf/retor0301_pistori.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
    http://www.revistaretor.org/pdf/retor030...
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2018
  • Aceito
    24 Jan 2019
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